A Dignidade da pessoa humana e o trabalho escravo moderno
Por Paula Dovana Simplicio Honorio | 16/04/2015 | DireitoA Dignidade da pessoa humana e o trabalho escravo moderno
Ana Laura Pereira Dias (analpdias@yahoo.com.br)
Paula D’ovana Honório Filho(pauladovana@yahoo.com.br)
RESUMO:
O Presente artigo pretende dissertar a respeito do tema “Trabalho escravo no Brasil durante o séc. XXI” visto que é algo que perdura na sociedade brasileira mesmo diante de um contexto de desenvolvimento econômico e sociocultural contextualizado com os pensamentos utilitaristas, kantianos e marxista a respeito do trabalho e da tutela à dignidade da pessoa humana pela Constituição de 1988; de criminalização da exposição do trabalhador a situações e condições semelhantes às que existiam no período escravocrata brasileiro, como previsto no art. 149 do Código Penal; e de previsão de inúmeros direitos trabalhistas pela CLT.
Palavras-Chave:Reconhecimento, Liberdade, escravidão, direito, utilitarismo, Kant, Marxismo.
INTRODUÇÃO
“O trabalho dignifica o homem” – dizem todos. Mas será mesmo que sempre foi assim? A escravidão é uma prática utilizada por diversas civilizações no decorrer da história, com suas variações ela pode ser caracterizada como um trabalho forçado no qual não existe remuneração ou recompensa por esse. A característica para ser um escravo e os trabalhos a serem feitos por eles, no decorrer da história mudou muito, no Egito Antigo os “escravos” eram os súditos do Faraó que não se viam como escravos pois ao construírem as pirâmides viam-se como abençoados pelos filhos dos deuses. Já no seu sentido mais tradicional, o greco-romano, a escravidão era a privação de liberdade de certos indivíduos – prisioneiros de guerras, indígenas, negros, camponeses –que deveriam viver sob a autoridade de alguém – rei, barão, etc – tornando-se para sempre propriedade negociável dele.
A ideia de que o trabalho dignifica o homem só posta em questão nas relações de trabalho entre os homens com o protestantismo no século XVII, que retirou do trabalho a visão negativa, mas que vez movimentar uma grande ideologia dos poderosos sobre os mais necessitados e principalmente depois do século XX, o capitalismo. Em relação a isso Karl Marx escreveu entre os anosde 1904 e 1905 “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, no qual coloca tal ideia como a mola propulsora do capitalismo que se baseia na exploração do trabalho do homem. Assim no livro “OCapital”, publicado em 1973 ele expõe a questão da mais-valia que é aquele trabalho extra explorado pelo capitalista do operário:
“Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital” (MARX,1988).
CONTEXTO HISTÓRICO
A escravidão precede a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). No processo histórico, ela assumiu em cada período contornos diferenciados que atendiam a interesses distintos, mas embora distintas, todas as formas de escravidão sempre representam uma prática desumana que reduz o outro a um mero objeto.
Aqueles que são submetidos a tais práticas, ainda sofrem com o descaso e com a omissão. É uma prática muito comum. Podemos encontrá-las em grandes latifúndios de terra e indústrias de todo tipo. Normalmente, afeta cidadão de classes mais baixas que não tiveram acesso á escola e desconhecem seus direitos, é caracterizado pelo uso de ameaças e também da força e os empregados são aliciados através dos chamados gatos que prometem trabalho geralmente em lugares distantes daquele em que vive com a promessa de bons salários e acomodação, mas ao chegaram no local de trabalho são submetidos a precárias condições de trabalho, com jornadas elevadas de trabalho e acabam acumulando dívidas internas, a chamada servidão por dívida, que por vezes jamais conseguiram sanar.
Inicialmente o trabalho escravo foi uma realidade social amparada pela legislação brasileira. No entanto, com o passar o tempo a sociedade foi se unindo contra á escravidão e essa prática passou a ser repudiada e combatida. No Brasil, a escravidão atual é um vestígio do período colonial e é uma prática muito exercida que faz com que milhões de pessoas sejam tratadas sem o mínimo exigido para uma vida saudável. Os principais fatores que levam a esta prática, é o fato de ela corresponder a uma fonte altamente rentável, devido à mão de obra barata, e a impunidade.
Entendendo o conceito de escravidão como um conceito histórico, criado a partir de interesses de uma classe dominante e opressora, observa-se que ainda hoje há uma grande dificuldade semântica em se estabelecer uma definição exata do termo. O tema em questão é referido com diversos conceitos, como por exemplo, “situação análoga à escravidão”, “escravidão”, “semiescravidão”, “trabalho forçado”, “exploração” “. Essa multiplicidade de conceitos representa uma grande dificuldade no estudo do tema, pois dificulta o enquadramento deste ato na legislação trabalhista.
Trabalho análogo ao escravo, conceito utilizado no Código Penal brasileiro, apoiado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, é definido deste modo e não como trabalho escravo, por este último ter sido abolido e, então, tornado ilegal pela Lei Áurea de 1888, quando o Estado brasileiro deixou de tolerar a propriedade de uma pessoa por outra. As atuais explorações de trabalhadores, exclusões de condições mínimas de dignidade e violações aos direitos fundamentais dos mesmos, correspondem, então, a situações similares àquelas às quais os escravos eram submetidos no período de 1500 a 1888.
A legislação brasileira atual, condena a submissão de determinada pessoa a condições análogas à de escravo, como pode ser constatado no art. 149 do Código Penal e na PEC 57ª de 1999, e prevê a proteção à dignidade do trabalhador e atribui às empresas o dever de cumprimento de função social, como pode ser constatado nos arts. 1º, 5º, 186, 193 da CF/88.
No campo da filosofia há varias vertentes sobre o assunto. A escravidão entre os filósofos tem a justificação por ser útil não só ao senhor como também ao escravo. Por esse motivo, Aristóteles (384-322 a.C.), considerava a escravidão como uma das divisões naturais da sociedade, tendo como pressuposto que existem aqueles que nasceram para comandar e aqueles que nasceram para serem comandados. O filósofo considerava sendo elementos primários e mais simples de uma família o senhor e o escravo, o marido e a mulher, o pai e os filhos.
São Tomás de Aquino enunciou: “Que um homem seja escravo e não outro é coisa que, de um ponto de vista absoluto, não tem razão natural, mas só razão de utilidade, porquanto é útil ao escravo ser governado por um homem mais prudente, e é útil a este último ser ajudado pelo escravo." ( S.Th., II, 2, q., 47, a, 3, ad2). No mundo moderno, foi a filosofia iluminista que mostrou a noção de escravidão como absurda e repugnante: sua defesa da noção de igualdade significa a condenação da escravidão em todas as suas formas e graus. E, é esta consideração que se abarca para falar de escravidão atualmente.
UTILITARISMO
O utilitarismo é uma correntefilosófica que começou a desenvolver suas ideias centrais no começo do século XVIII, na Inglaterra como inglês Jeremy Bentham (1748-1832). Essa corrente filosófica era formulada sob a premissa de que o ser humano era guiado pelos sentimentos de prazer e dor, dessa forma ele sempre buscava atividades que maximizavam seu prazer.
Chamado por alguns de extremismo filosófico, o utilitarismo exaltando a busca do prazer, muitas vezes desconsiderava os direitos naturais em prol de um bem estar maior. Maximizando isso para a sociedade, Bentham afirmava que ela era um “corpo fictício”, formado pela soma dos indivíduos que compõem. Dessa maneira a sociedade também é guiada pelo objetivo de ampliar o prazer (felicidade) do maior número de pessoas dela.
Relacionando com a escravidão pode-se observar que talvez o utilitarismo não a recrimine, pois a escravidão na época que consistia em total privação de liberdade de alguns indivíduos proporcionava o bem-estar de muitas pessoas, mesmo os escravos sofrendo e trabalhando em condições miseráveis, a sua infelicidade na hora de colocar na balança não era maior que a da sociedade dominante da época.
Em se tratando do trabalho que é análogo a escravidão que acontece em muitas empresas de roupas, sapatos, e diversos objetos hoje, também não seria visto com maus olhos pelo utilitarismo. Ao colocar as pessoas em um serviço análogo à escravidão, essas pessoas produzem objetos que aumentam a felicidade geral da população.
Assim, concluiu-se que no que diz respeito à corrente utilitarista, esta admite a escravidão, pois produz um bem maior. Mas, se pensarmos de forma mais racionalizada e atual, veremos que o utilitarismo desenvolvido por Stuart Mill opõe-se a esta prática, posto que a sociedade evoluiu economicamente e socialmente onde valoriza-se mais o indivíduo e tem-se como regra o respeito à dignidade, que de regra deve atingir a todos os seres humanos, produzindo um bem estar global.
VISÃO LIBERTÁRIA KANTIANA
Em contraponto ao utilitarismo, Immanuel Kant (1724-1804) filósofo que lançou a base ética da modernidade, desenvolveu uma filosofia libertária mais pautada na dignidade da pessoa humana. Dessa forma, libertários como ele afirmavam que as pessoas não deveriam ser usadas como instrumentos para se chegar ao bem-estar dos outros, devido tal forma de tratar as pessoas violar o direito à propriedade delas mesmas.
“Para Kant, a dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, não é passível de ser substituído por um equivalente. Dessa forma, a dignidade é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais: na medida em que exercem de forma autônoma a sua razão prática, os seres humanos constroem distintas personalidades humanas, cada uma delas absolutamente individual e insubstituível. Consequentemente, a dignidade é totalmente inseparável da autonomia para o exercício da razão prática, e é por esse motivo que apenas os seres humanos revestem-se de dignidade.” (Alexandre Cunha,p. 85/88.)
Esse pensamento resgata a ideia de um direito natural inato, até então refutado pelo utilitarismo. Partem da ideia iluminista de que por sermos seres racionas devemos respeitar a nossa própria liberdade e a dos outros, agindo com o imperativo categórico¹.
Voltando-se para essas ideias observarmos que para Kant a escravidão não estaria correta, pois não respeita a dignidade da pessoa escravizada muito menos sua liberdade no caso da escravidão tradicional. Mesmo ao tratar do trabalho análogo à escravidão, que é o que acontece na atualidade, pensamos que Kant não defenderia, porque essas pessoas exploradas são utilizadas pelo capitalismo como meio de alcançar o maior lucro possível pela empresa e não como fim em si mesmas.
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1. Caracteriza-se como hiperativo categórico quando a ação da pessoa for boa em si, e por tanto, necessária para a vontade que, por si só, esteja em sintonia com a razão.
REFERÊNCIAS
- CUNHA, Alexandre dos Santos, A normatividade da pessoa humana: o estudo jurídico da personalidade e o Código Civil de 2002.
- MARX, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
- SANDEL, Michale J., Justiça: O que é fazer a coisa certa, 13ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2014.
-http://jus.com.br/artigos/7069/a-dignidade-da-pessoa-humana-no-pensamento-de-kant/1