A EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL DIANTE DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E O ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DA EMANCIPAÇÃO FEMININA

Por Darla de Medeiros Gonçalves Gaspar | 27/10/2015 | Direito

A EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL DIANTE DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E O ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DA EMANCIPAÇÃO FEMININA[1]

                                            

                                             Darla de Medeiros Gonçalves Gaspar[2]

                                                                         Laysa Ribeiro Soares[3]

Valdenio Caminha[4]

   

 

 

Sumário: Introdução; 1 As transformações sociais e a independência da mulher contemporânea ; 2 A abrangência da jurisdição estatal ; 3 O acesso a justiça ; 4 A real efetivação da tutela jurisdicional. Considerações finais, Anexos e Referências.

 

RESUMO

O trabalho apresentado busca demonstrar como o avanço tecnológico, a proteção ao meio ambiente, os crimes cibernéticos, a manipulação genética e principalmente como o novo status da mulher contemporânea, contribuíram para o avanço considerável da tutela estatal, tornando-a mais abrangente. Uma possível ineficácia em relação ao acesso a justiça e os devidos motivos relacionados com o mesmo, e as dificuldades para a efetivação da tutela jurisdicional em detrimento do crescimento do número de litígios. Por fim, verifica os instrumentos e os métodos utilizados pela jurisdição para suprir os problemas que se tornam cada vez mais abundantes.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Jurisdição. Tutela Jurisdicional. Mulher contemporânea.

INTRODUÇÃO

 

O trabalho tem por finalidade discorrer sobre as inúmeras transformações sociais que proporcionaram o movimento que deu origem a emancipação feminina, bem como a facilitação ao acesso à justiça no nosso país. Todos estão conscientes dos avanços das mulheres em setores antes destinados exclusivamente aos homens, como o mercado de trabalho, a política e mesmo a vida social, o que talvez poucos puderam perceber é que esse adiantamento das mulheres levaram a questões muitos mais abrangentes e relevantes não somente ao gênero feminino, mas a toda a sociedade.

Essas transformações sociais levaram o Estado a adotar novas medidas, criando novas leis, fazendo com que o mesmo ampliasse a sua jurisdição. Quando se fala em ampliação da jurisdição estatal, quer-se dizer que o Estado diante do surgimento de relações complexas necessitou agir em variados assuntos para manter a ordem social.

O acesso à justiça também será um dos pontos abordados no trabalho, no qual teremos a possibilidade de verificar as dificuldades de acesso de grande parte da população de um país ainda subdesenvolvido, como é o Brasil. Os desafios não se iniciam no campo jurídico, muito pelo contrário, essa dificuldade de acesso é apenas um reflexo das adversidades presentes nos âmbitos educacionais e sociais, na qual as pessoas de baixa renda, com pouca ou nenhuma formação são as mais prejudicadas.

Posteriormente, surge um tema constantemente discutido, que se trata da efetivação estatal no mundo contemporâneo. Em se tratando de tutela jurisdicional, um fator de suma importância é o poder normativo do Estado, que age na execução de processos e na solução de lides de ordem coletiva ou individual, porém nota-se um excesso de processos a serem julgados e uma insatisfação comum a todos.

1 As transformações sociais e a independência da mulher contemporânea

 

Retrocedendo um pouco na história, pode-se perceber que ocorreram consideráveis alterações sociais, políticas e econômicas no decorrer dos séculos. As questões sociais geralmente estão interligadas com as questões econômicas decorrentes dos avanços tecnológicos e das mudanças comuns em toda a sociedade. A Revolução Industrial, século XVIII, é a prova concisa de como o fator econômico influenciou no fator social, com o surgimento dos meios de produção e com a determinação de classes, burguesia e proletariado.

 A instituição família passou a ver na figura paterna, o eixo central do núcleo familiar, todos aqueles que faziam parte de uma família deveriam servir ao “pater” exclusivamente, a mulher inclusive tinha o dever de obedecer ao marido sem questionar as suas ações, pode-se verificar que a função da mulher nesse período se restringia somente aos deveres do lar.

Contudo, a sociedade não é engessada e com o decorrer dos anos, novos acontecimentos como o fim da Segunda Guerra Mundial, propiciaram uma explosão populacional que fez com que o Estado se mobilizasse e intervisse em questões relacionadas à vida privada familiar, como o casamento e as relações domésticas, a fim de impor a ordem social e promover a paz social. Surge dessa forma, a família contemporânea, na qual se presa de fato por relações pessoais mais intimistas, um pouco mais dissociadas do parentesco e da própria sociedade, daí surge a necessidade de uma maior intervenção por parte do Estado, como se pode verificar no pensamento de Singly (2007, pág. 35):

 [...] A família moderna é uma instituição na qual os membros têm uma individualidade maior do que nas famílias existentes anteriormente. Essas divergências individuais se acentuam se consolidam e, como elas são os cernes da personalidade individual, esta vai necessariamente se desenvolvendo. Cada um constrói uma fisionomia própria, sua maneira pessoal de sentir e pensar. O fato dos indivíduos terem cada vez mais sua lógica própria tem como efeito diminuir o comunismo familiar, pois este supõe, ao contrário, a identidade, a fusão de todas as consciências em uma mesma consciência comum, que os envolve.

Em meio a uma aparente tranquilidade social e econômica, na qual todos exercem a sua individualidade, e o Estado o seu controle, eclode a Revolução Cultural (assim chamada por Hobsbawm), no século XX, provocada pela insatisfação das camadas menos abastadas em relação ao ensino educacional, que em tese levaria a uma condição de vida mais digna, porém comprovou-se que apenas a classe elitista da sociedade que se beneficiou. A Revolução deu início a um conceito novo de sociedade, na qual os jovens e as mulheres principalmente tornaram-se mais independentes.

         Atualmente a situação da mulher evoluiu muito, tornando-se emancipada econômica e culturalmente, porém ainda existem desigualdades de gêneros. Apesar de serem mentalmente capacitadas e exercerem as mesmas funções que antes eram exclusivamente masculinas, as mulheres sofrem discriminações. De acordo com Elisiana Probst (2006):

“No Brasil, as mulheres são 41% da força de trabalho, mas ocupam somente 24% dos cargos de gerência. O balanço anual da Gazeta Mercantil revela que a parcela de mulheres nos cargos executivos das 300 maiores empresas brasileiras subiu de 8%, em 1990, para 13%, em 2000”.

Algumas atividades excluem as mulheres, sob a crença de que os homens são superiores e por se tratarem de um serviço masculino. A mulher moderna atingiu a sua independência financeira, muito embora socialmente ainda sofra com certas dificuldades, como por exemplo, o acesso a cargos de chefia e a equiparação salarial com os homens. A mulher durante muito tempo foi considerada o “sexo frágil”, foi tratada como objeto sexual pelo homem e tinha por obrigação apenas cuidar da casa, dos filhos e do marido. Ainda vivemos em uma sociedade machista, na qual o homem tenta manter o controle sobre a mulher.

2. A abrangência da jurisdição estatal

Após o final da Segunda Grande Guerra, pudemos observar um grande conjunto de transformações sociais ocorridas principalmente em decorrência dos avanços tecnológicos. O advento do desenvolvimento dos meios de comunicação foi a grande alavanca para ajudar a formar o mundo moderno e suas complexidades. Fatos ocorridos fora do nosso país tornaram-se modelos a serem copiados. Isso desenvolveu também, padrões a serem seguidos. Dentre eles, as relações familiares e consequentemente, as sociais.  A emancipação feminina, o divórcio, as relações homoafetivas, o avanço da ciência no campo da genética, assim como em outros setores sociais, como o meio ambiente, as comunicações em redes internacionais, como a Internet, enfim, mudanças que provocaram variações no comportamento e demandaram do Estado regulamentação e controle. O direito, como mais um aspecto da sociedade, também se ampliou. As normas tornaram-se mais complexas a fim de acompanhar o desenvolvimento social. A jurisdição, que também faz parte da sociedade como setor destinado a reger os parâmetros comportamentais, deve estar em consonância com a evolução do núcleo social. Do contrário, iria de encontro ao conjunto de interesses que são inerentes à evolução social. As lides que muitas vezes buscam soluções rápidas, complexas ou polêmicas devem buscar amparo na jurisdição estatal.

 Jurisdição estatal pressupõe como o Estado tutela os direitos dos cidadãos diante de uma complexidade das relações jurídicos sociais no mundo moderno. É importante ressaltar como se dá o âmbito dessa jurisdição e sua abrangência. Para Acquaviva (2000, pág. 770), Jurisdição “significa a prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário de aplicar a lei, mediante a tutela jurisdicional, conforme previsto na Constituição Federal, no art. 5º, XXXV”.  

Por trás da jurisdição estatal encontra-se uma complexidade de relações sociais que é importante se compreender para posteriormente definir a sua abrangência. Nas sociedades modernas, advindas na complexidade do mundo moderno, surgem também complexas relações sociais as quais desencadeiam movimentos de transformação gradativa da sociedade.

Muitos indivíduos ainda hoje, não resolvem seus problemas ou recorrem à autotutela

porque ignoram seus direitos e a existência de leis que os defendem perante a justiça. Isso ocorreu por muitos anos com as mulheres – até que os legisladores perceberam a demanda da camada feminina da sociedade que sofria maus tratos e não recebia apoio da justiça. Felizmente, este quadro vem se modificando com o surgimento e gradativo aperfeiçoamento de leis voltadas exclusivamente para esse tipo de problema social, que, embora particular de cada mulher que sofre violência doméstica, ganha repercussão e apoio da sociedade.

A emancipação feminina, a entrada da mulher no mercado de trabalho fez com que crescessem também os números de divórcios pelo país. Mulheres que são chefes de família ou que buscam uma formação independente dos seus parceiros. Há ainda, aquelas que buscam o reconhecimento social para sua condição homoafetiva e lutam na justiça pela adoção de uma criança, enfim, a luta pela igualdade sexual fez deslanchar um conjunto de normas que amparam a mulher e repudiam todo tipo de preconceito. De acordo com Aurora (2009):

As mulheres já entram praticamente em todas as atividades antes reservadas a os homens. Elas são por “exemplo” mais de 40% dos advogados de São Paulo, são maioria em profissões como jornalismo, estão em todos os lugares, nas Forças Armadas, como motoristas de táxi e caminhões de carga e até nas lutas de boxe.

Atualmente, a ciência possibilita a gravidez em mulheres que em outras décadas seriam consideradas incapazes de realizar a maternidade. Isso também gera a demanda de uma legislação voltada para esse tipo de serviço prestado pela ciência e tudo o que envolve seus abusos.

3 Acesso à Justiça

         Vivendo num país em processo de desenvolvimento, não se encontram estabelecidas bases em todos os setores sociais. O acesso à justiça é só mais um dos aspectos que a sociedade constitui direitos sociais, assim, como acesso à educação de qualidade, saúde, transporte, saneamento e principalmente educação. De acordo com Machado (2011), “A locução “acesso à justiça” está hoje identificada com a ideia de acesso ao direito e a decisões concretamente justas, não apenas acesso formal a uma instituição judicial ágil e eficaz”. 

Com o movimento emancipatório feminino, após a década de 70 e 80, houve um número maior de mulheres ingressando nas universidades com o objetivo claro de entrar no mercado de trabalho, muitas passaram a valorizar o lado profissional não só as responsabilidades maternas e familiares, o que hoje possibilitou o acesso a justiça por parte das mulheres a cargos políticos, por exemplo, ou mesmo a direitos antes renegados, como é o caso da presidenta Dilma Rousseff, que atualmente exerce o cargo mais importante em toda a política e a lei Maria da Penha, que protege as mulheres de agressões físicas realizadas pelos seus companheiros.

Em sociedades de países desenvolvidos o acesso à justiça encontra-se no topo da pirâmide estatal do acesso da sociedade à tutela estatal. Isso não quer dizer que ocorram poucas lides, mas que a maioria se resolve devido à cultura do povo e o processo de adequação social. Outro ponto relevante é o fato da população desconhecer os seus direitos, onde fica claro que a falta de educação de qualidade influência de forma relevante nessa precária falta de conscientização por parte de muitos, porém a culpa não se estabelece somente em cima dos cidadãos, o próprio Estado é deficiente em relação aos seus órgãos institucionais, já que o mesmo de certo modo dificulta o acesso à justiça e burocratiza questões simples de serem solucionadas.

Em decorrência de gradativas transformações sociais, aliadas ao desenvolvimento da ciência e de novas tecnologias houve uma ampliação da abrangência da jurisdição estatal frente à complexidade das relações sociais no mundo moderno, o acesso à justiça compõe mais um aspecto a ser analisado diante do panorama das sociedades de países em desenvolvimento, como o Brasil.

Por se constituir num país com graves problemas sociais e desnível econômico, o Brasil conta com uma sociedade ainda pouco letrada, embora os índices da educação tenham melhorado perceptivelmente nas últimas décadas desde o século passado. Entretanto, a parcela social que busca o amparo da justiça para resolver seus conflitos ainda é muito pequena, devido à burocratização do sistema e a ausência de conhecimento dos direitos como consequência de uma falta de cidadania nutrida por um sentimento de não pertencimento a sociedade na qual a maioria da população menos abastada não se considera sujeito de direito, sentem-se excluídos dos demais.

No Brasil, o acesso à justiça ainda é visto como algo destinado apenas a uma parcela privilegiada da sociedade, que dispõe de recursos financeiros suficientes para buscar a tutela estatal. Infelizmente, grande parte dos conflitos ainda é resolvida por autotutela, diferentemente do que ocorre em países mais desenvolvidos, que prezam a ampliação do acesso à justiça para toda a parcela da sociedade, sem qualificação quanto à raça ou condição financeira das partes.

Apesar de uma fatia mínima da população recorrer à tutela jurisdicional, os tribunais encontram-se abarrotados de processos, filas intermináveis de defesas e acusações que buscam amparo e solução na esfera jurisdicional. Daí decorre a morosidade da esfera judiciária, que, por conseguinte, obsta ainda mais o acesso à justiça. Isso gera um círculo vicioso, onde a saída é a busca da ampliação do atendimento judiciário à população, principalmente, à população de baixa renda.

Embora a Defensoria Pública funcione nesse sentido, ou seja, objetivando o atendimento a essa parcela populacional, o seu quadro de atendimento ainda é precário, visto que começou a funcionar em décadas recentes. Positivamente, este é o caminho que a jurisdição brasileira percorre. A passos lentos, mas no ritmo do esclarecimento da sociedade.

Portanto, falta à população buscar o devido conhecimento das normas que regem a vida em sociedade. Dessa forma, o país obterá no futuro, uma sociedade que demandará cada vez mais de novas leis que busquem abarcar problemas cada vez mais complexos, entretanto, será uma sociedade mais organizada e consequentemente, mais desenvolvida.

4 A real efetivação da tutela jurisdicional

Para que a tutela jurisdicional de fato se efetive, é necessário primeiramente, o poder normativo do Estado. Assim, quanto mais fortalecido for o poder estatal, mais atuante será na execução dos processos e a resolução dos problemas de ordem individual ou coletiva. Conforme explicitado acima, a situação da mulher na sociedade moderna demanda uma legislação específica que a regulamente e controle os abusos.

Entretanto, muitas vezes é a própria mulher quem obsta a execução processual, dificultando a real efetivação da tutela jurisdicional. Em alguns casos, como o que defende a Lei nº 11.340/06, mesmo um indivíduo estranho à situação de violência sofrida pela mulher, pode acusar o agressor. Isso facilita muito a tomada da tutela estatal, pois anteriormente, mulheres ameaçadas deixavam de denunciar o parceiro por medo ou vergonha. Atualmente, até um vizinho pode denunciar a agressão. Conforme Sousa (2011):

Conquanto, jurisdição e processo são elementos culturais, frutos de uma sociedade civilizada, pois, se descreve como parte de um processo evolutivo, através do qual foi possível constatar a necessidade de incidência das normas jurídicas na vida do indivíduo, daí porque o sistema de regramento de conduta se expandiu. Noutras palavras, a sociedade humana aprendeu a lidar com a necessidade de regrar e regulamentar seu convívio social; observando que o resultado deste acúmulo cultural se encarta numa teoria geral de direito, mas, não um direito estático ou enegrecido em sua estrutura.

Observa-se, assim, que a cultura da sociedade contribui no sentido de facilitar ou dificultar o acesso à jurisdição, pois quando a população entende que seus direitos são de alguma forma suprimidos ou violados, buscam amparo judicial. Nesse ponto observa-se que o direito e a cultura são as duas faces de uma mesma moeda, que é a sociedade. A cultura modifica o Direito e este, modifica a sociedade, adequando suas normas à mudança, à evolução social. Assim, a efetivação é flexível, pois caminha de acordo com os anseios sociais. Muitas normas ainda hoje vigentes e efetivas foram criadas no século passado, entretanto, ainda são atuais e atuantes.

O processo, por sua vez, garante a efetividade das normas, do contrário, seria o Estado mero expectador das lides. Pois, afirmam Cintra, Grinover e Dinamarco (apud OLIVEIRA, 2012) “embora exista um Direito regulador da cooperação entre pessoas e com capacidade de atribuir bens necessários a sua subsistência, isso não é suficiente para evitar ou eliminar a existência desses conflitos.” Assim, o Estado desempenha a função pacificadora mediante a utilização do processo. A atuação conjunta da sociedade e do Estado intermediados pelo processo efetiva a ação da justiça.

Nota-se a importância da participação das camadas populares a fim de estabelecer a tutela estatal como recurso legal na resolução da problemática social. O processo por sua vez, dever ser entendido como ferramenta que favorece a real efetividade do Direito. Isso pressupõe que o processo pode ser entendido, segundo Oliveira (2011),

Como elemento estrutural da jurisdição, instrumento de exercício de cidadania nos faz crer que, há no contrato social do Estado-Juiz um compromisso, ainda que implícito ou tácito, com a sociedade, consequentemente, há também uma obrigatoriedade e um comprometimento com a justiça, com a eficácia processual, com a eficiência das instituições por ele erigidas.

Assim, a real efetivação da tutela jurisdicional garante a concretização do interesse almejado pelo sujeito ativo no processo. No caso da mulher moderna, significa ver seus direitos realizados, garantidos e, sobretudo, legalmente reconhecidos. A concretização desses direitos ocorre desde a delegacia até a punição do acusado. Não se pode negar, entretanto, que a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi um avanço, principalmente porque não se limita a definir o crime de violência contra a mulher no âmbito das relações domésticas, mas traz uma série de medidas que amparam essas vítimas e incentivam a denúncia do agressor. Segundo Bezerra (2009), “o grande problema a ser enfrentado é a real efetivação desse aparato existente na lei para que a mulher tenha acesso efetivo e eficaz à justiça”.

Outro fator que contribui no sentido de dificultar a real efetividade da tutela jurisdicional é a morosidade dos processos, a demora dos recursos e muitas vezes a ineficácia das decisões. Tudo isso gera um sentimento de incerteza e de impunidade, trazendo dúvida na parcela mais pobre ou marginalizada da população. Muitas mulheres que se encontram nessas situações deixam de buscar o apoio estatal, pondo em risco seus direitos e dificultando a efetivação da tutela jurisdicional. Mesmo que exista um conjunto de leis e normas de apoio e defesa dos interesses dos cidadãos, especialmente da mulher, é necessário que se tenha conhecimento desse amparo.

Diante desse panorama, o governo lança medidas educativas no sentido de facilitar a efetivação da justiça com campanhas, pesquisas e estudos para conscientizar as populações e difundir o amparo estatal. Assim, gradativamente, a sociedade vai ganhando consciência de seus direitos. A luta feminina vai ganhando cada vez mais adeptos e com o tempo, vão se estabelecendo valores de cidadania, igualdade e solidariedade antes desconhecidos pela sociedade.

Considerações Finais

 

Compreender e analisar a sociedade moderna abarca uma complexidade nunca antes vista na história do homem. Não é tarefa fácil analisar a função do Direito numa sociedade globalizada e que vive numa transmutação constante. O processo, por sua vez, como ferramenta fundamental para a execução e efetividade da jurisdição, deve estar interligado aos trâmites sociais a fim de oferecer aos seus operadores, plena satisfação, na busca da realização dos interesses individuais e coletivos.

A situação feminina na atualidade muito tem que comemorar, frente às conquistas conseguidas a duras penas, a custo de muitas vidas, muitos exemplos de discriminação e desrespeito. Atualmente, a mulher conta com um conjunto de legislações específicas que lhe garantem amparo junto à sociedade. Muito já foi conquistado, porém, ainda há muito a conquistar. Talvez o principal foco, no momento, seja a divulgação dos seus direitos, a coragem de muitas que permanecem no anonimato, com medo ou vergonha de buscar a justiça. Tudo depende, como visto, de um processo lento, porém eficaz de educação e conscientização no seio da sociedade. Esse processo de conhecimento não pode ser destinado apenas às mulheres, mas a todos que ainda a enxergam como ser inferior, frágil e desqualificado para exercer atividades antes exclusivamente masculinas.

As transformações sociais que eclodiram no mundo moderno que se conhece, transformaram também a família, as relações interpessoais e consequentemente, a situação feminina. Portanto, não é de se admirar que a legislação acompanhe essas transformações. Muito embora lentamente, mas o processo de mudança também é lento. As mutações não acontecem bruscamente, mas em conjunto com os demais setores da sociedade. Dessa forma, a efetividade da tutela jurisdicional tende a uma amplitude de seu amparo, consoante o aumento da complexidade social. O acesso à justiça, por sua vez, é o ponto inicial desse processo. É o que de fato, impulsiona a máquina estatal para a efetivação de seus objetivos. Nota-se, portanto, que não basta um conjunto organizado de direitos e deveres, é preciso que a sociedade se encontre capacitada para exercê-los.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 11. Ed. ampl. , ver. e atual. – São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000.

AURORA, Jota de. As mulheres e a luta social e política. 2009. Disponível em: http://www.artigonal.com/educacao-artigos/as-mulheres-e-a-luta-social-e-politica-1409822.html.> Acesso em: 20 de out de 2012.

BEZERRA, Hygina Josita S. de Almeida. Efetividade do Acesso à Justiça: O caso da mulher vítima de violência doméstica em João Pessoa/PB. (2009).

FEIX, Virgínia. Educação e acesso à Justiça. Capacitação Legal como condição de construção da diversidade de sujeitos de direito. Disponível em: http://www.observatoriomercosur.org.uy/libro/educacao_e_acesso_a_justica_13.php> Acesso em: 22 de out de 2012.

Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha> Acesso em: 12 de novembro de 2012.

MACHADO, Lemos. Acesso à Justiça. Disponível em: http://blogs.lemos.net/machado/2011/04/20/acesso-a-justica/> Acesso em: 22 de out de 2012.

OLIVEIRA, Luiz Flávio de. Globalização e efetividade da tutela jurisdicional. 2006.

Disponível em: https —www.unimep.br-pgpg-bibdig-pdfs-2006-OOMRPAAJHDBQ.pdf.url>Acesso em: 21 de out de 2012.

SANTOS, Flávio Reis dos. As Transformações sofridas pela Família e pela Escola no Mundo Contemporâneo. Disponível em: http://meuartigo.brasilescola.com/educacao/as-transformacoes-sofridas-pela-familia-pela-escola.htm > Acesso em: 20 de out de 2012.

SOUSA, Joseane Barbosa de. O Processo e a efetivação da tutela jurisdicional. 2011.

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-processo-e-a-efetivacao-da-tutela-jurisdicional,33764.html>Acesso em: 21 de outubro de 2012.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXO A - Histórico da Lei Maria da Penha:

 

A Lei 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem A Maria da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos lutou para ver seu agressor preso. Maria da Penha é biofarmacêutica cearense, e foi casada com o professor universitário Marco Antônio Heredia Viveros. Em 1983 ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Viveros foi encontrado na cozinha, gritando por socorro, alegando que tinham sido atacados por assaltantes. Desta primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica A segunda tentativa de homicídio aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la no chuveiro. Apesar de a investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu oito anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado a dez anos de reclusão, mas conseguiu recorrer.

Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveros só foi preso em 2012, para cumprir apenas dois anos de prisão.

O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então se reuniu para definir um anteprojeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas. 
Em setembro de 2006 a lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com um crime de menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral.

ANEXO B - Aspectos relacionados à Lei Maria da Penha:

A Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) transforma o ordenamento jurídico brasileiro e expressa o necessário respeito aos direitos humanos das mulheres e tipifica as condutas delitivas. Além disso, essa lei modifica, significativamente, a processualística civil e penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja, a seguir, um quadro comparativo das principais alterações:

   ANTES DA LEI MARIA DA PENHA

  DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA

Não existia lei específica sobre a violência doméstica.

Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Não tratava das relações entre pessoas do mesmo sexo.

Determina que a violência doméstica contra a mulher independa de orientação sexual.

Nos casos de violência, aplicava-se a lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de "menor potencial ofensivo" (pena máxima de 2 anos).

Retira desses Juizados a competência para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Esses juizados só tratavam do crime. Para a mulher resolver o resto do caso, as questões cíveis (separação, pensão, guarda de filhos) tinha que abrir outro processo na vara de família.

Serão criados Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões.

Permitia a aplicação de penas pecuniárias, como cestas básicas e multas.

Proíbe a aplicação dessas penas.

A autoridade policial fazia um resumo dos fatos e registrava num termo padrão (igual para todos os casos de atendidos).

Tem um capítulo específico prevendo procedimentos da autoridade policial, no que se refere às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

A mulher podia desistir da denúncia na delegacia.

A mulher só pode renunciar perante o Juiz.

Era a mulher quem, muitas vezes, entregava a intimação para o agressor comparecer às audiências.

Proíbe que a mulher entregue a intimação ao agressor.

Não era prevista decretação, pelo Juiz, de prisão preventiva, nem flagrante, do agressor (Legislação Penal).

Possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corre.

A mulher vítima de violência doméstica e familiar nem sempre era informada quanto ao andamento do seu processo e, muitas vezes, ia às audiências sem advogado ou defensor público.

A mulher será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e terá que ser acompanhada por advogado, ou defensor, em todos os atos processuais.

A violência doméstica e familiar contra a mulher não era considerada agravante de pena. (art. 61 do Código Penal).

Esse tipo de violência passa a ser prevista, no Código Penal, como agravante de pena.

A pena para esse tipo de violência doméstica e familiar era de 6 meses a 1 ano.

A pena mínima é reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência.

Não era previsto o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação (Lei de Execuções Penais).

Permite ao Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

O agressor podia continuar frequentando os mesmos lugares que a vítima frequentava. Tampouco era proibido de manter qualquer forma de contato com a agredida

O Juiz pode fixar o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas.



[1] Paper apresentado à disciplina Teoria Geral do Processo do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 3º Período Vespertino da UNDB.

[3] Aluna do 3º Período Vespertino da UNDB.

[4] Professor orientador.

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