A crise de confiança de 2008 e a resposta brasileira

Por Vitor Bellizia | 13/04/2010 | Economia

A crise de confiança de 2008 começou com a quebra do Lehman Brothers, 3º maior banco de investimento do mercado à época, gerando uma crise sem precedentes no mercado financeiro global.

Como o mercado de capitais vive basicamente de confiança, este evento abalou os alicerces da economia e de seu lado real.

O investidor aplica seus recursos em ativos financeiros para obter ou exigir uma determinada taxa de retorno.

Esta taxa de retorno é formada pela por duas partes : a)uma, a taxa de retorno sem risco ; ( por exemplo, o retorno dos títulos do Governo Americano) e b) outra, o prêmio de risco por estar aplicando em algo que pode significar a médio e longo prazo o risco de se ter algum prejuízo.

Quando o Banco Lehman Brothers quebrou, os investidores perguntaram:

a)Quem será o próximo?  

b)Quais as implicações sobre o lado real da economia ?

Assim, o risco ou a possibilidade dos investidores terem prejuízos fizeram com que eles exigissem um maior prêmio de risco, descontando o valor dos preços dos ativos.

Só para dar um exemplo, determinado que o preço de um ativo financeiro ( por exemplo, um título de dívida de uma empresa)  era R$ 100  antes da crise e que este ativo seria resgatado por R$ 110 daqui um ano.  Os investidores estariam satisfeitos com um retorno de 10% a.a. sobre o papel ou R$ 10.

 Mas, se de outro lado, os investidores exigissem 15% a.a. de retorno, ou um prêmio de 5 pontos percentuais, a dívida teria que custar hoje R$ 95,65, ou seja, para ter liquidez o detentor da dívida teria que perder  R$ 5.35.  Ou seja, à taxa de 15%, os investidores obteriam sobre R$ 95,65 os mesmos R$ 100 do valor de face original a esta taxa majorada pelo prêmio de risco (15% x 95,65= R$ 100) ,ou seja, uma desvalorização de R$ 5.35 sobre o valor de face.

 Com efeito, o preço no título em carteira, no caso a dívida da empresa, cairia 5,35 % . O mesmo vale quando se considera o valor de uma ação, quanto maior o prêmio de risco maior será a taxa de desconto do fluxo futuro de dividendos e valor futuro de venda e, deste modo, maior será a desvalorização da ação.    

No exemplo do título da dívida, tem-se uma variação de um prêmio de risco de 5 pontos percentuais sobre uma base de 10% a.a. e para um período de um ano.

Imagine ativos e setores cujos retornos são projetados para períodos mais longos. Com certeza, os descontos serão muito maiores nos preços a vista dos ativos para se ajustarem a nova realidade de risco.

Para se ter idéia, supondo que uma ação dê dividendos perpétuos de R$ 10 e que o retorno esperado dos investidores seja de 10% a.a. O valor desta ação será de R$ 100.  Ou seja, R$ 10 dividido por 10% a.a. igual R$ 100  Mas se os investidores exigirem um retorno maior para enfrentar o risco de 15% a.a., a  ação passará a valer  R$ 66,67  ,ou seja, R$ 10 dividido por 15% ou uma queda de um terço no valor da ação.  Isto para que R$ 66,67 que é o valor da ação dê a uma taxa de 15% a.a. para os mesmos R$ 10 de dividendos.

Estes são modelos muito simples de fixação de preços dos ativos, porém dão uma idéia de como o valor destes são afetados pela percepção de risco. Risco aqui entendido como o sentimento de que algo pode dar errado e haver ocorrência de prejuízos, levando o investidor a exigir um desconto maior para comprar o ativo. Ou, em outras palavras, exigir um retorno maior.

Além deste aspecto teórico de fixação do preço frente ao risco, há de se considerar que, após a crise global de crédito de 2008, ocorreu um represamento da liquidez no sistema. Isto se deu da seguinte maneira, a confiança caiu em todo o sistema bancário, todos os agentes se olhando desconfiados. Assim, os detentores de poupança, ou superavitários, tenderam a represá-las aonde houvesse menos risco, tirando, por exemplo, o dinheiro de pequenos e médios bancos e transferindo os recursos para bancos maiores ou saindo de ativos de maior risco que venderam com descontos absurdos (ações em bolsa, por exemplo) para ter o que Keynes chamava de preferência pela liquidez, ter o dinheiro em caixa ou num bom e velho título do governo.

Com isso o sistema bancário teve um encolhimento brutal de crédito que contribuiu barbaramente para que as taxas e os prêmios de risco flutuassem ao sabor dos setores e agentes com maior liquidez.  Porém, em momentos de crise como este, as flutuações dos preços dos ativos varia de acordo com as mudanças de percepção de riscos destes agentes.

A percepção de risco é sempre individual, mas ela refletirá a média da opinião no mercado de capitais na direção dos desejos de assumir os riscos por parte do grupo de superavitários. Daí decorre a alta volatilidade de preços e cotações nos mercados financeiros no planeta naquele momento, pois a qualquer mudança na percepção de risco houve movimentos de apreciação e depreciação nos preços dos ativos. Um agente tendendo a agir à frente do outro e impulsionando ou deprimindo os preços em alta velocidade. Isto é o que os teóricos chamam de volatilidade de mercado, altas e baixas seguidas e continuadas.

Nesse sentido, a ação dos governos pela ação de seus Bancos Centrais foi muito importante neste momento, pois o Banco Central ao ser o banco dos bancos e executor da política monetária pode expandir crédito e criar moeda nos bancos comerciais para que estes pudessem intermediar melhor e a um custo de captação mais baixo, mediando esta relação perversa entre os detentores da liquidez e os agentes econômicos deficitários. Além disso, as quedas nas taxas básicas de juros em escala planetária ajudaram também a fazer com que os detentores de liquidez assumissem maiores riscos, uma vez que a remuneração dos títulos do governo torna-se menos atraente.

Os Governos também desempenharam papel importante em irrigar setores (além dos bancos via Banco Central) cujo prêmio seja muito elevado como, por exemplo, o setor automotivo ou de bens de capital .

Outro aspecto a considerar quando se tem o risco em perspectiva é que o risco é formado por duas partes. Uma chamada de risco diversificável e outra não diversificável ou sistêmica. A primeira parte decorre de uma constatação que se tivermos uma carteira de títulos à medida que adicionamos novos títulos a esta carteira mitigamos o risco. Por hipótese, tendo-se apenas um ativo em uma carteira (por exemplo, uma ação de uma empresa) o risco que se corre é muito maior houver dois ativos. À medida que mais ativos são adicionados a esta carteira, o risco final vai diminuindo até o ponto que se carrega apenas o risco ao qual estão sujeitos todos ativos ou o chamado risco não diversificável.

A componente importante na crise de 2008 é o que risco sistêmico aumentou e com isto afetou todos os ativos da economia a uma taxa de retorno mais elevada e, como conseqüência, deprimiram-se todos os preços dos ativos da economia em escala planetária.

 Naquela ocasião, pode-se perceber que as taxas de retorno exigidas foram excessivamente aumentadas, deprimindo sobre maneira o valor dos ativos.

Para se ter idéia, antes da crise no ponto máximo da Bolsa de Nova Iorque um investidor que tivesse aplicado US$ 14 mil, teria no fim de fevereiro de 2010 a metade deste valor.

No caso brasileiro, um investidor que tivesse aplicado R$ 70 mil no pico da Bolsa de Valores de São Paulo teria em média no fim de fevereiro, R$ 40 mil

 A crise de confiança foi tamanha que os investidores fugiram para o ouro gerando um aumento das cotações deste ativo sem precedentes.  

Esta fuga para o ouro foi preocupante, pois denotou claramente a crise de confiança no sistema bancário e na confiança dos agentes na economia. A cotação dos ativos esteve tão incerta que os investidores  se refugiaram no ouro, ativo cuja função principal é o de assegurar a reserva de valor.

Neste contexto, o Banco Central brasileiro tomou medidas importantes de redução do compulsório, garantindo uma maior irrigação  no sistema financeiro.

 A ação do governo foi bastante rápida, embora tenha privilegiado os detentores de liquidez no sistema. As taxas de juros básicas (a SELIC)  que estavam num patamar muito elevado foram reduzidas em 300 base points.

Embora a flexibilização monetária promovida pelo Banco Central Brasileiro tenha servido apenas para o que chamo de ditadura dos detentores de liquidez tomasse corpo. O evento de bancos maiores comprando bancos menores na bacia das almas (Itaú-Unibanco, BB-Votorantim, por exemplo) foi emblemático. Os bancos de maior porte que são vistos pelos investidores como de menor risco,  receberam a maior parte dos recursos dos poupadores. Além disso, foram premiados pelo afrouxamento das taxas de recolhimento no compulsório sem colocar estes recursos no crédito as empresas e clientes num primeiro momento.

No entanto, o Governo adotou uma política contra cíclica pela atuação responsável na distribuição dos recursos entre superavitários e deficitários no mercado, via redução significativa da taxa SELIC, pela melhoria nas condições de financiamento para as pequenas e médias empresas, pela garantia de depósitos nos bancos comerciais, via Banco Central, já mencionada e por uma distribuição mais equânime da liquidez no mercado de capitais premiando os que assumissem riscos.

O Brasil devido ao bônus que recebeu com o crescimento mundial ao acumular reservas internacionais, devido ao aumento nas quantidades e nos preços das commodities, pré-estouro da bolha, teve uma posição relativa formidável para permitir um grande arranque e tirou toda vantagem desta crise. Como as posições das reservas internacionais do Brasil a posição brasileira era espetacular, não houve espaço para qualquer ataque especulativo à moeda nacional e permitiu uma redução mais significativa dos juros.

O Brasil  saiu desta crise mais robusto e pronto para ocupar uma posição relativa ainda melhor que a precedente.

A redução da carga tributária sobre as empresas também constituiu também forte estímulo à demanda interna num momento em que a economia mundial estava em crise.  A redução do IPI no setor automotivo foi prova disto.

Estas medidas tiveram maior eficácia que estímulos diretos como nos investimentos de empresas públicas e governos que como se sabe demandam tempo e excelente gestão como o famigerado PAC. Mas até os investimentos do PAC foram  acelerados.

Não foi surpresa que num prazo não muito longo o Brasil teve sua conta de capital ampliada com investidores do mundo inteiro entrando em nosso mercado pelos títulos públicos, ações e depois com a volta do crescimento com investimentos diretos, contribuindo para efeitos positivos no balanço de pagamentos. A volta de investidores na Bolsa de Valores em São Paulo  já em fevereiro de 2010 já era um primeiro sinal desta tendência. Finalmente, a dependência do comércio internacional no Brasil (23 % do PIB) é muito menor que de outros emergentes como a China (quase 50% do PIB) foi muito importante para a recuperação brasileira pós Setembro de 2008.

A crise internacional de setembro de 2008 está levando a debates muito interessantes sobre a irracionalidade da estrutura de financiamento da economia brasileira. Tudo conspira contra o crescimento da produção, do emprego e da distribuição de renda. A lógica é perversa.

Nunca ao Brasil se abriu um leque de oportunidades tão grande para este debate e avançar com ações concretas como foi a recente redução das taxas SELIC.

Contra os números da evolução recente da economia brasileira não há outros argumentos. É hora incentivar a tomada de riscos! É hora de crescer!  Todo o poder aos que querem assumir riscos e fazer o Brasil crescer.