A Contribuição dos Peregrinos e Cruzados à Geografia Terrestre

Por Julio Cesar Souza Santos | 25/10/2016 | Sociedade

Qual a Importância dos Mosteiros e Albergues nas Ideias Sobre a Terra? Qual Foi a Contribuição do Papa Urbano II Para a Geografia Terrestre? Por Que os Cruzados Constituíram um Dos Movimentos Mais Indisciplinados da História?

 

 A mesma fé que fanatizava a paisagem e aprisionava os cristãos na Geografia dogmática haveria de atrair peregrinos e cruzados da Europa para caminhos de descoberta do Oriente. A Estrela de Belém que atraiu os Três Magos, guiou em séculos posteriores incontáveis fiéis para sua Terra Santa. A peregrinação se tornou uma instituição cristã e caminhos de fé se tornaram caminhos de descoberta.

 

Um século após a morte de Jesus um punhado de crentes viajava para Jerusalém a fim de pisar a terra que o seu Salvador pisara. Após o imperador Constantino se tornar cristão, sua mãe que se tornara arqueóloga, foi a Jerusalém, encontrou o Monte Calvário onde reuniu fragmentos da Verdadeira Cruz e até descobriu o Santo Sepulcro, onde Jesus fora alegadamente sepultado.

 

No início do século V havia 200 mosteiros e albergues para peregrinos nas imediações de Jerusalém. Santo Agostinho advertiu de que o turistas cristão à Terra Santa poderia ser desviado da sua viagem, embora o fluxo de peregrinos tenha aumentado ajudado por incontáveis guias e uma cadeia de alojamentos hospitaleiros ao longo de todo o caminho.

 

O declínio do Império Romano do Ocidente e o aparecimento de piratas tornaram difícil e perigosa a vida dos peregrinos. As extensas conquistas árabes à volta do Mediterrâneo, o advento do Islã e o aumento dos peregrinos muçulmanos congestionaram os caminhos da peregrinação cristã e originaram uma implacável disputa por Jerusalém. Algumas tradições muçulmanas consideravam Jerusalém – e não Meca – o “umbigo” da Terra e, quando o Califa Omar entrou numa Jerusalém rendida seis anos após a morte de Maomé, iniciou uma batalha milenar pela posse dos lugares santos.

 

Santiago de Compostela (Espanha) tornou-se “lugar santo” por causa da descoberta ali feita no ano de 810 do corpo de São Tiago, que se pensava ter sido executado em Jerusalém e presumivelmente lá enterrado. Considerava-se que Carlos Magno se contava entre os primeiros peregrinos que tinham partido de toda Europa e, quando os Mouros conquistaram a Espanha para o Islã, surgiu o culto de S. Tiago – o “matador de mouros”.

 

O grande imã para os peregrinos na Europa era Roma, onde Beda (em 735) narrou a viagem de homens e mulheres bretões que ansiavam por passar algumas horas da sua peregrinação terrena na vizinhança de lugares santos. Daí, talvez tenha derivado o verbo inglês “to roam”. O fluxo de peregrinos da Inglaterra (e de outros lugares) viria a se alargar depois do malogro da tentativa dos Cruzados em reconquistarem Jerusalém.

 

 Quando Urbano II se tornou Papa em 1808 a Igreja sentia muita necessidade de reforma, pois havia corrupção pela compra e venda de indulgências e cargos eclesiásticos. Reformador que não se compadecia com a corrupção, Urbano utilizou seus talentos de organizador e a sua eloquência para purificar e sarar a Igreja. Aleixo – imperador oriental – vendo a capital da sua Bizâncio ameaçada pelo Islã, mandou enviados a Urbano solicitando auxílio militar e, o energético Papa viu nisso uma oportunidade para unir as Igrejas do Oriente e do Ocidente.

 

Assim, para libertarem os lugares santos, os cristãos partiram para o Oriente em agosto de 1096. Deus seria o seu guia, a cruz branca o seu símbolo e os seus bens ficariam sob a proteção da Igreja. Com esta chamada ás armas, o Papa Urbano congregou as forças da Europa cristã para transformar peregrinos em Cruzados e, enquanto a peregrinação era apenas uma pequena viagem de um indivíduo, a Cruzada seria uma peregrinação maciça. Sendo assim, as pessoas em marcha não puderam deixar de ser consideradas descobridoras. Mas, na sua maior parte, não encontraram o que iam procurar e encontraram muito mais o que não tinham imaginado.

 

Os Cruzados constituíram um dos movimentos mais variados e indisciplinados da história. Pedro, o Eremita, foi um presságio de coisas que iriam acontecer. Ele ganhou esse apelido por usar uma capa de eremita, embora fosse uma pessoa que adorava multidões e sabia influenciá-las. Criou um corpo de agentes recrutadores e formou um exército heterogêneo de peregrinos na França. Quando chegou à Colônia (Alemanha) em abril de 1096 cerca de 15 mil peregrinos de todas as idades, tamanhos e sexos tinham aderido ao seu grupo.

 

A chegada da horda de Pedro a Constantinopla gerou complicações, pois o grupo de Walter (o Pobre) se uniu a ele e avançaram até a Cidade Santa, pilhando por onde passavam. Saquearam aldeias, torturaram seus habitantes e assassinaram bebês em espetados na fogueira. O imperador bizantino Aleixo I tentou persuadir aventureiros a submeterem-se ao seu comendo, mas os mais ambiciosos pilharam para fundar novos reinos. Estas forças cristãs derrotaram os Turcos e entraram triunfalmente em Jerusalém em julho de 1099, terminando assim a 1ª Cruzada.

 

Jerusalém foi transformada rapidamente em um novo reino romano que, de início, tratou-se de um movimento desordenado que durou dois séculos para tornar-se o caminho dos peregrinos.

 

Mas, em um aspecto tratou-se também do fim das Cruzadas, pois foi a última expedição coroada de êxito para redimir os lugares santos. Posteriormente, as Cruzadas apenas ajudavam os cristãos já estabelecidos no Oriente e, após a queda de Jerusalém nas mãos de Saladino em 1187, os lugares santos mais acessíveis do Ocidente passaram a atrair cada vez mais os peregrinos.

 

Depois que as Cruzadas terminaram as peregrinações continuaram sendo uma força viva da cristandade europeia e, para muitos, Roma acabou substituindo Jerusalém. Em 1300, o Papa Bonifácio VII proclamou o 1º Ano Jubilar, quando ofereceu indulgências especiais aos fiéis que visitassem Roma e atraiu assim mais de 20 mil peregrinos. No Islã, a peregrinação sempre foi um dever sagrado, pois todo muçulmano era obrigado a visitar Meca pelo menos uma vez.

 

Meca foi um centro de peregrinação de idólatras árabes bem antes de Maomé e, para lá, iam aqueles que queriam fazer seu festival anual, além de dar boas vindas ao ano que se renovava. Meca jamais deixou de ser a meta dos peregrinos muçulmanos e se transformou num sinônimo de qualquer meta de peregrinação.

 

Também na Ásia, multidões de fiéis descobriram o seu próprio mundo. Ninguém sabe exatamente como, por que ou quando a cidade de Benares – a mais antiga do Mundo, segundo alguns – se tornou sagrada, mas no século VII já possuía cerca de 100 templos.

 

Os budistas também ensinavam que o Parque dos Veados – em Sarnath, onde Buda pregara seu 1º sermão – era um degrau para o Céu. O imperador indiano Asoka conduziu peregrinações a todos os lugares sagrados budistas e, enquanto os visitava, reparava antigos santuários (as stupas) e construía novos. A Índia se tornou uma terra de lugares sagrados e, segundo Buda, “todas as montanhas, rios, lagos e templos dos deuses são lugares que destroem o pecado”. Dessa forma, multiplicaram-se os cultos de espíritos locais e incontáveis sacerdócios.

O malogro das Cruzadas foi uma bênção para a cristandade e um catalisador da descoberta europeia do mundo oriental. A grande instituição internacional organizadora do Islã continuava a ser a peregrinação, que continuou a reunir-se em Meca, familiar bastião árabe-muçulmano. Mas não havia nenhum lugar que correspondesse ao retorno dos peregrinos; ou seja, nenhum local acessível de regresso indispensável para todos os cristãos.

 

Daí, sem nenhuma perspectiva de reconquistarem Jerusalém e os caminhos que lá levavam, a cristandade ocidental voltou-se para as missões. A peregrinação reunia os fiéis, mas as missões estendiam os braços para o desconhecido, mesmo nas terras desconhecidas. Assim, a história da expansão do Cristianismo foi uma história de missões.

 

Claro que o Islã – começando pelo próprio Profeta – era uma religião com grande vigor proselitista e cada muçulmano era declarado um missionário. Mas, as missões nunca foram tão bem organizadas nem largamente difundidas como as do cristianismo. No Islã, o peregrino permaneceu um devoto da fé, cumprindo a viagem ritual prescrita a um destino sagrado conhecido. Na moderna linguagem da cristandade um peregrino ia a caminho de um estado misterioso de futura felicidade.

 

http://www.facebook.com/profigestao

http://www.profigestaoblog.blogspot.com