A dialética hegeliana e o materialismo dialético de marx
Por Daniel Leite da Silva Justino | 18/04/2012 | FilosofiaResumo
Hegel foi um dos últimos filósofos a construir um sistema filosófico que visava compreender a realidade e os problemas filosóficos através do método dialético que se caracteriza por um movimento em aspiral triádico caracterizada pela tese, antítese e síntese. Toda a realidade era compreendida a partir dessa tríade dinâmica. É importante ressaltar que para Hegel a realidade concreta e histórica é a manifestação do espírito que se auto-revela por meio da alienação (figuras) e se auto-conhece por meio da consciência humana. Após Hegel surgi uma corrente de oposição a sua filosofia chamada esquerda hegeliana entre os membros estava Karl Marx, este embora tenha incorporado em sua filosofia o método dialético, porém, sua aplicabilidade distinguia-se da de Hegel. Marx concebia a história e a realidade como o desenvolver das relações entre os homens e destes com a natureza. Ele foi um grande crítico de Hegel, pois o considerava o filósofo das nuvens, por centrar sua atenção na especulação acerca do espírito absoluto.
Palavras-chaves: Dialética. Espírito. Materialismo
Introdução
Entre os diversos sistemas – pensamentos – filosóficos encontram-se elementos contrários , porém não contraditórios. Um desses exemplos é o antagonismo entre o pensamento de Hegel e o de Karl Marx, ambos tem como ponto de partida a história que é interpretada a partir do método dialético, porém o sentido da história em si se distinguem, pois para Hegel a história é a manifestação do espírito absoluto que ascende da subjetividade para o saber absoluto, já para Marx, a história é o antagonismo de classes gerado pelo modo de produção vigente. Para o desenvolvimento deste estudo utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, tendo como teóricos REALE (2007), ROSENFIELD (2002), ABBAGNANO (2000), BASTOS (1997), MONDIN (2008) e os próprios filósofos HEGEL (2008) e MARX (2008).
O sistema hegeliano e seus princípios fundamentais
Hegel foi o último dos filósofos sistemáticos que tentou compreender a realidade a partir de um sistema bem estruturado nos moldes da ciência. Seu sistema é regido por dois princípios lógicos: o de identidade do ideal e do real e o de contradição. E um ontológico: o absoluto.
O primeiro princípio que é o de identidade do ideal e do real estabelece uma relação profunda entre racionalidade e efetividade porque na concepção de Hegel o espírito encontra-se tanto no pensamento como na coisa efetivada. O comentador Denis explica dizendo que “o espírito é constituído por um processo de figuração, ou seja, por seu vir a ser na consciência e no mundo...” (DENIS, pag. 37) essa relação de identidade entre pensamento e coisa é condição necessária para que a realidade seja cognoscível, pois se a idéia diverge do objeto então a realidade torna-se inconcebível .
O segundo princípio é o da contradição . Este afirma que tudo está sujeito a dialética da afirmação e da negação. Hegel na fenomenologia do espírito diz que “o verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo (...) sua atualização...” (HEGEL, pag. 35), ou seja, as coisas que manifestam o espírito não são estáticas, fixas ou imutáveis, mas dinâmicas, por isso há uma relação de contradição no interior das coisas efetivas. Este princípio será à base da construção do método dialético de Hegel.
O princípio ontológico é sem dúvida a base de estruturação de toda a filosofia hegeliana, pois todo o seu pensamento se volta para o espírito absoluto. Esse espírito que se manifesta ao longo da história percorrendo as fases da subjetividade, da objetividade e do conhecimento absoluto, ou seja, do em-si, do para-si e do em-si e para-si. A história na concepção de Hegel é esse processo de autoconsciência do espírito através da tomada de consciência do homem em si mesmo a partir da relação com o outro.
Portanto, Hegel estrutura seu sistema filosófico mediante alguns princípios cujo objetivo era colaborar para que a filosofia se aproximasse da forma da ciência.
O método hegeliano
O único método na concepção de Hegel, capaz de elevar a filosofia ao saber científico se chama método dialético que consiste num movimento triádico que parte da tese (afirmação), passa pela antítese (negação) e desemboca na síntese (negação da negação).
A realidade segundo Hegel é compreendida por meio do método dialético, Abbagnano diz que “a dialética (...) é o processo mediante o qual a razão se reconhece na realidade que surge como estranha ou oposta à razão, primando ou conciliando essa oposição.” (ABBAGNANO, pag. 81), pois é nesse movimento triádico que a razão compreende a realidade que em si é marcada por uma relação de contradição. Por isso se faz necessário analisar cada momento desse movimento dialético.
O primeiro momento é denominado de tese ou do ser e si. Nesse momento há a ação do intelecto humano que abstrai conceitos determinados e se detém na determinação dos mesmos, segundo Hegel o conhecimento advindo do intelecto é inadequado, pois fica preso a conceitos determinados. Mondim ao falar sobre a tese diz que “ela (...) afirma uma parte da realidade, negando implicitamente outra parte da realidade...” (MONDIN, pag. 47), porque quando se afirma algo de alguma coisa se exclui a negação daquela coisa , por isso que a tese acentua apenas uma parte da realidade.
O segundo momento é conhecido como antítese ou do ser para si. Nesse momento o intelecto dá lugar à razão, esta por sua vez visa superar a unilateralidade (criada pelo intelecto) a partir da contradição . Nessa fase tem-se a negação da afirmação, ou seja, há substituição da rigidez criada pelo intelecto, pela fluidez estabelecida pela razão.
O último momento é o da síntese ou do ser em si e para si. Nessa fase Reale afirma que ocorre a “... unidade das determinações contrapostas...” (REALE, pag. 109), porque ocorre a unificação ou conciliação das oposições entre tese e antítese.
Por fim, o método dialético é na concepção hegeliana adequada para a compreensão da realidade. A realidade em si não é estática, mas dinâmica, por isso percorre três momentos cujo fim é a unificação das oposições criadas pelos momentos anteriores.
Movimento dialético do espírito absoluto
O esquema triádico da dialética hegeliana revela o movimento do “refletir-se em si mesmo” do espírito que Hegel o apresenta de maneira circular. Este espírito percorre três momentos denominados de idéia, natureza e espírito.
A idéia corresponde ao primeiro momento também denominado de ser em si. Neste compreende-se o que a figura – em quanto manifestação efetiva do espírito - é em seu ser, ou seja, como Reale afirma é a “subjetividade em sentido idealista” (Idem, pag. 104) do espírito ou a racionalidade pura frente ao mesmo.
O momento seguinte é denominado de natureza também chamado de extra si. Neste o espírito sai da pura subjetividade e se objetiva por meio da alienação. Esta corresponde a uma fase do processo que vai da consciência a autoconsciência do espírito. Nesta fase o espírito se “coisifica” porque assume uma figuração.
Por fim há a etapa intitulada de espírito que é o momento em que o espírito “retorna a si mesmo” , porque após ter percorrido as etapas precedentes toma consciência de si . Partindo dessa distinção entre idéia, natureza e espírito, Hegel divide a sua filosofia em três partes: a lógica, a filosofia da natureza e a filosofia do espírito.
Crítica de Marx a filosofia hegeliana
A filosofia de Hegel foi alvo de duras críticas por parte de alguns filósofos que foram denominados de esquerda hegeliana, entre eles estava o filosofo alemão Karl Marx que fez duras críticas a Hegel pelo fato de trabalhar com uma filosofia de caráter transcendental.
Marx e Engels escreveram a ideologia alemã no qual faz duras críticas à filosofia vigente marcada pela especulação a cerca do ser transcendental . Na concepção de ambos a filosofia deveria partir da realidade concreta de maneira especial das relações de produção entre os homens e não do supra-sensível como defendia Hegel. Por isso Marx vai dizer que “... não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência...” (MARX, pag. 20), pois é a partir das relações com os outros homens e com a natureza que o homem constrói sua própria consciência.
Com a ideologia alemã Marx inaugura o que denomina de materialismo histórico que consiste em interpretar a história humana a partir das relações de produção, ou seja, o Marx tenta compreender o homem a partir daquilo que eles produzem, portanto para ele o homem é quilo que produz .
A oposição entre Marx e hegel consiste no fato do primeiro ser um filosofo da imanência, pois parte de uma filosofia encarnada com a história – mas não qualquer história – e o segundo, ser um filosofo da transcendência, pois centrou sua reflexão na manifestação do espírito absoluto. Embora, Marx tenha sido um crítico de Hegel, porém incorporou na sua filosofia o método dialético, pois na sua concepção a realidade é marcada por contradições, por isso o método mais eficaz para compreende - lá é o método dialético.
O materialismo como fator distintivo da dialética marxista
Marx incorporou na sua filosofia o método criado por Hegel, porém seu foco de aplicabilidade distinguiu do mesmo, pois centrou na realidade material (relação produtiva).
O filosofo alemão mudou o foco de aplicabilidade do método dialético, pois Hegel a utilizou para expor o processo de manifestação do espírito absoluto, Marx por sua vez tirou da verticalidade e encarnou na realidade marcada pelas relações de produção.
Nesta realidade Marx compreendeu a história como um processo marcado pelas relações materiais entre os homens, onde cada etapa histórica é marcada por um modo de produção que determina a divisão de trabalho e conseqüentemente a divisão de classes.
O materialismo dialético visa enxergar a realidade a partir das contradições inerentes nas estruturas econômicas. Essas contradições são visíveis na luta de classes. O fim último, segundo Marx, da humanidade será superá o antagonismo vigente por meio da implantação do comunismo.
Portanto, Marx mudou o foco de aplicabilidade do método dialético tirando das nuvens para a realidade terrena.
Leis do materialismo dialético
O materialismo dialético de Marx é regido por algumas leis, tais como: lei da interação universal, lei do movimento universal, lei dos contrários e lei da superação. Ambos caracterizados pela contingência, ou seja, pelo devir.
A lei da interação universal caracteriza-se por tentar compreender um fato a partir da análise da sua conjuntura, pois é partindo do entorno do fenômeno que se compreende o fato. Bastos exemplifica dizendo que “... é impossível compreender adequadamente o fenômeno inflação, considerando-a como resultante apenas do aumento salarial.” (BASTOS, pag. 133), pois é necessário contextualizá-la a outros fatores que se encontram as margens do fato.
A lei do movimento universal consiste em interpretar a realidade como algo dinâmico que ao longo do tempo sofre profundas mutações. Por exemplo, as estruturas presentes na idade média, já não são as que se encontram na idade contemporânea, pois ao longo do tempo essas estruturas foram sofrendo transformações que permitiram o desaparecimento de algumas e o surgimento de outras de acordo com a ideologia vigente.
A lei dos contrários “... considera a oposição de elementos contrários presentes em interação em uma mesma (...) realidade.” (idem, pag. 133) porque segundo Marx a realidade social é marcada pela contradição ou pelo antagonismo de classes .
Por fim o movimento materialista dialético desemboca na lei da superação que consiste em superar o antagonismo das fases anteriores, sem, contudo eliminá-las de si. Essa lei no movimento triádico hegeliano corresponde à síntese.
Considerações finais
Portanto, Hegel influenciou Karl Marx no aspecto metódico (formal), porém se distinguiram quanto ao conteúdo, ou seja, ambos se utilizaram da dialética, porém, com finalidades distintas. O primeiro com um foco transcendental – a manifestação do espírito- e o segundo com uma perspectiva imanente – a realidade social.
Referências bibliográficas
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. (tradução Pietro nassetti). 2º ed. São Paulo: Martin claret. 2008, pag. 45 - 82.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. (tradução Luis Claudio de castro e costa). 3º ed. São Paulo: Martins fontes. 2008, pag. 3 - 54.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. (tradução Paulo Meneses). 5º ed. Petrópolis: Vozes. 2008, pag. 25-70.
MONDIN, Batista. Curso de filosofia. (tradução de Benôni Lemos). 3v. 10º ed. São Paulo: Paulus, 2008. pag. 43-48.
BASTOS, Cleverson; KELLER, Vicente. Aprendendo lógica. 5º ed. Petrópolis: Vozes, 1997. Pag. 132-134.
DUSSEL, Enrique. Método para uma filosofia da libertação. São Paulo: Loyola, 1986. Pag. 148-160.
ABBAGNANO, Nicola. História da filosofia. 9v. 4º ed. Lisboa: presença, 2000, pag. 80-82.
ROSENFIELD, Denis. Hegel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, pag. 37-38.
REALE, Giovanni. Historia da filosofia do romantismo até nossos dias. 3v. 8º ed. São Paulo: Paulus, 2007. p. . 104 -109.