A CRÍTICA PRESENTE NO CAPÍTULO XXI “A BORBOLETA PRETA”....

Por Katiana Maria de Morais Ricardo | 18/02/2013 | Literatura

A CRÍTICA PRESENTE NO CAPÍTULO XXI “A BORBOLTETA PRETA” DA OBRA MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS DE MACHADO DE ASSIS¹

Katiana Maria de Morais Ricardo²

O movimento romântico, o qual, Machado de Assis “nascera, crescera e se fizera escritor” assim diz Érico Veríssimo, estabeleceu-se no Brasil em meados de 1830. Influenciado pela conquista da independência política em 1822, os românticos julgavam o passado como a época ideal, visto quando o índio é tomado como modelo de herói e símbolo de nacionalidade, como pode ser observado em I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Mas também, idealizavam o futuro, com valorização da pátria, identificada principalmente nas obras de José de Alencar.

No começo do século XIX o Brasil estava numa situação que hoje podemos ver o quanto era contraditória, não apenas em sentido político, mas também cultural... Do ponto de vista da cultura, a presença do governo português no Brasil foi um marco histórico transformador, a partir do Rio de Janeiro, que se tornou definitivamente centro do país e foco de irradiação intelectual e artística. (CANDIDO, 2004, p.07-10).

Quanto ao movimento realista, surge no Brasil como reação às posturas românticas. A obra realista volta-se às relações sociais, observando costumes, relacionamento familiar e amoroso, corrupção das grandes instituições, como o Estado, a Igreja, a família, o casamento etc. Nas palavras de Coutinho (2004, p.9) “É impossível uma definição completa do Realismo, que é antes um temperamento, uma tendência, um estado de espírito, de que um tipo ou gênero literário acabado”.

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¹ Artigo científico elaborado na disciplina: Literatura Brasileira I, ministrada pelo professor Ângelo Bruno Oliveira e solicitado como requisito parcial necessário para a conclusão da referida disciplina no curso de Letras habilitação em língua portuguesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú, 2012.2.

² Acadêmica do 7º período do curso de Letras da UVA habilitação em língua portuguesa regularmente matriculada no semestre letivo 2012.2.

No Brasil a introdução do realismo se dá com a publicação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis. Neste momento, as relações familiares, amorosas e sociais não são mais observadas como manifestação dos mais nobres valores criados pelo homem. Confirma Bosi (1997, p.188):

Desnudam-se as mazelas da vida pública e os contrastes da vida íntima; e busca-se para ambas causas naturais (raça, clima, temperamento) ou culturais (meio, educação) que lhes reduzem a muito a área de liberdade. O escritor realista tomará a sério as suas personagens e se sentirá no dever de descobrir-lhes a verdade, no sentindo positivista de dissecar os móveis do seu comportamento.

No tocante a Machado, sua narrativa preocupa-se mais com a análise psicológica, fazendo crítica à sociedade a partir do comportamento de determinados personagens. Dentre suas obras monumentos, nos deteremos apenas a “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, mais precisamente, ao capítulo XXI, intitulado: “A borboleta Preta”.

Quando fazemos referência às “Memórias Póstumas de Brás Cubas” nos vem à ideia de sê-la o marco do realismo nas letras brasileiras. Mas muito mais que isso, afirma Veríssimo (1981, p.10) “As Memórias póstumas de Brás Cubas eram o rompimento tácito, mais completo e definitivo de Machado de Assis, com o Romantismo sob o qual nascera, crescera e se fizera escritor”.

Observando “Memórias Póstumas de Brás Cubas” notamos a presença de várias criticas, como ao adultério, á corrupção, ao tráfico de escravos, o tráfico de influências, mas não se pode deixar de mencionar, dentre todas as críticas presentes na obra, a que para uma sociedade como aquela há sempre uma explicação aceitável, uma justificativa para tudo.

Vista no episódio “A borboleta preta” no capítulo XXXI que retrata de forma bem irônica essa suposta explicação para justificar os atos falhos do homem ou da sociedade. Uma borboleta invade o quarto de Brás Cubas e este, sem nenhuma razão aceitável, a mata com uma tolha. Tentando justificar a sua ação dando-lhe uma forma socialmente aceitável faz a seguinte colocação:

Também por que diabo não era ela azul? Disse comigo. E esta reflexão, - uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borboletas, - me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. (...) Vejam como é bom ser superior às borboletas! (ASSIS, 1994, p.43)

Esse episódio antecipa o que ocorrerá com Eugênia, Brás teoricamente não a teria deixado se ela não fosse coxa e filha bastarda. A culpa da separação, portanto, seria da própria Eugênia. Observa-se na seguinte passagem:

O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita? Tal era a pergunta que eu vinha fazendo a mim mesmo ao voltar para casa, de noite, sem atinar com a solução do enigma. O melhor que há, quando se não resolve um enigma, é sacudi-lo pela janela fora; foi o que eu fiz; lancei mão de uma toalha e enxotei essa outra borboleta preta, que me adejava no cérebro. Fiquei aliviado e fui dormir. (ASSIS, 1994, p.44)

A ironia é um dos traços mais marcantes da obra, pois Machado de Assis usa esse recurso para combater as verdades absolutas das elites e para mostrar as mazelas da humanidade. Vejamos nas palavras de Miguel-Pereira (1950, p.58):

Mesmo em seus primeiros livros, quando ainda o cerceavam os cânones românticos e possivelmente o inibia a timidez, o receio de ser diferente dos outros, de enveredar por caminhos até então indevassáveis, já as suas figuras se distinguem pela independência em relação ao meio físico e ao moralismo convencional. Não obedeceu nem ao preconceito, então de rigor, de filiar à natureza tropical o feitio das criaturas, nem ao de fazer personagens exclusivamente boas ou más, tão caro ao romantismo.

Portanto, fica implícita a presença da ironia como traço de essência do próprio Machado de Assis, que mesmo, contradizendo a escola literária em vigor, conseguia sobressair das regras impostas. Posto que, Machado negava, através de sua escrita tão peculiar, o rótulo da escola romântica e o da escola realista. Embora, tenha utilizado e adaptado ao seu fazer literário elementos de ambas correntes.

Sem preocupação de escola literária desde que se libertou do romantismo, ele observou, como ninguém entre nós, as criaturas em toda a sua realidade, dando a cada aspecto o justo valor, isto é, apreciando a todos com um critério relativo. Foi assim que esse tímido realizou uma audaciosa revolução na nossa literatura ficcionista, até ele subordinada a valores absolutos, que reduziam a simples figurantes as personagens dominadas pela natureza e pela ética convencional. (1950, p. 72).

Fica evidente que Machado de Assis se utilizou de sua ironia própria para escrever sua obra, bem como seus personagens. Observando as criaturas da realidade, ele revolucionou nossa literatura brasileira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Assis. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 3ª ed. São Paulo, Cultrix,1997.

CANDIDO, Antonio. O romantismo no Brasil. – 2ª Edição. São Paulo: Humanitas / FFLCH / SP, 2004.

COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 7ª ed. Vol. 4. São Paulo, Global, 2004.

MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. História da Literatura Brasileira. volume XXII – Prosa de Ficção (de 1870 a 1920). São Paulo: Livraria José Olympio Editora,1950.

VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981.