A culpa é nossa

Por NERI P. CARNEIRO | 05/03/2014 | Filosofia

A culpa é nossa

A sociedade é um problema para o homem ou o homem é um problema para a sociedade? A sociedade corrompe o homem ou o homem perverte a sociedade? O homem nasce bom e a sociedade o corrompe ou a sociedade é boa e o homem é essencialmente mau e por isso depende da sociedade para melhorar?

Sobre isso tem a música “Chico Brito”uma composição de Afonso Teixeira e Wilson Baptista, cantada por Paulinho da Viola. A música fala de uma criança que frequentava escola, era estimada e boa de bola. Mas essa criança, um menino, foi transformada pela sociedade e por isso está nas mãos da polícia: briga e droga.

Eis a letra da música: “Lá vem o Chico Brito descendo o morro na mão do Peçanha / É mais um processo, é mais uma façanha /O Chico Brito fez do baralho seu melhor esporte /É valente no morro e dizem que fuma uma erva do norte / Ele, menino, ia ao colégio, era aplicado, tinha religião / Muito estimado e jogava bola era indicado para capitão / "Mas a vida tem os seus reveses, dizia Chico defendendo teses. / Se o homem nasceu bom e bom não se conservou / A culpa é da sociedade que o transformou".

Como podemos observar, a música diz que se o homem é mau, isso se deve à sociedade. Aliás essa é a tese do pensador Jean J. Rousseau: “o homem nasce bom mas a sociedade o corrompe”. Dessa forma a sociedade precisa ser melhorada, pois os homens maus podem vir a ser bons. No livro “Sociologia da educação”, Alberto T. Rodrigues comenta a música dizendo que essa é uma forma de se entender a sociedade, dizendo que ela é corruptora. Mas, por outro lado, o homem pode ser o corruptor da sociedade.

Por nosso lado preferimos dizer que parece mais verdadeiro dizer que o homem é mau e interesseiro. E a sociedade, como produto humano, também é má. Como podemos demonstrar isso? A partir das criações sociais: religião, leis, moral (ética)...

Retomemos, o fio da reflexão. O homem é mau, mas limitado e dependente. Por isso junta-se a outros homens, também maus, limitados e dependentes. Portanto, nossas limitações nos movem na direção dos outros, como nós, limitados. O fato é que não importa para onde vamos, sempre levamos nosso ser e nossas características. Ocorre que também somos inteligentes e percebemos que, por sermos limitados e dependentes, dependemos de outros para sobreviver. Sendo assim abrimos mão de alguns direitos individuais para abraçarmos direitos sociais. E, para preservar esses direitos sociais criamos todo tipo de norma. Desde as normas religiosas como as normas de ética (a moral).

O que ensina a religião? A sermos bons. Por quê? Porque somos maus. O que dizem as normas morais? Para mantermos um relacionamento de repeito mútuo, de reciprocidade solidária. Por quê? Porque nosso comportamento é maldoso, sendo assim nos sujeitamos às normas para que a convivência seja possível. O que nos propõem as leis? Que nos submetamos a elas. Por quê? Porque queremos vantagem em tudo. E se somente alguns levarem vantagem as relações permanecerão desproporcionais, desiguais, injustas. E isso incita à violência, à indignação à ira dos que estão no prejuízo. Eles irão cobrar seu direito.

Sendo assim a desigualdade perante a lei ou seu descumprimento na universalidade, mesmo havendo moral e religião, produz descontentamento naqueles que não recebem os benefícios ou proteção da lei e, do outro lado, o medo naqueles que estão em vantagem.

Notemos que esse é o clima em nossa sociedade. Somos uma sociedade religiosa, pois o ser humano tente ao transcendente; e somos uma sociedade em que os padrões éticos são observados, pois não aceitamos comportamentos imorais. Mas somos uma sociedade injusta, pois as nossas leis não são aplicadas de forma homogênea em relação a toda a população. Portanto a culpa é nossa por haver descontentamento ou problemas sociais. A causa é a desproporcionalidade ou desigualdade em receber os benefícios da lei, pois nem todos podem pagar por esses benefícios.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO