A democracia que vivemos e a democracia de que precisamos

Por Nivaldo Fernandes da Silva | 16/01/2013 | Política

A democracia que vivemos e a democracia de que precisamos 

  

  Frequentemente nos vemos diante de situações que nos deixam boquiabertos, bestificados mesmo. As formas como somos tratados ou de como somos obrigados a nos comportar ou falar em determinadas situações e, mormente em órgãos públicos, nos levam a pensar sobre em que tipo de sociedade vivemos. A nossa, particularmente, me parece às vezes medieval feudal , outras moderna monárquica, e ainda outras contemporânea aristocrática, mas sempre elitizadas e aristocráticas. Senão vejamos! Você se dirige a um órgão público para tentar solucionar um problema e a primeira coisa com que se depara, na porta ou no vidro do guichê é com um cartaz ameaçador “ Desacatar  funcionário público, etc, etc, etc,,,. Pena de seis meses a três anos de reclusão ou multa...”. Em primeiro lugar você nunca sabe o que aquele funcionário entende que seja “ desacato”. Ficamos à mercê da interpretação dele ou de seu chefe sobre o quê poderia  ser caracterizado como crime de desacato. Em segundo, chama a atenção o rigor da lei. Normalmente e pena de reclusão é  aplicada para crimes graves contra a pessoa ou a sociedade, e hoje em dia para crimes hediondos. Esta lei, particularmente é de 1942 e sobreviveu incólume ao processo de redemocratização, no que trata de liberdade de expressão e às poucas tentativas de reforma do nosso Código Penal. O problema é que você pode ser conduzida direto para uma delegacia de polícia e permanecer lá ou ser transferido para um centro de detenção provisória. Tudo dependendo da interpretação que os atores fizerem da lei; sem um mínimo de direito de defesa. Outro aspecto importante é o de que leis assim acabam escudando e protegendo funcionários incompetentes, ignorantes e mau educados. Que não conhecem ou reconhecemsuas obrigações funcionais e o dever de civilidade ao lidar com o cidadão-contribuinte.   

   A verdade é que o serviço público é o maior e pior exemplo que podemos identificar. O indivíduo faz concurso para se tornar um servidor público – em qualquer nível ou função - e quando assume o cargo se instala imediatamente em um nível de onde se vê melhor ou superior ao cidadão ao qual ele deve, por força de ofício, servir da melhor maneira possível, para a qual foi educado ou instruído; isto se tiver sido educado e instruído. Isto ocorre em parte por um profundo senso de corporativismo em todos os setores da administração e também pela falta de um estatuto claro  e rígido. E também por causa da famigerada instabilidade funcional. Estes fatores conjugados, somados ao despreparo, falta de coragem moral de boa parte dos indivíduos que exercem cargos de chefia ou direção cria um sistema que cala e oprime ao cidadão quando da busca de seus direitos, principalmente  em instituições onde a contestação seja dever de ofício. O que, por incrível que pareça, ainda ocorre em nosso país democrático.

   Para qualquer um que queira contestar, vamos aos fatos: o médico exige tratamento de “ doutor”: o delegado de polícia exige o tratamento de “ doutor” ; o juiz exige o tratamento de “meritíssimo”o governador de estado , o ministro de Estado, o secretário de estado, o senador, o deputado federal, ao se tratarem entre si como “ excelência,  sua excelência ou vossa excelência”, criam um status para si e uma barreira entre si e o cidadão, que muitas vezes só é ouvido ou atendido se aquiescer com esta prática.    

   O fato é que vivemos práticas sociais ainda trazidas da Península Ibérica no século XVI. Com boa parte dos agentes colonizadores analfabetos e “personas non gratas”diante da corte, ficamos  sujeitos aos mandos e desmandos dos poucos indivíduos cultos para cá enviados, que criaram sua própria “norma de cortesia”. Depois tivemos os escravos, alijados de qualquer direitos, seguidos de massas de imigrantes, normalmente de países monárquicos com a cultura disponível apenas para a aristocracia. E por falta de uma identidade, deu no que deu.

   O fato é que saímos do império e passamos a uma Democracia Aristocrática. Isto porque, para exercer o direito do voto o indivíduo teria que comprovar uma bolsa ou uma renda específica, as mulheres não votavam, os negros não votavam, os analfabetos não votavam, as praças de pré das Forças militares não votavam. Tínhamos o voto censitário; o que deixava caminho apenas para os indivíduos advindos  da aristocracia imperial ou do latifúndio, com seu poderio político e econômico.  

   Depois da Revolução de 1930 tivemos alguma mudança no trato social e na legislação que garantiria a cidadania aos brasileiros; mas ainda em nível insuficiente para derrubar antigas práticas, costumes e culturas. Nem passando por dois períodos de autoritarismo as elites econômica, cultual e política de nosso país aprenderam o que realmente seja Democracia. O processo de redemocratização da década de 1980 não contemplou as relações sociais, mantendo, pelo menos tacitamente, as distinções entre pessoas, classes, grupos, funções e profissões.

  Acontece que não mais vivemos em um país com um índice de analfabetismo de 65%, como durante o império e a primeira república. Atualmente, além de contarmos com mais da metade de nossa população alfabetizada e com um bom nível de cultura letrada, ainda temos facilidade de acesso à informações de todos os tipos. O que aumenta a capacidade de crítica e de participação do indivíduo em vários setores da sociedade. Mas isto não é o suficiente para mudarmos nossa realidade. A formas como as diversas instituições agem com o cidadão não mudam. Note bem! Agem, e não  interagem com o cidadão.

  Atualmente vivemos uma Aristocracia democrática. Isto porque o indivíduo surge com um caminhão de ideias nada novas e outro maior ainda de boas intenções. Convence o partido da viabilidade de sua eleição, porque os partidos políticos não apostam nem investem em alguém apenas pelo fato de ele  ter direito a se candidatar a um cargo eletivo, seja no executivo ou legislativo. É preciso ter uma chance razoável de retorno nos investimento financeiros e políticos. Isto deixa de fora boa parte  dos postulantes.

   Depois de passar pelo crivo do partido começam as negociações, internas e extra-partidárias. Quando o elemento finalmente consegue se eleger e assume seu mandato, percebe que está preso a um sistema no mínimo anacrônico em relação às demandas sociais e democráticas. Percebe que precisa, primeiramente defender os interesses da casta a qual se agregou. E a maioria, infelizmente, sucumbe ao brilho por trás dos bastidores do poder. Ao perceber que adentrou em um universo onde quase tudo é possível, devido ao corporativismo ou à ineficiência de nossas leis, cheias de incoerências e de “brechas”, assume a posição da maioria, que usa o povo e seu voto apenas como passaporte para a aristocracia que se instalou em nossas instituições públicas. E mantém, por prudência, uma distância segura da sociedade como um todo. Protegidos por suas leis casuísticas e por seus sistemas corporativos,seus jogos de cena e sua indisfarçável falta de caráter e de ética. Se bem que é pedir muito ao se querer ética de quem não tem caráter.     

   Julgo que todos aqueles que conseguem expor suas ideias de forma clara e objetiva têm o compromisso de fazê-lo por todos os meios de comunicações disponíveis, com o fito de concitar e cooptar mais e mais pessoas para tentar reverter este quadro anacrônico e descabido vivido pelo Brasil na sua atual e pretensa Democracia. Precisamos contestar os privilégios de alguns, a começar pelas formas de como somos abrigados a tratá-los em um pais onde, teoricamente, todos são iguais perante a lei; salvo os que têm direitos a foro privilegiado, direito a prisão especial, direito presumido de responder a qualquer processo em liberdade, direito a manter mandato eletivo mesmo condenado em processo tramitado e julgado, porque poderá cumprir a pena em regime semi-aberto, direito a ter como punição máxima a aposentadoria compulsória, e outros direitos que tenha eu por acaso esquecido, mas que não são estendidos a outros cidadãos. Devemos  e precisamos portanto encontrar formas de expressar nossas opiniões, tomando o devido cuidado para não incorrer no famigerado “desacato à autoridade” e outros artifícios usados pelos agentes públicos, em todo e qualquer nível, para calar o cidadão e impedi-lo de exigir os seus direitos constitucionais e de expor a ineficiência  e a injustiça desta nossa Aristocracia Democrática.           

 

Sítios da Internet pesquisados e recomendados;

 

http://www.turminha.mpf.gov.br/eleicoes/turminha-nas-eleicoes-2012/voce-sabia/voto-censitario

http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_impresso.php?cod_texto=158

 

http://www.tse.jus.br/hotSites/biblioteca/historia_das_eleicoes/capitulos/criacao_justica/criacao.htm

 

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/redacao/formas-de-tratamento.php