A EFETIVA NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICO-PENAL DOS CRIMES...

Por paula aragao | 16/10/2016 | Direito

A EFETIVA NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICO-PENAL DOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA

Paula Maria Bezerra Aragão Azevedo

Themis Galgani

Maria do Socorro Carvalho

Sumário: Introdução; 1 A evolução histórica da tutela do bem jurídico pelo Direito Penal; 2 A ordem econômica como bem juridicamente tutelado; 3 A necessidade de uma efetiva tutela jurídico penal dos crimes contra a ordem econômica; Conclusão; Referências.

RESUMO

As mudanças nos paradigmas sociais ocasionadas, em sua maior parte, à revolução tecnológica trazida pelas duas Grandes Guerras, fez com que emergisse no âmbito jurídico discussões acerca dos direitos sociais e da ordem econômica como um deles, sendo ainda questionado seu fundamento e importância. Após intensas discussões se teve a ordem econômica efetivamente não só como um direito social, como também ganhou ela força para por si só se sustentar no mundo jurídico, seja como integrante dos direitos sociais, seja como direito a uma justa ordem econômica, seja como bem jurídico penal. Contudo, resta questionada a necessidade de ser ela tutelada pelo direito penal visto se ele tido como “ultima ratio” do direito.

 

PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal; Bem Jurídico; Ordem Econômica; Direito Social.

 

INTRODUÇÃO

 

O Estado de Direito moderno surge, de forma a ordenar e pacificar as relações sociais estabelecidas entre os indivíduos. Estando o ordenamento jurídico vigente como ferramenta para realização dessa coordenação da sociedade, uma vez que estatue o âmbito de atuação de cada individuo e grupo social, impondo ditames de ações positivas e negativas.

A atividade legislativa, nesse sentido, surge de forma a estabelecer as situações que serão abarcadas pelo âmbito jurídico, delegando a cada campo do direito os bens que cabem proteger. Delimitando, entre esses bens anteriormente selecionados, aqueles que serão tutelados diretamente pelo Direito Penal. Uma vez que os considera primordiais a manutenção da ordem social, cuja seleção realizada, pelo legislativo e delimitada através da análise do interesse social desses bens, da necessidade dessa possível tutela e da exclusão de outros campos do Direito para efetivá-la, consideradas a subsidiariedade e fragmentariedade da tutela penal.

Desta forma, surge como tema relevante a ser discutido a percepção da necessidade de ao, selecionar os bens-jurídicos levar-se em consideração a inserção cada vez mais abrangente do homem na vida econômica do País, situação esta, que faz surgir como bem jurídico a ser tutelado pelo Direito Penal, a ordem econômica, como interesse supra individual, consistente na estrutura de produção, circulação e distribuição de riquezas.

A ordem econômica tornou-se ao longo do tempo, com a evolução da sociedade pós-industrial, um dos centros da atuação política, jurídica e social do estado, fazendo com que o ordenamento jurídico brasileiro a alçasse como valor fundamental de modo a justificar sua tutela pelo Direito Penal.  Uma vez que, como antepuseram os contratualistas, o Estado se positivou pela necessidade de se proteger os bens considerados essenciais à vida em sociedade.

Destacando-se, para que possa haver uma efetiva compreensão do assunto, os papeis dos legisladores e o reconhecimento da Constituição como fonte que evidencia quais os bens jurídicos que devem ser protegidos. Visando-se, também, a descrição do Direito Penal que, como regra geral deveria agir como ultima racio, levando-se em consideração, para isso, o caráter agressivo do Direito Penal e o principio da proporcionalidade.

 

1 A evolução histórica da tutela do bem jurídico pelo Direito Penal

 

No final do século XIX, inicio do século XX iniciou-se um processo de concretização de direitos considerados fundamentais a existência de qualidade de vida dos indivíduos. Surgindo em primeiro plano os direitos individuais, direitos de liberdade: civis e políticos, entendidos no contexto das revoluções francesa e inglesa, que destacavam a separação entre o Estado e a sociedade, gerando uma supervalorização do homem. Posteriormente ocorreu um maior destaque aos direitos sociais, incluindo valores culturais e econômicos, os quais surgiram em resposta às ideias antiliberais e voltando-se, sobretudo a proteção do proletariado e cujo enfoque era as discrepâncias existentes entre as condições de vida das diferentes classes sociais enfatizando os valores de igualdade. E por fim, concretizaram-se os chamados direitos solidários fruto das guerras mundiais, tratando sobre os valores universais que mostravam preocupação com as gerações humanas, presentes e futuras, destacando o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à paz.

Norberto Bobbio[4], no consoante ao assunto debatido, defende a ideia de que paz, democracia e os direitos fundamentais estabelecem três noções conectadas e pertencentes a um mesmo processo histórico, uma vez que a paz atua como elemento determinante para o reconhecimento e assistência aos direitos fundamentais e consequentemente não há como existir democracia sem que tais direitos sejam assegurados a todos os cidadãos.

A Constituição de 1988, ao prever que a República Federativa do Brasil constitui-se como Estado Democrático de Direito, inseriu uma série de modificações politicas, econômicas e sociais no ordenamento vigente. Sendo que dentre todas essas inovações, talvez a que tenha tido maior importância refira-se a tentativa de se promover uma efetiva proteção das garantias fundamentais dos cidadãos.

Contudo, vivemos em uma sociedade que se caracteriza pelas constantes mudanças sociais de pensamento e comportamento. E, consequentemente, pelas novas formas de crimes e que comportam uma série de problemas basilares, vigorando, sobretudo, o desrespeito aos direitos fundamentais estabelecidos pela Carta Magma. Identificando-se que, apesar de todo o progresso cientifico social e econômico do qual se desfruta atualmente, ainda não se conseguiu solucionar alguns problemas crônicos da humanidade, estando esses associados, por exemplo, a uma busca constante por lucro e extensa individualidade, incentivados pela ideologia capitalista vigente. Fazendo-se, assim, necessário, principalmente, identificar qual é a maneira mais segura para garantir a proteção desses direitos e impedir que os mesmos sejam continuamente violados.

Buscava-se então que esse modelo de Estado Democrático saísse da previsão meramente formal e ganhasse a materialidade satisfatória para gerar de fato uma justiça social. E é nesse contexto que surge os Bens Jurídicos. Feuerbach, foi quem, pela primeira vez, trouxe a ideia de bem jurídico-penal, que na sua ótica baseava-se em um contrato, atribuindo ao Estado à tarefa de conservação da nova ordem. Contudo, essa visão contratualista não foi muito bem aceita por Birnbaum que rebateu a tese, afirmando que o Estado não poderia criar bens jurídicos, somente poderia garanti-los. Binding, por sua vez, refinando o conceito de bem jurídico, sustentou que caberia a norma jurídica definir o bem jurídico. Entretanto, foi Franz Von Liszt quem melhor explicou a ideia de bem jurídico, o qual não estava ligado a uma escolha de Estado ou norma jurídica, e sim vinculado ao interesse humano protegido, sendo esse interesse o legitimador do bem jurídico a ser tutelado.

Na visão do doutrinador Francisco de Assis Toledo os bens jurídicos:

São valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetiva (TOLEDO, 1986, P.16).

Desta maneira o Direito Penal tem como escopo imediato a proteção desses bens jurídicos, assumindo o Estado a figura de pacificador das relações sociais de forma mais efetiva e contundente. Visto que se torna perceptível que a sociedade atual demanda cada vez mais o amparo e a efetividade no cumprimento dos direitos dos cidadãos.

Ocorrendo para isso a escolha dos bens a serem tutelados penalmente, os quais se caracterizam por serem de caráter universal e de difícil implementação na obtenção de proteção efetiva, por meio da análise dos anseios dessa sociedade. Sendo esses bens identificados através do contexto histórico e sociocultural, devendo estar em conformidade com os critérios do legislador.

Dando-se especial atenção, na positivação da escolha, a relevância de cada bem para os indivíduos e, sobretudo, as consequências dessa tutela que demanda que o Direito Penal haja como prima ratio. Ponderando-se, para isso, a eficiência - ou mesmo a ausência - dessa proteção por outros âmbitos do direito. Chegando-se a conclusão de que mesmo tendo a função de proteger a sociedade, não cabe ao Estado, através do legislador penal, a livre decisão acerca dos bens relevantes para a criminalização.

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, ao analisar a questão dos bens jurídico-penais afirma que:

O reconhecimento dos deveres de proteção penal aos direitos fundamentais faz o bem jurídico funcionar como limite mínimo, aquém do qual não se podem situar as sanções penais, sob risco de proteger insuficientemente aqueles direitos  (GONÇALVES 2007, P.67).

Entendendo-se, portanto que deve a atividade de absorção social destes bens, ocorrerem antes da sua recepção normativa. Uma vez que como alega Luciano Feldens:

Antes de serem bens ou valores recolhidos pelo Direito (bens jurídicos), eles se fazem constituídos como tais na consciência social, extraídos que são dos costumes vigentes em uma determinada sociedade e, por consequência, de suas necessidades. Isso é assim pelo menos em linha de princípio. Do que significaria concluir que a norma (penal) não cria valores, senão que, alinhada à metodologia de controle social - por intermédio da qual o Direito Penal está conectado a outros mecanismos - os absorve, por meio de sua positivação, como forma de protegê-los (FELDENS, 2008, P.50)

 

O proposito do Direito Penal ao proteger esses bens e a necessidade dessa proteção é bastante nítido. Entretanto, a tutela dos bens dispostos na Carta Magma deve ser feita de modo que não afronte os princípios penais previstos também na Constituição: como a dignidade da pessoa humana, individualização da pena, valores sociais e de justiça. Visto que esses funcionam, também, de modo a diminuir as arbitrariedades do Estado. Uma vez que ao se invocar o Direito Penal, a “liberdade” (que é um direito fundamental) é colocada em risco.

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