A EMOÇÃO E A PAIXÃO COMO CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA DO CRIME DE HOMICÍDIO

Por Carolina Cidrão Vieira Passos | 02/07/2013 | Direito

 

1. A EMOÇÃO E A PAIXÃO COMO CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA DO CRIME DE HOMICÍDIO

 

 

 

1.1.            Crime de Homicídio

 

Estudos acerca do tema homicídios apontam que este é um assunto que desperta muito interesse diante da classe acadêmica, exatamente por existir curiosidades dos fatos paralelos que permeiam o homicídio em si, assim sendo: motivo e razões do crime, sentimentos envolvidos do agente cometedor do delito, meios utilizados, dentre outros. Dentre inúmeros homicídios que se têm registros históricos, o primeiro com relatos do homem, é encontrado em um texto da bíblia, no livro de Gênesis, capítulo 4, que foi o crime praticado por Caim contra seu irmão Abel, já praticado por motivo fútil, que conste Caim era um pastor de ovelhas e Abel um lavrador da terra.

 

“E atentou o SENHOR para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. E o SENHOR disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E falou Caim com o seu irmão Abel e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou.”

 

Salienta-se, dessa forma, que o homicídio trata-se de uma morte injusta,capaz de suscitarsentimentos dignos de reflexão e indignação, por se tratar de um crime onde o bem da vida é retirado por outrem da mesma espécie de forma direta ou indireta. 

 

Ainda acerca da historicidade do homicídio, a doutrina afirma que não são raros os relatos arqueológicos de corpos encontrados da era pré-histórica, onde se percebia resquícios da demasiada violência aplicada nas ossadas encontradas e levadas a estudos. Conforme Ivair Itagiba:

 

“o homem primitivo não possuía a mínima noção de respeito à vida do seu semelhante”, E continua o nobre autor, “o homicídio é da época pré-histórica. Matar era natural. Assassinava-se com a sem-cerimônia do camponês que mata um réptil venenoso. Na luta para adquirir o alimento o selvagem era crudelíssimo; cometia todas as violências com perversidade artística. (1945)

 

O que se verifica é que o homicídio a época pré-histórica não se trata de um fato aceitável, inclusive quando analisado nos dias atuais. Contudo, é justificado devido uma série de elementos, dentre eles, talvez o principal os valores morais que perpetuavam a organização social a época.

 

Hominiscaedesabhomineinjustepatrata, trata-se da clássica definição de Carmignanique uma vez traduzida define perfeitamente o crime de homicídio como sendo a destruição da vida humana alheia. Damásio de Jesus conceitua o homicídio como a destruição da vida de um homem praticada por outro. Conceitos esses de doutrinadores que se encontra positivado em nosso ordenamento jurídico sob o texto do Art. 121 do Código Penal (1940) que homicídio é a morte de um homem praticada por outro homem. Assim sendo, para que ocorra a tipificação no crime de homicídio é necessária a consumação da morte, tendo esta que ser dada por outro homem, caso não tenham reunido todos esses elementos, ocorre a atipicidade do fato.A ação nuclear do tipo é “matar”, que significa destruir ou eliminar, no crime em questão, a vida humana.Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo. (JESUS, 2009).

 

Segundo Capez (2012),o crime dehomicídio é conceituado comoa eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. O homicídio é o crime por excelência. Impalomenni apud Capez, 2012 afirma que todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o bem da vida.

 

O crime se processa mediante ação pública incondicionada. A pena para quem comete o ato delituoso de homicídio varia de 6 a 20 anos de reclusão e o Tribunal do Júri é o órgão competente para julgá-lo, por se tratar de um bem contra a vida.

 

Conforme Bitencourt (2012) a legislação brasileiraoptou pela simplificação e concisão do crime de homicídio,classificando-o em: simples (art. 121, caput), privilegiado (art. 121, §1º), qualificado (art. 121, §2º), culposo (art. 121, §3º) e, finalmente, culposo qualificado (art. 121, §4º).

 

Homicídio simples:

 

Art. 121. Matar alguém:

 

Pena- reclusão, de seis a vinte anos.

 

Homicídio privilegiado: (caso de diminuição de pena)

 

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

 

O homicídio privilegiado visa atenuar a pena com redução de 1/6 a 1/3 da pena.  A diminuição da pena como um privilégio no cometimento do crime de homicídio poderá ser possível de acordo com 3 hipóteses, sendo elas: quando o homicídio for praticado por relevante valor social, atendendo a interesses da sociedade; quando o homicídio for praticado por relevante valar moral, sendo este embasado por interesse particulares do agente que comete o delito; E por fim, quando o homicídio for praticado sob o domínio de violente emoção, logo em seguida de injusta provocação da vítima.

 

No entanto, existem divergências doutrinárias no que diz respeito à faculdade do juiz em reduzir ou não a pena. Há uma corrente que acredita que por ser um direito do réu, é obrigação do magistrado em reduzir, no que concorda Damásio de Jesus (2009) que afirma que a expressão "pode" no artigo 492 parágrafo 1º do CPP deve ser interpretada como "deve". Ainda, há outra corrente que diz ser facultativo ao juiz reduzir ou não a pena base, afirmando que se o legislador tivesse o interesse de tornar obrigatório, disporia de forma diversa.

 

Bitencourt (2006) escreve:

 

O Supremo Tribunal sumulou cominando nulidade absoluta a nãoformulação de quesito de defesa relativamente ao homicídio privilegiado, antes das circunstâncias agravantes (Súmula 162). Não se pode esquecer, ademais, que se trata de um quesito de defesa. Logo, não teria sentido atribuir extraordinária importância à necessidade da formulação de tal quesito, a ponto de inquinar de nulidade absoluta a sua omissão, e, num segundo momento, deixar a exclusivo arbítrio do juiz a redução ou não da sanção penal reconhecida pelo corpo de jurados. (2006)

 

 

 

Homicídio qualificado (caso de aumento da pena):

 

§ 2° Se o homicídio é cometido:

 

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

 

II - por motivo fútil;

 

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

 

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossívelà defesa do ofendido;

 

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.

 

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

 

            Os crimes relacionados nesta espécie de homicídio são elencados como aqueles de maior gravidade e,consequentemente, tem sua pena aumentada, sendo considerado crime hediondo na sua forma tentada ou consumada de acordo com a lei 8.930/94. Terão suas penas acrescidas devido às várias circunstâncias que diz respeito à conduta do agente que agravam o delito.

 

 

 

1.2.            Circunstância Qualificadora de Motivo Torpe

 

 

 

Segundo o Dicionário Aurélio (1975), torpe é “desonesto, impudico; infame, vil, ignóbil; repugnante, nojento, asqueroso, ascoso; obsceno, indecente; manchado, enodoado, maculado”. Pelo que se percebe segundo Aurélio, o termo torpe é alardeado por significados que quando interpretado por seus sinônimos são vistos como algo negativo e incapaz de acrescentar positivamente em alguma situação ou fato.

 

Julio Fabbrini Mirabete (2003) conceitua motivo torpe como algo abjeto, repugnante, ignóbil, desprezível, vil, profundamente imoral, que se acha mais baixo na escala dos desvalores éticos e denota maior depravação espiritual do agente.

 

Segundo Bitencourt (2012, p. 83) “o motivo não pode ser torpe e fútil. A torpeza afasta naturalmente a futilidade”. O motivo torpe trata-se de ações pautadas em vingança e ódio, enquanto o motivo fútil é algo sem relevância. Pautado nestes motivos, o Código penal abrange qualificadoras à pena no caso de crime passional quando o crime é cometido por motivo fútil ou torpe.

 

Em suas exposições críticas e analíticas que embasam os homicídios cometidos por motivos torpes, os doutrinadores fazem referência aqueles praticados pela ambição cobiça e avidez, como por exemplo: um marido que mata a esposa para ter satisfeitos e realizados os seus desejos sexuais. 

 

JulioFabbrini Mirabete (2003),em seu livro, “Manual de Direito Penal”, apresenta casos reais em que o homicídio foi qualificado por motivo torpe, um dos casos apresentados pelo mesmo é o de um namorado que matou a namorada ao ter conhecimento de que ela não era mais virgem (RJTJESP 14/474). Através desse caso percebe-se claramente a sensação de posse deste sobre a respectiva namorada, tendo a necessidade de dominação, presente no momento que dispõe da vida da mesma, matando-a por motivo ignóbil, repugnante e nojento, apenas para satisfazer sua sensação de ódio. Verifica-se neste caso real a desproporção entre a causa e o resultado.

 

Nesse sentido, surge a classificação do homicídio passional, sendo este crime praticado sob a exaltação consequente de um amor desproporcional e desmedido, cometido por motivo vil e baixo. Os crimes arrolados como passionais são muitas vezes explicado por estar o agente tomado por um sentimento mesquinho, tais como o ciúme e a rejeição.Essa modalidade criminal alcançou um patamar categoricamente inadmissível, haja vista que cerca de 10 mulheres são diariamente assassinadas, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Sangari, em reportagem do Jornal Nacional.

 

Diante da prática de meios cruéis e dos motivos ignóbeis utilizados no cometimento do homicídio passional, este é qualificado e a partir de 1994, passa a ser considerado hediondo. Destaca-se que a Lei dos Crimes Hediondos – Lei n.8.072/90 - em 1994 foi alterada em decorrência do movimento encabeçado pela autora Glória Perez, que teve sua filha brutalmente assassinada, vítima de crime passional.

 

Cumpre salientar que privilegiar o homicídio passional e respaldá-lo com a violenta emoção é tratar com benevolência um crime da mais alta barbárie contra a vida humana, pois de modo geral, o criminoso age de forma premeditada, por não conseguir controlar suas emoções mesmo diante de injusta provocação da vítima. Ao agir contra a vida de alguém, retirando-a, o agente tem plena consciência do ato ilícito cometido, estando certo da punição que este o acarretará.

 

Durante décadas a sociedade e alguns doutrinadores tratavam com tolerância os homens que cometiam crimes passionais, considerando-se legítima a violência contra a mulher praticada sob essa égide. Raros eram os crimes levados a júri, exatamente por ser desnecessário o julgamento de ato que a tempo já era explicado pelos valores culturais e morais da época. Conseguintemente, os raros crimes que, ainda, iam a julgamento eram privilegiados e tinham, no pior dos resultados, suas penas diminuídas.

 

Daí a nomeação“lavar a honra com sangue” ou“homicídio passional”praticado sob o domínio de violenta emoção,logo em seguida a uma injusta provocação da vítima, privilegiando o agente que cometeu o delito. E, assim se seguiu até o surgimento de novos paradigmaspautados pelas mudanças dos valores culturais e do contexto social, onde houve mudanças na promoção de um referencial mais igualitário entre homens e mulheres.

 

Diante da modalidade criminal ora aprofundada, existem divergências quanto ao enquadramento da pena a ser utilizada, enquanto o doutrinador Enrico Ferri posiciona-se em seus escritos de maneira favorável a mitigação da pena para o agente que comete o crime de homicídio passional ou aplicava ao delito a atenuante de ter praticado o crime tomado por uma perturbação emocional, enquadrando sua conduta na violenta emoção.

 

Entretanto Luiza Nagib Eluf (2002) é exemplo de doutrinador que combate, veemente, o posicionamento que concede a benevolência para os agentes cometedores dos delitos passionais, por entender que esses criminosos agem por motivos ignóbeis e desprezíveis, por serem pessoas calculistas e egoístas descomedidamente. Que justificam matar pela defesa de sua honra. Logo doutrinadores que seguem esse posicionamento, defendem que para a conduta do homicida passional não deve existir nenhum tipo de privilégio, tendo este delito que ser qualificado para que seja aplicada a penalidade mais severa.

 

            Após, muita violência impune, hoje há jurisprudênciada digladiação entre o privilegio da violenta emoção e a qualificadora de motivo torpe nos tribunais brasileiros.

 



“Em tema de homicídio, a atenuante do relevante valor social ou                          moral é circunstância subjetiva compatível com a qualificadora da surpresa”. (Ementa do Acórdão TJ/PR. Ap. 270/89).

 

        
“A decisão do Conselho de Sentença, consentânea com a confissão do réu reconhecendo o homicídio privilegiado e rejeitando a tese da legítima defesa, ajusta-se a o entendimento no sentido de que o conceito de honra, por ser eminentemente pessoal, não se coaduna com ato de infidelidade da companheira, nem confere ao varão o direito de ceifar-lhe a vida, ainda que a eclosão de violência, decorrente do descontrole emocional, possa minorar a reprovabilidade da conduta”.(TJPR – AC – Rel. Freitas Oliveira – RT 709/361).

 


Em uma sessão do Superior Tribunal de Justiça, tomou a seguinte decisão relacionada ao tema:

 

 

 

CABIMENTO, PRISÃO PREVENTIVA, ACUSADO, CRIME PASSIONAL, IRRELEVANCIA, REU PRIMARIO, BONS ANTECEDENTES, RESIDENCIA FIXA, APRESENTAÇÃO ESPONTANEA, POSTERIORIDADE, FASE, FLAGRANTE, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, VITIMA, NÃO CARACTERIZAÇÃO, CONSTRANGIMENTO ILEGAL, OBJETIVO, GARANTIA DA ORDEM PUBLICA. "HABEAS CORPUS". PRISÃO PREVENTIVA. CRIME PASSIONAL. ORDEM PÚBLICA. 1. Apesar da primariedade, dos bons antecedentes e da espontânea apresentação após ultrapassada a fase do flagrante, em se tratando de delito passional, justifica-se a prisão preventiva, sob o ângulo da garantia da ordem pública, porquanto, segundo entendimento doutrinário prevalente, nestas condições, o estado de espírito que impulsiona o agente se estereotipa na forma duradoura da emoção, perturbando-lhe a consciência e a vontade e determinando-a a atos que fora daí não praticaria."Assim, a restrição de liberdade impede a prática de novos crimes, assegurando a integridade física da vítima. 2. Ordem denegada.

 

(STJ000246185. Relator: FERNANDO GONÇALVES.)

 

 

 

Sobre essa égide Bitencourt afirma que

 

“Dentre os bens jurídicos de que o indivíduo é titular e para cuja proteção à ordem jurídica vai ao extremo de utilizar a própria repressão penal, a vida destaca-se como o mais valioso” a sua extraordinária importância é basilar “a ponto de impedir que o próprio Estado possa suprimi-la.” (2010)

 

Fundamentando esse entendimento dispõe a Constituição Federalque não haverá pena de morte no Brasil. A Carta Magna em seu texto vai mais além, ao afirmar de forma categórica que a vida é um bem jurídico indisponível, de tal forma que nem o indivíduo pode dispor livremente da sua própria vida. Por essa condição a vida é objeto de proteção contínua contra os abusos do Estado e dos governantes, bem como dos indivíduos entre si.

 

Destarte o crime de homicídio às mulheres vai de encontro a toda essa disposição, uma vez que os casos de atentado a vida das mulheres a cada dia aumenta e torna-se motivo de clamor social a indignação diante desses crimes. Como forma de conceituar os crimes contra a vida das mulheres surgiu o termo uroxídio ou femicidio, que trata de um crime de gênero contra a vida das mulheres. Estes crimes desafiam o Estado de Direito Brasileiro.

 

Enfrentando essa questão, verificamos no Mapa da Violência. 2012, as circunstâncias dos uroxídios.

 

Nota-se que em 49,2% dos casos foi utilizado como meio: arma de fogo, conforme ilustra a tabela 1.

 

Tabela 1. Meios utilizados nos homicídios masculinos e femininos (em%) no Brasil no ano de 2010.

 

Meio

Masc. %

Fem. %

Arma de fogo

72,4

49,2

Objeto cortante ou penetrante

15,1

25,8

Objeto contundente

5,3

8,5

Estrangulamento/sufocação

1,0

5,7

Outros meios

6,0

10,8

Total

100,0

100,0

 

Fonte: SIM/SVS/MS

 

Ora, portar uma arma de fogo legalmente não é fácil. Demanda tempo, e condições objetivas e subjetivas distantes para o cidadão comum.

 

É oportuno pontuar o Art. 6º da Lei 10.826/03 dispõe que o porte de arma de fogo é proibidoem todo o território nacional, salvo em casos excepcionais. Apenas excepcionalmentea Polícia Federal poderá conceder porte de arma de fogo desde que o requerente demonstre a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física.

 

O Porte de Arma de Fogo é um documento, com validade de até cinco anos, que autoriza o cidadão a portar, transportar e trazer consigo uma arma de fogo, de forma discreta, fora das dependências de sua residência ou local de trabalho.

 

Atentos a esta última assertiva“fora das dependências de sua residência”é necessário atentar-se para saber outra informação relevantequanto as circunstância do homicídio, ou seja, o local do incidente que originou as lesões que levaram à morte da vítima.

 

O Mapa informa que entre os homens, só 14,3% dos incidentes aconteceram na residência ou habitação. Já entre as mulheres, essa proporção eleva-se para 41%.

 

Salienta-se que o meio utilizado requer preparação e formalização, e tal restringe expressamente o seu porte na residência, palco da maioria dos homicídios cometidos.

 

Portanto, o meio utilizado e o local onde o crime foi praticado, quando combinados desacreditamo automatismo da presunção do domínio de forte emoção e fortalecem a qualificadora de motivo torpe.

 

1.3.            A Emoção e a Paixão como Motivo Torpe

 

Desde logo, cumpre esclarecer na terminologia técnico-jurídica, de modo inconcusso, os vocábulos utilizados no título do presente trabalho. A fim de evitar contrariedades e mal-entendidos decorrentes da sua aplicação, assume-se as definições do dicionarista De Plácido e Silva (1987):

 

“Emoção é um estado passional indicativo da excitação mental, com alteração das paixões ou das sensibilidades, determinada por uma impressão exterior, agradável ou desagradável, boa ou má. É consequente da impressão produzida no ânimo, pela percepção de representações ou figuras de sensações, que chegam a formar ideias, que, despertadas tumultuariamente, acarretam perturbações físicas, alteradoras da consciência”.

 

 

 

“Paixão é qualquer fato que produza na pessoa emoção intensa e prolongada. Assim, tanto pode vir do amor como do ódio, da ira, da própria mágoa. Refere-se a toda emoção, capaz, pela sua intensidade e persistência, de produzir alterações na reflexão da pessoa, tornando-a exaltada e a levando à violência. Caracteriza-se, pois, pela prolongação e pela violência, enquanto a simples emoção, embora intensa seja breve”.

 

           

 

            Com base no acima exposto, infere-se que tanto a paixão quanto a emoção são estados emocionais que embora passageiros e transitórios, com durações diferentes, são capazes de causar reações intensas que podem se sobrepor ao estado da razão e da lucidez. Entretanto, o direito Penal Brasileiro, não considera a paixão e a emoção como excludentes da responsabilidade penal, como por exemplo, no cometimento ao crime de homicídio. De acordo com o que versa na Doutrina, o homicídio passional é caracterizado por ser aquele motivado pelos sentimentos de forte Paixão e Emoção, ambos que quando intensos por desorganizar o estado de lucidez capacidades humana, levando este a ceifar a vida de outro ser humano, seu semelhante.

 

Grecco (2006) assevera em sua obra que o homicídio, dentre todas as infrações penais, é aquela que desperta mais interesse em virtude de reunir uma mistura de sentimentos – ódio, rancor, inveja, paixão, etc. – tornando-o um crime especial e único.

 

Bitencourt (2006) relata que paixão é a emoção em estado crônico, perdurando como um sentimento profundo e monopolizante, tomado pelo sentimento de posse e egoísmo. Capaz de tomar o outro envolvido numa relação afetiva e sexual como um mero objeto de paixão, passível de obedecer aos desejos e vontades do agente. 

 

E, Hungria, comungando da opinião de Bitencourt, escreve:

 

“A paixão é a emoção que se protrai no tempo, surdamente, introvertidamente, criando um estado contínuo de perturbação afetiva em torno de uma idéia fixa, de um pensamento obsidente. A emoção dá e passa; a paixão permanece, incubando-se. Mas paixão é como o borralho que, a um sopro mais forte, pode chamejar de novo, voltando a ser fogo crepitante, retornando a ser estado emocional agudo”. (1981, apud PIERANGELI, 2005).

 

 

 

            Percebe-se que os sentimentos da paixão e da emoção quando demasiados causam no homem, uma espécie de segunda natureza, permitindo com que as razões e os valores morais percam o sentido da sua existência.Em outras palavras, fica claro que a pessoa acometida por uma violenta paixão ou emoção, pode ser incapaz de entender o caráter ilícito da ação ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

Desde que a humanidade começou a relatar a sua história, primeiro como tradição oral, depois como escrito, o homicídio abunda, como por exemplo: os feticídios (a morte do feto ou aborto), os infanticídios (morte de um recém-nascido por sua mãe durante o parto ou logo depois), os fratricídios/sororicídio (morte de irmão/irmã pelo próprio/a irmão/ã), matricídios (morte da mãe pelo próprio filho/a), parricídios (morte do pai pelo próprio filho/a), regicídios (morte de um rei por vassalo-súdito), suicídios (autodestruição) e uxoricídios (morte de um dos cônjuges provocada pelo outro).

 

A advogada criminalista Renata Bonavides, explica que:

 

“o crime passional é fruto de todo desajuste causado por uma paixão. Para ela, diferentemente do amor, a paixão é uma confusão do espírito, um sentimento passivo que desequilibra e faz sofrer mesmo quando é agradável."

 

Diante desse turbilhão de sentimentos, entende-se que o desejo de possessãofrente ao outro, assim como o egocentrismo e a ânsia pela dominação dentro de um relacionamento vem causando sérios desentendimentos em vários casais, sendo a mulher, na maioria das vezes a mais prejudicada.Entretanto, mesmo reconhecendo a possibilidade de mudanças no estado emocional de qualquer pessoa acometida por fortes emoções e arrebatadoras paixões, fica difícil a avaliação do grau de intensidade desses sentimentos para que seja possível analisar a culpabilidade. Contudo, enfatiza-se que o nosso ordenamento jurídico não admite a exclusão da imputabilidade penal quando o crime é cometido por forte paixão e emoção (art. 28, inciso I do Código Penal).

 

No mesmo sentido apresenta-se a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Violenta Emoção configura a emoção que se apresenta intensa, absorvente, com verdadeiro choque emocional, não a perturbação com reação fria.” (TJSP, RT 524/340).

 

Dessa forma, verifica-se mais uma justificativa para que o crime passional não receba a atenuante pela violenta emoção, uma vez que, na maioria dos casos, é cometido mediante premeditação e frieza.

 

Destarte, a opinião dos tribunais acerca do tema é a seguinte: “O homicídio privilegiado é incompatível com as qualificadoras subjetivas (motivo fútil, torpe, etc.).” (STF, RT 541/466; STJ, RT 789/560; TJPR, RT 764/646; TJRN, RT 780/681; TJSP, RT 777/585; TJAP, RT 763/617).

 

1.4.            Uroxídio ou Femicídio de Mulheres

 

Convém enfatizar que o femicídio é o crime mais grave cometido contra a mulher.

 

Segundo o dicionarista De Plácido e Silva (1987):

 

“crime é toda ação cometida com dolo (desígnio criminoso, intenção criminosa de fazer o mal), ou infração contrária aos costumes, à moral e a lei, que é legalmente punida, ou que é reprovada pela consciência”.

 

 

 

A violência de gênero que resulta em femicídio é enfatizada no enfoque para a morte violenta de mulheres, diferenciando, dessa forma, os termos femicídios. e homicídios, afastando do crime de femicídio a não-ocasionalidade e a não-eventualidade.

 

Nesse sentido, ALMEIDA confirma sob essa égide:

 

“A expressão femicídio íntimo foi introduzida em 1976, no Tribunal

 

Internacional de Crimes contra Mulheres, sendo retomada nos anos 90, para evidenciar a não-acidentalidade da morte violenta de mulheres [...] ressaltando que este fenômeno integra uma política sexual de apropriação das mulheres.” (ALMEIDA, 1998).

 

 

 

            A citação acima reforça a idéia de que os crimes de femicídios são cometidos, em sua grande maioria devidoa existência de uma relação machista e centralizadora que o homem vem desenvolvendo suas relações sócio-afetivas com as mulheres.

 

 

 

 

 

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