A DEFESA DO DIREITO À PROPRIEDADE NA DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA DO POVO TAPEBA MEDIANTE ACORDO JUDICIAL, COMO TAL CENÁRIO REALÇA A LUTA HISTÓRICA CONTRA A SUPRESSÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA NACIONAL

Por Carlos Alexandre Campos Leite | 26/03/2024 | Direito

 

 
A DEFESA DO DIREITO À PROPRIEDADE NA DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA DO POVO TAPEBA MEDIANTE ACORDO JUDICIAL, COMO TAL CENÁRIO REALÇA A LUTA HISTÓRICA CONTRA A SUPRESSÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA NACIONAL.¹
Carlos Alexandre Campos Leite²
RESUMO
O presente paper busca compreender a dimensão do conflito existente ente o povo Tapeba e os posseiros ilegais que feriram o direito fundamental à propriedade, sob a égide da Teoria dos Precedentes Judiciais, aonde atuam como mecanismo de auxílio quanto a reparação de um dano inconstitucional. O impacto destes também é abordado como mecanismo de intersecção na busca por preservar a identidade indígena brasileira. O presente se dá através do método dedutivo, sem intenção de esgotar o assunto ao qual se dispõe.
Palavras-chave: Direito fundamental à propriedade. Dano inconstitucional. Identidade indígena.
1 INTRODUÇÃO
Ao tratar-se da ideia de um litígio promovido por uma inconstitucionalidade, deve-se pensar em como reparar a falha na tutela da Justiça, uma vez que um ato deste porte põe em xeque a credibilidade do sistema jurídico nacional. Por esta razão, ao conhecer o fato de que não há manutenção perene da prestação de direitos constitucionalmente assegurados deve-se estimular a interferência estatal a fim de reparar o erro tutelar, desta forma entra-se aí a figura do litígio estratégico.
Caracterizado como ponte que liga a injustiça de casos específicos a uma forma de guiar a resolução, partindo deste pressuposto vem-se a mente múltiplas infrações de direitos humanos seja o motivo qual for, entrega um cenário que versa em uma busca constantemente em um conflito na busca incessante do que é justo.
Dentro do litígio estratégico, cabe posicionar a ideia do precedente jurídico, já que neste reside uma forma de análise que valoriza o que uma vez foi apresentado como um solo a cultivar novas análises e desfrutar de um firmamento ainda passível de correções futuras, entretanto neste cenário deve-se conhecer primeiro o que tem-se como ideal a se seguir e caracterizar como de fato firma à sua ideia.
A ideia por trás de um caso que envolvam os litígios estratégicos, deve-se compreender primeiramente o valor trazido individualmente para os afetados pelo acontecimento em vias de possibilitar a justiça no processo e em sua execução cível em um propósito final de levar uma resolução de um litígio antigo que uma vez colocava em cheque a dignidade de uma população privada de seu espaço vital.
Cabe salientar ainda que ao analisar este estado de vivência específico em que a Constituição é ferida, é primaz que se verse sobre a importância jurídica de um monumento forte quanto a jurisprudência, já que poderá ser firmado um entendimento e um precedente a casos futuros em uma orientação voltada a uma resolução juridicamente firme em busca de dignidade à população Tapeba, ou qualquer outra indígena.
A violação ao direito à propriedade não é um problema recente, fato de conhecimento geral, entretanto não se pode negar que o interesse a propriedades naturais sempre foi motivo de disputa sobretudo quando comunidades indígenas são parte do conflito. Partindo deste pressuposto, é notória a necessidade de produção científica sobre o tema, uma vez que esta pode na forma de artigos, por exemplo, auxiliar na produção de decisões jurídicas e trazer mais luz ou direcionamentos a questões em torno do Direito de cada parte na posse.
Tangente ao direito à propriedade e a proteção às comunidades indígenas, verifica-se em um caso em especial, a situação da comunidade Tapeba, nativa do Ceará e ganhou uma custosa vitória em busca do reconhecimento étnico e da sua valorização territorial e cultural. A prioridade deveria ser a visualização do caso notório da tutela constitucional ineficiente para satisfazer os brasileiros, uma vez que sem um espaço vital, até sua identidade centenária poderia ficar à mercê do desaparecimento. Frente a esta situação, verifica-se a plausível justificativa para instaurar um litígio estratégico em defesa desta comunidade.
2 A teoria dos precedentes na resolução de litígios inconstitucionais.
“O precedente é um fato. Em qualquer lugar do mundo onde houver decisão jurisdicional, esse fato ocorrerá”. Invocando esta frase de Didier (2013) apud Jesus (2014), traz-se ao debate uma ideia de anterioridade influente nas decisões judiciais, uma vez que havendo uma forma de decidir em determinado tema poderia-se pôr uniformemente uma forma de elaborar a sentença em prol de um tempo justo do processo e evitar até possíveis discricionariedades maléficas ao objeto pleiteado, entretanto, a ideia por trás que promove a valorização dos precedentes é a de autoridade, que por sua vez mede o seu peso nos sistemas jurídicos (JESUS, 2014).
Compreendendo a influência possível no que pesa o precedente, vê-se que esta ideia está alicerçada quanto à cultura udicial, pois contata-se que “no sistema europeu-continental (romano-germânico), por exemplo, os precedentes judiciais costumam ser dotados de eficácia persuasiva, enquanto que no sistema anglo-saxão, os precedentes judiciais costumam ser dotados de eficácia vinculante”. (SOUZA, 2012 apud JESUS, 2014).
Ao vincular-se a ideia da anterioridade, vem-se a tona:
a possibilidade de relacionar tal ideia com o litígio estratégico, uma vez que no que se refere à hipótese voltada a novos direitos ou de minorias, a estratégia judicial é utilizada pelos atores sociais, que se agrupam de forma organizada e articulada, como ferramenta para reivindicar a atualização do sentido da Constituição perante o Judiciário em prol do reconhecimento ou reafirmação de seus direitos; buscando-se a transformação social ou a respectiva consolidação para além do caso concreto. (MANEIRO; PULCINELLI, 2017).
Mantendo a linha de raciocínio de Maneiro e Pulcinelli (2017), verifica-se que por trás de um litígio estratégico aparece a ideia de uma possível retratação do poder público mediante um acontecimento inconstitucional que fere os direitos apresentados na constituição, sendo assim, garante-se como mecanismo de reparo. Acresce-se ainda a ideia de que a demanda constante, funciona ainda como pressão mediante a realidade judiciária de constante necessidade de atualização quanto a realização de o que se tem como direcionamento previsto a resolução de cada caso.
Impende notar que até mesmo os litígios individuais podem ter como pano de fundo essa estratégia de reivindicação política e transformação social da realidade para além do caso concreto, em que a parte move a primeira pedra no xadrez, servindo como instrumento impulsionador de novas demandas ou novos julgamentos no mesmo sentido; desde que todas possuam as características explicitadas no item anterior, assim como um liame entre elas. (MANEIRO; PULCINELLI, 2017).
Ao visualizar a ideia do que pode vir a auxiliar nos litígios estratégicos contrai-se em si a ideia de que a verdade da constante mutabilidade do Direito influiria na possibilidade de como os precedentes podem por si influir no que vem a se ter como cenários de discricionariedade maléfica ou simplesmente o forçamento de travas quanto a interpretação do caso. Vendo por este ponto, é importante apontar o quanto se vê a visualização de tais cenários e como cada um influi no pressuposto do julgamento.
A visão alicerçada dentro de um determinado grupo de ocorrência, pode por vezes guiar à indução errática de que dentro de uma esfera de acontecimentos, apenas uma solução pode ser considerada válida, uma assertiva assim vai de encontro a ideia do que se tem como a possibilidade de interpretação do ato e do fato jurídico, e desta forma aparece a possibilidade de estagnação do próprio precedente.
Por outro lado, aparece outra versão do que poderia ser descrito, uma vez que o precedente jurídico é ferramenta para a possibilidade de acalentar as decisões no cenário de emergência quanto a impossibilidade de verificar-se no que se tem como um uso consciente do precedente como ferramenta de auxílio ao método de decisão, isto é, um funcão meramente de apoio que possa criar um guia quanto ao que se tem como verdadeiramente visualizado como ferramenta jurisprudencial ligada a um posicionamento específico, entretanto, não precisando ser piamente único. (JESUS, 2014)
A rigor, quando se está diante da estratégia de litigação é preciso uma maior flexibilidade de interpretação, para que os Tribunais levem em consideração mudanças sociais que possam interferir no sentido constitucional. Questiona-se, pois, até que ponto a obrigatoriedade da aplicação do precedente poderia dificultar a superação da jurisprudência. Em outros termos: há preocupação em conciliar a prática da strategic litigation que busca a vinculação de precedentes como garantia de transformação da realidade social, e ao mesmo tempo garantir a respectiva continuidade ínsita à própria evolução dos direitos fundamentais. (MANEIRO; PULCINELLI, 2017)
Tendo a visão da teoria do precedente judiciário ligada ao poder do magistrado, pode constatar-se que:
A obrigatoriedade da vinculação dos precedentes pode tolher a criatividade judicial, na medida em que o juiz não poderá inovar nas suas decisões. Diz-se que o magistrado poderia ser impedido de demonstrar a evolução do seu posicionamento no decorrer do tempo e de decidir determinada questão jurídica da forma que achar a mais adequada àquele contexto social e temporal. Ou seja: se de um lado a obrigatoriedade do precedente é apontada como um dos fatores decisivos à transformação da realidade; de outro, poderia gerar uma imobilização da jurisprudência, o que impediria a evolução do Direito no decorrer do tempo, tornando-o inadequado às novas realidades sociais. (MANEIRO; PULCINELLI, 2017).
Sendo assim, quando vê-se o cenário de estabilidade de decisão deve-se compreender a real influência no que se tem como a reverberação dos efeitos na decisão, uma vez que, estes dentro do litígio estratégico tem caráter auxiliar devido à natureza do civil law regencial do sistema jurídico brasileiro, sendo assim percebe-se que ao analisar determinado caso, preza-se primeiro ao estudo do caso em si e aos ditames da lei, entretanto, não assume-se a visão de que a decisão é una quanto a fonte de auxílio, uma vez que a vertente jurisprudencial possui influência que acomoda o cenário de evolução e mudanças de paradigma, sem a petrificação dos meios de interpretação e formulação de sentenças (SOUZA, 2012 apud JESUS, 2014).
3 A litigiosidade no que tange disputas territoriais indígenas em terras tupiniquins.
Quando se trata de busca por direitos constitucionalmente previstos, pode-se verificar que quando se trata de povos indígenas, tem-se a visão do que verificar-se-á como uma espécie de exploração ainda existente, ou seja, pode-se pensar um cenário que tente validar a possibilidade de conseguir até mesmo a apropriação de direitos em forma ilegal.
Concentrando o foco em disputas territoriais, é de conhecimento geral que segundo os ditames constitucionais, há o espaço para o direito a propriedade, confirmando isto, invoca-se a redação de um tópico redigido neste abaixo-assinado:
A Constituição de 1988 reafirmou o direito originário das terras indígenas, cabendo à União a demarcação de tais territórios. Tal processo reconhece e protege, formalmente, a situação de direito à demarcação e à proteção da integridade física e cultural destas comunidades indígenas e de seus territórios. A Constituição de 1988 fixara cinco anos para finalização da Demarcação de Terras Indígenas; passado mais de cinco anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que este prazo, previsto no artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, não é peremptório, mas prognóstico para sua realização em tempo razoável (MS nº 24566, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 28/05/04). Isto reforça a legítima urgência da Demarcação de Terras Indígenas para responder aos desafios postos pela Constituição de 1988: a afirmação dos indígenas como sujeitos de direitos, devendo ser protegidos e respeitados seus recursos naturais, culturas e tradições; o reconhecimento da diversidade étnico-racial cultural como valor fundante do país e a função sócio ambiental das terras indígenas, com distintas formas de manejo sustentável dos territórios pelas variadas comunidades culturais existentes no Brasil. (SANTOS, 2008).
A disputa territorial pelos indígenas vem como um tema abordado nos litígios estratégicos, uma vez que a posse ilegal é um fato aonde guia-se para a demonstração do respeito a história e cultura de determinada comunidade, fazendo valer-se das conquistas impostas e firmadas pela Constituição cidadã.
O propósitio deste presente estudo é focar-se especificamente nesta vertente de conflito para a comunidade Tapeba, uma vez que o precedente firmado por pioneirismo recai como ferramenta de controle da inconstitucionalidade enraizada na vivência de civilizações indígenas, assim sendo, um mecansimo pondo a disposição do que tem-se como ético a estes.
4 O litígio estratégico, a comunidade Tapeba e seu direito fundamental à propriedade.
Ao adentrar-se na litigiosidade aonde põe-se a causa do povo Tapeba nos holofotes do tópico, vê-se como nesta luta, ainda há possibilidades de vitória na causa indígena, Uma vez que a luta iniciada em 1984 e consolidada favoravelmente em 2017 (PORANTIM, 2017) mostra-se como, no litígio estratégico podem haver precedentes favoráveis em um causa que em primeira vista, poderia até ser vista como utópica, a saber de possíveis empecilhos culturais que permeiam como condutas maléficas e que representam uma trágica cornucópia que atenta ante a isonomia da população.
A Associação das Comunidades Indígenas Tapeba de Caucaia teve um papel pivotante quanto a consolidação da luta destas comunidades, entretanto a representação propriamente dita no início deste litígio em específico data do início dos trabalhos da Assessoria às Comunidades Rurais da Arquidiocese de Fortaleza junto aos Tapeba em 1984.
Denota-se uma ideia de união, aonde pode-se afirmar que “foi essa equipe que começou a trabalhar em Caucaia em 1984. (…) O seu projeto original consistia em dar suporte tanto aos ‘índios’ e ‘brancos’ numa luta comum pela terra”. Em 1985, foi criada a Associação das Comunidades do Rio Ceará, “com representação paritária dos Tapeba e dos ‘brancos’, meio a meio (da presidência ao conselho, passando pela tesouraria e a secretaria)” (BARRETO FILHO, 2017 apud CE..., 2017). Sendo assim, o processo foi firmado ao ponto de que em 1989 foi consolidada a ação da FUNAI buscando a demarcação (CE..., 2017).
Historicamente, este povo indígena natural do território cearense:
habita o município de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, no estado do Ceará. Com uma população estimada de 7.400 indígenas, distribuídos em 17 comunidades, é a etnia com maior densidade populacional do Estado. De acordo com a historiografia oficial, constatou-se que o povo Tapeba foi originado a partir do processo de colonização do Ceará. Sua formação étnica se deu no antigo Aldeamento Nossa Senhora dos Prazeres, instituído na primeira metade do século XVIII, que se tornou Vila de Soure para, em seguida, transformar-se no município de Caucaia. (2016, p. 72).
Invocando a já citada primeira demanda da petição liderada por Boaventura de Souza Santos, os Tapebas firmaram primariamente suas demandas pela garantia de seus territórios ancestrais, sendo a principal reivindicação presente na carta final da assembleia direcionada à Presidência da República (CE..., 2017). Entretanto, não se pode ingenuamente assumir em um processo puramente pacífico, uma vez que ao integrar a posse a comunidades indígenas (que por vezes são calcadas no direito da posse não sobre ocupação), é um tema polêmico aonde por vezes posicionamentos de desrespeito a culturais ancestrais ditas como “ultrapassadas” são passíveis de se mostratem presentes.
Na legislação nacional aparece em seu histórico não só medidas que inicialmente procuraram satisfazer os desejos constitucionais foram aprovadas, uma vez que as lideranças por vezes não têm como pretexto proteger as populações que são oprimidas por força histórico-social e cultural por questões calcadas em discriminação indireta ou até mesmo financeiras, pois nem sempre haverá um ganho por trás de um cenário protetivo a um grupo que dificilmente erguer-se-á rumo às mais abastadas camadas sociais e funcionará como meio para a produção de mis riqueza ou ganho individual. Não se pode negar jamais que um firmamento interno de uma ideia tão danosa aos ditames constitucionais ante a grupos indígenas tenha influência nas prioridade de um governo, já que com a influência econômica na esfera política há o cenário de medidas na forma de lei que materialmente afetam no cumprimento de garantias ontitucionais
Vendo isto, é dever moral da própria sociedade denunciar este uso vergonhoso da forma legal, um grande exemplo seria a denúncia da Portaria Nº 80 de 17 de Janeiro de 2017, que em vias de “buscar a igualdade” tornou-se um verdadeiro empecilho neste litígio:
Diante da repercussão negativa, o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, aparentemente, engatou a marcha a ré, “corrigindo” a medida e substituindo-a pela Portaria Nº 80, em 17 de janeiro. No entanto, a nova medida continua nefasta, pois, ao regulamentar os procedimentos de demarcação, continua desligitimando as demandas territoriais dos povos indígenas, deixando as terras ancestrais à mercê dos interesses de grandes grupos econômicos. O texto “corrigido” também gera manipulação do teor do decreto 1775 e tenta desconstruir os direitos indígenas assegurados pela Constituição e pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil. Entre tantas mazelas, a nova Portaria institui um Grupo de Trabalho (GT) com o propósito de “avaliar” os processos de demarcação. Essa “avaliação” possibilita que decisões políticas, em favor de interesses particulares, prevaleçam sobre as conclusões de estudos técnicos e multidisciplinares da Fundação Nacional do Índio (Funai). A medida possibilita ainda a realização de diligências, audiências públicas e meios de participação das “partes interessadas”, quer dizer, dos invasores de terras indígenas, ou dos que planejam abocanhar esses últimos redutos protegidos por seus habitantes ancestrais. Além disso, busca inviabilizar as demarcações e anular procedimentos já em curso ou concluídos. (PORANTIM, 2017, p. 3).
A própria revista Porantim (2017) citou a determinação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil que não parou de denunciar o ato de usurpar direitos indígenas, e ainda citou o fato de que na época da ascensão do presidente Michel Temer, lideranças militares e conservadoras atuaram ativamente neste período uma vez que não havia interesse algum nas demandas indígenas.
Em nota pública, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou que as mudanças na Fundação Nacional do Índio e nos procedimentos para demarcação de terras têm como objetivo “atender vergonhosamente aos interesses da bancada ruralista, do agronegócio, e a implantação de empreendimentos de infraestrutura, além do esbulho e usurpação dos bens naturais preservados milenarmente pelos povos indígenas, numa total negação de seu direito ao usufruto exclusivo previsto na Carta Magna”. (PORANTIM, 2017, p. 3).
A perda da posse por mecanismos ilegais e desiguais foram um fato presente de forma que, os Tapebas que teoricamente teriam sua posse garantida pelo Direito tantas vezes foram ludibriados em prol de interesses mercadológicos que podem ser desde valorização imobiliária a uso da terra apropriada como alicerce de negócios. Sendo assim, é constatado que:
Apesar desse histórico antigo de ocupação, os Tapeba não conseguiram assegurar a manutenção dos seus modos de vida. Expropriados de suas terras por vários mecanismos de trocas desiguais, eles foram levados a ocupar domínios da União ou a residir em bairros do perímetro urbano da cidade. A progressiva ocupação e a valorização imobiliária de terrenos rurais na zona metropolitana de Fortaleza modificaram as relações e os modos de vida dos Tapeba, já que alguns Tapebanos, principalmente na área rural (das localidades de Cutia, Pedreira Sta. Terezinha, Tapeba ou Lagoa dos Porcos), permanecem como moradores de propriedades de terceiros. Estes Tapeba têm se visto diante de progressivas restrições, proibições e intimidações de toda ordem (proibição de reformar casas, de plantar roças, de construir novas casas para seus filhos etc), numa clara tentativa de pressão para que se retirem. (CE..., 2017).
Os atritos com a justiça que não tardam a acontecer em cenário seja real ou dedutivo logo apareceram, sendo a consequência os atos de protesto em busca do direito a propriedade, em parte pela morosidade jurisdicional conhecida da Justiça Brasileira e outra por conta do abuso das tratativas que dobravam o curso legal da posse, pois a terra era apropriada e a pressão existia por todos os lados contra os reais detentores morais do direito. Isto geral manifestações variadas pela comunidade Tapeba:
Por conta da lentidão no processo de regularização da nossa terra, que já se arrasta por mais de 30 anos, acabamos sendo vulnerabilizados por todas as intervenções do Estado em nossa área, diminuída pelo crescimento urbano e instalação de empreendimentos. Por duas oportunidades, o mesmo Poder Judiciário que agora determinou a demolição de nossas casas também invalidou os processos de regularização fundiária publicados em diários oficiais, condenando o nosso povo em favor dos grandes interesses econômicos e políticos da região. Diante de todas essas atrocidades cometidas contra o nosso povo, a sociedade não poderá mais omitir ou invisibilizar tais questões. Os fatos ocorridos nos deram mais forças para continuarmos lutando e resistindo contra a opressão do próprio Estado Brasileiro. (CAMARGO, 2016 apud CE..., 2017).
Dos conflitos que seguiram-se um dos mais emblemáticos indubitavelmente foi:
Em 28 de junho de 2012, mais um desses conflitos veio publicamente à tona, quando os Tapeba publicaram uma carta aberta denunciando “uma investida cruel” contra seu povo. Segundo o relato dos Tapeba, em 26 de junho de 2012: “Cerca de 200 policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Ceará invadiram a Aldeia Sobradinho, localizada às margens da BR-020, para garantir o cumprimento de um Mandado de Reintegração de Posse em favor do grupo econômico REMAR PARTICIPAÇÕES. O grupo, equipado de todo aparato policial, estava preparado para guerra. Fortemente armados, com inúmeras viaturas, trator e até helicóptero. Os policiais, acompanhados de um oficial de justiça e do advogado da Empresa Remar Participações, mesmo com a presença de crianças, idosas e gestantes no local, ordenaram que um trator demolisse todas as 10 casas existentes na parte sul da Aldeia Sobradinho, ignorando todo o clamor do nosso povo e até mesmo o pedido de suspensão da medida por parte do Coordenador Regional da FUNAI e do Analista em Antropologia do Ministério Público Federal”. (CE..., 2017).
O conflito só foi atenuado com a atuação da Advocacia Geral da União que impediu no STF a reintegração de posse que não era favorável a comunidade indígena, entretanto, não se pôde chamar tal decisão como finalizadora de todo o processo, pois a demarcação ainda está em andamento (BRUNO, 2017). Consequente a este fato, tem-se que atentar a ideia de que não se dispõe apenas a ideia de reolução do fato, sem materialmente consumá-lo deixando a ponto de abrir caminho de outros litígios futuros, mesmo que a tempestade maior tenha sido finalizada.
O litígio que se seguiu vem como afirmação de que a zona de inconstitucionalidade é uma falha do que se tem como visualização do não asseguramento de direitos constitucionais. A estratégia por trás de todo a disputa judicial em torno do conflito em que envolve a comunidade Tapeba seria primeiro buscar uma solução que a tempos foi protelada, entretanto, pode ser interepretado que o processo serviria como um alerta ao que ocorreria em um ambiente de violação de Direitos (BRUNO, 2017), em outras palavras, um precedente judiciário a ser analizado, e este servir como guia do que deve ser tomado como benéfico ou desprezível em um processo de temática similar.
5 CONCLUSÃO
Diante do disposto, conclui-se que o litígio estratégico conjuntamente à teoria dos precedentes funciona como estabilizador de decisões de saneamento de litígios para evitar a propagação de possíveis discricionariedades em nome da Constituição nacional, seu propósito no caso do litígio da comunidade Tapeba é criar um precedente para possibilitar um alicerce que vigore ante a inconstitucionalidade sem dar margem para julgamentos repetitivos no sentido não de impor decisões constantes a casos distintos, mas um firmamento de onde parte a análise para cada caso.
A ideia por trás disto vem para buscar uma solução para burlar um cenário em que a lei pode funcionar como barreira para as demandas constitucionais, uma vez que nela podem residir atos desejosos na manutenção de ideais particulares que vão de encontro aos ditames constitucionais e assim haver notória instrumentalização da forma legal para validar uma forma de dominação.
Não só a comunidade Tapeba será beneficiada com a adoção desta medida, uma vez que o litígio estratégico em torno do direito à propriedade às civilizações indígenas ainda é um mecanismo de salvar sua herança e sua dignidade em torno de uma valorização romântica todavia objetiva e racional da sua cultura secular, em uma motivação antropológica onde as instituições jurídicas devem acatar a urgência e a importância como forma de um meio empírico de apoio.
Sendo assim, qualquer obstáculo que apareça pelo tempo deve ser combatido com a força das comunidades e ter respaldo da população já que no decurso do tempo o Direito não poderá estender o seu braço com o propósito de prestar seu auxílio àqueles que silenciosamente consentirem com um cenário de dominação, portanto aparece como um dever moral o apoio as instituições jurídicas em sua eterna cruzada de conceder in concreto as garantias constitucionais.
REFERÊNCIAS
ACITA. Litigância Estratégica em Direitos Humanos: Experiências e reflexões. São Paulo: Fordfoundation, p.72-79. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2023.
CE.... CE – Pioneiros na luta dos povos indígenas do Ceará, os Tapeba têm sua Terra declarada após 35 anos. Mas a luta pela homologação continua. 2017. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2023.
JESUS, Priscila Silva de. Teoria do Precedente Judicial e o Novo Código de Processo Civil. Direito Unifacs, Salvador, n. 170, p.1-30, ago. 2014. Mensal. Disponível em: . Acesso em: 10 dez
 2023.
MANEIRO, Renata de Marins Jaber; PULCINELLI, Eliana. Litígio estratégico, vinculação de precedentes e abertura ao diálogo constitucional na construção do provimento jurisdicional. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 123-151, 15 abr 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2359-56392017000200193&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 12 dez. 2023.
PORANTIM, em defesa da causa indígena. Revista Sapiens Comunicação. Ano XXXVIII, número 392, jan. 2017. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2020.
BRUNO, Raphael. AGU impede retirada de comunidade Tapeba de área delimitada pela FUNAI no Ceará. Advocacia Geral da União (AGU). 14 jun. 2017. Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2023.
SANTOS, Boaventura de Souza. ABAIXO-ASSINADO/PETIÇÃO: A demarcação dos territórios indígenas dos Tremembé e dos Tapeba é urgente. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2023.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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