A DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR...
Por Adriano Pereira dos Santos | 20/04/2013 | DireitoA DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR (CONSELHO DE DISCIPLINA) INSTAURADO NO
ÂMBITO DA POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO
RESUMO
O presente trabalho monográfico faz uma análise, sem a pretensão de exaurir o tema, sobre a aplicabilidade ou não da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo administrativo disciplinar do tipo Conselho de Disciplina (CD) instaurado na Polícia Militar de Pernambuco. Analisa os princípios constitucionais aplicados aos processos administrativos disciplinares militares. Mais adiante, analisa as espécies de defesa disponibilizadas aos acusados no Conselho de Disciplina, dando ênfase a defesa técnica realizada por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na sequência, também foram analisados, os tipos de processos administrativos disciplinares militares aplicados na Polícia Militar de Pernambuco e em especial o Conselho de Disciplina. Discorrendo sobre suas fases, desde a instauração até o julgamento final no âmbito administrativo. Por fim, é feita algumas considerações acerca da defesa técnica nas jurisprudências dos Tribunais Superiores, mostrando algumas posições contra e a favor da referida súmula.
Palavras-chave: Direito Administrativo Disciplinar Militar. Súmula Vinculante nº 5. Defesa técnica. advogado. Conselho de Disciplina.
ABSTRACT
This monograph analyzes, without pretending to exhaust the subject, on the applicability or not of Binding Precedent No. 5 of the Federal Supreme Court (STF) in the administrative disciplinary type Disciplinary Board (CD) introduced the Military Police Pernambuco. Analyzes the constitutional principles applied to administrative disciplinary military. Further analyzes of the species defense available to the accused before the Disciplinary Board, emphasizing technical defense lawyer held by duly entered in the Order of Lawyers of Brazil (OAB). Further, it also analyzed the types of administrative disciplinary proceedings applied in military Military Police of Pernambuco and in particular the Disciplinary Board. Speaking of stages, from the introduction to the final judgment on the administrative level. Finally, some considerations are made about the technical defense in jurisprudence of the Superior Courts, showing some positions for and against the said docket.
Keywords: Administrative Law Military Discipline. Binding Precedent No. 5. Technical defense. lawyer. Disciplinary Board.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....... ...............................................................................................................
1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO .................
1.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL........................................................
1.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR..................................................................
1.3 ESPÉCIES DE DEFESA
1.3.1 Autodefesa
1.3.2 Defesa Técnica
2 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR.........................................
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...................................................................................
2.2 DISTINÇÃO ENTRE PROCESSO E PROCEDIMENTO......................................... ....
2.3 OS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES MILITARES............... ....
2.3.1 Processo Disciplinar Sumaríssimo........................................................................
2.3.2 Sindicância Acusatória.............................................................................................. ....
2.3.3 Processo de Licenciamento “Ex-offício” a Bem da Disciplina............................. ....
2.3.4 Conselho de Justificação.......................................................................................... ....
2.3.5 Conselho de Disciplina.............................................................................................. ....
2.4 FASES DO PROCESSO ADMNISTRATIVO DISCIPLINAR.................................. ....
2.4.1 Instauração................................................................................................................... ....
2.4.2 Instrução....................................................................................................................... ....
2.4.3 Relatório........................................................................................................................ ....
2.4.4 Julgamento................................................................................................................... ....
3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEFESA TÉCNICA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES...................................................................................
3.1 POSICIONAMENTOS A FAVOR E CONTRA À SÚMULA VINCULANTE Nº 5 DO STF.................................................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal (STF), buscando verificar a sua aplicabilidade ao Processo Administrativo Disciplinar do tipo Conselho de Disciplina instaurado no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), e apontando a relevância do princípio constitucional da ampla defesa como uma garantia da defesa técnica na relação processual.
Com a edição da Súmula Vinculante nº 5 do STF, na sessão plenária de 7 de maio de 2008, na qual dispõe que a “falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo não ofende a Constituição”, abriu-se uma grande discussão se a sua aplicação não feria o princípio da ampla defesa (Art. 5ª, inciso LV, CF/88), garantido constitucionalmente. Tal súmula veio em oposição a já utilizada Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça que “é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”, publicada no mês de setembro do ano de 2007, menos de um ano antes da súmula vinculante.
A questão tornou-se de extrema importância, pois como se sabe, no Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal é a lei maior, e dela se extrai todos os princípios que nortearão todo o ordenamento jurídico brasileiro, princípios estes que são os alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico. Desta feita, não podendo mitigar um ou outro princípio, sob pena de fragilizar todo o ordenamento jurídico.
No âmbito da Polícia Militar de Pernambuco encontra-se o Processo Administrativo Disciplinar denominado como Conselho de Disciplina[1]. Tal processo visa apurar falta grave, cometidas por Aspirante-a-Oficial PM e demais praças da PMPE. Outrossim, além do caráter apuratório a lei[2] prevê também condições para que os imputados se defendam.
Acontece que, devido a edição da súmula vinculante em questão, em tese, restar-se-ia prejudicada a ampla defesa no Conselho de Disciplina, uma vez que, tal apuração disciplinar é por demais complexa, utilizando, inclusive, subsidiariamente o Código de Processo Penal Militar (art. 16, do Decreto 3639/75), exigindo do servidor um amplo conhecimento técnico de todo o desenrolar de um processo.
Verifica-se então que a ampla defesa, com a presença obrigatória de advogado nos Processos Administrativos Disciplinares do tipo Conselho de Disciplina, é indispensável à real efetivação da justiça. Haja vista, no referido processo, possuir um alto grau de subjetividade implícito em seu ordenamento aplicável, quanto aos critérios determinantes para a apuração e eventual responsabilização do servidor militar. Desta forma, não se vislumbra uma defesa ampla com todos os recursos e meios a ela inerentes (art. 5º, inciso LV, CF/88).
A doutrina é pacífica na interpretação dos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, ao consignar: “No direito processual, há um paralelismo entre a ampla defesa e o contraditório, que não é exclusivo do direito processual, vigorando, também, na seara administrativa.” (MEDAUAR, 2008, pag. 98). Sendo os princípios da ampla defesos e contraditórios, como já ressaltados, garantias constitucionais destinadas a todos os litigantes, inclusive nos procedimentos administrativos.
Diz a Constituição da República de 1988, definida pelo deputado Ulysses Guimarães como a constituição cidadã, e considerada até hoje uma das mais avançadas e democráticas do mundo, no que diz respeito aos direitos e garantias individuais do cidadão:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (grifo nosso).
Corroborando para a real efetividade dessa garantia constitucional o legislador originário fez questão de destacar, conforme se vê no artigo 133 da Lei maior: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Entende-se que o Constituinte originário, em nenhum momento, negou o caráter absoluto da ampla defesa na atividade jurisdicional, bem como na atividade administrativa. Exatamente porque somente a defesa técnica é considerada ampla defesa, independente e efetiva. Observa-se desta forma que a Súmula Vinculante nº 5 do STF infringe alguns princípios constitucionais.
A defesa da ordem jurídica equivale à defesa do devido processo legal, tendo como corolários a ampla defesa e o contraditório, como bem alerta Lenio Luiz Streck (2009) ao discorrer sobre a efetividade da Constituição: “Nesse sentido, a pretensão efetiva é de que os mecanismos constitucionais postos à disposição do cidadão e das instituições sejam utilizados, eficazmente, como instrumentos aptos a evitar que os poderes públicos disponham livremente da Constituição”. (STRECK, 2009, pag. 89).
O Ilustre Doutrinador Alexandre de Moraes afirma que: “O devido processo legal tem como Consequência, necessária e evidente, a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial criminal e civil ou em processo administrativo”. (MORAES, 2003). Pois, entre as cláusulas constitucionais que garantem à ampla defesa encontra-se a necessidade de defesa técnica no processo, a fim de garantir a igualdade entre as partes e evitar o desequilíbrio processual.
Assim, a regra é que, a atuação profissional de um advogado é indispensável ao desenrolar de um processo, inclusive o administrativo, só podendo ser mitigada a referida atuação em procedimentos que, por prescrição regulamentar da própria norma, seja admitida como forma, única e exclusivamente, de facilitar o acesso rápido e efetivo à justiça, como é o caso do "habeas corpus" impetrado pelo próprio coagido, Juizados Especiais, que foram criados para facilitar a resolver causas que dizem respeito aos problemas cotidianos e menos complexos dos cidadãos e na Justiça do Trabalho até certo limite.
Alexandre de Moraes, nesse sentido, argumenta que:
Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário. (MORAES, 2003, pag. 124)
Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal no caso de exclusão de praça da Polícia Militar: RE 195.480-SC, Marco Aurélio, 2ª Turma, 7.3.96, RE 140.195-SC, Galvão, 1ª Turma, 28.06.96, assim ementados os respectivos acórdãos:
“POLICIAL MILITAR - EXCLUSÃO - DIREITO DE DEFESA. A partir do momento em que a exclusão se faz considerados certos fatos a macularem a conduta do policial militar, indispensável é a observância do devido processo legal, estabelecendo-se o contraditório e viabilizando-se o exercício do lídimo direito de defesa. Na dicção sempre oportuna de José Cretella Júnior, “a regra da ampla defesa abrange a do contraditório, completando-se os princípios que as informam e que se resumem no postulado da liberdade integral do homem diante da prepotência do Estado” (Comentários à Constituição de 1988, página 534). Sentença e acórdão prolatados em homenagem à garantia constitucional do inciso LV do artigo 5º da Carta de 1988 no que culminaram na declaração de insubsistência do ato de licenciamento e reintegração do servidor público militar com o ressarcimento de prejuízos havidos.” (“ RE: 195.480-SC, DJ” de 24.04.96).
“EMENTA: POLICIAIS MILITARES DO ESTADO DE SANTA CATARINA. PENA DE LICENCIAMENTO APLICADA SUMARIAMENTE, SEM OPORTUNIDADE DO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. ALEGADA AFRONTA AOS INCS. LIV e LV DO ART 5º DA CONSTITUIÇÃO.” (RE: 140.195-SC).
A Constituição vigente instituiu, em prol dos acusados em geral, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O ato administrativo punitivo praticado com ofensa a essa garantia é visceralmente nulo.
CAPÍTULO 1
1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
O contraditório e a ampla defesa são direitos constitucionalmente garantidos no art. 5º, inciso LV, da CF/88. Portanto, todos aqueles servidores, civis ou militares, que tiverem contra si instaurado processo administrativo disciplinar, terão que ter assegurados a observância destes princípios, sob pena de nulidade absoluta do processo.
1.1 Princípio do Devido Processo Legal
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LIV, assegura [...] que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o divido processo legal”, funcionando tal dispositivo como uma garantia às formalidades legais próprias à tramitação do processo.
O processo administrativo disciplinar rege-se por princípios que visam sempre, a transparência, a lisura em seus atos e, acima de tudo, a verdade dos fatos, proporcionando uma maior segurança para o administrado.
Nesse sentido, De Plácido e Silva, leciona que :
[...] princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. [...] sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito. (SILVIA, 1993, pag. 447).
Percebe-se, dessa forma, que os princípios atuam como vetores, valores indispensáveis à garantia do Estado de Direito, numa posição elevada de hierarquia. Ao falar-se de princípio da ampla defesa, está se falando dos meios necessários ao direito de defesa, assegurando consequentemente o acesso aos autos, a apresentação de razões e documentos e produzindo todas as formas de defesa no processo.
1.2 Princípio do contraditório e da ampla defesa no Processo Administrativo Disciplinar Militar
O inciso LV do artigo 5º da Carta Magna expressa que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente”.
Tal princípio é conhecido como princípio da bilateralidade da audiência ou paridade de armas, possibilitando o contraditório e as provas da parte contrária, visando, ao final, garantir o equilíbrio na relação processual. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci destaca a importância da ampla defesa:
Ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação. [...] Considerado, no processo, parte hipossuficiente por natureza, uma vez que o Estado é sempre mais forte, agindo por órgãos constituídos e preparados, valendo-se de informações e dados de todas as fontes às quais tem acesso, merece o réu um tratamento diferenciado e justo, razão pela qual a ampla possibilidade de defesa se lhe afigura a compensação devida pela força estatal. (NUCCI, 2008).
O Decreto Estadual nº 3.639/75, que trata do Conselho de Disciplina na Polícia Militar de Pernambuco, prevê em seu art. 9º que ao acusado é assegurada à ampla defesa, possibilitando ao mesmo estar presente a todas as sessões do Conselho, podendo em sua defesa requerer todas as provas permitidas no Código de Processo Penal Militar.
Verifica-se, desta forma, a preocupação do legislativo em respeitar a Carta Maior.
No entanto, para que o aconselhado exerça esse direito de forma plena e efetiva, há que se considerar a necessidade de conhecimento técnico sobre a matéria, senão de nada valerá tal previsão legal. Tornando, assim, um direito incompleto, inócuo, sem garantia alguma da igualdade de armas.
Nesse sentido Mauro Cappellettti ao comentar sobre o significado de um direito ao acesso efetivo à justiça discorre:
“embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago.”(CAPPELLETTI, 2002, pag. 15).
Sendo assim, a falta de conhecimento jurídico básico, se torna um obstáculo ao militar submetido ao processo administrativo disciplinar, no momento em que a administração, apesar de lhe garantir o direito à defesa, não lhe disponibiliza um advogado legalmente habilitado. Portanto, não basta proclamar os direitos de todos, é preciso garantir um sistema jurídico igualitário como requisito fundamental de acesso à justiça.
1.3 Espécies de Defesa
1.3.1 Autodefesa
Os procedimentos disciplinares na Polícia Militar de Pernambuco visam manter a hierarquia e a disciplina na instituição, bem como o respeito aos deveres e obrigações, enaltecendo os preceitos da ética e os valores militares.
A autodefesa consiste em um direito subjetivo do militar acusado de exercer sua própria defesa, seja produzindo provas, exercendo seu direito ao silêncio, de estar presente em todas as audiências de inquirição de testemunhas e tomar conhecimento de todos os atos relativos ao processo. A defesa realizada pelo próprio agente é apenas uma fração da ampla defesa.
A ampla defesa, por sua vez, engloba o direito a defesa técnica, a autodefesa e o direito de ter nomeado pela própria Polícia Militar um defensor dativo.
1.3.2 Defesa Técnica
A defesa técnica é a defesa realizada por advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). É exercida pelo defensor constituído, seja ele público, particular ou dativo, e é obrigatória no processo penal. Mesmo que o réu diga que não quer alguém para defendê-lo, o juiz deve nomear um para a função, ressalvado o caso em que o réu seja advogado, daí ele mesmo, querendo, pode fazer sua própria defesa.
Como já dito, ao Estado cabe proporcionar tal espécie de defesa, permitindo que o acusado receba a devida assistência jurídica e todas as garantias constitucionais no curso do processo.
Contudo, essa garantia oferecida pelo Estado, em nome do contraditório e da ampla defesa, deve proporcionar ao acusado em geral condições de se defender daquilo que lhe é imputado. Necessita-se, portanto, de alguém que lhe promova a defesa técnica. Sendo assim, a defesa técnica não deve ser vista como mera formalidade, e sim, defesa efetiva e ampla.
Assim, tem-se que a defesa técnica bem prestada, é uma maneira de se dar as mesmas condições às partes em um processo, dessa forma:
Não se pode imaginar ampla defesa sem defesa técnica, essencial para se garantir a paridade de armas. De um lado, tem-se, em regra, o Ministério Público composto de membros altamente qualificados e que conta, para auxiliá-lo, com a Polícia Judiciária, especializada na investigação criminal. Deve, assim, na outra face da relação processual, estar o acusado amparado também por profissional habilitado, ou seja, por advogado. (FERNANDES, 2005, p. 284)
O processo, portanto, há de ser considerado com vistas a proporcionar às partes o pleno acesso à justiça. Nesse sentido, asseveram Cappelletti e Garth, é “a efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa igualdade de armas” (CAPPELLETTI, 2002, pag. 15).
Faz-se necessário ter em mente que a garantia de defesa não se perfaz com o mero direito de defesa, mas com participação intensa na formação do convencimento do juiz por meio do efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.
Quanto a Defesa Dativa, esta será comentada mais adiante em momento oportuno.
CAPÍTULO 2
2. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
2.1 Considerações iniciais
Assevera o ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles que o Processo Administrativo Disciplinar “é o meio de apuração de punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração”. (MEIRELLES, 1998, pag. 567).
Segundo a Constituição Federal, em seu art. 41, o processo administrativo disciplinar é obrigatório para a aplicação das penas que impliquem perda de cargo para o servidor estável.
O inciso II do §2º do art. 98 da Constituição do Estado de Pernambuco, assim como a Carta Maior, afirma que, o servidor público estável só perderá o cargo mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa. Já na Lei nº 11.817, de 24 de julho de 2000 (Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco) dispõe que em caso de transgressão disciplinar, ao transgressor será garantido, em quaisquer instâncias, a ampla defesa e o devido processo legal (art. 21, Parágrafo Único) e, corroborando com toda essa disposição legal, o § 2º do artigo 30 dessa mesma lei, ainda exige que a exclusão a bem da disciplina, aplicada aos aspirantes a oficial e demais praças, com ou sem estabilidade assegurada, só poderá ser efetivada após o devido processo administrativo disciplinar militar assegurados a ampla defesa e o contraditório.
Na Polícia Militar de Pernambuco, tratando-se de servidor estável[3], o Processo Administrativo Disciplinar utilizado para apuração de falta grave é o Conselho de Disciplina, o qual será conduzido por um Colegiado julgador composto por três oficiais da corporação que irá julgar da incapacidade das praças integrantes da Polícia ou Bombeiro Militar com estabilidade assegurada, para permanecerem ou não na Corporação. Ao final do processo, os membros do conselho emitirão um relatório com parecer opinativo nos termos da lei[4], apresentando-o a autoridade instauradora[5]
No âmbito da Polícia Militar de Pernambuco, o Conselho de Disciplina é regido pelo Decreto Estadual nº 3.639, de 19 de agosto de 1975, aplicando-se subsidiariamente as normas do Código de Processo Penal Militar[6].
Conforme preceitua o artigo 2º, inciso I, do Decreto 3.639/75, as praças serão submetidas a Conselho de Disciplina quando acusada oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter: a) – procedido incorretamente no desempenho do cargo; b) – tido conduta irregular; ou c) – praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor policial-militar ou o decoro da classe.
Medauer define o Processo Administrativo Disciplinar como sendo uma “sucessão ordenada de atos destinados a averiguar a realidade de falta cometida por servidor, a ponderar as circunstâncias que nela concorreram e aplicar as sanções pertinentes” (MEDAUAR, 2010).
Para Hely Lopes Meirelles o Processo administrativo disciplinar é o “meio de apuração de punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração”. (MEIRELLES, 1998, p. 567).
Portanto, o Processo administrativo disciplinar pode ser interpretado como sendo um conjunto de normas, princípios e regulamentos em sucessão ordenada para a averiguação de faltas disciplinares cometidas por servidor, possibilitando ao final, legitimar a aplicação do correspondente ato punitivo.
Léo da Silva Alves faz questão de deixar claro em sua Obra Processo Disciplinar Passo a Passo que “o processo disciplinar está intimamente relacionado com o Direito Penal. (ALVES, 2004, pag. 11).
Verifica-se assim, que a doutrina reconhece e dá a importância devida ao processo administrativo ao compará-lo com o processo penal, não só pelo seu grau de complexidade, mas também pela exigência de conhecimento de seu desenrolar.
Dessa forma, observa-se que por serem os dois processos, administrativo e penal muito similar em suas processualidades, não deve ser mitigada a defesa no procedimento administrativo sob pena de se estar atuando com arbitrariedade.
Assim, para garantir a boa marcha do processo, deve-se primar pelos princípios do contraditório e da ampla defesa como princípios basilares do devido processo legal, os quais deverão ser obrigatoriamente assegurados aos litigantes, seja em processo judicial, seja em processo administrativo, não fazendo o constituinte originário qualquer diferenciação, assegurando desta forma, aos litigantes de uma forma geral, a paridade com o Estado. (MORAIS, 2001).
O ilustre doutrinador Alexandre de Morais, entende que a ampla defesa é o “asseguramento que é dado ao litigante de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade real dos fatos”. (MORAIS, 2001, pag. 118). Sendo o contraditório a própria exteriorização dessa ampla defesa, a fim de esclarecer a verdade real dos fatos.
Nelson Nery Júnior destaca a importância do princípio do contraditório e da ampla defesa como sendo uma expressão do próprio Estado de Direito ao afirmar:
O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa. (NERY, 2001, p.117).
O Presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, em discurso feito no Tribunal do Trabalho da 8ª Região, defendendo o fim do jus potulandi afirmou que "O jus postulandi é um princípio que agride a paridade de armas que deve estar presente em todos os processos a fim de que se garanta que os direitos serão corretamente postulados ou corretamente defendidos".
Finalizou seu entendimento afirmando que:
"o cidadão sem advogado torna-se um personagem sem voz no processo, porque a verdade processual é construída a partir de um bem articulado discurso jurídico, uma retórica bem elaborada e a competente compreensão das leis. Isso só acontece com a presença de um profissional preparado para tanto".
2.2 Distinção entre Processo e Procedimento
Inicialmente processo e procedimento eram considerados a mesma coisa.
Processo é sucessão de atos relacionados aos sujeitos processuais que se desenvolvem num caminhar para frente, enquanto procedimento é a maneira de “conduzir o processo, de dispor a sequência dos atos e a forma, o lugar, o tempo de cada um” (TORNAGHI, 1977, p. 185).
Para Jorge César de Assis “não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processos”. (ASSIS, 2011, pag. 200). Definindo Processo como sendo “o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito judicial ou administrativo.”
Segundo José dos Santos Carvalho Filho, Procedimento Administrativo é “A sequência de atividades da Administração, interligadas entre si, que visa a alcançar determinado efeito previsto em lei.” (CARVALHO FILHO, 2007, pag. 136).
No entanto, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro não se confunde processo com procedimento:
O primeiro existe sempre como instrumento indispensável para o exercício de função administrativa; tudo o que a Administração Pública faz, operações materiais ou atos jurídicos, fica documentado em um processo. O procedimento é o conjunto de formalidades que devem ser observados para a prática de certos atos administrativos; equivale a rito, a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo
Medauar afirma que:
O procedimento distingue-se de processo porque, basicamente, significa a sucessão encadeada de atos. De outro lado, o processo implica além do vínculo entre atos, vínculos jurídicos entre os sujeitos, englobando direitos, deveres, poderes, faculdades, na relação processual. Processo implica, sobretudo, atuação dos sujeitos sobre o prisma contraditório. (MEDAUAR, 2003).
Desta forma, observa-se que o processo é o método e procedimento o rito, um instrumento da efetivação do processo. Portanto, a forma como o processo se realiza é o próprio procedimento.
2.3 Os Processos Administrativos Disciplinares Militares
O Processo Administrativo Disciplinar em sentido amplo é o meio utilizado pelo Estado para apurar faltas graves de seus servidores civil ou militar, objetivando a aplicação, se couber, de sanção administrativa.
No Conselho de Disciplina, espécie de processo administrativo disciplinar militar, a portaria inaugural é requisito obrigatório para que se dê início a apuração da falta, e nela deve conter toda a descrição dos fatos objeto da apuração, bem como a identificação dos acusados. Na oportunidade é designado uma Comissão Processante, com plena liberdade na colheita de provas e diligências.
Desde a citação acusatória deverá ser dado acesso aos autos ao militar acusado, ou ao seu defensor, possibilitando o acompanhamento do feito, com direito a contestar, apresentar provas e estar presente em todos os atos instrutórios. Assegurando ao servidor o contraditório e a ampla defesa consagrada pela Constituição (Art 5º, LV) e sem a qual é nulo o julgamento condenatório.
2.3.1 Processo Disciplinar Sumaríssimo
O Procedimento Disciplinar Sumaríssimo na Polícia Militar de Pernambuco é uma espécie de Processo Administrativo Disciplinar Militar iniciado em decorrência de parte disciplinar para apuração de transgressão disciplinar, - excetuados o Conselho de Disciplina e o de Justificação - onde apresentadas ou não as razões de defesa, o Processo será submetido à apreciação do Comandante para solução (Portaria do Comando Geral nº 740, de 25 de outubro de 2000)[7], não se falando aqui em obrigatoriedade da ampla defesa e contraditório, e sim, de uma mera faculdade do policial acusado
2.3.2 Sindicância Acusatória
Hely Lopes Meirelles define a Sindicância como sendo:
“meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço público para subsequente instauração de processo e punição ao infrator. Ademais, a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada”. (MEIRELLES, 1996, pag. 602).
A Sindicância instaurada no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco segue a orientação das Instruções Gerais para Elaboração de Sindicância utilizada no âmbito do Exército Brasileiro, em virtude da previsão constante no art. 136, do Estatuto dos Policiais Militares de Pernambuco[8].
Art. 136 - São adotados na Polícia Militar, em matéria não regulada na legislação estadual, os regulamentos e leis em vigor no Exército brasileiro, até que sejam adotados leis e regulamentos peculiares. (PERNAMBUCO, 1974).
O Comandante Geral da Polícia Militar de Pernambuco adotou como modelo a ser utilizado no âmbito da corporação as mesmas instruções para a elaboração de sindicância utilizada pelo Exercito Brasileiro[9]
Inicialmente, utilizava-se a orientação das Instruções Gerais para Elaboração de Sindicância no Âmbito do Exército Brasileiro (IG 10-11) publicado através da Portaria nº 202, de 26 de abril de 2000 que, posteriormente foi substituída por uma nova Portaria nº 793, de 28 de dezembro de 2011, a qual foi revogada, servindo-se na atualidade do EB10-IG-09.001, publicada por meio da Portaria nº 107, de 13 de fevereiro de 2012.
O Art. 2º, do EB10-IG-09.001, utilizado na atualidade para elaboração da sindicância, conceitua a mesma como um procedimento formal, apresentado por escrito, e que tem por objetivo a apuração de fatos de interesse da administração militar, quando julgado necessária pela autoridade competente, ou de situações que envolvam direitos.
As espécies de sindicância, de acordo com o EB10-IG-09.001, são duas, uma sumária ou de caráter investigatório e outra acusatória, tendo esta última assumido o caráter processual:
Art. 2º, § 1º. Na hipótese de não ser possível identificar a pessoa diretamente envolvida no fato a ser esclarecido, a sindicância terá caráter meramente investigatório; entretanto, sendo identificada a figura do sindicado desde sua instauração ou ao longo da apuração, o procedimento assumirá caráter processual, devendo ser assegurado aquele o direito ao contraditório e ampla defesa. (EB10-IG-09.001, grifos nossos).
Deste artigo se verifica que, não havendo ou não sendo possível identificar o acusado ou acusados, o procedimento será o investigatório. Após devidamente identificados os envolvidos, passa a ter o caráter acusatório, onde, na ocasião, será garantido o direito ao contraditório e ampla defesa e ao devido processo legal, previsto constitucionalmente. Observa-se então que na sumária há um fato, mas não um autor, enquanto que na acusatória há um fato e um ou mais sindicados.
2.3.3 Processo de Licenciamento “Ex-offício” a Bem da Disciplina
O Código Disciplinar dos Policiais Militares de Pernambuco em seu art. 30, § 1º, prevê o Licenciamento a bem da disciplina para o Aspirante-a-Oficial e os demais Praças sem estabilidade e especifica as condições, e sempre, assegurando a todos, a ampla defesa e o contraditório:
Art. 30. O licenciamento e a exclusão a bem da disciplina consistem no afastamento ex-officio do militar estadual das fileiras de sua Corporação, conforme previsto em legislação própria e somente se aplicam aos Aspirantes-a-Oficial e as demais Praças, após o devido processo administrativo disciplinar militar.
§ 1º O licenciamento a bem da disciplina deve ser aplicado às praças sem estabilidade assegurada, como solução de processo administrativo disciplinar sumário, em que lhes sejam assegurados a ampla defesa e o contraditório, desde que se conclua que:
I - o Militar processado com a prática das transgressões objeto das investigações, afetou o sentimento do dever, a honra pessoal, pundonor militar e o decoro da classe; ou
II - o militar processado encontra-se no comportamento MAU há no mínimo 1 (um) ano, continua tendo conduta irregular, e fará suas funções;
O Estatuto dos Policiais Militares de Pernambuco[10], assim prevê em seu art. 109:
Art. 109 - O licenciamento do serviço ativo, aplicado somente às Praças, se efetua:
[...]
II - "ex-officio".
[...]
§ 2º - O licenciamento "ex-officio" será feito na forma da legislação peculiar:
a) por conclusão de tempo de serviço;
b) por conveniência do serviço; e
c) a bem da disciplina. (grifo nosso).
O Comandante Geral da PMPE, através da Portaria nº 088, de 24 JAN 2007, publicou em 31 de janeiro de 2007 no Suplemento Normativo nº G 1.0.00.002, estabelecendo as condições e as autoridades competentes para instaurar o Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina:
Art. 2º - O Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina é uma espécie de Processo Administrativo Disciplinar, apresentado por escrito, para a apuração, quando julgada necessária pela autoridade competente, de ato ilícito, imputado à praça sem estabilidade da PMPE, que afete a honra pessoal, o decoro da classe, o sentimento do dever e o pundonor militar.
Art. 3º - O Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina será instaurado mediante portaria da autoridade competente, publicada no Diário Oficial do Estado.
Art. 4º - É competente para instaurar Processo de Licenciamento a Bem da Disciplina:
I - O Comandante Geral da PMPE;
II - O Comandante, Chefe ou Diretor de Organização Militar Estadual.
2.3.4 Conselho de Justificação
O Conselho de Justificação para o oficial da Polícia Militar de Pernambuco, tem previsão legal na Lei Estadual nº 6.957, de 3 de novembro de 1975, a qual esclarece os casos de perda do posto, ao tempo em que discrimina as autoridades competentes para determinar a devida instauração, observando sempre as normas de procedimento estabelecidas pela lei federal Lei Federal nº 5.836, de 5 de dezembro de 1972.
O Conselho de Justificação é destinado a julgar, através de processo administrativo especial, da incapacidade de o oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado de permanecer como membro da polícia militar de Pernambuco, assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes
Nas hipóteses descritas no art. 13, V, alíneas “a” ou “b”, da Lei n. 5.836/72 , os autos do Conselho de Justificação serão remetidos ao Superior Tribunal Militar, no caso de oficial das Forças Armada e, para o Tribunal de Justiça de Pernambuco, os casos de oficial da PM ou BM, que o julgará em única instância, pois a decisão do Tribunal de Justiça Militar, em Conselho de Justificação, que decreta a perda de posto e da patente por indignidade e incompatibilidade com o oficialato, tem natureza administrativa. Esse tem sido o entendimento pacificado no âmbito do STF, assim ementado, in verbis:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO. PERDA DE POSTO E DE PATENTE POR INDIGNIDADE E INCOMPATIBILIDADE DO OFICIALATO. DECISÃO DE CUNHO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. A jurisprudência desta Corte fixou entendimento no sentido de que é inviável recurso extraordinário interposto contra decisão proferida em Conselho de justificação, dada sua natureza administrativa. Agravo regimental a que nega provimento. (AI 719502 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 26/08/2008, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-14 PP-03002, grifo nosso)
Neste caso, apesar de o processo administrativo ter início no Poder Executivo terá seu término no Judiciário, cumprindo salientar que a decisão proferida, mesmo sendo emanada por órgão da Justiça, possui natureza administrativa.
2.3.5 Conselho de Disciplina
O Conselho de Disciplina é destinado a julgar da incapacidade do Aspirante-a-Oficial PM e das demais praças da Polícia Militar de Pernambuco com estabilidade assegurada - seja ele da ativa, reformado ou da reserva remunerada - de permanecerem nas fileiras da corporação, quando acusados oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter: a) – procedido incorretamente no desempenho do cargo; b) – tido conduta irregular; ou c) – praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor policial-militar ou o decoro da classe, criando-lhes, ao mesmo tempo, condições para se defenderem[11]. Devendo o processo disciplinar ser instaurado por Portaria do Comandante Geral ou de ofício pelo Corregedor Geral[12] da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco.
Assim, diante do cometimento de uma falta funcional, tem a administração pública o poder-dever de apurar os fatos e consequentemente sua autoria. Podendo ao final ensejar aplicação de punição, que no caso dos militares estaduais poderá ser repreensão, detenção, prisão, licenciamento a bem da disciplina e exclusão a bem da disciplina (art. 28, do Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco), desde que possibilite a defesa do acusado. Portanto, o Conselho de Disciplina tem por objeto a apuração de ilícitos funcionais e, quando for o acaso, a aplicação da respectiva sanção administrativa, ocasionando por vezes resultados extremamente gravosos ao policial militar, similar às sanções de natureza penal, inclusive com restrição de liberdade.
Verifica-se, dessa forma, que a sanção administrativa aplicável ao militar julgado culpado pelo pela Tríade Processante tem por base desvios de conduta de ordem moral e ética ou atitude profissional incompatível. Sendo seus fundamentos distintos dos que se baseiam a punição criminal comum ou militar, possibilitando a dupla punição, administrativa e penal, pelo mesmo ato.
2.4 Fases do Processo Administrativo Disciplinar
O Processo Administrativo Disciplinar Militar compreende três fases, a instauração que compreende a portaria inaugural, a instrução que é a fase do processo onde serão produzidas as provas pelas partes, e por fim o relatório onde a tríade processante irá emitir seu juízo de valor, o qual será ou não acatado quando do julgamento pela autoridade instauradora. Se a Autoridade Administrativa não tiver elementos suficientes para instaurar o Processo Administrativo Disciplinar, ela poderá instaurar uma sindicância investigativa para tentar identificar a autoria e a materialidade do ilícito administrativo.
2.4.1 Instauração
O processo administrativo disciplinar deverá ser instaurado sempre que a autoridade pública tiver conhecimento de qualquer irregularidade funcional cometida por servidor ou agente público militar, fornecendo ao tempo elementos que possam comprovar o ilícito administrativo sem, contudo, ser genérico pois, “a capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa” (RTJ 195/171, rel. Min. Eros Grau).
A instauração de processo administrativo disciplinar é medida de forte impacto sobre a pessoa do policial militar acusado, e consequente responsabilidade da autoridade instauradora quanto à sua legalidade, motivação e competência para elaboração da portaria inaugural. A finalidade será, sempre, de preservação da hierarquia, da disciplina e do decoro da classe, mantendo a imparcialidade, conforme decisão abaixo:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). NULIDADE POR IMPEDIMENTO DE SERVIDOR. Há nulidade em processo administrativo disciplinar desde a sua instauração, no caso em que o servidor que realizou a sindicância investigatória determinou, posteriormente, a abertura do processo disciplinar, designando os membros da comissão processante. A imparcialidade, o sigilo e a independência materializam os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, devendo nortear os trabalhos da comissão que dirige o procedimento administrativo, conforme dispõe o art. 150 da Lei n. 8.112/1990. O art. 18, II, da Lei n. 9.784/1999 prevê o impedimento para atuar em processo administrativo do servidor ou autoridade que dele tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante. A instauração do PAD envolve, ainda que em caráter preliminar, juízo de admissibilidade, em que é verificada a existência de indícios suficientes a demonstrar que ocorreu transgressão às regras de conduta funcional. Por isso, não se pode admitir que o servidor que realizou as investigações e exarou um juízo preliminar acerca da possível responsabilidade disciplinar do sindicado, considerando patentes a autoria e materialidade de infração administrativa, determine a instauração do processo administrativo e, em seguida, aprove o relatório final produzido. Precedente citado: MS 14.135-DF, DJe 15/9/2010. MS 15.107-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 26/9/2012.
Por outro lado, iniciado o processo administrativo disciplinar, é imposto ao miliciano acusado o constrangimento de ter a publicação de seu nome em Boletim Geral, bem como a divulgação dos fatos reprováveis, sobretudo quando o policial é inocente das acusações. Por esse motivo é que a administração deve ter todo o cuidado para não cometer arbitrariedade na instauração do feito administrativo sancionador. Podendo, inclusive, quando instaurado indevidamente, resultar em ação judicial por parte do servidor policial militar contra o Estado, pleiteando indenização por danos morais
A Portaria instauradora deve apontar o acusado, descrever os fatos – sob pena de nulidade -, para que oportunize o servidor a saber do que está sendo acusado e, por fim, nomear a comissão processante. Tal orientação tem suporte em entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:
A instauração do processo disciplinar é efetuada mediante ato da autoridade administrativa em face de irregularidades funcionais praticadas pelo servidor público, o qual deve conter a descrição e qualificação dos fatos, a acusação imputada e seu enquadramento legal, além da indicação dos integrantes da Comissão de Inquérito. (Acordão ROMS 10.578/PA. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (1999/0009395-0). Fonte DJ – data: 22-11-1999 p. 00194. Relator(a) Min. Vicente Leal).
A Administração Pública tem o poder/dever de investigar e aplicar as sanções administrativas decorrentes de ilicitudes cometidas pelos seus servidores, no entanto, deve primar pelo respeito aos direitos e garantias constitucionais inerentes a todo processo.
Algumas infrações cometidas por servidores públicos podem ser objeto de investigação, tanto na esfera administrativa como na penal, todavia podem em suas conclusões divergirem uma da outra, sem, contudo ferir o princípio da segurança jurídica. Uma conduta do militar pode ser classificada ao mesmo tempo como infração administrativa, ilícito penal ou até mesmo cível. Podendo inclusive nesses casos ocorrer a condenação em todas elas ou não.
Anote-se que a legislação referente ao Conselho de Disciplina prevê que, prescreverá em 6 (seis) anos, a contar da data do fato, o jus puniendi do Estado, nos casos previsto no Decreto nº 3.639/75. Interrompendo-se tal prazo quando da instauração do competente Processo Administrativo disciplinar, nos termos do art. 5º, da Lei Complementar 158, de 26 de março de 2010. Todavia, nos casos tipificados como crime, prescreverão nos prazos neles estabelecidos, conforme disposição do parágrafo único, do art. 5º da legislação em comento.
Saliente-se que a instauração do processo administrativo disciplinar somente se legitima quando houver um fato indicativo da possibilidade de vir a ser futuramente punido o servidor infrator.
2.4.2 Instrução
Na instrução, a comissão processante procurará levantar os fatos, as evidências, os depoimentos e colher todos os indícios capazes de esclarecer as acusações impostas ao militar investigado. Por sua vez, o aconselhado poderá acompanhar todo o processo, pessoalmente ou por meio de advogado constituído às suas custas ou oficial indicado pelo acusado, quando este desejar, para defendê-lo. No caso de revelia, será designado pelo Comandante Geral da Polícia Militar um oficial para realizar a defesa como defensor dativo, nos termos do § 4º, do art. 9º, do Decreto Estadual nº 3.639/75. Necessariamente não precisa ter formação jurídica, assunto este de grande indagação, pois a defesa é carecedora do princípio constitucional do devido processo legal, corolário do contraditório e da ampla defesa. Entende-se que, não havendo uma defesa técnica, poderá não haver uma defesa adequada, ficando prejudicado o servidor.
No Processo Administrativo Disciplinar Militar, caso o militar seja submetido à Conselho de Disciplina e, devidamente citado, não constitua advogado ou não se manifeste no sentido de fazer sua própria defesa, será então nomeado pela Comissão Processante um Defensor Dativo para que o faça, sendo esse oficial designado pelo Comandante Geral, conforme relação de oficiais publicada previamente em Boletim Geral da Corporação.
Saliente-se, ainda, que a Tríade Processante não poderá concluir o processo com a elaboração do relatório, sem que lhe seja apresentada as alegações finais por parte do defensor, seja dativo, seja do próprio aconselhado, pois se assim não ocorrer será o processo anulado.
A fim de ilustrar a referida obrigatoriedade, colaciona-se a ementa a seguir:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. COISA JULGADA EM RELAÇÃO A UM DOS APELANTES (EUDYS FREITAS DE MEDEIROS). ACOLHIMENTO. MÉRITO: POLICIAIS MILITARES. LICENCIAMENTO EX OFFICIO A BEM DA DISCIPLINA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS. EXTINÇÃO DO FEITO NOS TERMOS DA PRELIMINAR SUSCITADA E, NO MÉRITO, PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO. Não se pode escusar um erro de procedimento determinado por lei, sob o fundamento do informalismo do processo administrativo, principalmente se tal equívoco prejudica a ampla defesa dos interessados. (123405 RN 2008.012340-5, Relator: Des. Dilermando Mota, Data de Julgamento: 20/01/2011, 1ª Câmara Cível) (169 PR , Relator: AURACYR AZEVEDO DE MOURA CORDEIRO, Data de Julgamento: 02/03/2011, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 09/03/2011, grifo nosso).
É de suma importância a apresentação das alegações finais no processo administrativo disciplinar, pois, além de ser previsto em lei, também é o momento de o militar aconselhado fazer a argumentação final em prol de seus interesses, através do exame das provas produzidas. Esgotando-se, assim, todos os caminhos que ele poderá trilhar a seu favor, sejam referentes à preliminares ou ao mérito.
Durante a coleta de provas, a comissão ouvirá as testemunhas arroladas no Libelo Acusatório e, na sequência, as testemunhas arroladas pelo acusado, sempre na busca da verdade real. Após as oitivas, a comissão decidirá, com base nas provas colhidas, a culpa ou não do aconselhado, bem como se o mesmo tem condições de permanecer nas fileiras da corporação, na qualidade de ativo ou inativo.
O Conselho de Disciplina terá 30 (trinta) dias, a contar da data de sua nomeação, para a conclusão de seus trabalhos, inclusive remessa do relatório, podendo esse prazo ser prorrogado por mais 20 (vinte) dias, segundo disposição do art. 11 do Decreto 3.639/75. No entanto, o processo não será anulado caso ultrapasse o tempo previsto, se não houver prejuízo para o aconselhado, assim tem entendido o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRAZO PARA CONCLUSÃO. EXTRAPOLAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA.I - A extrapolação do prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não acarreta a sua nulidade, se, em razão disso, não houve qualquer prejuízo para a defesa do acusado. Aplicação do princípio pas de nullité sans grief. Precedentes. II - Inexiste afronta ao princípio da ampla defesa se a Comissão Processante assegurou ao servidor processado acesso aos autos do processo administrativo disciplinar, cientificando-lhe, por conseguinte, de todas as diligências a serem realizadas no curso do procedimento. III - Inviável a análise da inexistência de prova cabal das condutas do impetrante na via eleita, já que o mandamus não foi instruído com a cópia integral do processo administrativo disciplinar, o qual é indispensável para o exame da adequação da pena de demissão que lhe foi aplicada, considerando, especialmente, a indicação pela Comissão Disciplinar de uma série de elementos probatórios constantes do PAD, os quais integraram a motivação do ato disciplinar. Ordem denegada, sem prejuízo das vias ordinárias para o item III. (12969 DF 2007/0164289-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 05/12/2008, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/02/2009, grifo nosso).
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO NA APRESENTAÇÃO DE PARECER PELA COMISSÃO DISCIPLINAR. MERA IRREGULARIDADE QUE NÃO GERA NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXISTÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO.
1. O processo administrativo disciplinar teve regular andamento, com a estrita observância ao princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sem qualquer evidência de prejuízo à defesa da Recorrente.
2. O entendimento desta Corte é no sentido de que eventuais irregularidades relativas ao excesso de prazo para prática de atos, quando incapazes de trazer prejuízo ao militar disciplinando, não ensejam nulidade do processo administrativo disciplinar.
Precedentes.
3. No processo penal já existe sentença condenatória definitiva, com trânsito em julgado ocorrido em 18/07/2005, impondo a pena de 03 anos, 06 meses e 20 dias multa, em regime aberto, pela prática do crime de roubo, nos termos do art. 157, § 2.º, inciso I e II, c.c.
art. 14, inciso II, e art. 29 do Código Penal Brasileiro.
4. Insubsistente a alegação de ausência de demonstração do fato delituoso imputado ao ex-militar, sendo proporcional a punição imposta administrativamente. Precedente.
5. Recurso ordinário desprovido.
(RMS 22.032/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 07/02/2011, grifo nosso)
2.4.3 Relatório
Terminadas todas as diligências necessárias a elucidação dos fatos constantes na Portaria Inaugural, bem como todas as diligências solicitadas pela defesa. Em seguida, a Comissão Processante passará a redigir o Relatório Final, onde será decidido se a praça é, ou não culpada da acusação que lhe foi imputada e, se tem condições de permanecer integrando as fileiras da Corporação Policial Militar, seja na ativa, ou na reserva, levando em consideração obrigatoriamente, no momento do julgamento, a ficha disciplinar do miliciano.
A Comissão, em seu relatório conclusivo, abordará basicamente três pontos: Portaria inaugural, resumindo a denúncia e indicando os dispositivos legais transgredidos; quanto à defesa, fará uma síntese dos argumentos desenvolvidos pela defesa do aconselhado, confrontando as acusações com as contestações apresentadas e, por fim, o parecer, relatando o que foi apurado, expondo suas conclusões com base nas provas produzidas, circunstâncias agravantes e atenuantes e a recomendação da penalidade que entenda justa e compatível com a falta cometida.
A fase de elaboração do relatório está prevista no artigo 12 do Decreto nº 3.639/75. O mesmo deverá ser conclusivo, ou seja, a comissão deverá manifestar sua opinião quanto à inocência ou não do indiciado e a sua correspondente penalidade, para que a autoridade competente possa aplicá-la. A decisão do Conselho de Disciplina é tomada por maioria dos votos de seus membros. Quando houver voto vencido, será este justificado por escrito.
Mister salientar que a Comissão é independente em seu julgamento, em caso de julgamento administrativo que tenha como base fato do qual esteja também sendo julgado na esfera criminal.
Nesse sentido, os Tribunais Superiores tem decidido que a administração pode aplicar ao servidor a pena administrativa, mesmo que ainda em curso ação penal a que responde pelo mesmo fato, tendo como base principiológica as independências das instâncias.
Assim tem se manifestado os Tribunais Superiores nesses casos, in verbis:
MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ABERTURA DE CONSELHOS DE DISCIPLINA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRECEDENTES.1. Em que pese a Suprema Corte ter deferido habeas corpus determinando o trancamento da ação penal por falta de tipicidade e justa causa, em razão da independência entre as esferas penal e administrativa, é possível a abertura de Conselhos de Disciplina para apurar eventual ilícito disciplinar lesivos aos deveres e às obrigações militares praticados pelos impetrantes.2. Somente repercutem na esfera administrativa as decisões proferidas na instância judicial penal em que se conclua, definitivamente, pela inexistência do fato ou pela negativa de autoria, o que não ocorre na hipótese em apreço. 3. Segurança denegada. (9000 DF 2003/0052057-7, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 22/09/2010, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 05/10/2010, grifo nosso).
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CRIMINAL E ADMINISTRATIVA. A independência entre as instâncias criminal e administrativa é questão pacificada tanto na doutrina, como na jurisprudência deste C. STJ. Aplicada a pena de demissão de servidor público com base em processo administrativo no qual não se vislumbra qualquer irregularidade, não há porque determinar a suspensão do ato demissório até que a justiça criminal se pronuncie, de forma irrecorrível, sobre as faltas imputadas ao servidor. Precedentes. Segurança denegada. (7042 DF 2000/0055616-5, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 12/12/2000, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 05.03.2001 p. 122JBCC vol. 189 p. 91, grifo nosso)
No entanto, como já dito, a administração pública encontra-se vinculada à decisão judicial em dois casos, negativa de autoria e inexistência do fato, ou seja, caso seja constatado que o aconselhado não seja o autor do crime, ou que o crime do qual ele esteja sendo acusado não existiu.
Em decisão recente, assim o STJ se posicionou:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR DO ESTADO DE PERNAMBUCO. ACUSAÇÃO DE HOMICÍDIO. EXCLUSÃO DA CORPORAÇÃO. SUPERVENIENTE SENTENÇA CRIMINAL ABSOLUTÓRIA COM BASE NO MESMO FATO. NEGATIVA DE AUTORIA. INEGÁVEL REPERCUSSÃO NA SEARA ADMINISTRATIVA. RECURSO PROVIDO. 1. O Poder Judiciário pode e deve sindicar amplamente, em mandado de segurança, o ato administrativo que aplica a sanção de demissão a Servidor Público, para verificar (a) a ocorrência dos ilícitos imputados ao Servidor e, (b) mensurar a adequação da reprimenda à gravidade da infração disciplinar, não ficando a análise jurisdicional limitada aos seus aspectos formais. 2. A teor do art. 462 do CPC, a constatação de fato superveniente que possa influir na solução do litígio deve ser considerada pelo Tribunal competente para o julgamento, sendo certo que a regra processual não se limita ao juízo de primeiro grau, porquanto a tutela jurisdicional, em qualquer grau de jurisdição, deve solucionar a lide na forma como se apresenta no momento do julgamento.3. O Processo Administrativo Disciplinar não é dependente da instância penal, porém, quando o Juízo Penal já se pronunciou sobre os fatos que constituem, ao mesmo tempo, o objeto do PAD, exarando sentença absolutória por negativa de autoria, não há como se negar a sua inevitável repercussão no âmbito administrativo sancionador. 4. A teor do art. 126 da Lei 8.112/90, aplicável ao caso por analogia, a responsabilidade do Servidor deverá ser afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria, exceto se houver falta disciplinar residual, não englobada na sentença penal absolutória (Súmula 18/STF). 5. Refoge ao senso de justiça que se tenha o mesmo fato por não provado no crime e provado na esfera administrativa punitiva, como se esta pudesse se satisfazer com prova incompleta, deficiente ou inconclusiva; a necessária independência entre as instâncias administrativa e penal, não exclui o imperioso equilíbrio entre elas, capaz de impingir coerência às decisões sancionatórias emanadas do Poder Público, sejam proferidas pelo Executivo ou pelo Judiciário.6. A materialização do dever-poder estatal de punir deve estar compatibilizada com os preceitos fundamentais que tutelam a dignidade da pessoa humana, de sorte que o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar não pode consubstanciar ato arbitrário pautado em presunções, mas deve sempre estar calcado em liquidez e certeza, assegurando a aplicação do princípio da segurança jurídica entre as partes. 7. Recurso provido para anular o ato de demissão do recorrente do cargo de Policial Militar do Estado de Pernambuco, determinando sua imediata reintegração ao posto. (30511 PE 2009/0182190-2, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 09/11/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2010, undefined, grifo nosso).
2.4.4 Julgamento
A autoridade julgadora não se encontra estritamente vinculada à conclusão de relatório da comissão, mas há uma vinculação relativa. Neste caso, a lei diz que o relatório deverá ser acatado, salvo se sua conclusão for contrária à prova dos autos, e a autoridade julgadora deverá sempre motivar suas decisões. Desta forma a autoridade não está autorizada a aplicação mecânica da lei sem a consideração a incidência dos princípios da justiça, primando pela proporcionalidade e razoabilidade com a individualização da conduta e consequente aplicação da reprimenda, em perfeita harmonia entre a sanção imposta e a gravidade da conduta.
Cumpre ressaltar, que o poder disciplinar não pode ser confundido com o direito de punir do Estado, no caso de crimes. Pois, o poder disciplinar é “aquele exercido pelas autoridades administrativas para aplicar punições aos agentes públicos, em caso de violação das regras de conduta funcional” (CARVALHO, 2011, pag. 70), enquanto que o direito de punir, de acordo com Frederico Marques, é “o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário causando um dano ou lesão jurídica, de maneira reprovável” (MARQUES, 2009, pag. 3).
No processo administrativo, o despacho final ou julgamento corresponde a uma sentença administrativa.
Das decisões do Conselho caberá recurso, nos termos dos artigos 14 e 15 do Decreto Estadual 3.639/75. Saliente-se que todas as decisões tomadas no âmbito administrativo estão passiveis de se submeterem ao crivo do Poder Judiciário, em face do princípio da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário, previsto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição Federal.
CAPÍTULO 3
3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEFESA TÉCNICA NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
3.1 Posicionamentos a favor e contra à Súmula Vinculante nº 5 do STF.
O principal objetivo da criação da súmula vinculante foi tentar resolver o problema de excesso de processos nos tribunais superiores com questões já decididas anteriormente.
Foi através da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, conhecida como reforma do Poder Judiciário, que a súmula vinculante foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro. Em 30 de maio de 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou os primeiros enunciados das súmulas vinculantes, nos termos do art. 103-A da Constituição da República de 1988.
A existência da súmula está vinculada a existência das jurisprudências e das divergências jurisprudenciais, que se constituem nas diversas interpretações dadas às normas aplicáveis ao caso concreto pelos órgãos judiciais.
Jurisprudência, segundo Miguel Reale é "a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais". (REALE, 2009. p. 167). Por si só, não poderá justificar uma sentença, mas poderá reforçar a conclusão do julgador. Observa-se então que a jurisprudência equipara-se às normas jurídicas, servindo como fonte formal, quando transformada em súmula.
Observa-se então que a súmula vinculante tem como objetivo uniformizar o entendimento de reiterados de julgados semelhantes, determinando que seja cumprida tanto pelos órgãos inferiores do judiciário, como pela administração pública direta ou indireta das unidades da federação.
Dessa forma surgiu a súmula vinculante nº 5, originada do julgamento do RE 434.059 - Distrito Federal, de 12/09/2008, conforme ementa abaixo:
Recurso extraordinário.2. Processo Administrativo Disciplinar.3. Cerceamento de defesa. Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ausência de defesa técnica por advogado.4. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.Constituição5. Recursos extraordinários conhecidos e providos. (434059 DF , Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 07/05/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-04 PP-00736)
Onde a referida matéria versava sobre a anulação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de punição administrativa imposta a servidor, cujos recorrentes foram a União e o INSS.
Desse entendimento sumulado pelo STF, surgiram as diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais acerca do assunto, sendo, inclusive, tema de diversos trabalhos acadêmicos.
O entendimento quanto à garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório em processos administrativos, para algumas correntes doutrinárias e jurisprudenciais não implica, em regra, subordinar todas as normas exigível aos procedimentos judiciais. Pois, acreditam que o processo administrativo, por seu informalismo, admitiria a autodefesa como forma de defesa válida.
Por outro lado, há também quem entenda que a presença do advogado seria requisito básico à validade do processo administrativo disciplinar.
Foi com base nesse entendimento que em 12 de setembro de 2007 foi aprovado o enunciado da súmula 343 do STJ, publicado no DJ de 21 Set 07, estabelecendo o seguinte: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”. Pois, para o STJ a ampla defesa seria condição de procedibilidade em processo administrativo e o advogado nesse contexto seria indispensável à administração da Justiça, destacando, ainda, que a aplicação da pena administrativa em processo sem que a parte se fizesse acompanhada de advogado seria totalmente nula.
Os ministros do STJ tiveram como parâmetro para redigir a então súmula 343, os seguintes artigos: 153, 163 e 164, todos do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União[13], além de precedentes jurisprudenciais do próprio Tribunal Superior [14].
Anteriormente a referida súmula não se tinha ainda um entendimento homogêneo quanto a obrigatoriedade ou não da participação de advogado no processo administrativo disciplinar, até que em 2003 o Ministro do STJ Hamilton Carvalhido, em julgamento de um Mandado de Segurança, assim se posicionou:
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO. 1. A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral. 2. Ordem concedida. (MS 7078 DF 2000/0065864-2, Relator(a): Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 21/10/2003, 3ª Seção, Data da Publicação: DJ 09.12.2003 p. 206, grifo nosso).
Depois desse entendimento, surgiram diversas ações em que servidores demitidos do serviço público procuravam a justiça alegando o cerceamento de defesa nos processos em que resultaram suas respectivas demissões. Chegando a questão, como esposado acima, até o Supremo Tribunal Federal.
A contrário sensu o Supremo Tribunal Federal em sua argumentação na votação da Súmula Vinculante nº 5, aduziu que, garantido o direito à informação, à manifestação e à consideração dos argumentos manifestados, não há que se falar em violação à ampla defesa, pois esta, estaria sendo exercida em sua plenitude, inexistindo, assim, ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, uma vez que em outros processos judiciais como no habeas corpus, em causas trabalhistas e em Juizados Especiais há a possibilidade de dispensa da presença do advogado, e justifica sua posição invocando o seguinte precedente:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ACESSO À JUSTIÇA. JUIZADO ESPECIAL. PRESENÇA DO ADVOGADO. IMPRESCINDIBILIDADE RELATIVA. PRECEDENTES. LEI 9099/95. OBSERVÂNCIA DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. RAZOABILIDADE DA NORMA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. FACULDADE DA PARTE. CAUSA DE PEQUENO VALOR. DISPENSA DO ADVOGADO. POSSIBILIDADE.90991. Juizado Especial. Lei 9099/95, artigo 9º. Faculdade conferida à parte para demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, sem assistência de advogado. Ofensa à Constituição Federal. Inexistência. Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a indicação de advogado, dados os princípios da oralidade e da informalidade adotados pela norma para tornar mais célere e menos oneroso o acesso à justiça. Precedentes.90999ºConstituição Federal2. Lei 9099/95. Fixação da competência dos juízos especiais civis tendo como parâmetro o valor dado à causa. Razoabilidade da lei, que possibilita o acesso do cidadão ao judiciário de forma simples, rápida e efetiva, sem maiores despesas e entraves burocráticos. Ação julgada improcedente.9099.
(1539 UF , Relator: MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 23/04/2003, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 05-12-2003 PP-00017 EMENT VOL-02135-03 PP-00398, grifo nosso)
Como se vê, o STF utilizou-se do princípio da celeridade processual e do direito de acesso à justiça para obstaculiza a defesa do acusado em processo administrativo.
Percebendo tal equivoco por parte da Suprema Corte é que, em 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs, junto ao STF, o cancelamento do enunciado da Súmula Vinculante nº 5,[15] oferecendo como pleito alternativo, caso não fosse acatado o pedido de cancelamento, a alteração do enunciado da súmula, passando a constar que se houvesse advogado constituído, a sua não intimação, anularia o processo administrativo disciplinar. Procurando em seus argumentos demonstrar que o estado de direito defendido pela Constituição Federal de 1988 não privilegia mais a prevalência do interesse público sobre o interesse individual, quando estiverem em jogo garantias fundamentais do cidadão, tais como o contraditório e a ampla defesa.
Fundamentou a OAB seu pedido nos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, mostrando que no processo administrativo disciplinar, em razão da possibilidade de resultar aplicação de pena ao servidor, devem ser observados tais princípios. E, nesse sentido, finaliza, “só aquele que efetivamente conhece o processo em sua complexidade (prescrição, juiz natural, devido processo legal, contraditório e ampla defesa) – o advogado – haverá de desempenhar um trabalho que homenageie os direitos fundamentais”.
Ademais, dentro desse panorama de defesa, é utópico acreditar que o próprio acusado tenha condições da realizar sua própria defesa, ou mesmo se utilizar de outro servidor da própria administração, sem que possa sofrer qualquer tipo de constrangimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Administração Pública possui uma estrutura hierarquizada, podendo aplicar, sempre que necessário, ao seu administrado, punições a fim de garantir a hierarquia e a disciplina em casos de cometimento de irregularidades.
Nesse sentido, assevera Hely Lopes Meirelles:
“Todo chefe tem o poder e o dever de punir o subordinado quando este der ensejo, ou, se lhe faltar competência para a aplicação da pena devida, fica na obrigação de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente” (MEIRELLES, 2004, p. 123).
Em decorrência desse poder-dever de o Estado manter o controle disciplinar sobre o exercício da função pública, nasce também a responsabilidade do uso desse poder conferido por lei, buscando alcançar o bem-estar da coletividade. No entanto, para todo poder concedido existe a necessidade de impor limites. É nesse sentido que surge para o administrado, no caso de uma acusação de transgressão disciplinar, a garantia de um processo regular que lhe garanta a ampla defesa e o contraditório, aqui nesse trabalho tão explorado, não só pela sua importância para o servidor, mas também por se tratar de princípios consagrados pela Constituição Federal.
O direito processual disciplinar abrange não só a falta do servidor cometida no exercício da função, mas também sua conduta na vida privada, reprimindo atos que o torne incompatível com o desempenho das atribuições administrativas. Pois, o regime disciplinar não visa apenas a imposição da reprimenda, mas sobretudo preservar a imagem, o decoro e a credibilidade que devem merecer aqueles que exercem função pública.
Nesse contexto social, a Polícia Militar de Pernambuco como instituição séria e preocupada com o bem servir à sociedade pernambucana, deve sempre manter-se na vanguarda da evolução no diz respeito à aplicação dos institutos do processo administrativo disciplinar de uma forma geral, e em especial ao Conselho de Disciplina, do qual pode resultar em pena capital de exclusão do policial militar.
Todavia, em um Estado democrático de direito, não se admite uma punição sumária, devendo ser conferida ao acusado o amplo direito de defesa, possibilitando ao mesmo a oportunidade de oferecer suas justificativas e sua versão sobre os fatos a ele imputados, dentro do devido processo legal.
Nesse compasso, nasce o Conselho de Disciplina, processo administrativo disciplinar que põe em evidência algumas garantias formais inalienáveis dos policiais militares acusados, os quais almejam apenas um julgamento justo e com um correto exercício do poder disciplinar do Estado.
Dessas garantias, destaca-se o princípio da ampla defesa, que tem como desdobramento a defesa técnica realizada por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Porém, a grande discussão no presente trabalho é: a lei exige a obrigatoriedade da presença do advogado para o regular desenvolvimento do Conselho de Disciplina ou, na falta de advogado constituído pelo aconselhado o presidente da Comissão poderá valer-se de um oficial para substituir o causídico?
O Superior Tribunal Federal, buscando dar definição a essa discussão editou em maio de 2008 a Súmula Vinculante nº 5, afirmando que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo não ofende a Constituição”, referindo-se aos princípios dispostos no art. 5º, inciso LV, da CRFB.
Apesar da referida súmula, em entendimento posterior, os Tribunais Superiores decidiram que o disposto na referida súmula não se aplicaria aos processos administrativos instaurados para apurar falta grave de réu condenado, uma vez que para estes, estaria em jogo a liberdade de ir e vir, motivo pelo qual deve-se observar amplamente o princípio do contraditório, com a presença de advogado constituído ou defensor nomeado desde o início do processo, sob pena de nulidade de todo o feito.
Nessa esteira, é que o presente trabalho monográfico buscou demonstrar que, assim como no PAD instaurado para apurar falta grave de um detento, o Conselho de Disciplina instaurado no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco para apurar falta grave de um policial, se faz necessário a presença obrigatória de advogado, seja constituído pela acusado ou nomeado pela Comissão, pois, em ambos os processos o direito de ir e vir estará em jogo, haja vista a existência do instituto da prisão disciplinar militar. Pois, a liberdade é bem jurídico indisponível, existindo, neste caso, tendo que haver desde o início do processo a presença obrigatória de defensor técnico.
Embora os regulamentos militares possibilitem que o acusado possa ser defendido por um oficial da corporação, este não precisa ter necessariamente conhecimento técnico, ou seja, formação jurídica.
Observa-se então que, em regra, o militar somente estará bem assistido se sua defesa for realizada por meio de um advogado que não esteja sujeito à hierarquia e disciplina dos militares ou ao temor da submissão hierárquica. Pois, o respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade, estabelecendo fronteiras exatas entre os que obedecem e os que comandam.
Ademais, o defensor nomeado pelo Comandante Geral da PMPE para defender as praças, faz parte do ciclo daqueles que estão apurando a transgressão. Fica patente a falta de isenção e comprometimento de um oficial da própria instituição atuar como defensor dativo do aconselhado.
MARTINS, nesse sentido, argumenta que:
[...], não bastasse a insuficiência técnica do defensor leigo, agrega-se ainda ao fenômeno aqui considerado as limitações hierárquicas deste defensor que submetido à autoridade disciplinar, tal qual o acusado, não pode agir com a independência e energia necessárias a uma defesa eficiente no plano disciplinar. (MARTINS, 2003).
Assim, por todo o exposto, após análise da Súmula Vinculante nº 5 do STF, em defesa de uma visão moderna e contemporânea do Direito Administrativo vislumbra-se que não é razoável a aplicação da referida súmula ao Conselho de Disciplina istaurado no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco por, dentre outros motivos, está em jogo aqui o direito de ir e vir do policial, a estabilidade profissional com sua possível exclusão, bem como a fragilidade da defesa disponibilizada pela própria autoridade que assina a portaria inaugural de acusação. Não se pode editar uma súmula vinculante, onde ao invés de concorrer para a melhoria da resposta judiciária, venha a se constituir em mais um obstáculo de acesso à justiça.
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[1] Decreto 3639/75 - Art. 1º - O Conselho de Disciplina é destinado a julgar da incapacidade do Aspirante-a-Oficial PM e das demais praças da Polícia Militar de Pernambuco com estabilidade assegurada, para permanecerem na ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo, condições para se defenderem.
PARÁGRAFO ÚNICO – O Conselho de Disciplina pode, também, ser aplicado ao Aspirante-a Oficial PM e das demais praças da Polícia Militar, reformados ou na reserva remunerada, presumivelmente incapaz de permanecerem na situação de inatividade em que se encontrem.
[2] Pernambuco, Decreto Lei nº 3639, de 19 de agosto de 1975.
[3] No âmbito da Polícia Militar de Pernambuco, a estabilidade dos praças é alcançada aos dez anos de efetivo exercício (artigo 49, inciso IV, alínea a, da Lei nº 6.783/74 do Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Pernambuco).
[4] Decreto Estadual nº 3.639, de 19 de agosto de 1975.
[5] Elaborado o relatório, com um termo de encerramento, o Conselho de Disciplina remete o processo ao Comandante Geral da Corporação (§ 4º do art. 12 do Decreto 3.639/75).
[6] Art. 16 do Decreto Estadual nº 3.639/75
[7] Suplemento Normativo nº 034, de 30 de outubro de 2000.
[8] Lei nº 6.783, de 16 de outubro de 1974, Dispõe sobre o Estatuto dos Policiais- Militares do Estado de Pernambuco e dá outras providências.
[9] Portaria do Comando Geral nº 122, de 04/06/12, publicado no SUNOR 011, de 15/06/12.
[10] Lei nº 6.783, de 16 de outubro de 1974 Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Pernambuco.
[11] Decreto Estadual nº 3.639, de 19 de agosto de 1975 - Dispõe sobre a aplicação do Conselho de Disciplina na Polícia Militar de Pernambuco.
[12] § 6º, da Lei Complementar nº 158, de 26 de março de 2010 “Os Comandantes Gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar remeterão ao Corregedor Geral da Secretaria de Defesa Social cópia dos atos que instaurarem Conselhos de Disciplina, para distribuição às respectivas Comissões, sem prejuízo da instauração, de ofício, pelo Corregedor Geral quando do não atendimento do requisitório a que alude o inciso V do art. 2º, ou mesmo do Secretário de Defesa Social.”
[13] Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
[14] MS 7.078-DF (Terceira Seção de 22/10/03 – Diário da Justiça de 09/12/03); MS 9.201-DF (Terceira Seção 08/09/04 – DJ 18/10/04); MS 10.565-DF (Terceira Seção 08/02/06 – DJ 13/03/06); MS 10.837-DF (Terceira Seção 28/06/06 – DJ 13/11/06); RMS 20.148-PE (Quinta Turma 07/03/06 – DJ 27/03/06).
[15] Ordem dos Advogados do Brasil. Conselho Federal. Processo nº 2008.29.03159-01.