A efetividade da lei antitruste e a conduta do Cade

Por Izabella Maria de Barros Santos | 29/05/2012 | Direito

Resumo

O presente artigo objetiva, fundamentalmente, a análise da efetividade da lei antitruste quando relacionada às situações atuais e quando correlacionada aos seus elementos integrantes: o Poder Público, o representado (agente econômico cuja prática supostamente abusiva configura objeto de apuração) e a sociedade que, com o número exacerbado de fusões e incorporações, passa a ver restringida a sua liberdade de escolha. Diz-se aquele ser o objetivo fundamental, eis que, ao longo do texto, questões incidentais acabam sendo também discutidas, tendo em vista a impossibilidade de se negar a influência que fatores sociais evolutivos exercem, diariamente, na aplicação da referida lei. Para o alcance do objetivo supra, pois, utilizou-se como método técnico, analítico e interpretativo a pesquisa teórico-bibliográfica e o aparato de notícias publicadas acerca do assunto. Como resultado já esperado, foram constatados fatos que demonstram certa tendência ao aprimoramento da aplicação da lei antitruste nos casos em que, via de regra, esta deveria ser eficazmente aplicada. Destarte, mesmo que atitudes repressoras tenham se tornado mais comuns, pôde-se concluir que, ante o ainda existente desleixo da aplicação da lei antitruste, o Estado acaba por não prezar sua imagem pública, causando prejuízo visível e mensurável à sociedade que o compõem, esquecendo-se, muitas vezes, dos princípios basilares da ordem democrática de direito.

 

Palavras-chave: Lei Antitruste. Efetividade. Fusões. Incorporações. Poder Público.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo científico cuidou de realizar, como objetivo geral, a verificação da satisfação ou não da garantia da liberdade de escolha ante o monopólio capitalista que, a cada dia, tendencia-se à dominação dos poucos grandes grupos industriais que integram a ordem econômica mundial.

Como objetivo específico, realizou-se análise para apurar a efetividade ou não da lei antitruste quando aplicada aos episódios verídicos. Para tal, analisaram-se casos atuais de denúncia de violação à lei supra, para verificar possível proteção pública ilícita em prol do particular beneficiado. Tal, por óbvio, compreende também a justificativa do presente trabalho.

Para o desenvolvimento mais claro deste trabalho, o tema foi dividido em dois capítulos: Origem e evolução das legislações antitruste; e Efetividade hodierna da Lei Antitruste.

Dito isso, em face de um tema de interesse não só individual, mas coletivo, o presente trabalho se mostra de suma importância e utilidade para não só elucidar os acontecimentos contemporâneos, mas, principalmente, para definir uma posição a ser adotada diante deles. Isto, em razão de se ter obtido resultado nada inesperado, no sentido de que a corrupção visível, ainda que pareça estar sendo reduzida, não se encontra apenas nas dependências do Congresso Nacional ou nas casas parlamentares, mas também, nas relações econômicas que se configuram fora deste aparato judicial.

2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS LEGISLAÇÕES ANTITRUSTE

A priori, para um entendimento simplificado do texto, cabe elucidar o conceito de truste. Assim: 

Truste é o resultado típico do capitalismo que forma um oligopólio na qual leva a fusão e incorporação de empresas envolvidas de um mesmo setor de atividades a abrirem mão de sua independência legal para constituir uma única organização, com o intuito de dominar determinada oferta de produtos e/ou serviços. Pode-se definir truste também como uma organização empresarial de grande poder de pressão no mercado.

Truste é a expressão utilizada para designar as empresas ou grupos que, sob uma mesma orientação, mas sem perder a autonomia, se reúnem com o objetivo de dominar o mercado e suprimir a livre concorrência e também são grandes grupos ou empresas que controlam todas as etapas da produção, desde a retirada de matéria-prima da natureza até a distribuição das mercadorias. Truste é um grupo econômico que centraliza várias unidades produtivas. (TRUSTE..., 2012, grifo nosso).

 

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho ensina que “a disciplina jurídica da concorrência, que reprime as infrações da ordem econômica, é chamada, tradicionalmente, de “direito antitruste””. (COELHO. 2007, p. 202).

Assim, tornando inconstitucional a prática do truste, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 70, inciso IV, predispõe que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV - livre concorrência; […]” (BRASIL, 1988). Cabe mencionar que a intenção do legislador ao elencar o supramencionado princípio se dá no sentido de aperfeiçoar as condições de competitividade entre as empresas, de forma que estas estejam sempre obrigadas a aprimorarem seus métodos tanto de produção quanto de venda, para que proporcionem condições cada vez mais favoráveis ao consumidor. Desta forma, o contrário do princípio da livre concorrência verifica-se pela constatação de monopólios ou oligopólios que dominam o mercado econômico em prol de um produtor (ou de alguns) e em detrimento de outros, inclusive do consumidor.

Ainda, a título de complementação, os trustes podem ser verticais, se praticados por empresas que subordinam outras empresas em setores acima ou abaixo na cadeia produtiva; ou horizontais, se praticados por empresas que subordinam outras empresas no mesmo setor de atividade (NAPOLI, 1999).

Sabe-se, pois, que, em razão da prevalência de ideais liberais por muito tempo, mesmo com a consolidação do modelo de Estado Democrático de direito, o nascimento do direito econômico como ramo direito é, diga-se, recente.

Em razão da concentração de capitais, viu-se emergir também a concentração de empresas. Tal concentração econômica de empresas pode ser caracterizada como algo que esteve estritamente ligado à evolução do capitalismo. (BULGARELLI, 1996).

Assim, o Direito não pôde deixar de observar a dimensão que tal fenômeno adquiria na ordem econômica e decidiu por intervir em prol da livre concorrência.

Um dos primeiros atos normativos a ser citado como manifestador antitruste foi o Decreto de Allarde (França, em 1791), que, basicamente, resumia-se na normatização da proibição da prática de truste. Após, cabe-se citar a lei Canadense de Competição de 1889 (Competition Act) – como a primeira disposição normativa a versar sobre a proteção à concorrência – e o quase concomitante Sherman Act promulgado em 1890 nos Estados Unidos, considerado o principal marco legislativo do surgimento da legislação concorrencial.

Conforme os exemplos citados, e baseando-se na análise de legislações anteriores, pode-se constatar que, nestas, o direito econômico era sinônimo de direito antitruste.

No campo nacional, por sua vez, a política antitruste brasileira teve origem nos anos 60s, quando da instituição do CADE (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência), em 1962. Entretanto, apesar da fundação do referido Conselho, este só pode obter instrumentos e realizar suas funções com o advento da Lei Antitruste 8.884 de 1994.

Em suma, apenas com a promulgação da lei supra, tornou-se possível ao Estado reprimir condutas que visassem ao abuso do poder econômico, com a consequente dominação de mercado. Atualmente, em 30 de Novembro de 2011, foi sancionada  nova Lei Antitruste, com alterações sobre a estruturação dos órgãos aos quais se refere e as condutas a serem punidas. A referida lei ainda não entrou em vigor, entretanto, cumpre mencionar que uma das alterações mais esperadas trazida pela nova lei foi o prazo limítrofe para o julgamento das fusões e aquisições de empresas brasileiras que passa a ser de trezentos e trinta dias, e, em não sendo julgada, será a fusão ou a aquisição automaticamente aprovada. A nova lei objetiva, inclusive, reduzir não só a corrupção dos agentes econômicos, mas, de forma conjunta, atenuar a imensa dificuldade em comprovar esse abuso cometido pelos grandes grupos econômicos.

Após explanada, em linhas gerais, a evolução da legislação antitruste, passar-se-á à análise de algumas situações definidas como condutas antitrustes, para que, em fim, possa se analisar a efetividade ou não de tais dispositivos legais e da conduta do CADE como órgão judicante que exerce como finalidade a orientação, fiscalização, prevenção e apuração de abusos de poder econômico.

 

 

3 EFETIVIDADE HODIERNA DA LEI ANTITRUSTE

 

 

A priori, cabe aclarar que a intenção do presente trabalho não é a de esgotar o tema relacionado ao truste, mas de tão somente constatar, com base em alguns dados obtidos, a efetividade ou não do direito antitruste vigente no Brasil contemporâneo.

Pois bem, como o lapso temporal entre a sanção da nova lei antitruste e a publicação deste trabalho científico não nos propicia a obtenção de dados variados acerca do tema, far-se-á a presente análise com resultados obtidos pela busca da efetividade da lei antitruste e da conduta do CADE antes da sanção da nova lei.

Assim, para iniciar a comparação entre dados práticos e teóricos, descrever-se-á dispositivo da lei 8.884 de 1994 :

 

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros;

IV - exercer de forma abusiva posição dominante. [...]

 

Agora, em detrimento ou em acordo com a legislação aqui transcrita, analisar-se-ão algumas notícias, fatos, relatos, artigos de opinião, para, só então, concluirmos pela efetividade ou não na aplicação da lei antitruste.

Para começar, tomar-se-á como exemplo a reportagem publicada pela Revista IstoÉ, em 24 de Julho de 2009, intitulada: “O olhar severo do CADE”. Em que pese ser bastante sugestivo o título, o conteúdo demonstra estar a realidade apenas caminhando para o ideal. Isso pode ser comprovado por expressões como: “O órgão de defesa da concorrência, que já foi visto como decorativo, aplica na Ambev a maior multa da história do País e deixa muitas empresas em alerta...”; “Há muitos anos não se viam tantos advogados nos corredores do Conselho Administrativo de Defesa Econômica”; “A decisão, ainda que venha a ser questionada na Justiça, revela uma quebra de paradigmas nos órgãos reguladores. Não faz muito tempo, grandes empresários tratavam com desdém as decisões do xerife da concorrência”; “Aos 15 anos de vida, o Cade possui, hoje, a mais jovem composição de sua história. É justamente essa gestão a que vem sendo considerada como a mais rígida na aplicação da lei antitruste”; “Se no passado o órgão podia ser visto como meramente figurativo, os novos integrantes não têm medo de comprar briga com os pesos-pesados da economia brasileira.”; entre outras. Aliás, afirma o próprio ex-presidente do órgão – Ruy Coutinho –: “Cansei de ouvir empresários dizerem que o que o CADE faz, a Justiça desfaz.”. (O OLHAR..., 2009).

Nesse sentido, explica a reportagem que

 

Nessa nova fase do Cade, o presidente Arthur Badin conseguiu impor um ritmo de trabalho frenético. Na mesma reunião em que multou a Ambev, outros 30 processos foram analisados, entre eles o que também aplicou uma multa, de R$ 1,9 milhão, à Telefonica por descumprimento parcial de medidas impostas pelo Cade sobre a oferta de provedores de internet. (O OLHAR..., 2009).

 

Para complementar, por fim, o presidente, à época – Badin –, afirmava na reportagem in comento que o CADE passou a focar o contencioso para que as decisões saíssem do papel.

Outro exemplo nesse sentido pode ser retirado da reportagem publicada pelo site do Estadão, em 26 de abril de 2012, na qual restou noticiado o acordo de R$2,1 milhões feito entre a Oi e o CADE, para por fim às investigações antitrustes das quais sofria a referida empresa. Vale destacar trecho explicativo da reportagem que comprova a prontidão do Conselho em tornar efetivo o acordo realizado: “A chamada "contribuição pecuniária" faz parte de um acordo firmado ontem com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que também prevê multas no caso de a empresa descumprir o acerto com o órgão antitruste.”. (OI..., 2012).

Mas, como anteriormente dito, a efetividade integral do Conselho ou grande parte dela ainda está a caminho de ser conquistada. A título de ilustração da afirmação retro, oportuno se torna a exemplificação de tal. Para isso, retirou-se trecho de notícia publicada, em 26 de agosto de 2008, pelo site do Senador Francisco Dornelles. Veja-se:

 

Durante sabatina de Arthur Badin na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) classificou a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) como tacanha e atrasada.

Mesmo manifestando voto favorável à indicação de Badin à presidência do conselho, Dornelles criticou as decisões do órgão em processos de compra ou fusão de grandes empresas.

- O Cade não entendeu que nossas empresas precisam ser grandes e fortes para competir com gigantes no exterior. O Cade vê todo processo de fusão de forma atrasada, tendo uma visão antiempresa - disse Dornelles. [...] (DORNELLES..., 2008).

 

Para exemplificar a afirmação supra em dias mais atuais, cita-se também trecho da notícia publicada, em 12 de julho de 2011, pelo site da Câmara dos Deputados:

 

[...] O deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) criticou nesta terça-feira, em reunião da Comissão de Defesa do Consumidor, o período de espera do julgamento do processo de fusão entre Perdigão e Sadia, com a criação da Brasil Foods. A operação foi realizada em 2009 e aguarda votação até hoje.Para o deputado, a demora impede que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) reprove hoje a fusão. “Sempre achei que a concorrência é boa, mas, depois de dois anos, fazer uma mudança numa fusão que já está ocorrendo, é errado. O Cade deveria ter agido antes. Agora que a fusão está consolidada, temos apenas que controlar a empresa para que atenda ao consumidor e faça um produto de qualidade”, defendeu.[...]. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2011, grifo nosso).

 

            Por conseguinte, ante todo o conteúdo aqui exposto e bem exemplificado, tudo o que se pôde concluir não atravessou a esfera do esperado. Diz-se esperado em razão de a realidade brasileira, não só na economia, mas em diversos setores, não nos propiciar boas visões acerca da efetividade nas condutas do Poder Público, tornando suas leis muitas vezes nada mais que um emaranhado de letras jogadas em papéis.

            Entretanto, e felizmente, pelas notícias atuais, pôde ser vislumbrado um ideal de concretização do propósito da lei antitruste, bem como do órgão de Conselho Administrativo, o CADE. Ideal esse que, com o advento da nova lei antitruste, não deve ser esquecido em prol da desesperança rotineira, mas sim evidenciado em razão da perspectiva de melhora dos dispositivos legais que influenciam na sociedade.

            Dessa forma, com a nova lei antitruste e com as mudanças tão esperadas nela contidas, acredita-se ter na teoria o ideal exato a ser aplicado no mundo concreto, para que não sejam mais frustrados os direitos da sociedade ligados à ordem econômica brasileira, resguardando, dentre outras, a liberdade de escolha que, há muitos, havia sendo sucumbida em prol de alianças ilícitas entre o Estado e o particular beneficiado.

 

3 CONCLUSÃO

 

    

            Para finalizar, pois, cabe reafirmar que o tema que envolve a regulação econômica acerca da política antitruste é descomedidamente amplo, tornando-se inviável o seu esgotamento por meio desse trabalho científico.

            Desta feita, o presente artigo objetivou relacionar alguns pontos (controversos ou não) acerca da aplicabilidade e efetividade da lei antitruste, bem como da necessidade de melhoria dos procedimentos disciplinados por essa, não se esquecendo, é claro, de depositar informações ainda obscuras a respeito do assunto, tendo em vista não ter a nova lei antitruste entrado em vigor até a presente data.

            Em relação ao conteúdo aqui abordado, após terem sido relacionados os pontos supramencionados, obteve-se um posicionamento nada inesperado do órgão responsável por fiscalizar e por em prática a política antitruste.

Para tal constatação, foram analisadas notícias que tendenciam à ineficiência desse órgão, e, em contrapartida, foram também avaliadas notícias que demonstram um esforço, uma tentativa deste em se adequar, cada vez mais, aos anseios da sociedade; sociedade esta que constitui agente indispensável ao funcionamento da ordem econômica do país.

            Assim, ressalvados os casos em que os agentes do Poder Público se deixam agir por seus interesses particulares, pôde-se perceber uma atuação ativa do Estado no sentido de tentar reprimir, em maior número possível, as condutas abusivas de mercado.

            Finalmente, e por todo o exposto, conclui-se que, em trazendo modificações eficazes e tratamentos mais severos às condutas de mercado que devem ser reprimidas, a nova lei antitruste possui, em seu corpo, uma gama de dispositivos indicativos de aplicação efetiva, não necessitando a ordem econômica – após a entrada em vigor da referida lei – de maiores mudanças a serem adotadas. Bastando, portanto, para que seja efetiva e atenda aos anseios da sociedade consumidora, que os agentes do Estado apliquem-na em concordância com o paradigma pelo qual foi criada, fazendo, assim, com que os interesses da esfera privada não mitiguem ou disfarcem os interesses da sociedade.

 

 

Abstract

 

 

This article aims, fundamentally, the analysis of the effectiveness of antitrust law as it relates to current situations and when correlated to its integral parts: the Government, the principal (economic agent whose practice reportedly abusive configures object counting) and the society, with exacerbated the number of mergers and acquisitions, is seeing limited their freedom of choice. It is said that to be the primary goal, behold, throughout the text, incidental questions also end up being discussed in view of the impossibility of denying the influence that social factors exert evolutionary daily application of that law. To achieve the above objective, therefore, was used as a technical method, analytical and interpretive-research together with the theoretical literature on the legal basis of this cognitive author. As a result is expected, cases were found to show a trend towards improving the enforcement of antitrust law, where, as a rule, this would undoubtedly be effectively applied. Thus, even repressive attitudes have become more common, it was concluded that, given the still existing neglect of antitrust enforcement, the state is not to cherish their public image, causing visible damage to society and measurable that compose it, forgetting often the basic principles in force in a democratic order of law.

 

 

Keywords:Antitrust Law. Effectiveness. Mergers. Acquisitions. Public Power.

 

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