A Democracia e as Mulheres de César

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 03/09/2024 | História

A eleição presidencial das últimas semanas, na Venezuela, nos faz pensar a respeito de muitas coisas. Em especial, sobre o conceito de democracia. Creio que o conceito de democracia deve ser pétreo, uma vez que, do contrário, se irá cometer enormes arbitrariedades, travestindo-se do seu sagrado nome.

A Venezuela, tecnicamente, é uma democracia: é uma República Federal com os três clássicos Poderes sugeridos pelo Barão de Montesquieu (Executivo, Legislativo e Judiciário). Ocorre que, ali, há uma excessiva concentração de encargos nas mãos do Presidente da República, que coage militarmente os parlamentares a darem-lhe cada vez mais atribuições. Maduro diz que venceu as eleições, mas, como não mostrou as atas do suposto êxito, não tem como provar que foi o vencedor. Numa eleição dita democrática, o ônus da prova cabe a quem alega a vitória. Não tem como provar, e mesmo assim não irá deixar o cargo porque tem as Forças Armadas ao seu serviço, inclusive para fazer o Congresso outorgar uma Emenda Constitucional retroativa dando-lhe a vitória, ou concedendo-lhe a dita faculdade para tanto. E ditadura é isso: O ditador DITA a lei, DITA a norma jurídica unilateralmente, sem o regular processo legislativo que caberia ao Parlamento, ou quando este, acuado pelas armas, se torna um mero homologador de suas decisões.

Há uma célebre frase romana que afirma não bastar à mulher de César ser honesta: deve parecer honesta. O governo de Maduro faz questão de parecer honesto, embora não o seja, não pela nomenclatura oficial da Nação (República Bolivariana da Venezuela), e sim porque Maduro tenta esconder seu caráter autocrático ao usar como escudo o Parlamento, que, "democraticamente", lhe concede mais Poderes.

E há e houve países, mundo afora, em que também bastaria à mulher de César parecer, e não ser honesta, eis que todos sabemos serem, ou terem sido, terríveis ditaduras.

Alguém diga, aqui, o nome oficial da antiga Alemanha Oriental: República Democrática Alemã, que de democrática não tinha nada. Aliás, a minha geração (a última a crescer sob o espectro da Guerra Fria) aprendeu que os países do Bloco Socialista Europeu Oriental eram "Democracias Populares", numa tentativa de impor uma variação de significado do real conceito de democracia, a fim de atender a inverídicas peculiaridades culturais das nações do Leste Europeu. 

O nome oficial da Coreia do Norte é, acreditem, República Popular Democrática da Coreia. Que, de democrática, também não tem nada. É, inclusive, o regime mais totalitário do planeta, com leis que variam desde a proibição de sorrir em público a ter de, obrigatoriamente, escolher um dos cortes de cabelo impostos pelo sistema.

A antiga identificação oficial do Sudão era República Democrática do Sudão, mesmo que, posteriormente, o então ditador Omar Al-Bashir tenha massacrado cerca de 200 mil pessoas em Darfur, e ainda que os códigos de conduta estejam entre os mais autoritários da África.

Meus caros,

Para finalizar, vocês não têm conhecimento de um país como o Brasil se chamar, oficialmente, "República Totalitária do Brasil". Vocês também nunca ouviram dizer que a Argentina se autointitula, de modo oficial, "Autocracia Argentina". Da mesma forma, um país como o México não se diz "Estados Unidos Ditatoriais Mexicanos". Os governos de países como aqueles quiseram nomeá-los de modo a parecer dos nossos, mas nós nunca os nomearíamos com as distinções que, eles, merecem.

Realmente, tudo evidencia que a democracia é um valor absoluto, de modo que, mesmo aqueles que a negam aos seus povos, têm consciência disso. Mas o Poder absoluto fala e falava mais alto: são e eram as mulheres de César querendo, apenas, parecer honestas.