A EDUCAÇÃO SEXUAL RIBEIRINHA: PRÁTICA CRÍTICO-FILOSÓFICA FREIREANA...

Por Gabriela Costa Faval | 13/12/2016 | Sociedade

A EDUCAÇÃO SEXUAL RIBEIRINHA: PRÁTICA CRÍTICO-FILOSÓFICA FREIREANA NA COMUNIDADE DO POÇÃO EM COTIJUBA-PA

Amanda Sousa Dias – UEPA – amanda@yahoo.com.br

Amanda Paixão Montenegro – UEPA – mandi_paixao@hotmail.com

Dandara Karolenny Brito – UEPA – dandarabrito@globomail.com

Luane Mourão Bayde – UEPA – lukamourao@hotmail.com

Gabriela Costa Faval – gabyfaval@gmail.com

Izilda Nazaré de Almeida Cordeiro (orientadora) 

Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar as principais atuações, atividades realizadas e resultados obtidos ao longo de oito meses de atuação do Eixo de Educação Sexual pelo Projeto Pará Leitura Vai-Quem-Quer, entre os anos de 2012 e 2013, tendo como lócus principal a localidade de Cotijuba-Pa e como segundo espaço de práticas a Região metropolitana de Belém-Pa. A prática de Educação Sexual proposta realiza-se em diálogo com os saberes experienciais dos educandos, tendo por base a filosofia e os pressupostos educacionais de Paulo Freire. Trata-se de uma abordagem participativa que buscou relacionar os saberes curriculares e os conceitos existentes, prévios ou escolarizados dos participantes, sobre sexualidade. Os resultados foram obtidos através de falas, imagens e dos questionamentos transcritos da “Caixa de Segredos”, observando-se, também, as possíveis alterações comportamentais e/ou conceituais dos participantes. O registro dessas atividades foi feito através de relatórios e fotos. Para sistematização e coleta de dados foram construídas categorias temáticas. Entre os resultados desta pesquisa destacamos a dialogicidade atingida ao longo da prática, tanto com os participantes quanto a partir deles e de suas vivências, confirmando a filosofia crítica e os pressupostos freireanos como instrumentos viáveis para uma prática efetiva da Educação Sexual que permitiram aos educandos uma compreensão mais âmpla sobre a sexualidade e as relações de poder que as constituem. Como resultados obtidos, ressaltamos a importância deste trabalho para a (re)descoberta da identidade dos sujeitos participantes, a compreensão da sexualidade como elemento vital e presente no cotidiano do ser humano, perpassando a visão biologicizante e preventiva da questão sexual e permitindo a vivência plena da sexualidade e das relações interpessoais que a permeiam.

 

  1. INTRODUÇÃO

         Este artigo tem como objetivo documentar a prática da Educação Sexual crítico-filosófica, embasada pelos pressupostos freireanos e pela Educação Popular, realizada na ilha de Cotijuba, tendo como lócus principal a comunidade do Poção-PA e em segundo espaço escolas públicas, aleatórias, da região metropolitana de Belém e interiores do Estado.

         A proposta consiste em uma abordagem qualitativa, com utilização de grupos de discussão de diversas faixas etárias nos municípios do interior do estado e, no caso específico da comunidade do Poção, na implantação e acompanhamento desse grupo de discussão em uma escola multisseriada, com crianças de faixa etária entre 6 e 16 anos, ao longo de todo o ano letivo, buscando trabalhar a compreensão e o aprofundamento dos conceitos sobre a sexualidade humana, a identificação e a análise crítica dos papéis sexuais de homens e mulheres na sociedade e relacionando os saberes escolares ao conhecimento prévio dos educandos, visando possibilitar a vivência plena e segura da sexualidade.

A sexualidade é entendida por nós como condição básica para a existência pessoal, dimensionada em um processo biológico, psicológico, sociocultural e existencial do indivíduo. Estes processos definirão a formação do EU, a abertura ao outro (TU), as relações interpessoais (NÓS), e ao mundo, a expressão social do ser homem e do ser mulher, expressão e consciência de vida e morte e o agir moral (BRASIL, 2006).

Paulo Freire ressaltava em seus escritos que era preciso à escola adequar-se às necessidades da sociedade, fazendo com que o indivíduo assimilasse o que lhe era útil para tornar-se um cidadão crítico e transformador. Desta forma, associando-se este conceito ao pensamento filosófico, temos a curiosidade latente dessas faixas etárias, necessitada de espaço para fluir e à qual propomos uma discussão realizada pela criança ou adolescente e não para eles, de forma que nos sejam apresentados os conceitos que estes formulam fora do meio escolar e as dúvidas que, normalmente, a escola desconhece e deixa, portanto, de nortear.

Nesse contexto, a Filosofia é percebida como via dialética para a discussão das questões sexuais, por considerar-se que nela se confrontam o senso comum e a criticidade do indivíduo, como afirma Goldman (1979 apud NUNES, 1996) ao dizer que "A filosofia é uma tentativa de resposta conceitual aos problemas humanos fundamentais tal como estes se apresentam em certa época numa determinada sociedade.".

Conjuntamente ao uso da Filosofia, inserimos na proposta educacional o conceito freireano de respeito e valorização dos saberes do educando:

[...] pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. (FREIRE, 1996: 30)

Oliveira (2003) completa esta definição quando afirma que a visão de mundo de cada ser humano é “produto de seus questionamentos e reflexões sobre as ações, os sentimentos e as ideias extraídas da vivência cotidiana e geradas pela curiosidade” (p.24). E a curiosidade nada mais é do que o “motor” que movimenta as crianças e adolescentes na busca de sua própria identidade, uma identidade que também se forma na construção de sua sexualidade.

Neste artigo apresentamos inicialmente a educação sexual crítica construída com base nos pressupostos filosófico-dialético de Paulo Freire, seguida da aplicação da proposta em uma escola ribirinha, multisseriada e dos resultados obtidos da sistematização de dados e observações.

  1. O Projeto Pará Leitura Vai-Quem-Quer: o eixo de Educação Sexual – metodologia e fundamentação

O Projeto Pará Leitura Vai-Quem-Quer teve seu início a partir de uma atividade acadêmica, realizada no segundo semestre de 2010, na ilha de Cotijuba (comunidade de Vai-Quem-Quer), quando foram realizadas simultaneamente atividades de concientização ambiental, resgate cultural, incentivo à leitura, ludicidade, construção linguística e contação de histórias. Na oportunidade foram atendidas aproximadamente 260 crianças com idades variadas entre 2 e 16 anos em um dia intenso de práticas pedagógicas.

Após um ano de ações ocasionais foram retomadas as atividades, organizando e estruturando o projeto e dando surgimento a três eixos que direcionariam a proposta: 1. Educação Ambiental, 2. Educação, leitura e ludicidade e 3. Educação Sexual. O projeto ressurgiu, então, com aproximadamente 12 acadêmicos dos 32 iniciais. Após três anos de atuação na localidade do Poção o Projeto Pará Leitura Vai-Quem-Quer conta com aproximadamente 25 integrantes e tornou-se um forte aliado do processo educacional da Escola Anexo Pedra Branca, lócus de sua prática.

Destacamos aqui o Eixo de Educação Sexual cuja proposta centra-se na aplicação de uma prática crítico-filosófica, orientada pelos pressupostos freireanos do respeito aos saberes do educando e pela dialogicidade como mediadora educacional. A prática proposta tem gerado excelentes resultados, mostrando-se eficaz aliada do processo educacional.

As discussões geradas pelas temáticas propostas pelos educadores e pelos educandos, resultaram em relatos pessoais, explicitação de conceitos, tabus e mitos extra-escolares e foram registradas através de relatórios e fotos, observando-se, principalmente, as possíveis mudanças conceituais e comportamentais, ainda que apenas ocasionais. Também foram construídas categorias temáticas que permitiram o agrupamento dos dados e a análise destes identificando, em maior ou menor grau, as que requeriam aprofundamento teórico e/ou dialógico e que auxiliaram o planejamento das atividades seguintes.

         A necessidade de desenvolver-se uma pesquisa que enfoque as questões da sexualidade na comunidade de Cotijuba-PA se configura quando torna-se perceptível que as relações de poder estabelecidas nesse espaço caminham lado a lado com as questões de gênero, por exemplo, e que as problemáticas sociais que envolvem a sexualidade, como os altos índices de gravidez adolescente e de violência doméstica e/ou sexual são, muitas vezes, reforçadas pela escola, em virtude da evidente omissão na ação educativa e pela negativa em tomar posicionamento.

  1. Práticas Pedagógicas na Ilha de Cotijuba – Comunidade do Poção

  2. Reconhecendo os sujeitos: áreas alagadas e sanguessugas

No dia 13 de março de 2012 foi dado início às atividades do “Projeto Pará Leitura Vai-Quem-Quer” na comunidade do Poção, ilha de Cotijuba-PA. Formamos um grupo de aproximadamente doze pessoas que saiu da residência da Coordenadora docente, Profª Izilda Cordeiro, no Vai-Quem-Quer rumo à comunidade do Poção. O objetivo era fazer o levantamento das famílias residentes ao longo do caminho e nas proximidades da escola  Anexo Pedra Branca, que possuissem crianças matriculadas nessa escola.

Ao longo de uma caminhada de duas horas foram encontradas tanto residências quanto igrejas diversas. A maioria delas estava fechada, por se tratar de final de semana, quando os pescadores vão para o porto de Icoaraci vender pescado.

As famílias mais próximas à escola Anexo Pedra Branca tinham em média de 3 a 6 crianças, com idades variadas. No levantamento realizado a problemática mais evidente era referente a Meio Ambiente, porém, após alguns minutos de diálogo com as crianças, principalmente, identificamos questões relevantes para a Educação Sexual, como gravidêz precoce, violência doméstica, discriminação de gênero e abandono do lar por parte dos adolescentes. Estas questões foram as que nos deram instrumentos iniciais para formular e justificar a proposta de Educação Sexual.

A caminhada e o levantamento prosseguiram até uma área próxima à entrada da comunidade Fazendinha, quando fomos obrigados a retornar devido ao alagamento comum no período de março, impedindo nossa passagem, tanto pela dificuldade de transposição quanto pela possibilidade de jacarés nessas áreas. A última casa cadastrada encontrava-se em uma área alagada, a qual alguns de nós se arriscaram a atravessar e que se encontrava infestada por sanguessugas.

A ação seguinte foi realizada no dia 18 de Junho de 2012, na própria escola Anexo Pedra Branca, contando com a presença da equipe de filmagens do programa “UEPA nas Comunidades” que registrou as atividades realizadas. Neste dia foram atendidas aproximadamente 30 crianças e as atividades começaram com atraso devido a problemas com o bondinho que faria o transporte do grupo.

[...]

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