A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA E SUA....

Por Ivan Wilson de Araujo Rodrigues Junior | 15/05/2017 | Adm

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA E SUA APLICAÇÃO NO PROCESSO FALIMENTAR: A proteção do sócio devedor aos olhos do ordenamento jurídico brasileiro 

Ivan Wilson de Araujo Rodrigues Junior[1] 

Sumário: Introdução; 1- Da evolução da teoria das pessoas jurídicas; 2- Da desconsideração da personalidade jurídica; 3- Da desconsideração inversa da personalidade da jurídica; Considerações finais. 

RESUMO

O presente trabalho destina-se a apresentar não só o instituto da desconsideração inversa da pessoa jurídica, mas fazer ainda uma abordagem de modo a perceber de onde surgiu tal instituto. Para isso foi separado em capítulo a abordagem de assuntos como o conceito da pessoa jurídica, bem como as teorias que a acompanham, trazendo ainda sobre a desconsideração da personalidade jurídica, conceituando e demonstrando como e para que servem, para que a partir de então possa haver uma compreensão melhor sobre a desconsideração inversa da personalidade jurídica, foco deste trabalho. 

Palavras-chaves: Desconsideração inversa; Personalidade jurídica; Teorias; 

INTRODUÇÃO

Sabe-se que o ordenamento jurídico, principalmente em se considerando o pós-88, a luz o Estado Democrático de Direito e da força irradiante e normativa da Constituição, não pode e nem deve ser visto como um elo em separado, tanto do Ordenamento como um todo, regido pela Constituição, como dos usos e costumes sociais, isso porque o Direito deve ser o reflexo da sociedade em que está posto, legitimando ou criminalizando condutas que essa sociedade admite ou repugna.

Entretanto, apesar de se almejar o ótimo, muita coisa positivada, ou vista em matéria jurídica acaba ou por se tornar utopia irrealizável ou por cair no desuso. É em meio a cenário jurídico moderno que esse trabalho se impõe, não no sentido de analisar uma norma punitiva, mas no sentido de analisar a inércia estatal, ou legislativa, em legitimar uma possibilidade, não só socialmente aceita, como possui doutrina e jurisprudência que a apoiam, que a enxergam como uma alternativa viável e efetiva para evitar abusos.

Ora, está aqui a se falar da desconsideração inversa da personalidade jurídica. Logo, se o instituto da desconsideração da personalidade se fará presente em determinado processo quando o sócio e/ou acionista abusa da personalidade jurídica para se beneficiar, aqui ocorrerá o inverso. Dito isso, tem-se que, como o trabalho está dividido por temas, no primeiro será apresentado uma análise a cerca de conceito e do que se entende por pessoa jurídica, o que será feito em consonância com uma abordagem histórico-jurídica do instituto, ou seja, far-se-á uma abordagem histórico-jurídica acerca da origem da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, juntamente, pretende-se abordar, os fundamentos e embates da mesma na doutrina e na jurisprudência.

Todo esse trabalho será feito em conexão com os entendimentos acerca da aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica inversa, onde fica claro que apesar de não ter uma vida no sentido biológico a sociedade empresaria, que possui existência legal, é um elo de impacto, tanto que o constituinte prever possibilidades de sua desconsideração. Sendo que, no estudo na desconsideração se fará uso das duas teorias, que tentam explicar esse fenômeno, são elas: Teoria Maior e Teoria Menor. Portanto, da exposição dessas teorias será apontado em que momento o patrimônio particular do sócio seria alcançado ao aplicar a desconsideração da pessoa jurídica. Sendo, as mesmas, filtros necessários haja vista que é preciso serem adotados requisitos consistentes, quando da sua aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, ordinária quanto da inversa. 

  1. DA EVOLUÇÃO DA TEORIA DAS PESSOAS JURÍDICAS

Para que se possa fazer uma explanação sobre a evolução das teorias que regem a pessoa jurídica é necessário conhecer, portanto, o conceito desta personificação, isto é, conhecer sobre a pessoa jurídica e como ela funciona perante o direito civil.

As pessoas jurídicas surgiram em meio ao ordenamento jurídico primitivo, onde em meio a sociedade foi se percebendo a necessidade de regular determinado grupo de pessoas como sendo uma só pessoa, e não respondendo individualmente. Está se falando sobre a responsabilidade civil daquele grupo perante a sociedade, para que não fosse preciso responsabilizar um sujeito individualmente.

Nesse sentido é que houve a necessidade de personificar tais grupos, isto é, usando de um vocabulário não muito adequado, mas que pode servir para melhor compreensão, dar vida jurídica aquele grupo, o que acabaria por personificar o grupo transformando-o em uma pessoa jurídica. Sendo assim, a respeitada civilista brasileira Maria Helena Diniz (2013, p. 268) define a pessoa jurídica como sendo “a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações”.

Com o surgimento então da personalidade jurídica é que surgiram algumas teorias para tentar explicar e esclarecer a existência destas. Ainda adotando o posicionamento da civilista Maria Helena Diniz, têm-se quatro teorias, sejam estas a teoria da ficção legal e da doutrina, a teoria da equiparação, a teoria orgânica e a teoria da realidade das instituições jurídicas.

A teoria da ficção legal, ou teoria ficcionista como é mais conhecida prega que a pessoa jurídica é de fato uma ficção, ou seja, é apenas uma criação legal, estando no campo abstrato, para que possa exercer alguns direitos a ela garantidos. Nesse sentido é que

Para Savigny a ideia de pessoa confunde-se com a de homem, de forma que todo o homem e só ele tem capacidade de direito. O direito positivo pode, entretanto, modificar a ideia primitiva de pessoa, criando artificialmente uma personalidade jurídica, porém, esta capacidade artificial da pessoa jurídica se restringiria ao direito privado. (ARAUJO, 2010)

Certo é que à essa teoria foram deixadas algumas críticas como a de que “não se pode aceitar esta concepção, que, por ser abstrata, não corresponde à realidade, pois se o Estado é uma pessoa jurídica, e se se concluir que ele é ficção legal ou doutrinária, o direito que dele emana também o será (DINIZ, 2013, p. 269), isto é, por ter o Estado caráter jurídico então os direitos que surgem através desta pessoa jurídica será também abstrato, assim como a pessoa. Por este modo a teoria da ficção legal não foi recepcionada.

A teoria da equiparação, estudada por Maria Helena Diniz, mas não muito conhecida, vem equiparar a pessoa jurídica como sendo um patrimônio, equiparando este à pessoa natural. Tal teoria “defendida por Windscheid e Brinz, entende que a pessoa jurídica é um patrimônio equiparado no seu tratamento jurídico às pessoas naturais” (DINIZ, 2013, p. 269), e sua crítica surge, pois “eleva os bens à categoria de sujeito de direitos e obrigações, confundindo pessoas com coisas” (DINIZ, 2013, p. 269).

A teoria da realidade objetiva ou orgânica vai totalmente contra a teoria da ficção legal. Enquanto a teoria ficcionista defende que a pessoa jurídica não passa de um ente abstrato, fictício, a teoria da realidade objetiva vem para apresentar a pessoa jurídica como “um ente dotado de existência real sociológica tanto quanto às pessoas físicas. Sustenta que a vontade é capaz de dar a vida a um organismo que passa a ter existência própria, distintas da de seus membros, tendo por finalidade a realização de seus objetivos sociais” (OLIVEIRA, 2010).

Entretanto, assim como as demais teorias, esta também é criticada no sentido de que trata a pessoa jurídica como tendo vontade própria, quando esta é uma característica da pessoa natural, do sujeito individual, ou seja, “essa concepção recai na ficção quando afirma que a pessoa jurídica tem vontade própria, porque o fenômeno volitivo é peculiar ao ser humano e não ao ente coletivo” (DINIZ, 2013, p. 269).

Por fim, tem-se a teoria da realidade das instituições jurídicas, ou simplesmente teoria da realidade técnica. Tal teoria até o momento é a que mais se adequa ao conceito de pessoa jurídica, se enquadrando ainda ao que o código civil brasileiro defende. Para esta teoria “a personalidade jurídica é um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecerem” (DINIZ, 2013, p. 269), “a pessoa jurídica é real, porém dentro de uma realidade que não se equipara à da pessoa natural. Traduz a estrutura pela qual o Direito encontra para reconhecer a existência de sociedades de pessoas que se unem em prol de um mesmo fim” (OLIVEIRA, 2010). Considerando tais fatores é que se deve notar uma adequação desta teoria ao que está presente no artigo 45 do código civil brasileiro:

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Percebe-se então que o poder estatal, como tratado em parágrafo anterior, é requisito que deve está presente para que haja o começo de existência legal da pessoa jurídica, como expresso no dispositivo acima, isto é, é necessária uma estrutura para reconhecer a existência desta personalidade, e o dispositivo apresenta tal estrutura como sendo os requisitos apresentados, seja a inscrição do ato constitutivo, aprovação pelo Poder Executivo (poder estatal), averbação de registro. 

  1. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Após o surgimento da pessoa jurídica, e consequentemente a sua personificação, tem-se que esta, por ser considerada então pessoa individual, como já discutido em capítulo anterior, considerando ser esta real, possui patrimônio próprio, obrigações. O que vem então a ser discutido é quanto a sua responsabilidade civil, já que se individualizou da pessoa natural contrai para si tal obrigação. Nesse sentido já garante a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 173, §5º: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

O que ocorre é que a pessoa jurídica é composta por um corpo de pessoas naturais, estas que vem para gerir um bom funcionamento da sociedade, estão para administrar a personalidade jurídica, já que é obvio que a pessoa jurídica é um ente jurídico real e não uma pessoa real.

Ao se colocar uma gestão que age com negligência poderá acarretar uma série de problemas a esta pessoa jurídica. Um desses problemas é o não acompanhamento de suas obrigações, seja esta a de estar adimplente com seus credores, bem como as dívidas contraídas.

No momento em que ocorrem tais problemas a sociedade começa a se desregular, ocasionando então o que nenhum empresário deseja, a falência. Certo é que apesar de não se desejar que ocorra tal fato, é necessário considerar isto como uma possibilidade, e possibilidade esta que tem ocorrido constantemente em todo o mundo. Seja por negligência de gestão ou até mesmo por fatores externos como crise do capitalismo. Quando ocorrem estes fatores, a depender de cada empresário, tem aqueles que agem de má-fé, buscando de algum modo se dar bem com a situação à custa de outros, abusando da personalidade jurídica. Por este modo é que o ordenamento jurídico prevê sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Veja-se da seguinte maneira.

Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra credores ou mesmo abuso de direito. Na medida em que é a sociedade o sujeito titular de direitos e devedor das obrigações, e não os seus sócios, muitas vezes os interesses dos credores ou terceiros são indevidamente frustrados por manipulações na constituição de pessoas jurídicas, celebração dos mais variados contratos empresariais, ou mesmo realização de operações societárias, como as de incorporação, fusão, cisão. (COELHO, 2011, p. 52)

Percebe-se a partir dai que a constituição da pessoa jurídica, por considerar todos os aspectos já explanados até aqui, é utilizada muitas das vezes como forma de o sócio agir de má-fé perante aqueles que rodeiam esta pessoa jurídica e assim possam se esconder por detrás desta para que não sejam devidamente descobertos e assim punidos.

Considerando tais fatos o ordenamento jurídico brasileiro adotou regramento para o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Esta funciona como forma de desmascarar aquele sócio que agiu de má-fé, pois “seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam” (COELHO, 2011, p. 58).

A maneira como se utiliza tal instituto é descaracterizando a pessoa jurídica, em outras palavras, desconstituindo, para que assim se alcance o sócio que está por traz das fraudes e práticas abusivas. Nesse sentido Ulhoa (2011, p. 61) assim afirma: “A aplicação da teoria da desconsideração não implica a anulação ou desfazimento do ato constitutivo da sociedade empresária, mas apenas a sua ineficácia episódica”. Ou seja, a desconstituição mencionada trata-se apenas de eficácia, pois não se desfasará a pessoa jurídica, mas em alguns casos especiais, como no de fraude entre outros ocorrerá a ineficácia da pessoa jurídica. Ainda sobre este ponto e de modo semelhante posiciona-se Maria Helena Diniz (2013, p. 346-347) no sentido de que:

A desconsideração ou penetração permite que o magistrado não mais considere os efeitos da personificação ou da autonomia jurídica da sociedade para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos, por meio da personalidade jurídica, que causem prejuízos ou danos a terceiros.

O instituto da desconsideração da pessoa jurídica está amparado no ordenamento jurídico brasileiro através do código de defesa do consumidor no artigo 28 caput e §5º que assim dispõe:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

  •  5°. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Fica claro, portanto como e quando ocorre a utilização da desconsideração da personalidade jurídica. É ainda interessante fazer ressalva de que o código civil de 2002 não traz de maneira expresso a desconsideração da personalidade jurídica, mas aborda quanto a sua utilização, no tocante que, a depender das circunstâncias expressas no dispositivo, permite estender as obrigações aos bens particulares dos sócios. Isto está presente no artigo 50 do referido código, o qual dispõe:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

  1. DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Como para se chegar ao conceito, ou ao menos ao entendimento do que seria a desconsideração inversa da personalidade jurídica, há que se passar, ao longo do caminho por duas noções básicas sobre personalidade, aqui brevemente resumidas, que é personalidade jurídica e quando ocorre sua desconsideração ordinariamente, algo pontuado ao longo desse trabalho. É importante que se diga que no Brasil há a regulamentação de dois tipos de personalidade, dois tipos de pessoas, ambas coexistindo, trata-se das pessoas: física e jurídica. Sendo que a questão biológica não é determinante, não é o fato de ser movente, ou de raciocínio lógico que eleva um ente a categoria de pessoa jurídica, antes, porém decorre ou é a personalidade jurídica “uma ossatura destinada a ser revestida de direitos. Sem dúvida, a personalidade é parte integrante da pessoa permitindo que o titular venha adquirir, exercitar, modificar, substituir, extinguir ou defender interesses.”. (LEITE, 2011).

Colocações feitas, tem-se que o instrumento de regulamentação, - não se está com isso dizendo que seja o único, vide legislações espaças –, ou em outros termos, o instrumento de regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica objeto desse estudo é a previsão normativa presente no Código Civil de 2002, qual seja, o art. 50 da referida lei. Segundo a dicotomia do o art. 50 do CC, poderá o juiz a requerimento da parte ou do Ministério Publico desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade empresaria, isso se dará todas as vezes que houver comprovação de abuso da personalidade jurídica do ente societário. Ou, posto de forma diferente, a desconsideração da personalidade jurídica “ocorrerá sempre que a pessoa jurídica não cumprir a finalidade a que se destina, causando, com isso prejuízo a terceiros”. (PACHECO, 2014).

Colocações feitas passa-se a análise do que se entende a luz da doutrina e da jurisprudência pátria por desconsideração inversa da personalidade jurídica. Ressalta-se que a análise tem como foco, quase que primordialmente, as colocações doutrinárias e jurisprudências, isso devido ao fato de que, como já pontuado, não há, pelo menos até o presente momento lei vigente que trate do tema, o que deverá mudar devido ao advendo do novo Código de Processo Civil.

Nesses termos tem-se que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica inversa tem como fato gerador a transferência da titularidade de bens, ou seja, quando o devedor, titular de um bem o transfere para a pessoa jurídica da qual é sócio. Ferriani (2015) pontua ainda que esse ato é bastante comum de acontecer sob o âmbito de atuação do Direito de família, quando, “por exemplo, aos cônjuges ardilosos que, antecipando-se ao divórcio, retiram do patrimônio do casal bens que deveriam ser objeto de partilha, alocando-os na pessoa jurídica da qual é sócio, pulverizando assim os bens deslocados”. Em isso ocorrendo seria, segundo o referido autor, possível que o juiz, em um ato semelhante ao da desconsideração da personalidade jurídica ordinária, “desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, alcançando bens que estão em seu próprio nome, entretanto, para responder por dívidas que não são suas e sim de um ou mais de seus sócios.”.

Ora, por essa perspectiva torna-se palpável o intuito do instituto que se está a analisar nesse sentido, a e sabendo que a desconsideração da personalidade jurídica é o meio pelo qual o legislador escolheu para que os credores lesados pelos desvios de finalidade de determinada pessoa jurídica tenham o seu direito assegurado, ou seja, tenham o bem ou o valor que lhe é devido e que, por circunstancias fraudulentas ele não estava podendo alcançar, é essa a mesma finalidade da desconsideração inversa, que a satisfação da pretensão daquele que foi, pela transferência fraudulenta de patrimônio, lesado, não fique “a ver navios”, mas que possa ter a sua pretensão satisfeita. (LACERDA; SARAMENTO, 2013).

Nesse sentido, já decidiu a 3ª Turma do STJ, no REsp 948.117-MS, julgado em 22.06.2010 e que teve a Ministra Nancy Andrighi como relatora. No referido REsp a ministra expõe que “considerando-se o escopo da disregard doctrine, consistente em combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que também poderá ser vislumbrado nas hipóteses em que o sócio-controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza a pessoa jurídica.” E, em não havendo regulação normativa acerca dessa possibilidade a Ministra justifica sua decisão por meio da atribuição de “uma interpretação teleológica ao artigo 50 do Código Civil em vigor, sendo possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio-controlador”. Sendo que, a Ministra, faz questão de ressaltar, ao longo da decisão que só se pode decretar a desconsideração inversa da personalidade jurídica se se estiver respaldado pelas causas que justificam a desconsideração ordinária, prevista no Código Civil (BRASIL, 2010).

Finalmente, há que se dizer que essa lacuna legislativa acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica, a rigor foi resolvida isso porque o novo Código de Processo Civil - Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015 – no art. 133 § 2º diz que: “aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.”. O capítulo a que faz referência o texto transcrito é o dedicado a regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica. Portanto, optou o legislador por acompanhar o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do instituto, positivando-o.

Ressalta-se que uma desconsideração invertida da personalidade jurídica vem penalizar uma sociedade pela quebra de autonomia patrimonial praticada pelos sócios (FILGUEIRAS, 2007), o que resulta, posteriormente, na exposição deste sócio as devidas punições, fazendo com que o ordenamento jurídico brasileiro responsabilize esta pessoa natural individualmente.

É preciso analisar os possíveis efeitos da possibilidade da aplicação da desconsideração da pessoa jurídica inversa. Desta forma, identificar a partir de que momento incide a desconsideração, bem como relatar que acontecerá toda vez que os sócios fizerem uso indevido da personalidade jurídica.

Um caso que é bem comum no judiciário é a desconsideração inversa da personalidade jurídica para proteger direito de cônjuge em partilha. Nesse contexto, o STJ já se pronunciou sobre, e afirma que tal possibilidade poderá ocorrer sempre que o cônjuge ou companheiro empresário se valer de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, para subtrair do outro cônjuge direito oriundo da sociedade afetiva. Esta decisão foi fundamentada pela terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso contra o acordão do tribunal de justiça do Rio Grande do Sul, a qual reconheceu a possiblidade de desconsideração inversa da pessoa jurídica , em ação de dissolução de união estável. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como colocado, ao longo de todo este trabalho, não tem a concepção da desconsideração inversa da personalidade jurídica, origem legislativa, tampouco, era por ele – o Poder Legislativo – legitimada, decorrendo, portanto de uma concepção doutrinária e jurisprudencial, o que não se traduz em uma ilegalidade, haja vista que, segundo o principio da inafastabilidade da jurisdição o juiz não pode se escusar de decidir nenhuma demanda que a ele seja encaminhada, justificando para tanto lacuna legislativa. Isso decorre do fato de o juiz atuar, perante os cidadãos, como se Estado fosse e uma vez que o Estado toma para si a exclusividade jurisdicional ele não pode se eximir de decidir.

Ora, se o Estado, na pessoa do juiz, não pode se abster é presumível, que o juiz, ao decidir com fulcro na força irradiante da Constituição, em usos e costumes, acabe por positivar, no sentido de abrir possibilidades, atos e fatos até então não protegidos pela lei. É isso que acontece quando se discute a desconsideração da personalidade jurídica inversa. Quando, em um caso concreto, percebe-se que ao invés do sócio e/ou administrador é sobre o patrimônio do ente societário que há uma confusão, é com relação a ele que pode haver possível fraude ou abuso, é nesses casos que, alguns Tribunais e entre eles o Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser possível o raciocínio inverso e que o desvio ou a fraude com relação à pessoa jurídica pode ser tão maléfica quanto do sócio e/ou administrador.

Em que pese essa ausência de normatividade e certa insegurança dela advinda isso ao se considerar que a doutrina e até mesmo a jurisprudência não são unanimes quando se trata de abordar os efeitos causados pela aplicação inversa da desconsideração da personalidade jurídica, ou mesmo dos requisitos, quais os parâmetros seriam obedecidos, que requisitos objetivamente devem estar presente quando se desconsiderar inversamente a personalidade jurídica, a exemplo do que dispõe o princípio da autonomia patrimonial, quando vai se analisar a fraude societária.

Nesses termos, o impasse doutrinário e jurisprudencial parece se encaminhar para uma resolução, ou no mínimo ganhar novos contornos vez que o legislador positivou, no novo Código de Processo Civil, a desconsideração da personalidade jurídica inversa, estabelecendo contornos e alcance da norma. Em suma, com essa positivação será possível identificar a partir de que momento incide a desconsideração, bem como relatar que acontecerá toda vez que os sócios fizerem uso indevido da personalidade jurídica.  Bem como quando as sociedades empresárias são usadas como instrumento para a realização de fraude contra credores e até abuso de direito.

REFERÊNCIAS 

ARAUJO, Juliana Cristina Busnardo Augusto de. A desconsideração da pessoa jurídica: A polêmica sobre a necessidade da prova. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 81, out 2010. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio 2015. 

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 948.117-MS. Disponível em: < http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=112336> Acesso em 11 de março de 15. 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: sociedades. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 19ª ed. São Paulo, Rideel, 2013. 

DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 

FERRIANI, Adriano. A desconsideração inversa da personalidade jurídica. Disponível em: Acesso em 20 de maio de 2015. 

LACERDA, Emanuela Cristina Andrade; SARAMENTO, Jeverson. A desconsideração da personalidade jurídica inversa. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2015. 

Lei 10.406/02. Código Civil Brasileiro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2015. 

Lei 8.078/90. Código de defesa do consumidor. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2015. 

LEITE, Gisele. A questão da personalidade jurídica. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2015. 

OLIVEIRA, Thiago Ricci de. A pessoa jurídica no âmbito legal. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2015. 

PACHECO, Filipe Denki Belem. Desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em: Acesso em: 20 de maio de 2015. 

[1] Acadêmico do Curso de Direito pela UNDB;