A dónde vas Enzo?

Por Mauricio Viçosa | 29/05/2012 | Literatura

Já passava das duas da manhã quando Enzo dirigia em alta velocidade pela ponte internacional atrás de alguma aventura no país vizinho. Escutava Bruce Springsteen a todo volume no seu carro. Há poucas horas atrás tinha perdido seu emprego e acabara de descobrir que sua namorada não era apenas só sua namorada. Parou seu carro no meio da ponte e acendeu um cigarro, estava destemido e querendo fugir das regras. Não se importava com o que poderia acontecer. Não tinha medo dos temidos Gendarmes, homens de fardas verdes musgo que tem fama de maus que teria que encarar antes de entrar na Argentina. Não esquentava pelo seu emprego, não ligava para a traição da sua namorada, nada importava tanto quanto os seus sonhos. Lembrou-se de todos os bons sonhos de adolescente, das muitas e muitas vezes que criou cada detalhe, cada ação. Frustrado com tantas lembranças que causaram uma sensação de tempo perdido, teve a certeza que a aventura que estava prestes a fazer era uma modesta amostra do que viria pela frente. Subiu a gola da sua jaqueta de couro e acelerou em direção a Paso de Los Libres. Teria uma pequena parada para responder o que todo uruguaianense um dia já respondeu: - A dónde Vas?

Enzo sabia que indiferente da resposta dele certamente aquele guarda de cara feia iria mandar prosseguir, sendo sua maior dificuldade desviar das balizas em função das duas garrafas de vinho que bebeu.  Seguiu em direção ao centro junto com seu novo passageiro solitário tentar a sorte nos bares calientes da sem sorte província de Corrientes.  Dónde vas Enzo, donde vas puto de la mierda. Gritava alucinado enquanto a música quebrava o silêncio das escuras ruas Librenhas. O tempo estava “feio”, parecia estar chegando uma tormenta. O céu laranja deixava o clima um tanto sinistro e nem mesmo os sinais de viração fizeram Enzo abandonar seus planos de curtir uma noite longe do conforto de estar em casa. Avistou um posto de gasolina perdido numa pequena estrada rodeada de plantações de arroz. Para sua sorte ainda se encontrava aberto. Com um cigarro na boca, estacionou o carro na frente de uns caminhoneiros que se encontravam ali descansando da “boleia”. Abasteceu o carro, abasteceu sua goela com bebida e ainda seu estômago com umas porcarias que encontrou. A vida é boa, dizia enquanto tomava uma cerveja no gargalo parecendo estar com muita sede.  Deparou-se com a atendente do posto, ficou excitado por ela ser tão legal. Vestia calça jeans justa no corpo e uma camisa de flanela desajeitada, cabelos soltos, um pouco de exagero de rímel nos olhos e um rosto de quem não dorme há um tempo. Falando um portunhol bagaceira Enzo iniciou uma conversa bastante descontraída. Seu nome era Emilia Guercio, uma jovem correntina de dezenove anos, que trabalhara no posto durante a madrugada para ajudar a mãe com as despesas de casa. Escorado no balcão e sem pressa alguma de sair daquele local, Enzo esqueceu todas as agonias de um dia cheio de tolices. Bebia, fumava e conversava sobre todas as coisas que amava. A música, o seu carro, as vontade de aventurar pelo mundo, o sonho de ser escritor e até mesmo leu trechos de suas obras para sua pretendente. Emilia, muitas vezes não entendendo Enzo, sorria bastante e lhe mostrou sua coleção de Cd`s do Bob Dylan. Contou seu sonho de estudar Cinema em Buenos Aires e do conturbado relacionamento com seu pai. Nem mesmo isso os deixou triste. Então Enzo lhe propôs abandonar tudo e viajar pelas estradas argentinas fazendo o que desse na telha.  Pareceu-lhe legal dizer a Emilia, uma garota que sonha em fazer cinema, levar uma vida igual a Sal Paradise e Sam Riley em On the Road. Apesar de levar a proposta com certa ironia, a jovem um dia já havia sonhado que um príncipe entraria na sua vida e tentaria tirar ela da monótona e triste vida em uma das províncias mais pobres da Argentina. Só não imaginou que ao invés de um cavalo branco e um príncipe encantado, o seu libertador seria um jovem que entrou pela porta atrás de cigarros e bebida, e que veste jaqueta de couro e tem pensamentos libertários, que passam além de desejo e aventura, uma forte dose de incompreensão. Emilia precisaria de mais tristeza do que trabalhar dez horas durante a madrugada e muitos mais desentendimentos com seu pai para abandonar tudo e viver o mesmo sonho com Enzo.  Dividiram uma Budweiser e Enzo se despediu da garota com quem se compartilhou bons momentos.  Antes de deixar a loja de conveniência beijou Emilia e caminhando em direção ao seu carro estava mais encorajado em prosseguir com sua noite alucinante. Sabia que Emilia foi o mais doce momento. Ela saiu na porta e gritando perguntou:

              -  A dónde Vas Enzo?

Pela segunda vez ele não sabia o que responder. Abriu os braços caminhando de costas e olhando Emilia disse:

             -  Para algum lugar que não me faça voltar!

Sorriu e acelerou seu carro até desaparecer de vista. A música alta, o tempo feio, a ventania e as decepções. Tudo isso ficou para trás.