A crítica da filosofia da práxis de Karl Marx em relação ao Direito O princípio da isonomia frente à Filosofia da Práxis
Por Sergio Henrique Sorocaba Ayoub Omena | 28/06/2016 | DireitoTEMA: A crítica da filosofia da práxis de Karl Marx em relação ao Direito
O princípio da isonomia frente à Filosofia da Práxis[1]
Sérgio Henrique Sorocaba Ayoub Omena [2]
Raissa Campagnaro de Oliveira e Teodora Silva Santos[3]
Thales Lopes[4]
[1] Paper apresentado à disciplina Filosofia do Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB
[2] Aluno do 9º período do Curso de Direito, da UNDB
[3] Alunas do 8º período de Direito da UNDB
[4] Professor e Mestre
Resumo: A filosofia da práxis é uma ideologia que combina pratica com teoria. Possui caráter, transformador e revolucionário tanto do ambiente social externo, quando da mente de cada individuo, internamente. O direito instrumento muitas vezes legitimador das desigualdades sociais entre classes, é âmbito definitivo para esta filosofia. Tomando o principio da isonomia como base, é valido avaliar de que forma a filosofia da práxis influenciou sua adesão ao ordenamento jurídico e de que forma a mesma filosofia ainda peca quanto a real defesa da equidade.
1 INTRODUÇÃO
Marx desenvolve uma teoria que revoluciona o campo tanto filosófico quando cultural. Seu principal destaque esta no fato deste reconhecer a necessidade da revolução, não que ele seja um militante, mas ele admite o valor da luta. Marx procura demonstrar que não existe pratica sem teoria previa e nem teoria eficaz sem uma pratica posterior. Essa filosofia da práxis foi utilizada por diversos pensadores ao longo da historia para legitimar sua tomada de poder, função altamente destoante com o verdadeiro pensamento marxista.
Apesar de muitas expressões frustradas da filosofia da práxis marxiana, conseguimos observar algumas vitórias (pelo menos em sentido formal) como a luta pela Igualdade. Apesar do foco de Marx, ser efetivamente a eliminação da divisão de classes (econômicas) em uma sociedade, a sua ideologia pode servir de base para diversas outras lutas, como é o caso da equidade de gênero, raça, opção sexual etc.
Através de manifestações sociais, e a mudança que ocorreu no mundo pós guerra fria onde a democracia foi enaltecido como o melhor governo, o principio de isonomia foi sendo inserido no ordenamento jurídico da maioria dos Países. Contudo, o que observamos é que a pratica muitas vezes é bem sucedida, porém a transformação da consciência humana, em um âmbito mais teórico não alcança muito sucesso. Pois ao analisarmos a sociedade brasileira em sua realidade cotidiana, entramos em contato com situações onde não existe direitos iguais, não existe respeito pelas diferenças humanas, o que resulta na ineficácia das conquistas em leis jurídicas.
2 BREVE HISTÓRICO DOS CONCEITOS DE IGUALDADE
A igualdade entre os homens é garantida no artigo 5º da constituição brasileira, contudo tal direito não foi sempre um conceito de comum acordo entre todos. Muita discussão já foi levantada sobre o assunto.
Dando inicio a essa análise destaca-se o pensador Aristóteles como representante da antiguidade. Aristóteles ao conceber algumas variações de justiça trouxe em anexo um conceito de igualdade. Na justiça particular distributiva do filosofo, os cargos deveriam ser distribuídos segundo o mérito de cada um, logo dando a entender que uns terão mais mérito do que outros. Sendo, portanto, desiguais. E por serem diferentes, recebem cargos e quantidades diferentes. Na justiça corretiva observa-se a reinstituição dos bens de cada um. Ou seja, todos devem receber o tanto que lhe fará retornar ao estagio inicial. Com uma observação importantíssima: essa forma de justiça se dá entre iguais. Por isso ao final todos estarão no mesmo nível. Agora, conseguimos entender a celebre frase do pensador onde: devemos “tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais”.
Aristóteles nos fala de uma proporcionalidade. E não uma igualdade plena e formal. Este último caso geraria injustiça dentro da sociedade. Hans Kelsen concorda com Aristóteles ao afirmar que apesar da constituição declarar que não deve existir descriminação de sexo, cor, raça, idade, origem etc, como aplicar a lei de maneira rígida e igual para todos? Impossível seria tratar juridicamente uma criança igual a um adulto, um homem igual a uma mulher, um estrangeiro igual a um brasileiro etc. Com isso, percebe-se que a abordagem de aristotélica continua viva nos dias atuais.
Na idade moderna Hobbes é um dos pensadores que nos traz validas contribuições. O homem para Hobbes, quando em seu Estado de natureza (deve-se se deixar claro que o Estado de natureza hobbesiano é um conceito abstrato, criado pelo pensador, onde este supõe o comportamento humano antes de ser corrompido pela sociedade), possui uma liberdade plena partilhada por todos igualmente. O Estado de Natureza não se confunde com um Estado sem direito. Existem direitos, contudo eles são verdadeiramente iguais para todos. Logo, cada sujeito conduzido por suas paixões geraria vários conflitos na tentativa de saciar tais desejos o que levaria a uma “guerra de todos contra todos” como Hobbes colocou. Hobbes então introduz a figura do Estado na sociedade como regulador da mesma, onde todos devem ser igualmente subordinados a este soberano.
Contudo, a análise de Hobbes é extremamente incompatível com a realidade. Na própria sociedade em que o pensador estava inserido havia uma enorme divisão de classes, eram as cidades recém-formadas após o período chamado de Idade Media. Ou seja, como Luís Fernandes (1986) afirma: essa ausência na observação da realidade ao redor acaba “tornando ilusão a sua (de Hobbes) visão de indivíduos competindo em igualdade de condições num mercado protegido pelo monarca, já que o acesso dos homens à riqueza, ao conhecimento e ao poder é necessariamente desigual numa sociedade dividida em classes”.
Locke, outro autor da idade moderna, analisa de forma um pouco similar o homem em seu Estado de natureza. Contudo, para Locke este estado seria de extrema paz, pois o homem dividia seus bens com toda a coletividade, mantendo a igualdade entre eles. Com a entrada do dinheiro na sociedade surge a ideia de acumulação de bens, e “[...] ‘a lei de natureza’ que limitava a propriedade e preservava a igualdade, transforma-se no seu contrário – a justificativa da acumulação ilimitada e da desigualdade”. (Luís Fernandes, 1986).
O pensamento de Locke condiz com a realidade atual, e principalmente com a realidade que Marx tenta combater, sociedade divida entre proprietários e não proprietários. Locke assim é o filosofo que descreve o inicio da formação da sociedade de classes
“O individuo não-proprietário (ou seja o trabalhador assalariado) vive apenas “da mão para a boca” procurando simplesmente sobreviver. Por isso é incapaz de refletir sobre o bem-estar da sociedade. Só o proprietário teria condições de cultivar esta racionalidade “mais elevada”
Com o Rousseau temos uma maior preocupação com as desigualdades trazidas pela vida dos homens em sociedade, em sua obra principal “o contrato social” ele as analisa de forma a tentar diminui-las o máximo possível. Filosofo que inspira os ideais da revolução francesa pela simples afirmação “se quisermos saber no que consiste, precisamente, o maior de todos os bens, qual deva ser a finalidade de todos os sistemas de legislação, verificar-se-á que se resume nestes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade.” (Rousseau). O autor assim fala de uma busca pela igualdade, não se conforma com as desigualdades sociais, pensamento que assemelha ao de Karl Marx.
3 A PRÁXIS E SUA ATUAÇÃO NO DIREITO
A filosofia da práxis foi desenvolvida por Marx. Influenciou e mudou o olhar do mundo sobre os diversos aspectos sociais, econômicos, políticos, históricos etc. Em síntese Marx afirma que não são especificamente as ideias que vêm primeiro e servem para transformar o mundo, e nem tampouco o mundo que ao se modificar acaba por transformar as ideias, o filosofo estabelece a união constante entre os dois conceitos: prática e teoria.
De maneira mais literal Michael Löwy (2000) coloca “ [...] os explorados e oprimidos podem quebrar ao mesmo tempo ‘circunstancias’ exteriores que os aprisionam – o capital, o Estado – e sua consciência mistificada anterior”. Essa filosofia é bastante complexa pois, não corresponde somente a uma briga, a uma luta pela justiça, pela igualdade de classes, requer analise teórica (como o próprio Marx faz em O Capital), e pensamento critico do mundo, mas principalmente próprio para que haja uma emancipação verdadeira. Neste sentido de criticar seu próprio eu, Marx vai dizer que “a auto emancipação é a única forma de emancipação autentica”.
Segundo a análise de Fernando Magalhães “A práxis é ação transformadora, trabalho criador, responsável inclusive pela humanização do homem”. A práxis é portanto uma filosofia revolucionária, de quebra de paradigmas, e construção de novos, de criação de novos regimes e novos conceitos. Como toda mudança significativa, Marx afirma que esta revolução é lenta, podendo levar anos. Não é o que muitos adeptos do marxismo, que através da historia tentaram tomar o poder, pois ao tentar fazer uma ruptura drástica com o pensamento predominante na sociedade, acabaram precipitando suas ações, resultando em fracasso.
O que pôde ser observado no decorrer do tempo pós filosofia marxista é a super valorização da prática frente a teoria, o que não condiz de forma alguma com a essência da práxis. Na tentativa de mudança da sociedade exterior, das diferenças visíveis (em sua maioria monetárias) entre as classes, esqueceu-se da mudança da mente humana, da transformação da consciência própria e alheia também. De forma a esclarecer essa relação interdependente entre Pratica e teoria Michael Löwy (2000) diz
O que constitui a força do pensamento de Marx e que explica sua persistência, sua vitalidade, seu ressurgimento perpétuo apesar das “refutações” triunfantes, dos repetidos enterros e das manipulações burocráticas, é sua qualidade ao mesmo tempo crítica e emancipadora, a saber, a unidade dialética entre a análise do capital e a convocação à sua derrocada, o estudo da luta de classes e o engajamento no combate proletário, o exame das contradições da produção capitalista e a utopia de uma sociedade sem classes, a crítica da economia política e a exigência de “eliminar todas as condições no seio das quais o homem é um ser diminuído, submetido, abandonado, desprezado” (Marx, 1971: 81).
Após este breve esclarecimento sobre a filosofia da práxis faz se necessários estabelecer sua atuação na atualidade. O direito é um âmbito que recebe frequente influencia desta filosofia tendo em vista que este é dotado de poder sobre a sociedade, e é legitimador dos regimes políticos e econômicos. O direito é formado de acordo com os anseios da sociedade, como Hesse (autor constitucionalista) as normas não possuem eficácia alguma, se não estão vinculadas com a realidade social. Dessa forma, se a práxis realmente acontecer, o direito será o instrumento capaz de refletir a mudança tanto material, quando imaterial, pois este representa apenas os interesses do povo.
È através da filosofia da práxis que as mudanças necessárias são feitas no direito. De forma mais especifica, foram através das lutas pelos direitos iguais que hoje no ordenamento jurídico brasileiro, temos a garantia da isonomia entre os homens. Pois como analisamos através de alguns filósofos, o homem é mau, injusto, egoísta e, portanto, preconceituoso por natureza, foi com muitas lutas que este quadro foi mudado. Algumas minorias insatisfeitas com o tratamento desigual resolve assim conquistar seus direitos iguais aos da maioria. “As ideias não movem o mundo mas, adquirem força material quando apoderadas pelas massas” afirma Fernando Magalhães com base em Marx.
Movimento das mulheres, movimento gay, movimento contra a escravidão e contra a exclusão do negro são alguns exemplos de manifestações sociais que buscavam uma transformação, que agiram de forma a mudar o quadro social desigual. Apesar de Marx levar seu foco a disputa entre classes econômicas sua filosofia dá base para movimentos como estes que reivindicam igualdade de direitos. Contudo, como já foi dito, a práxis não esta sendo realizada em sua totalidade, observamos que muita prática é realizada mas há pouca dedicação dos que lutam ante a transformação da consciência de cada individuo, ou a “humanização do humano”.
4 ISONOMIA LEGAL E REAL NO BRASIL
Como é sabido de todos, no Brasil, o princípio da isonomia está previsto no artigo 5º da Constituição federal, nesta é ratificado que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Tal princípio é considerado o principal sustentáculo do Estado Democrático de Direito, contudo seu reconhecimento e abrangência tem se resumido somente no seu aspecto formal, uma igualdade que está presente exclusivamente no texto constitucional. No que tange à sua efetividade, existe um verdadeiro abismo, pois o texto constitucional deveria ser associado a uma igualdade pautada na aplicabilidade a casos concretos, adicionado um organismo vivo chamado sociedade, aí sim haveria a concretização da igualdade prevista na Constituição Federal, códigos e demais estatutos.
Nesse contexto, jaz a necessidade de discorrer acerca de dois conceitos de igualdade, admitindo a existência de uma igualdade legal, prevista em lei, e uma igualdade real, presente no dia a dia da população de um país, cuja marca principal é a desigualdade.
A igualdade legal diz respeito ao texto constitucional, ao direito positivado, neste existe o reconhecimento de que todos são iguais perante a lei, e, portanto, deverão ser tratados como iguais, não podendo haver discriminação a quaisquer pessoas acerca do exercício de determinado direito em relação a bens considerados essenciais em uma sociedade. Já a igualdade real é a ferramenta de aplicabilidade da igualdade legal, em outras palavras, faz alusão à concretização daquilo que está previsto em lei, extraindo o que está contido na letra da lei para empregá-lo a situações reais do mundo prático.
Quando se fala em igualdade, é bastante normal encontrá-la associada à palavra justiça e, neste sentido, Norberto Bobbio afirma que: “Enquanto liberdade e igualdade são termos muito diferentes tanto conceitual como axiologicamente, embora articulados, o conceito e também o valor da igualdade mal se distinguem do conceito e do valor da justiça na maioria de sua acepções, tanto que a expressão liberdade e justiça é frequentemente utilizada como equivalente da expressão liberdade e igualdade”(Igualdade e Liberdade, Ediouro,1996, página 14). Dessa forma, para que as pessoas sejam realmente tratadas como iguais, é imprescindível que a justiça também esteja intimamente atrelada à ideia de que todos tenham acesso a bens e direitos essenciais de forma equitativa, portanto, a igualdade se faz primordial para uma distribuição de justiça de forma igualitária.
Aristóteles foi o percussor das primeiras noções de justiça, “não como valor relacionado à generalidade das relações meta individual, como faziam os estudiosos de sua época, mas dentro de uma perspectiva puramente jurídica, isto é, considerando as ideias de justiça e equidade como fontes inspiradoras da lei e do direito”. Logo, a aplicação da justiça deve ser entendida como a equiparação no que tange à concessão de igualdade de oportunidade, a fim de minimizar as diferenças naturais entre os indivíduos.
De acordo com Rui Barbosa, a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Assim, o principal pilar do Estado Democrático de Direito e sustentáculo de toda a ordem constitucional, o princípio da igualdade, envolve os mais diversos casos, portanto, merece especial atenção dos aplicadores do direito, uma vez que a má utilização ou interpretação desse direito poderá vir a ferir praticamente todos os demais dispositivos presentes no ordenamento jurídico, já que tem plena eficácia e deve ser respeitado em toda a sua dimensão. Em suma, a igualdade não só poderá ser concebida somente a partir de sua positivação, mas sim perante todo o exercício do Direito, elevando a aplicação da justiça, promovendo iguais oportunidades a todos.
Assim, a igualdade poderá servir de parâmetro para a adoção de um critério de razoabilidade na aplicação da justiça, pois a casos semelhantes deverá ser aplicada a mesma solução. Neste sentido, a igualdade garantirá a imparcialidade na aplicação do direito e, consequentemente servirá de proteção contra o arbítrio, pois se todos são sujeitos de direito e iguais perante a Lei, ao Juiz caberá decidir de forma igual nos casos semelhantes. Porém, no Brasil, as dimensões do Estado de Direito no seu sentido mais amplo, está distante de ser acolhida pela ordem jurídica atual. É necessário reconhecer que houve avanços, mas as consequências da desigualdade social existentes são imensuráveis em relação à concretização do Estado de Direito, contudo muitos esforços estão sendo empregados como forma de integração de seus principais segmentos sociais.
5 A SOCIEDADE BRASILEIRA FRENTE À FILOSOFIA DE MARX
Karl Marx analisa que o processo de trabalho é concebido e estruturado a partir de um processo que se dá entre o homem e a natureza, onde o homem, através de suas próprias ações, medeia, regula e controla sua relação com a natureza. Ele coloca em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeças e mãos, com a finalidade de se apropriar da matéria natural, numa forma útil para sua própria vida. O homem ao atuar sobre a natureza externa a modifica, e ao modifica-la, modifica a simultaneamente a sua própria natureza. Ele desenvolve potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. O trabalho é visto sob uma perspectiva de que pertence exclusivamente ao homem. Ao fim do processo do trabalho, o homem obtém um resultado previamente definido, ou seja, ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural, assim como realiza, simultaneamente, na matéria natural, seu objetivo, que ele determina como lei, bem como o modo de sua atividade, subordinando-a à sua vontade. O homem, ao planejar suas ações, além de sensibilizar esforços dos órgãos que trabalham, também exige que essa vontade seja orientada para um fim, que se manifesta com atenção durante todo o tempo trabalhado. Resumidamente, os elementos simples do processo de trabalho são a atividade voltada para um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios.
Marx segue seu pensamento afirmando que a realidade é uma produção da atividade concreta do homem e não uma atividade pensante, como os idealistas defendiam. Assim, Marx vai transferir o princípio da práxis, da concepção abstrata do espírito, para a atividade humana material e social concreta de transformação da realidade objetiva da natureza, da sociedade e do próprio homem. A práxis passa então, a designar as atividades industriais, as relações sociais, etc. À atividade humana torna-se a reconciliação da teoria e da práxis. Toda a teoria é teoria da práxis. Exprime a unidade dialética do pensar e do ser, sendo ao mesmo tempo saber e prática, conhecimento e ação. É o termo natural da teoria, sem o qual esta seria inútil e ilusória.
O Brasil detém a décima posição entre as maiores economias do planeta, contudo a desigualdade social, apesar dos avanços, ainda é considerada atualmente uma das mais acentuadas do mundo. Um país rico em recursos naturais, conhecido mundialmente pela má distribuição de renda. Tal desigualdade é fruto de um sistema capitalista que funciona como uma espécie de determinismo, onde o pobre está condenado a morrer pobre, e somente as classes dominantes detém as verdadeiras oportunidades e ditam as regras. Associada à práxis de Karl Marx, a atual disposição da renda brasileira traz em si fatores históricos cristalizados desde primórdios das capitanias hereditárias, com a concentração da posse das terras, da escravidão, fonte de geração de uma grande parcela de pessoas que permaneceram desassistidas e mais tarde dos grandes latifúndios que impossibilitavam a ascensão social e o acesso às riquezas geradas pela terra.
Cipriano Luckesi se revela bastante cético quanto à dinâmica do capitalismo associada à práxis de Marx e desvenda as tramas sociais do sistema, bem como as consequências perniciosas para a realização humana e prevê o seu fim ocasionado pelas suas próprias condições internas. Dessa forma, afirma que:
“O sistema assegura a divisão do trabalho e o surgimento de classes antagônicas. De um lado, os donos dos meios sociais de produção e, do outro, os donos da força de trabalho. Os primeiros usufruem e os segundos executam. O trabalho torna-se uma mercadoria e é paga como tal. O executor desse trabalho, o operário, passa a ser simplesmente uma peça na máquina capitalista, recebendo o mínimo necessário para manter-se vivo e continuar produzindo. Aliena-se do resto, da cultura, do lazer e do próprio produto do seu trabalho, passando a tratá-los como estranhos e com certa idolatria. Essa alienação atinge a sua própria consciência de ser humano” (LUCKESI, 2004: 229)
Conforme relatado, o Brasil é considerado um campeão quando o assunto é desigualdade social, a popular teoria dos poucos com muito e muito com muito pouco, por mais redundante que soe, no Brasil encontra força e substância. Neste sentido, é fácil perceber que toda riqueza em recursos naturais que o país possui não tem sido suficientemente convertida para transformar a realidade social que nos assola. Consequentemente, tem-se um país rico e absolutamente injusto com os seus, sendo perceptível que não prevalece a ânsia de promover o bem estar da maioria de sua população, grande parte de seus cidadãos vivem em condições miseráveis, desprovidos de recursos mínimos necessários para uma sobrevivência digna. Isso tem impedido a formação de uma sociedade igualitária, por isso o Brasil é um país marcado pela segregação social, o que impossibilita que seja construída uma sociedade integrada. Considera-se, que atualmente, o Brasil é uma nação dividida em várias nações que estão classificadas através de classes sociais, marcada pela vigência de várias ordens jurídicas, onde, nem todas são realmente democráticas e legítimas.
Em face disso, o que se pode observar é que no Brasil, a efetividade está bastante distante, sendo marcada, sobretudo por seu caráter relativo. O sistema capitalista impulsiona a desigualdade, contudo, é importante ressaltar que a formação de um estado democrático envolve um investimento maciço em políticas públicas, para que assim venha emergir uma sociedade melhor ordenada e mais justa, e que o Estado de Direito tenha o comprometimento de garantir ética e politicamente a luta pela efetividade desse projeto.
6 CONSIDERAÇOES FINAIS
Fruto de décadas de colaboração entre Karl Marx e Friedrich Engels, o marxismo influenciou os mais diversos setores da atividade humana ao logo do século XX, desde a política e a prática sindical até a análise e interpretação de fatos sociais, morais, artísticos, históricos e econômicos, e se tornou doutrina oficial dos países de regime comunista.
Diferentemente dos animais, que para viverem também devem satisfazer suas necessidades, os homens buscam maneiras para realizar esse fim, dessa forma modificam a natureza. Como é sabido por todos, a história não segue nenhum roteiro preestabelecido e se desenvolve de acordo com as circunstancias que são modificadas pelo trabalho humano, enquanto isso, o ser humano ao modificar a natureza, é modificado por ela. Essa relação dialética homem-trabalho-natureza foi designada por Marx como práxis.
Contudo, ao refletirmos acerca da práxis de Karl Marx, e paralelamente trazermos à tona as desigualdades sociais vigentes, há um verdadeiro abismo. O trabalho humano transforma a natureza e a si próprio, contudo, a distinção de classes, a desigualdade social afasta a possibilidade de que essa transformação aconteça de forma justa e igualitária para todos. Há de se questionar também a razão pela qual o tratamento destinado às pessoas está condicionado às classes sociais as quais pertencem.
O ordenamento jurídico brasileiro, bem como o Estado Democrático de Direito está estruturado no princípio da isonomia, como foi relatado neste trabalho, contudo a efetividade desse direito soa praticamente utópico num país, cuja estrutura política e financeira reforça a existência de desigualdades. A interpretação do princípio da isonomia deve levar em consideração a existência dessas desigualdades de um lado, e de outro, as injustiças que são ocasionadas em nome disso, talvez assim, futuramente seja possível a efetividade de uma igualdade plena. Felizmente, à luz da práxis de Marx, o princípio da isonomia tem sido repensado no ordenamento jurídico constitucional, e ganhou força, os esforços estão voltados para encontrar a relação entre os fatores que promovem a desigualdade, ou seja, se a desigualdade existe, o judiciário adotou uma nova roupagem para equiparar essa discrepância, garantindo as igualdades e algumas desigualdades, desde que sejam positivas, com vistas ao bem comum.
Por fim, é preciso ter a consciência de que o conceito de igualdade não é algo acabado, portanto, está em constante construção, afinal, o novo ordenamento jurídico deve ser sensível o suficiente para compreender que o Direito foi criado para atender a interesses de seres humanos dotados de complexidade. A crítica da filosofia da práxis de Karl Marx ao direito é bastante pertinente. É necessário que a essência desta filosofia seja resgatada, o caráter critico da práxis, o caráter revolucionário, mas principalmente o caráter de emancipação do ser humano.
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