A eficiência dos direitos de igualdade da mulher e a sua construção na esfera pública nacional
Por ROSSANA MOTA GUIMARÃES | 27/10/2016 | DireitoRita de Cássia Freire Silva[2]
Rossana Mota Guimarães[3]
RESUMO
Este artigo analisa a evolução do papel desempenhado pela mulher na esfera nacional. A Constituição Federal/88 garante a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Prevê também que homens e mulheres são iguais, perante a lei, em direitos e obrigações. Dignidade humana, liberdade e igualdade são reivindicações que ultrapassam a esfera pública, social, econômica e jurídica. A mulher tem tomado posse de seu direito como fato-social. Ao longo da história, inúmeras lutas urbanas e conflitos sociais foram, na verdade, movimentos feministas para atender as necessidades da mulher. A industrialização trouxe a inserção da mulher no mercado de trabalho. A participação feminina na vida econômica, a luta contra a violência, bem como a emancipação gradativa acarretaram não somente em mudanças que abalaram a força do patriarcalismo, mas também em aquisição de direitos e obrigações pela mulher. O presente artigo analisa as transformações sofridas pela mulher na sociedade, observando os direitos e garantias fundamentais, bem como a possível violação dos mesmos sob o ponto de vista da Sociologia Jurídica.
Introdução
O Brasil, como um Estado Democrático de Direito, possui a soberania popular e os princípios fundamentais como alguns dos elementos basilares previstos na Constituição Federal/88. Elaborada pelo Poder Constituinte originário, a mesma é dotada de supremacia. Dentre seus direitos e garantias está a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Prevê também que homens e mulheres são iguais perante a lei, podendo adquirir direitos e contrair obrigações.
Ao discorrer sobre a mulher, é pertinente traçar alguns comentários sobre família e sua configuração ao longo da história, uma vez que a mesma consiste em uma instituição primária, basilar, tendo papel determinante na formação da personalidade básica, através da preservação de aspectos religiosos, morais, jurídicos e políticos, contribuindo para a integração do indivíduo na sociedade.
No curso das antigas civilizações, como Grécia e Roma, a família, marcada pelo patriarcalismo, possuía um conceito mais abrangente, de uma entidade ampla e hierarquizada, com papel religioso de grande relevância no vínculo familiar, em contraposição da estrutura atual configurada pelo ambiente exclusivo de pais e filhos. Baseava-se no poder do paterfamilia, que se estendia à mulher, aos filhos, aos agregados e escravos. Portanto, a determinação de família não era somente por consaguinidade. Porém, a mulher não participava da sociedade, estando restrita ao ambiente privado do lar. A mulher (materfamilia) não herdava o poder do pater, e, ao casar, passava do poder do pai para o poder do marido.
Na Idade Média a família era fortemente dominada pela igreja católica, através do casamento religioso, sem conotação afetiva, sendo destinado, portanto, como em Roma, à manutenção do culto religioso. Os poderes do pai continuavam a ser transferidos ao filho homem, bem como a profissão e o ofício da família era trasmitido de geração a geração. Ocorre substituição do trabalho escravo pelo servil, com uma agricultura de subsistência, onde toda a família, inclusive a mulher, trabalhava na propriedade arrendada. Portanto, eram freqüentes famílias numerosas, para intensificar a mão-de-obra e o trabalho no campo, que era administrado pelo chefe do lar, o pai. Logo, a família medieval ainda é profundamente marcada pelo patriarcado.
Com o advento da Idade Moderna, da industrialização e do capitalismo, o trabalhador, juntamente com a família, é lançado para fora do campo, onde era dono da terra, dos bens de produção e do produto final, e passa a trabalhar nas indústrias, passando por um processo de alienação da força de trabalho. Surgem novas classes sociais: a burguesia e a classe operária. E a mulher, dentro do processo de transformações sociais e econômicas, assume novo papel. Para auxiliar no sustento da família, é lançada no mercado de trabalho, sob uma jornada extensa e exaustiva, o que ocasionou a supressão do tempo, que antes era dedicado ao cuidado com a casa e com os filhos. Com isso tem início uma séria de transformações na hierarquia e na configuração familiar. Porém, o ingresso da mulher no mercado de trabalho, constitui um marco histórico, não somente nas mudanças da estrutura da família, mas nas formas de resistência operária, nas lutas sociais e políticas por igualdade de direitos, fim da exploração e opressão, há séculos enraizados nas sociedades.
No século XX a família assume nova estrutura. As crianças são educadas nas escolas, onde dispensam maior parte do tempo, enquanto os pais trabalham. A mulher, dentro da famíla, possui a mesma autoridade que o homem na educação dos filhos e na gerência do lar. E os filhos, que antes eram gerados para mão-de-obra, para perpetuação e para assumir o poder familiar após a morte do pater, agora eram fruto de vínculo afetivo. A nova família passa a ser nuclear, ou seja, composta pelo pai, mãe e filhos.
É inquestionável o papel que a mulher tem assumido ao longo dos anos, sendo agente em inúmeros movimentos sociais, os quais serviam à demanda das necessidades da mulher. A mulher tem tomado posse de seu direito como fato-social. A industrialização foi um marco na evolução das sociedades modernas, bem como inseriu a mulher no mercado de trabalho. A participação feminina na vida econômica, a luta contra a violência, bem como a emancipação gradativa acarretaram não somente em mudanças que abalaram a força do patriarcalismo, mas também em aquisição de direitos e obrigações pela mulher, impondo sobre a mulher em um ônus sobremodo extenuante. O presente artigo analisa as transformações sofridas pela mulher na sociedade, observando os direitos e garantias fundamentais, bem como a possível violação dos mesmos sob o ponto de vista da Sociologia Jurídica.
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Direitos e garantias fundamentais da mulher
O Capítulo I do título II da Constituição da República Federativa do Brasil trata dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, chamados também de direitos humanos. Seus fundamentos estão no direito à liberdade e à dignidade da pessoa humana. Quanto à igualdade entre homens e mulheres o inciso I do artigo 5º da Constituição Federal dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Quando nos referimos a homens e mulheres, a primeira ideia que vem em mente é a distinção entre os sexos. Segundo Ana Lúcia Sabadell, quando se usa esse termo pensamos nas diferenças físicas entre homens e mulheres. Entretanto, sabe-se que historicamente as diferenças são muito mais complexas e são reflexos da forma de socialização, que mudam ao longo da história. Nesse contexto de mudanças, foi proposto empregar o termo “gênero” ao invés do termo “sexo”, com o objetivo de indicar que as diferenças entre homens e mulheres vão além das biológicas, ou seja decorrem de um construção social da realidade.
A igualdade a que a Constituição Federal se refere é uma igualdade nas diversas esferas sociais, onde homens e mulheres possam usufruir de direitos e obrigações, sem que haja discriminação, principalmente, quanto à igualdade jurídica, econômica e política dos gêneros.
As discriminações enfrentadas até hoje são reflexos do papel exercido pelas mulheres nas esferas pública e privada, construída com base em uma distinção hierárquica dos gêneros, ou seja, o espaço de atuação da mulher sempre foi prioritariamente o privado. As mulheres sempre eram excluídas da vida política e do exercício de várias profissões, além da limitação ao acesso à instrução.
No Brasil, o marco principal dessas mudanças foi a promulgação da Constituição Federal de 1988. Alguns reflexos podem ser observados por meio da criação de leis relacionadas aos direitos trabalhistas, como: a lei 9.029/95, que passou a considerar como prática discriminatória a exigência de exames de esterilização ou estado de gravidez; a Lei 10.421/2002, que estendeu o direito de licença maternidade às adotantes; a Lei 11.324/2006, que estendeu à empregada doméstica a estabilidade no emprego, entre outras. Quanto ao aspecto relacionado à violência, destaca-se a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha e a Lei 12.015/2009, que trata dos crimes contra a dignidade sexual e no campo político destaca-se a Lei 9.504/96, que reserva 30% das vagas para disputa eleitoral às mulheres.
Entretanto, verifica-se que apesar do esforço empreendido por diversos grupos organizados ou mesmo por iniciativas isoladas ou do próprio Estado, os direitos de igualdade da mulher, ainda, estão distantes do que se possa denominar de justo, mas todas essas iniciativas refletem uma mudança de mentalidade, que só se consolidará com o distanciamento da cultura que predominou até recentemente.
2 Violência contra a mulher: herança do patriarcalismo ou violação dos direitos fundamentais?
Dentro da construção dos direitos da mulher no constitucionalismo brasileiro é pertinente não só o estudo do direito comparado, mas também como é encarada a violência contra a mulher em outros países. Estudos realizados na Europa mostram que a principal causa de morte e incapacidade entre mulheres de 16 a 44 anos é a violência doméstica, superando patologias como câncer ou acidentes automobilísticos. A Organização das Nações Unidas divulgou em março de 2010 que 70% sofrem algum tipo de violência doméstica ao longo da vida. No Brasil, 3,9 em cem mil mulheres praticam homicídio. No Rio de Janeiro uma mulher morre a cada dia vítima de homicídio. Contudo, a violência contra a mulher ultrapassa o âmbito privado, atingindo o espaço público, e não é somente física, mas também psicológica e moral.
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