A CRÍTICA DA FILOSOFIA DA PRÁXIS DE KARL MARX EM RELAÇÃO...

Por Antonio Costa de Souza Neto | 15/05/2017 | Direito

A CRÍTICA DA FILOSOFIA DA PRÁXIS DE KARL MARX EM RELAÇÃO AO DIREITO: O Direito a favor da classe dominante

RESUMO 

Realizar-se-á uma análise do Direito sob o olhar mais crítico no seu contexto social a partir da conduta humana capaz de promover uma revolução e transformação na história ou mesmo transformá-la. A partir daí, serão postas em pauta as ideologias que formam o Sistema Jurídico que encontramos na sociedade e verificarmos a presença ou não da justiça, termo que se liga ao Direito de forma errônea por muitos.

 PALAVRAS-CHAVE: Direito. Conduta Humana. Revolução. Transformação. Ideologias. Sistema Jurídico. Justiça. 

ABSTRACT

Will perform an analysis of the law under the more critical in their social context from human conduct can bring about a revolution and transformation in history or even transform it. From there, they will be put on the agenda the ideologies that form the legal system that we find in society and verify the presence or absence of justice, a term that binds law erroneously by many.

KEYWORDS: Right. Human Conduct. Revolution. Transformation. Ideologies. Legal System. Justice.

INTRODUÇÃO

Ainda que o Brasil possua um extenso sistema normativo-jurídico que possua um dos objetivos não deixar lacunas e situações que estejam ocultos no Código, visando promover justiça e maior ordem no contexto social, há por detrás disso a maior lacuna que a grande maioria das pessoas não percebe: a lacuna entre a classe dominante e os dominados. E tal lacuna é gerada, alimentada pelo próprio sistema normativo, o qual é positivista e visa através das leis manterem sua hegemonia e poder em relação aos demais.

Um grande exemplo disso está em nossa própria bandeira: “Ordem e Progresso”. Por qual motivo o termo “ordem” vem antes do “progresso”? Seria possível ser o contrário? No sistema positivista não, o termo ordem deve vir primeiro. O principal é haver a ordem e quando existe ordem há a presença de quem ordena e quem é ordenado. O Estado e os membros do poder ordena, o resto da sociedade deve obedecer às ordens, para só assim, nessa concepção, haver progresso.

Nesse contexto surge uma visão que vai de encontro com esse “dogma” e abre margens para um novo modo de ver com um pulso mais social e humanístico, fala-se da visão marxiana quanto à práxis revolucionária. Uma práxis transformadora que não se acomoda, mas que luta e transforma o contexto que vive.

Os conceitos e observações de Marx, como toda ideologia que vai contra uma ideologia dominante, são vistos muitas das vezes como perigosas, radicais e fora da realidade, porém ao serem postas em prática podem ser vistas com outros olhos. Fazendo um link com nossa sociedade, se tivermos uma práxis revolucionária, se nos dispusermos a não aceitamos mais a corrupção, a violência exacerbada, as leis com alto teor positivista, e irmos de frente com os interesses individuais e egoístas da classe dominante, talvez as coisas fossem bem diferentes para as gerações que ainda estão por vir.

Portanto, ressalta-se a importância de uma visão mais crítica de todos os cidadãos da sociedade para assim, haver uma rede atitudes mais sólidas contra os ideais individualistas que regem nosso sistema normativo e assegura, dessa forma, o abismo entre os ricos e os pobres, os políticos e os eleitores, o conjunto de normas e a realidade, os que ordenam e os que são ordenados. 

  • IDEOLOGIA QUE REGE O SISTEMA JURÍDICO

1.1 Mudanças na ideologia jurídica

Antes de qualquer análise a respeito da ideologia que rege o sistema jurídico, é interessante que tenhamos em mente, para melhor entendimento, o conceito de Sistema e do termo “Jurídico”.

O Dicionário Aurélio eletrônico define Sistema da seguinte forma:

Conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura organizada (...). Reunião coordenada e lógica de princípios ou idéias relacionadas de modo que abranjam um campo do conhecimento(...) (Dicionário Aurélio Eletrônico, séc. XXI, versão 3.0, novembro 1999)

Partindo então, ainda no conceito de sistema, para uma visão do campo mais técnico-jurídico-filosófico, têm-se a definição dada por Norberto Bobbio em “Teoria do Ordenamento Jurídico”, que diz que sistemas vêm a ser:

[...] uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe certa ordem. Para que se possa falar de uma ordem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. (BOBBIO, 2003, p. 80)

E ainda segundo Bobbio (2003, p. 80), o sentido de sistema que mais interessa ao ordenamento jurídico é aquele que o vê simplesmente pelo fato de não poder “... coexistir nele normas incompatíveis.” Em outras palavras, aquilo que deve ser seguido como forma de surgir o progresso e maior convivência entre todos os cidadãos da sociedade.

O termo jurídico, evidentemente, liga-se ao que chamamos de Direito. Então, diante do que foi supracitado, Sistema Jurídico vem a ser o conjunto de normas vistas como dispositivos legitimados e legalizados do Estado para serem seguidos pelos cidadãos, e só assim, para esse paradigma, há a possibilidade de haver progresso da população. Em outras palavras, falamos dessa forma de Positivismo.

Positivismo, por sua vez, serve como base crescente de conservadorismo dos interesses da classe dominante e como bem dito por Roberto Lyra Filho que diz que positivismo é “uma redução do Direito à ordem estabelecida” (LYRA, 1982, p. 17). Dessa forma, é valido afirmar que o Direito hoje vigente, em conteúdo e forma, é resultado de um processo histórico mediante a ascensão da burguesia; logo, falar de positivismo, fala-se de capitalismo, onde ascendeu de forma marcante com a revolução francesa:

 

[...] Depois que a revolução francesa acabou, foi a burguesia quem ficou com o poder político na França. O privilégio de nascimento foi realmente derrubado, mas o privilégio do dinheiro tomou o seu lugar. “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi uma frase popular gritada por todos o revolucionários, mas que coube principalmente à burguesia desfrutar. O exame do Código Napoleônico deixa isso bem claro. Destinava-se evidentemente a proteger a propriedade – não a feudal, mas a burguesa. O Código tem cêrca de 2.000 artigos, dos quais apenas 7 tratam do trabalho e cêrca de 800 da propriedade privada. Os sindicatos e as greves são proibidos, mas as associações de empregadores permitidas. Numa disputa judicial sôbre salários, o Código determina que o depoimento do patrão, e não do empregado, é que deve ser levado em conta. O código foi feito pela burguesia e para a burguesia: foi feito pelos donos da propriedade para proteção da propriedade.

Quando o fumo da batalha se dissipou, viu-se que a burguesia conquistara o direito de comprar e vender o que lhe agradasse, como, quando e onde quisesse. O feudalismo estava morto. E morto não só na França, mas em todos os países conquistados pelo exército de Napoleão. Êste levou consigo o mercado livre (e os princípios do Código Napoleônico) em suas marchas vitoriosas. Não é de surpreender que fôsse bem recebido pela burguesia das nações conquistadas! Nesses países, a servidão foi abolida, as obrigações e pagamentos feudais foram eliminados, e o direito dos camponeses proprietários, dos comerciantes e industriais, de comprar e vender sem restrições, regulamentos e contenções, se estabeleceu definitivamente. (HUBERMAN, 1973, p. 162-163)

 

A ideologia jurídica é, portanto, a influência materializada da classe dominante, ou se preferir, dos elementos superestruturais. Dessa forma, o Direito, ao contrário do que muitos pensam, não visa como seu maior foco a justiça, o bem de todos; o Direito reproduz aquilo que foi dito que se deve fazer, tudo regido pela classe dominante.

Eduardo Bittar (apud Weyne, p. 67):

“[...] o direito tem uma função ideológica, que lhe é garantida por um discurso empolado, um discurso rico de figuras simbólicas, que, no entanto, não transforma em realidade concreta para a melhoria da própria condição do trabalhador”.

Percebe-se, portanto, através da leitura dessa afirmação, a presença de um discurso altamente ideológico do Direito, e, sob o olhar crítico subjetivo, deduzirmos que há uma função do Direito em sustentar a hegemonia dos que mandam, associando-se ao Estado. A ideologia é isso, uma forma de ocultar a realidade, uma forma de varrer para debaixo do tapete tudo aquilo que pode ir contra um interesse superior, um meio de esconder os conflitos sociais que ocorrem na sociedade civil. Em outras palavras, é uma forma de evitar que os homens percebam as relações de dominação e exploração de uma classe – a hegemônica – sobre as outras, e, mais, que exijam mudanças sociais prementes.

  • DIREITO DESIGUAL NA ATUALIDADE 

Sabido que o Direito é tido como instrumento nas mãos da classe dominante, e esta usando do “artefato jurídico” para manutenção do poder e hegemonia da superestrutura, é evidente que a isonomia, que a igualdade entre todos os cidadãos pode ser considerado uma teoria do plano ideológico, uma vez que é muito difícil todas as pessoas serem tratadas de forma igual diante das normas jurídicas.

Deve-se entender e deixar bem claro que atualmente o Direito, as Normas Constitucionais, em síntese, o Texto Normativo como todo é válido de acordo com uma classe superior a própria lei – se assim podemos falar. Como proferiu Ferdinand Lassalle (1862), quando disse que “questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas.” Konrad Hesse comenta a tese de Lassalle:

Segundo sua tese fundamental, questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. É que a Constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes: o poder militar, representado pelas Forças Armadas, o poder social, representado pelos latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria e pelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se equipare ao significado dos demais, o poder intelectual, representado pela consciência e pela cultura gerais. As relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão-somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder; Esses fatores reais do poder formam a Constituição real do país. Esse documento chamado Constituição – a Constituição jurídica - não passa, nas palavras de Lassalle, de um pedaço de papel (em Stück Papier). (HESSE, 1991, p. 9) 

Dessa forma, fica evidente a desigualdade acentuada entre as classes, uma vez que há uma posição hierárquica dentro do conjunto. Desigualdade essa no campo político e econômico, havendo um desfavorecimento por sua vez, da classe menosprezada, da infraestrutura.

3 A PRÁXIS REVOLUCIONÁRIA DE MARX NO DIREITO SOCIAL

Saber que a sociedade tem que mudar, que a corrupção é fato e presente em nosso contexto político, que a classe dominante usa o sistema jurídico para manter sua hegemonia, disso todo mundo sabe. E Marx critica isso, tudo ficar pairado no campo das teorias, das observações, do campo ideológico. Para Marx, deve haver movimento, manifestação, ação por parte das pessoas gerando transformação na sociedade.

Marx distancia-se, portanto, da tradição das coisas que ficavam apenas no campo ideológico e cognitivo, passando para um campo mais prático e concreto, que é da ação humana.

Afirma isso Alysson Mascaro:

Desgarrando-se, pois, de uma tradição puramente conceitual, essencialmente cognitiva, idealista – como foi própria de Kant e de toda a tradição alemã, Hegel inclusive -, Marx passa a uma instância diversa, a humana. No entanto, não persiste nessa instância da mesma forma que Feuerbach. Interessava não o homem tomado apenas em sua materialidade, mas o aspecto prático do homem, tomado em sua sociabilidade. Essas relações sociais humanas não são dados de uma apreensão meramente empírica ou da conta da “natureza” humana, como era o caso dos materialismos até então, mas são relações verificadas na história, processualmente. (MASCARO, 2010, p. 95) 

3.1 O Estado, a práxis e a desigualdade.

O Direito refletir a falsa consciência de determinada relação de produção. Para entender faz-se necessário deter conhecimento sobre a relação entre o Estado, o Direito e a ideologia. Segundo Marilena Chauí (1985 p. 90-91):

Através do Estado, a classe dominante monta um aparelho de coerção e de repressão social que lhe permite exercer o poder sobre toda a sociedade, fazendo-a submeter-se às regras políticas. O grande instrumento do Estado é o Direito, Isto é, o estabelecimento das leis que regulam as relações sociais em proveito dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como “Estado de direito”. O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado – ou seja, a dominação de classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, boas e válidas para todos.

Por isso, Marx, em A Ideologia Alemã, afirmou que o Direito é o instrumento legitimador dos interesses da classe social dominante[1]. Em que a classe operaria estaria dominado por ideias de mundo e da sociedade transmitida pela burguesia. O direito não desconsidera as relações de dominação viventes na sociedade. Ele vai contribuir para legitimar a dominação e transformar o que era violência em dominação jurídica.

O Estado surge a partir de uma série de fatos que, a partir da propriedade privada, da divisão do trabalho e do surgimento das classes sociais, constituiu-se a formação. Segundo Engels[2]:

Como o Estado nasceu da necessidade de combater o antagonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. (...) Além disso, na maior parte dos Estados históricos, os direitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as posses dos referidos cidadãos pelo que se evidencia ser o Estado um organismo para a proteção dos que possuem contra os que não possuem. (ENGELS, p. 137) 

Segundo Marx a desigualdade só seria superada a partir da práxis social, que atuaria sobre a realidade, pois seria nela que as contradições sociais ocorreriam, e não nas ideias, que as ocultam. Para Marx, tais ideias não possuem existência própria, mas derivam do substrato material da história, das mudanças das relações humanas. Ou seja, a vida determinaria a produção das ideias[3]

Faz-se necessário o estudo real da historia para que os homens compreenda a importância da práxis, já em se revolucionaria e modificadora.[4] Diferentemente do que pensava Hegel[5], O Estado não é a superação das contradições, mas a fixação e a definição delas, na medida em que ele é a consequência da vitória de uma classe, da minoria sobre as outras, a massa. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos afirmar diante do exposto que o direito não consegue obedecer à postura de uma pretensão universal, não realizando o chamado interesse geral, mas apenas o interesse médio de uma classe social minoritária. “O direito é um sistema (ou ordenamento) de relações sociais correspondentes aos interesses da classe dominante e tutelado pela força organizada desta classe”. (STUCKA, 1988, p. 16)

Direito é adquirido a partir do conhecimento de que a classe dominante tem a autonomia com o poder na superestrutura social e na formação do Direito. Como está presente na definição de Marcus Vinicius Antunes (2010, p. 85), afirmando:

O direito, em síntese, é um sistema de regras e princípios orientado por valores criados na experiência social, traduzindo, ao mesmo tempo, conflito e consenso de grupos e classes, que dispõe do aparelho de estado para impor a coerção e sanção que lhe são indispensáveis.

Portanto, fica claro a tarefa árdua de encontrar uma maneira de conscientizar a classe operaria a importância na íntegra da práxis, visto que tal observação pode ser feita sob várias prismas e inúmeros contextos sociais, uma vez que através de uma revolução tendo como objetivos direitos e garantias fundamentais da classe desprovida de privilégios. 

[1]MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, op. cit., p. 98.

[2] Ibidem. p. 137.

[3] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

[4] Cf. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 117 e ss.

[5] MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Trad. Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 36.