A DESPENALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL

Por Daniela Rocha de Sa | 04/01/2013 | Direito

A DESPENALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL: sob à luz do Princípio Penal da Ofensividade [1]

Daniela Rocha de Sá[2]

Francisca Maria de Sousa Santos

Maria do Socorro Almeida de Carvalho[3] 

Sumário: Introdução; 1. Uma análise acerca do art. 28 da Lei 11.343/06; 2. A aplicação do princípio da ofensividade ao porte de drogas para uso pessoal 3. O papel do Direito Penal Brasileiro como regulador social; Considerações Finais; Referências.   

 

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a despenalização do porte de drogas para uso pessoal que ocorreu com a entrada em vigor da Lei 11.343/06. Para tanto é de fundamental importância estabelecer a relação entre os princípios penais e constitucionais e a tipificação de condutas criminosas previstas pelo Legislador, destacando-se como é vista hoje a atuação do Direito Penal dentro da sociedade brasileira. Dentre os princípios que serão tratados destacam-se o da insignificância, intervenção mínima, ofensividade e fragmentariedade. Trata-se de um trabalho que busca estabelecer a relação de dicotomia existente entre os princípios do Direito Penal e o poder punitivo estatal.     

 

PALAVRAS – CHAVE: Princípio da ofensividade; Poder punitivo estatal; Porte de drogas para uso pessoal.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho faz uma análise acerca da interpretação e aplicação do art. 28 da Lei 11.343/06 promulgada em 24 de agosto de 2006 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Publicas sobre Drogas – Sisnad, frente a possível afronta ao princípio da ofensividade e aos demais princípios que regem o Direito Penal brasileiro.

Nestes termos, analisar-se-á a despenalização que ocorreu quanto ao porte de drogas para consumo pessoal à luz dos princípios penais que buscam limitar o poder punitivo estatal, buscando destacar a função do Direito Penal no seio da sociedade bem como os seus deveres e os seus limites dentro de um Estado Democrático de Direito que devem sempre nortear a interpretação e a aplicação no ordenamento jurídico pátrio.  Para tanto, no trabalho utilizar-se-á o método hipotético – dedutivo e como fontes dados documentais baseados na doutrina e jurisprudência.  

  1. UMA ANÁLISE ACERCA DO ART. 28 DA LEI 11.343/06

No dia 23 de agosto de 2006 foi promulgada pela Presidência da República a Lei 11.343/06 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad. A lei prescreve sobre as medidas de prevenção para uso indevido, atenção sobre a reinserção social para usuários dependentes de drogas e estabelece as normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico de drogas. (PLANALTO, 2006). Para fins desse trabalho, será analisado apenas o art. 28 da referida lei. A seguir:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa.

§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

 

 A Lei modificou a expressão uso de entorpecente por consumo de drogas. “A adequação terminológica da referida fez-se necessário, uma vez que, nem todas as substâncias causadoras de dependência podem ser classificadas como entorpecentes, como abordavam às leis anteriores” (ROSÁRIO, 2008, p. 30).

Esta lei consiste em uma norma penal em branco, pois implica na necessidade de norma complementadora para definir quais são as drogas em desacordo com a determinação legal, especificadas em lista atualizada pelo Poder Executivo da União. O bem juridicamente tutelado é “a saúde pública”. O elemento normativo está na expressão “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamento” e o elemento subjetivo é o dolo. O momento consumativo ocorre na prática de qualquer das ações descritas na figura típica, independente de qualquer resultado. (RAMOS, p.07)

A Lei trouxe um novo modelo incriminador que antes não existia que consiste em semear, cultivar ou colher plantas destinada à preparação de pequena quantidade de substancia ou produto caracterizado como droga, para consumo pessoal. A edição da nova lei trouxe várias discussões sobre a alteração no texto ao tratar das penas “(...) a imperfeição técnica do legislador que utilizou expressões dúbias (penas e medidas educativas quanto às sanções), levou a doutrina a um acalorado debate acerca da existência ou não de abolitio criminis” (COSTA, 2007).

Campeando na doutrina pátria a dúvida acerca se o que houve foi uma descriminalização ou despenalização da conduta, este trabalho, irá compartilha do entendimento doutrinário de que houve a despenalização de tal conduta “(...) isso porque o atual art. 28 da referida lei ainda incrimina a conduta de consumir drogas” (GRECO, 2007, p.54). Sendo considerada a opção, por exemplo, de uma medida de prestação de serviço à comunidade a aplicação de uma pena.

Tal realidade adquire forma através da recorrência cada vez maior ao Direito Penal como solução em prima ratio de praticamente todos os conflitos sociais. Sua formação, eminentemente simbólica, é atuar como mecanismo tranquilizador da opinião pública que, hegemonicamente, busca amparo e assistência ao invés de reconhecimento de seus direitos. (PASTANA, 2009, p. 315).      

Em um país em que é notória a segregação das pessoas por classes sociais, e em decorrência disso tem-se um sistema penal seletivo quanto à sua clientela, a edição de uma norma penal que enseja uma margem a discricionariedade das autoridades coatoras mostra-se mais uma possibilidade de criminalizar apenas os indivíduos das classes menos favorecidas. “(...) ao contrário do que faz imaginar os noticiários sobre a apreensão de toneladas de drogas, o cotidiano dos tribunais parece ser preenchido pelas pequenas apreensões de droga” (RAUPP, 2009, p. 364).

A forma como as agências de controle diferenciam o que seria considerado como tráfico ou como consumo pessoal, denota a subjetividade dos critérios utilizados para a vitimização ou a criminalização do indivíduo, ou seja, mais uma vez o sistema penal faz seletivamente a escolha do estereótipo de consumidor (jovens de classe média) e dos traficantes (jovens de classes mais vulneráveis). Fazendo nascer a partir dessa dicotomia entre vítimas e bandidos à crença que há uma guerra contra um “inimigo comum”, e que necessariamente para soluciona-la o Estado tem que intervir da forma mais drástica, através do Direito Penal (GIAMBERARDINO, 2010, p. 212-225).

Assim sendo, a polícia tem uma vasta participação em todo o processo, pois o inquérito, ainda que dispensável, tem um peso que reflete em todo o processo penal.            

Ora, sabe-se que a polícia desempenha um papel central na repressão ao crime detráfico de drogas. Além de classificar primeiramente o que é tráfico e o que é porte, é a polícia que colhe as provas que serão discutidas no processo. É a polícia que dá o tom do debate nos autos. O promotor de justiça arrola as testemunhas presentes no inquérito policial e, em juízo, as provas colhidas na fase policial são feitas. O inquérito policial é o parâmetro, mesmo sendo por lei dispensável ao processo penal, ou seja, mesmo que a lei permita que uma ação penal possa ser instaurada sem que tenha havido inquérito policial prévio (RAUPP, 2009, p.356).    

Diante da Lei, eis que surge no bojo da doutrina penal e na rotina dos operadores do Direito mais um tema para discutir-se a finalidade, legitimidade, necessidade e as consequências, principalmente sociais, da criminalização do consumo de drogas.  

  1. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE AO PORTE DE DROGAS PARA USO PESSOAL

Diante da conduta de transportar drogas para consumo pessoal não há qualquer ofensa ao bem jurídico saúde pública, não sendo a resposta penal o suficiente para solucionar o problema em tela, principalmente pelo fato de ser o uso de entorpecentes uma questão de saúde pública e não de segurança. E por consequência, a violência decorrente da intervenção penal na vida do usuário é muito superior à violência causada pelo uso das drogas. “O custo econômico e social do tratamento penal da questão não se justifica mesmo para hipótese de manutenção de uma política de ingerência estatal na esfera individual na questão” (SOUZA, 2011, p.181). 

Ainda segundo Souza (2011):

Quanto ao ponto de vista do sistema de penas, tampouco se revela adequada à punição criminal em foco. A retribuição a quem apenas se autolesiona é injusta. A prevenção geral negativa vê-se neutralizada pelo irracionalismo atrelado a um vício (portanto, uma questão médica) e pela pouca intimidação da resposta legalmente adotada. A prevenção geral positiva mostra-se ilegítima na medida em que tenciona à mera conformação de consciência. A prevenção especial negativa, com seu ideal de neutralização do delinquente, é inadequada na hipótese em questão, pois a autolesão perpetrada consiste em uma opção pessoal ou algo de teor médico (vício). Por fim, a pretendida ressocialização mostra-se como absurda ingerência estatal em uma conduta de foro íntimo (SOUZA, 2011, p.182).

Assim, mesmo que o comportamento seja determinado como típico formal (p.ex: adquirir, guardar, tiver em depósito, etc.), mas não se mostrar materialmente relevante, ou seja, não proporcionando qualquer prejuízo a terceiros, não seria considerado para fins de aplicação da pena materialmente típico. “A tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material” (BITENCOURT; PRADO, 2006, p.86).  Adequando-se a conduta ao socialmente tolerado, pois como já dito, diz respeito ao foro íntimo da pessoa que apenas se autolesiona.

Destarte, por falta de ofensividade a um bem jurídico-penal, dogmaticamente, o crime em análise carece de legitimidade em um sentido fundamental. No entanto, há ainda a configuração de vilipêndio a outros princípios constitucionais, quais sejam, da igualdade e do respeito à intimidade e a vida privada das pessoas (SOUZA, 2011, p.171).

Da mesma forma, como o princípio da ofensividade o princípio da lesividade também proíbe a incriminação de uma atitude interna, ou seja, uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor “a impossibilidade de atuação do Direito Penal caso um bem jurídico relevante de terceira pessoa não esteja sendo efetivamente atacado” (GRECO, 2007, p.54).   A falta de precisão ao definir o bem jurídico protegido neste crime revela uma deficiência significativa a ponto de afastar a tipicidade dessas condutas descritas no caput do artigo, pois tutelar a “saúde pública” mostra-se vago demais para justificar a intervenção estatal. “O conceito de bem jurídico é, atualmente, um dos maiores desafios de nossa doutrina, na busca de um direito protetivo e garantista, e, portanto, obediente ao Estado Democrático de Direito” (CAPEZ, 2005, p.22).     

Segundo Fernando Capez (2005):

Na ofensividade, somente se considera e existência de uma infração penal quando houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. No primeiro, há uma limitação quanto aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito Penal; no segundo, só se considera existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real ou concreto. (CAPEZ, 2005, p.23)

Nesse diapasão, não há como falar no princípio da ofensividade sem fazer alguns comentários aos outros princípios da intervenção mínima, fragmentariedade e insignificância que também são fundamentais para o Direito Penal e indispensáveis para analisar a legitimidade do Estado em intervir nessa conduta.

O princípio da intervenção mínima é também chamado de princípio da subsidiariedade, isto porque, as leis penais só devem incidir para proteger valores que são indispensáveis à convivência sem conflitos entre as pessoas, não podendo, dessa forma, ser protegidos de maneira diversa. Esse princípio tem por finalidade limitar a incidência do Direito Penal porque, as sanções penais poderão acarretar na supressão de direitos fundamentais. Por conta disso, ele deverá ser aplicado como última possibilidade [...] “ficando reduzido a um mínimo imprescindível. E, de preferência, só deverá fazê-lo na medida em que for capaz de ter eficácia”. Isso porque a utilização exacerbada do poder de punir não tem por escopo garantir de forma mais eficaz a proteção dos bens jurídicos, inversamente, “condena o sistema penal a uma função meramente simbólica negativa”. (PRADO, 2010, p.148-149).

Pelo princípio da fragmentariedade entende-se que todo o conjunto de leis têm por finalidade proteger bens juridicamente relevantes para a sociedade, devendo o direito penal intervir somente em algumas situações que causem sérios danos, considerados insuportáveis para a vida em sociedade. ”Isso quer dizer que apenas ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização”. (PRADO, 2010, p. 149).

O princípio da insignificância, outrossim, afirma que as condutas não serão penalizadas se afetarem de forma insignificante bens jurídicos, ou seja, ações ou omissões que não afetarem bens jurídicos de forma expressiva, que não causarem danos consideráveis, serão despenalizadas. “O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados” (PRADO, 2010, p. 157).

Concluída a breve exposição sobre os princípios penais, necessário se faz diferenciar as consequências na conduta de quem apenas consome a droga e de quem pratica o tráfico. Sobre o assunto, o autor Luíz Greco (2010):

Se a posse tem por finalidade o consumo pessoal, então inexiste qualquer referencia a um ser mais fraco, de modo que tampouco é aplicável o critério de exploração. Esse critério explica, porém, porque a posse para fins de entrega a terceiros já ultrapassa o âmbito da autonomia: muitos dos que devem receber a droga são viciados, e com isso, em certo sentido, mentalmente enfermos. A posse para fins de entrega a terceiros é uma exploração potencial – ao menos no caso de drogas pesadas, isto é, de drogas geradoras de dependência química (GRECO, 2010, p.100). 

O principio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e para que esse fundamento seja resguardado, bem como, executado, há necessidade de implementação de ferramentas de “controle social”, dentre essas ferramentas, o Direito Penal é o mais solene e agressivo deles. É agressivo porque tendo como finalidade de resguardar “a dignidade, usa de meios que afetam a mesma”, e é solene porque como afeta um princípio tão importante, deveria afetar somente sobre ocorrências insustentáveis “à dignidade humana, cujo controle é inviável por outros mecanismos de regulação” (BOTTINI, 2010, p. 269-270).

Diante do exposto conclui-se que “enquanto a conduta de alguém não lesionar ou, pelo menos, não puser em efetivo perigo o mínimo ético, o direito há de respeitar a liberdade individual, pois desnecessária sua atuação” (OLIVEIRA, 1997, p. 146). Imperativo este basilar de um legítimo Estado Democrático de Direito.

  1. O PAPEL DO DIREITO PENAL BRASILEIRO COMO REGULADOR SOCIAL

O art. 28 da lei 11.343/2006, preceitua que aquele que adquiri, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo próprio, drogas sem autorização ou em desarmonia com aquilo que está determinado na lei, será advertido sobre os efeitos da droga; prestará serviços à comunidade ou participará de cursos educativos. Existem várias formas de resolver conflitos, nem todas as atitudes que causam conflitos e que são contrárias à moralidade devem ser resolvidas através da punição. O poder punitivo caracteriza-se, desse modo, em apenas uma das formas de resolver determinado conflito. A doutrina elenca variadas formas de resolvê-los, existem outras que tentam reparar, tratar e conciliar. (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p. 57-58).

 Percebe-se que o delito de que trata o art. 28 poderia ser tratado como tema de saúde pública e jamais, o Estado, poderia criminalizá-la, uma vez que a violência pela criminalização dessa conduta é superior àquela que tem por finalidade combater. (SOUZA, 2011, p.179). É importante frisar que “as normas penais são as que contêm as mais drásticas sanções criadas pela ordem legal, pois atingem o homem no bem jurídico de maior hierarquia depois do bem vida: a própria liberdade” (OLIVEIRA, 1997, p. 149).

Apesar disso, a punição contém um poder devastador muito grande, pois de certa forma, afasta as outras formas de resolução de conflitos. Isso significa que determinadas atitudes conflitivas, de maior ou menor potencial ofensivo e com significados diferentes para a sociedade, são solucionadas por meio da punição imposta pela instituição competente, contudo, nem todas as pessoas sofrerão essa punição, pois, na verdade, há uma escolha específica, ou seja, os escolhidos serão, em regra, os pertencentes às classes menos favorecidas (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p.57-58).

Ainda se não fosse o suficiente, percebe-se que o Estado é o principal sujeito das ações de maior ofensividade, ao mesmo tempo em que “institucionaliza as soluções”. Por conta disso, presume-se que o ‘delito’ foi criado com a finalidade de incidir sobre determinadas pessoas específicas e ter sobre elas determinada função, “e não uma realidade social individualizável”.  (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p.57-58).

Toda sociedade é caracterizada através de estrutura dos poderes “político e econômico”, e a depender da proximidade com esse poder, tem-se conjuntos centralizadores e periféricos. E através dessa estrutura de poder compreende-se “o controle social”. “Esta centralização-marginalização tece um emaranhado de múltiplas e proteicas formas de contexto social (influência da sociedade delimitadora do âmbito de conduta de indivíduo)”. “assim, o conceito de controle social inclui o controle exercido pela sociedade sobre o individual através de diversos modos, como a educação, arte e também, mas não só, a lei” (GIAMBERARDINO, 2010, p. 190). 

Dessa forma, o controle social utiliza-se de meios implícitos e explícitos, os meios implícitos através, por exemplo, da mídia já que esta impõe regras sem que a população entenda como uma forma de controle, e o explícito através do sistema penal.  Portanto, para entender o modelo de sociedade em que está inserido é necessário analisar, por exemplo, o tipo de família que faz parte dessa sociedade, a forma educacional, os centros acadêmicos, entre outros, e não apenas o sistema penal, dessa forma. “(...) assim, deslegitima é a utilização do Direito penal na vedação ao porte para uso de drogas, constatando-se a sua contrariedade a um ordenamento que se pretende democrático de Direito” (SOUZA, 2011, p. 181). 

 A enorme extensão e complexidade do fenômeno do controle social demonstra que uma sociedade é mais ou menos autoritária ou mais ou menos democrática, segundo se oriente em um ou outro sentido a totalidade do fenômeno e não unicamente a parte do controle social institucionalizado ou explícito.  (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p. 58-59).

O Direito Penal é caracterizado como um complexo das leis penais, bem como, a explicação que é dada a essas leis penais. Pode-se dizer que direito penal, então, constitui um agrupamento de leis, que tem por finalidade tutelar bens jurídicos, também determina o quanto esses bens jurídicos devem ser protegidos, e o desrespeito a esses bens jurídicos é chamado de ‘delito’, e tem por finalidade uma:

(...) coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor. No segundo sentido, direito penal (saber do direito penal) é o sistema de compreensão (ou de interpretação) da legislação penal. A legislação penal se distingue da restante legislação pela especial consequência que associa à infração penal (delito): a coerção penal, que consiste quase exclusivamente na pena.  (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p. 80).

Considerando o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, entende-se que a punição imposta pela lei não tem a possibilidade de incidir sobre os comportamentos que resultam na prática da faculdade “moral que a Constituição e as leis garantem, e sim sobre aquelas que afetam o exercício desta autonomia ética, em decorrência, [...]” são inexistentes as infrações de modo geral que não se destinam a infringir “bens jurídicos” de outras pessoas, ou seja, “que não afete algum dos elementos de que necessita dispor outro homem para realizar-se, para escolher o que quer se conforme a sua consciência (a vida, a honra, o patrimônio, a saúde, a administração pública, o Estado em si)”. (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p. 83-84).

Infere-se do tipo penal trazido pelo art. 28 da lei 11.343/2006 que a pessoa que o comete não traz prejuízos aos bens jurídicos de terceiros, na verdade, aquele que porta drogas para consumo pessoal causa lesão em si mesmo, não devendo, portanto, ser-lhe imposto um castigo. (SOUZA, 2011, p. 175).

Considerando o objetivo das leis penais, há autores que dizem que a lei penal tem por finalidade a “segurança jurídica’ e outros, por outro lado, entendem que a finalidade é de proteger a sociedade”. Para aqueles que entendem que a lei penal serve para dá segurança jurídica, a pena tem por objetivo prevenir de forma ampla, ou seja, serve de exemplo para aqueles que não cometeram delitos; já para aqueles que entendem que a pena tem por objetivo a proteção do social, a pena serve para aquele que cometeu o delito, ou seja, serve para aquele que cometeu o delito não venha mais a cometê-lo, é uma prevenção excepcional. (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p. 85).

 A pena que tem caráter de prevenção em sentido amplo, deve ser compreendida como “retribuição, enquanto, entendida como prevenção especial, deve ser reeducação e ressocialização”. A primeira deve retribuir àquele que cometeu o delito todo o dano que ele produziu na sociedade, por outro, lado a segunda deve educar o delinquente para que ele não cometa mais nenhum delito (PIERANGELI; ZAFFARONI, 2010, p. 85). Percebe-se que o delito descrito acima tem uma certa retribuição, apesar de, não ser punido com a restrição da liberdade, por exemplo, o delito terá, de qualquer forma, uma sanção e necessitará, igualmente, da intervenção do Estado, este representado pela polícia (SOUZA, 2011, p. 174).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao Direito Penal cabe proteger os valores fundamentais da sociedade para que seja possível a existência pacífica do corpo social. Para tanto, esta proteção para ser exercida pelo Estado pode resultar em limitações à livre escolha das pessoas. No entanto, quando essa proteção para ser exercida acaba interferindo na esfera íntima das pessoas, passa-se a questionar-se a sua legitimidade, principalmente quando não atinge a terceiros e consequente acaba violando princípios do Direito Penal como o da ofensividade.

Nesse contexto, o Legislador ao continuar criminalizando o consumo de drogas, passando apenas a tratá-lo de outra forma, frustrou a expectativa daqueles que buscavam ver na edição da nova lei uma roupagem mais adequada e condizente com a realidade de um país regido por uma Constituição Cidadã, que em seu texto, ressalta a efetivação dos princípios do Direito Penal, mas que continua a tratar os seus cidadãos com um paternalismo injustificado. Utilizando-se do Direito Penal como norma prima facie para solucionar todos os problemas sociais, mesmo este recurso se mostrando há tempos uma ferramenta ineficaz. Ignorando assim, todos os princípios basilares de um Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS:

 

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BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O Princípio da Proporcionalidade na Produção Legislativa Brasileira e seu Controle Judicial. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n.85, ano 18, jul/ago. São Paulo: Revista dos tribunais, 2010, p. 268-296.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. v.I, 9 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

COSTA, Leonardo Luiz de Figueirêdo. Considerações sobre algumas inovações típicas da Lei 11.343/06. Disponível em: <http://www.prr5.mpf.gov.br/nucrim/boletim/2007_02/doutrina/doutrina_boletim_2_2007abr1.pdf> acesso em 22 de outubro de 2012.

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. v.I, 8 ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

 

GRECO, Luís. Posse de droga, Privacidade, Autonomia: reflexão a partir da decisão do Tribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com finalidade de próprio consumo. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 18, n. 87, nov/dez. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.84 – 102.

 

GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Tráfico de Drogas e o Conceito de Controle Social: reflexão entre a solidariedade e a violência. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 18, n. 83, mar/abr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 185 – 230.

 

OLIVEIRA, Marco Aurélio Costa Moreira. O Direito Penal e a Intervenção Mínima.  Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 05, n. 17, jan/mar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.144 – 152. 

 

PASTANA, Débora Regina. Estado punitivo e encarceramento em massa: retratos do Brasil atual. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 17, n. 77, mar/abr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 313 – 328.

 

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ROSÁRIO, Cinthya. Lei Antidrogas: Despenalização ou Descriminalização do Porte de Drogas para uso Pessoal. Itajaí: UNIVALÍ, ano 2008, monografia (graduação) – Curso de graduação em Direito, Universidade Vale do Itajaí.

 

SOUZA, Luciano Anderson. Punição Criminal ao Porte de Entorpecentes para Uso Próprio e Irracionalismo Repressivo: uma ainda necessária reflexão. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 19, n. 88, jan/fev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.167 – 183.  

 



[1]Paper apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Direito Penal Parte Especial III, do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB)

[2]Acadêmicas do 6º período, vespertino, do curso de Direito da (UNDB). 

[3] Professora, orientadora