A CONTRIBUIÇÃO DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR INDIGENA

Por Ângela Conceição dos Anjos Pena | 22/08/2020 | Educação

A CONTRIBUIÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS PARA PRESERVAR A IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS INDÍGENAS

Ângela Conceição dos Anjos Pena[1]

Zani de Nazaré dos Santos Lameira[2]

RESUMO

Este trabalho faz uma análise da contribuição da formação de professores indígenas para a preservação da identidade cultural dos povos oriundos das aldeias indígenas. Tem como objetivos tornar conhecido o currículo da formação de professores; mostrar os desafios enfrentados pela educação escolar indígena para resgatar e preservar os seus valores, etnias, cultura, crença e, principalmente sua língua materna; analisar o confronto de informações e a articulação dos conhecimentos científicos com os conhecimentos culturais indígenas. A formação de professores indígenas é de fundamental importância na preservação e resgate dessa cultura que, num processo acelerado, vem ganhando insignificância em virtude da influência de outros povos. A formação de professores se defronta com muitos desafios e dificuldades para incluir o professor indígena em um universo cultural quase perdido em razão das ofertas da modernidade e de imposições que perduram desde a época da colonização.

Palavras-chave: Educação Indígena. Formação de Professores Indígenas

RESUME

This work analyzes the contribution of the training of indigenous teachers to the preservation of the cultural identity of people from indigenous villages. Its objectives are to make the curriculum of teacher education known; show the challenges faced by indigenous school education to rescue and preserve their values, ethnicities, culture, belief and, especially, their mother tongue; analyze the confrontation of information and the articulation of scientific knowledge with indigenous cultural knowledge. The formation of indigenous teachers is of fundamental importance in the preservation and rescue of this culture, which, in an accelerated process, has been gaining insignificance due to the influence of other peoples. Teacher training faces many challenges and difficulties in including the indigenous teacher in a cultural universe almost lost due to the offers of modernity and impositions that have persisted since the time of colonization.

Keywords: Indigenous Education. Training of Indigenous Teachers

  1. INTRODUÇÃO

                A diversidade cultural da população indígena brasileira vem, desde a colonização, procurando resistir a grandes pressões da sociedade e seu poder de persuasão. Muitos destes povos conseguem resistir a esta influência com o seu jeito de ser e de viver.

Esta é uma realidade preocupante, pelo fato de os jovens indígenas, em grande parte, não terem mais interesse em aprender com os mais velhos e, em contra partida, os mais velhos não tem mais interesse em ensinar, pois seus interesses estão em aprender as coisas que a sociedade envolvente oferece que é uma cultura completamente diferente da sua, com isso os povos indígenas vem perdendo seus traços culturais, suas manifestações culturais, como alguns rituais, suas crenças, sua música, pintura e, principalmente, sua língua e seus costumes.

Neste sentido, qual a contribuição que a formação de professores indígenas poderia dar para garantir a preservação do patrimônio cultural indígena? Qual a importância dessa formação para o fortalecimento do que ainda resta e a reconstrução daquilo que se perdeu? Como a formação de professores indígenas poderia ser uma parceira nesta valorização e preservação da cultura deste povo? Povo este que vem, ao longo dos anos, sofrendo a influência do homem branco que tenta transformar sua identidade cultural, ensinando uma nova língua, uma nova religião e, assim, os índios vivem sob a imposição das leis, costumes e tudo o mais que o homem “civilizado” achar que deve impor a eles.

A Formação de Professores Indígenas é de importância singular para a preservação da identidade destas comunidades, assim como de todas as outras suas características, no entanto, neste contexto, surge um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que o povo de origem indígena luta para preservar suas características e seus costumes e valores, se deparam com a complexidade e homogeneidade da educação e do desenvolvimento econômico. Essas são circunstâncias que vem, ao longo do período, modificando o modo de vida e comprometendo a dignidade destes que foram os primeiros habitantes de nosso País.

                Diante desta realidade vê-se a necessidade e a relevância de uma pesquisa com esta temática, com o objetivo de analisar de que maneira a formação de professores indígenas que atuarão nas escolas destas comunidades contribui para preservação da cultura e identidade deste povo; Saber como se dá a articulação dos conhecimentos científicos com os conhecimentos culturais das comunidades indígenas e como essa política educacional colabora para que seja cumprido o direito assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 1996), que garante uma educação específica e diferenciada aos povos indígenas. Esta pesquisa objetiva, ainda, identificar os desafios enfrentados pela educação escolar indígena para manter e preservar seus valores, etnia, cultura e crença.

O estudo almeja permitir discussões sobre mudanças nos Projetos Políticos Pedagógicos incluindo medidas que possam assegurar uma preservação e manutenção concretas para o acervo cultural indígena criando, se possível, meios normativos que aborde o assunto mais especificamente.

                 A preservação da língua materna é um dos maiores desafios que os indígenas precisam vencer, pois com a ausência de professores bilíngues não há como ensinar nem como aprender esta língua, além da questão da língua materna, a arte indígena também está desaparecendo através do tempo, seus costumes já são quase os mesmos dos brancos. Mesmo diante desta situação problemática, imagina-se que pode haver meios que ajudem na busca por soluções, já que uma universidade pública oferece o curso de formação de professores indígenas e é aí que surge a questão: Será que esta formação universitária não direciona nada em seu currículo para a preservação da identidade e cultura indígena?

                E a partir do questionamento em torno dessa problemática, decidi desenvolver uma pesquisa com esta temática, na qual se buscou respostas para questionamentos como: Quais os desafios e perspectivas da Educação Superior Indígena? Como conservar e manter a identidade e a cultura indígena? Como preservar e fortalecer os direitos dos indígenas que estão garantidos pela Constituição Brasileira? Afinal, a formação de professores indígenas preserva ou faz desaparecer a cultura indígena?

A inclusão do professor indígena neste universo cultural quase perdido, nesta época de tantas ofertas atrativas, pode ser de fundamental importância para o resgate, conservação e preservação da cultural e identidade desta etnia.

2. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENA

             Este capítulo contém informações relacionadas à Formação de Professores Indígenas, as quais tornam possível a compreensão dos padrões da educação escolar que eram destinados aos povos de aldeias indígenas no Brasil. Apresenta a trajetória deste tipo de educação, mostrando seu percurso histórico, identificando as bases legais que regem o processo de Formação de Professores Indígenas, as proposições que estão introduzidas nestas bases e que buscam atender as aspirações dos povos indígenas no que diz respeito a sua educação escolar. Faz, ainda, uma referência ao currículo do curso de Formação de Professores Indígenas para que se conheça como a escola foi imposta a estes nativos e como vem sendo adequada mediante a garantia deste curso.

2.1 O PERCURSO HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS.

A educação escolar indígena teve seu início nas aldeias indígenas em 1549, com a chegada da primeira missão jesuítica enviada por D. João III, a qual foi chefiada por Manoel da Nóbrega, padre da companhia de Jesus que tinha sob seu comando os formadores, que objetivavam transmitir a fé católica, ensinar o idioma e os costumes portugueses aos índios. (BRASIL, 2007, SECAD, p.10).

             Esses ensinamentos infligidos e que desacordava com a realidade dos indígenas, não alterava em nada a sua maneira de viver, e isso contrariava as expectativas dos portugueses que esperavam uma mudança rápida, direta e fácil. No momento em que retornavam a convivência, ao lado dos outros nativos, seus costumes e crenças retornavam junto.

             Entre as funções dos aldeamentos, uma era a negação à valorização das culturas indígenas e a imposição de uma nova ordem social. A prática de ensino era focada na catequese, e desconsiderava a educação tradicional indígena como também suas línguas e sua cultura.

[...] Quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a tradição oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e excluídos da sala de aula. A função da escola era fazer com que estudantes indígenas aprendessem suas culturas e deixassem de ser indivíduos indígenas. Historicamente, a escola pode ter sido o instrumento de execução de uma política que contribuiu para a extinção de mais de mil línguas.(FREIRE 2004, p.23).

             Os missionários criaram uma nova língua a qual resultou do ajustamento de uma variedade de línguas indígenas, e que foi, por eles, denominada de Língua Geral. Esta nova língua era ensinada aos índios que viviam nos aldeamentos e que tinham costumes e línguas diferentes pelo fato de pertencerem a comunidades distintas. Nesse cenário, para que pudessem ser entendidos pelos colonos e demais índios, os nativos que já eram cristãos, se achavam na obrigação de aprender a Língua Geral que serviu de base para a aprendizagem do novo idioma, que era o português.

             Percebe-se que nos primórdios da educação escolar indígena, no Brasil, a escola tinha como objetivo claro conduzir a integração dos povos indígenas à “Comunidade Nacional” e com isso fazer com que este povo se tornasse um povo extinto étnica e culturalmente diferenciado entre si e da sociedade. Este foi um período em que os índios sofreram ardorosa perseguição em razão da defesa de sua identidade que tinha como fator principal sua língua materna. De acordo com Mandulão (2006, p. 219), “[...] desde o início do processo de colonização do Brasil as populações indígenas foram alvo de imposição de formas de educação, visando o controle e a exploração de nossa gente [...]”.                    Ao longo do tempo, as lutas dos povos indígenas acontecem em toda a América Latina, especialmente, no Brasil e entre os direitos reivindicados, está a valorização do processo de aprendizagem que, pode ser adquirida com mais facilidade se for intercedida por professores indígenas.

                Ao encadear momentos e movimentos de batalhas e absorções indígenas, busca-se a compreensão dos subsídios processuais essenciais para garantir a Formação de Professores Indígenas que, ainda, em pleno século XXI, é um desafio que precisa ser derrotado. É necessário que seja feita uma abordagem, destas questões, por meio de apreciações ou análises das políticas públicas que foram criadas durante a década de 1980, especificando a trajetória histórica que diferencia a Formação de Professores Indígenas na sociedade brasileira.

                Para que se compreenda de que maneira os movimentos indígenas contribuíram para a garantia de uma formação de professores indígenas no nível superior, é indispensável que se realize uma investigação sobre as organizações que surgiram no período de 1970 e as orientações que foram feitas por elas.

                As conversações entre os governos e os que representavam os povos indígenas do Brasil, focaram, principalmente, na busca por soluções grupais, para problemas comuns como: o respeito pela diversidade linguística e cultural, processos educacionais específicos e diferenciados, inclusive a formação de professores indígenas.

                Para Tassinari e Gobbi (2009, p.96), as mudanças que ocorreram na Educação Escolar Indígena no Brasil, não resultaram da reformulação do ensino com a publicação da Constituição Federal 1988, mas sim foram resultados das reivindicações feitas através dos movimentos sociais ocorridos ao longo da década de 1980, que uniram lideranças do país inteiro.

                Esses movimentos que defendiam o direito escolar indígena encontraram amparo legal na Constituição Federal de 1988. A Constituição, com forte influencia das diversas esferas da sociedade civil, desfez os laços com uma tradição de, praticamente, cinco séculos de política integracionista e inovou, ao reconhecer o direito dos povos indígenas de continuarem para sempre a ser índios, o direito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.

             Os primeiros Programas de Formação de Professores Indígenas foram instalados no Brasil a partir da década de 70, quando se percebeu a importância de uma educação escolar indígena regida pelos próprios índios (MAHER, 2005). Esses pequenos programas foram implantados por organizações não governamentais. Apesar de poucos, esses precursores criaram escolas e, assim começa aparecer, em todas as regiões do país, mais programas de formação para o Magistério Indígena. No período entre as décadas de 80 e 90, medidas legais fizeram com que as questões envolvidas com a educação escolar indígena fizessem parte da lista de responsabilidades do Estado.

             A qualificação de professores indígenas ainda precisa vencer grandes desafios para que esses sujeitos possam ter a oportunidade de vivenciar a formação no magistério intercultural e, assim passem a serem os causadores de mudanças que são almejadas nas escolas indígenas do país.

                Sobre este assunto Grupione diz:

A formação de índios como professores e gestores das escolas     localizadas em terras indígenas é hoje um dos principais desafios e prioridades para a diferença, da especificidade, do bilinguismo e da interculturalidade. É um consenso estabelecido que a escola indígena de qualidade só será possível se a sua frente estiverem, como professores e como gestores, professores indígenas pertencentes às suas respectivas comunidades. (GRUPIONE, 2006, p.51).

 

Conhecer sua própria cultura é uma especificidade que está incluída na formação de professores indígenas. O professor índio presente nas escolas pode representar a valorização da língua materna e da cultura que muitos índios jovens ainda não conhecem. Esses professores têm a possibilidade de resgatar a identidade, a cultura e língua materna que vem se perdendo no tempo, em razão de uma época tão liberal e cheia atrações tão variadas.

Na esfera das políticas de formação divulgadas nos Cadernos Secad (2007, p.21), a participação dos professores indígenas nos cursos de formação continuada cria a possibilidade de ir além da construção de conhecimentos e reflexão da realidade da sua língua materna, é a oportunidade de criar estratégias no âmbito da escola que possam tornar fortes e, dessa forma, expandam o costume da própria língua. Ser professor indígena é viver permanentemente aprendendo para aprimorar sua prática docente. Porém há uma questão que torna, praticamente, impossível a conciliação desse modelo de professor com as outras questões do âmbito das políticas, que se referem às diretrizes estaduais e municipais para atuação do professor em escolas indígenas.

Nos campos políticos de formação de professor indígena divulgados nos Referenciais para a formação de professores indígenas (GRUPIONI; MONTE, 2002), os temas sobre formação focalizam os seguintes aspectos: 1) necessidade de uma formação permanente que possibilite ao profissional indígena completar sua escolaridade até o 3º grau; 2) a criação de instâncias administrativas que possibilite a execução dos programas de educação indígena; 3) a participação do professor indígena no processo educacional.

Há uma complexidade acentuada neste último aspecto, pois implica na duplicidade do olhar que o professor indígena precisará ter em relação ao mundo que está à sua volta. De acordo com os Referenciais para a formação (GRUPIONI; MONTE, p. 35), essas questões assinaladas neste referido documento são complicadas e sugerem ações que intervenham nos conhecimentos da formação do professor indígena, como: conhecer intimamente suas próprias procedências, e não ficar perdido em meio a elas.

Segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998, p.43), o professor indígena aparece como o novo ator nas suas comunidades, e se defronta com um amplo desafio perante um número variado de tensões que poderão surgir com a chegada do ensino escolar. Deste modo, a formação de professores indígenas deverá proporcionar aos docentes subsídios para que estes se tornem atuantes na transformação da escola em um legítimo espaço para o exercício da interculturalidade.

A presença do professor índio nas escolas indígenas pode significar um trabalho coletivo que muito contribuirá para a incorporação, pelos estudantes, de valores da cultura indígena e uma ponderação sobre sua identidade. Partindo do princípio que, é um dever da educação destacar a importância dos direitos de cada etnia ser reconhecidos, enquanto grupos diferenciados, segundo as pesquisas de Cavalcante (2003, p. 19), não se pode esquecer a complexidade da formação do professor indígena, que tem a necessidade de ter conhecimento da língua materna e da cultura da comunidade onde atua, precisando, também ter os conhecimentos específicos e pedagógicos.

Na opinião dos que atuam na educação escolar indígena, é fundamental que os profissionais para essa esfera educacional pertençam às comunidades, somente desta maneira as sociedades indígenas terão, realmente, uma educação específica, diferenciada, intercultural e bilíngue.

O Parecer CNE/CEB nº 14/99, faz o seguinte relato a esse respeito:

[...] necessário que os profissionais que atuam nas escolas pertençam às sociedades envolvidas no processo escolar. É consenso que a clientela educacional indígena é melhor atendida através de professores índios, que deverão ter o acesso à cursos de formação inicial e continuada, especialmente planejada para o trato com as pedagogias indígenas. (BRASIL, 1999).

 

Este parecer deixa bem evidente que a formação de professores indígenas deve acontecer em serviço e simultaneamente de acordo com a sua escolarização, pelo fato de uma minoria dos professores indígenas não ter completado o ensino fundamental.

O RCNEI mostra uma novidade no que se refere ao perfil do professor que agirá nas escolas indígenas, denominado de “professor pesquisador”. De acordo com o documento,

A escola indígena deve ser espaço de pesquisa e de produção de conhecimentos e de reflexão crítica por parte de todos que participam dela [...] Ele deve tornar-se um interlocutor entre as aspirações da comunidade, as demais sociedades e a escola, enquanto representante do apoio à transmissão e criação cultural: incorpora e socializa a escrita e outros instrumentos, recursos de expressão e comunicação cultural [...] Também é tarefa do professor ser capaz de, com seus alunos e parentes, identificar e propor algumas das respostas aos novos problemas gerados pelo contato mais amplo com o que se costuma chamar sociedade nacional em sua diversidade. (BRASIL, 1998, p.43).

 

Há um desvio de responsabilidades para o professor das escolas indígenas pelo poder público. Este documento admite que não há cursos específicos de formação para operar nas referidas escolas, que os pesquisadores em educação escolar indígena são em números restringidos e que a oferta de cursos para formação é pouca. De acordo com este documento, ao professor é atribuída a empreitada de pesquisar esta realidade e ser um instrumento para a solução dos problemas. Segundo D’Angelis (1997, p.34), é necessário que a formação de professores indígenas seja refletida como formação de professores, mesmo com a existência de especificidade relativa ao professor indígena, que precisará estar inserido, intensamente, nas raízes de sua cultura.

Atualmente, vários Programas de Formação de Professores Indígenas são dirigidos por Secretarias Estaduais de educação. A maioria desses programas é desenvolvida no âmbito de Ensino Médio, porém, já há uma formação específica para nível superior. Como exemplo, temos os cursos de licenciaturas para professores indígenas, oferecidos pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Universidade de São Paulo (USP).

2.2 AS BASES LEGAIS QUE REGEM O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS   PROFESSORES INDÍGENAS.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe grandes benefícios aos povos indígenas que começam a ter o reconhecimento de suas línguas, crenças, tradições, organizações sociais e o direito às terras ocupadas por eles, segundo o que consta no artigo 231. Dos componentes do grupo em favor dos índios, parte eram professores indígenas, pesquisadores, como antropólogos, historiadores, educadores que por meio de suas pesquisas muito contribuíram para a batalha pelos direitos indígenas que foram incluídos pelo Governo Federal e secretarias de educação nos estados que possuem comunidades indígenas.

Juntamente com a segurança desses direitos vem o direito a uma escola diferenciada, idealizada partindo das especificidades em que sua função social seria a referência, as relações entre cultura, currículo e identidade, estabelecendo a escola um ambiente de fronteiras sociais (NASCIMENTO, 2007).

Imaginar esta inovada escola sem o alicerce de uma legislação exclusiva para estes grupos indígenas, sustentada somente pela expectativa de uma pedagogia intercultural, provocou uma problemática que pode ser detectada nas escolas indígenas, atualmente e, segundo Nascimento (2007), é a prática pedagógica clássica, que não passou por um processo de desconstrução de práticas dogmática, ou seja, a escola indígena é o espelho da escola não indígena.

Como idealizar a escola diferenciada para indígenas sem o auxílio de um manual para orientação curricular? Para esta modalidade de escola não existiam políticas públicas. A partir da regulamentação do disposto na Constituição Federal e para dar início às ações eficazes do Governo Brasileiro, no ano de 1991, é publicado o Decreto Presidencial nº 26/91, o qual confere ao Ministério da Educação o encargo e competência para coordenar a educação escolar indígena, designando aos sistemas estaduais de ensino o cumprimento das referidas ações. Após a publicação deste decreto, começa a idealização de uma política nacional de educação escolar para os índios, focada, sobretudo, na formação de professores indígenas, novos responsáveis pela gestão e quadro de professores das escolas sitiadas em aldeias indígenas. Neste mesmo ano de 91, são definidas, por meio da portaria interministerial nº 559/91, as ações do Ministério da Educação e as maneiras pelas quais este Ministério assumiria estas funções. Presumiu, também, a idealização do Comitê de Educação Escolar Indígena, em caráter nacional (NASCIMENTO; VINHA, 2007).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), instituiu normas e orientações para a educação brasileira desde a educação infantil até o ensino superior e no art. 32,§ 3º garante os métodos próprios de aprendizagem da educação escolar indígena e concede o direito à língua materna além de modo de aprendizados diferenciados que estão previstos na Constituição Federal de 1988. O texto do parágrafo 3º diz: “§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.

O art. 78 enfatiza o desempenho em conjunto da União e as demais instituições que estão ligadas à questão indígena, o que garante o oferecimento da educação escolar diferenciada, de conformidade com as especificidades previstas.

Diz a Art. 78:

O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agencias federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não índias.

 

O direito aos saberes tradicionais das comunidades indígenas está assegurado pela lei, assim como o direito ao ensino bilíngue e ao acesso aos conhecimentos das sociedades não indígenas, baseado na hipótese de que a educação intercultural é o alicerce para a preservação da memória e do conhecimento tradicional destes povos.

A Resolução CEB nº 3, a qual estabelece as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas, em seu artigo 6º, enfatiza a mordomia para curso de formação de professores indígenas, o qual diz: “[...] que a formação dos professores das escolas indígenas será específica, orientar-se-á pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e será desenvolvida no âmbito das instituições formadoras de professores”.

Com baseamento no artigo 7º da Resolução mencionada anteriormente que diz:

Os cursos de formação de professores indígenas darão ênfase à composição de competências referenciadas em conhecimentos, valores, habilidades e atitudes, na elaboração, no desenvolvimento de currículos e programas próprios, na produção de material didático e na utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa.

 

Para que seja garantido o que rege este artigo, é preciso uma formação que induza este professor à reflexão e à pesquisa, garantindo-lhe, assim, uma formação acadêmica adequada e sólida lhe permitindo, como participante de sua própria cultura, cumprir esse papel.

Ao sintetizar os artigos, 6º e 8º da Resolução CEB nº3, os referenciais para a formação de professores indígenas dão ênfase à formação específica, ao desenvolvimento de competências profissionais entre os professores e também dão ênfase para a capacitação desses professores para a elaboração de currículos e programas para as escolas.

Diz o documento:

Reconhecendo que a escola indígena diferenciada não se realiza sem a efetiva participação da comunidade e sem que a sua frente, estejam professores indígenas preferencialmente falantes da língua materna dos alunos da escola e pertencentes á mesma etnia, a Resolução nº 3/99 determina que os professores tenham uma formação específica para a educação intercultural e bilíngue. Além disso, garante-se que essa formação seja realizada em “serviço” e, quando necessário, de forma concomitante à formação básica. A ênfase está no desenvolvimento de competências profissionais, entre os professores, que sejam referenciadas em conhecimentos, valores, atitudes, habilidades relevantes para as comunidades num determinado momento histórico. A ênfase está também na capacitação progressiva desses professores para a elaboração, para o desenvolvimento e para a avaliação de currículos e programas para as escolas, assim como para a produção de materiais didáticos em língua materna e com os conteúdos relevantes e a utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa (artigos 6º e 8º) (BRASIL, 2002, p.15).

 

Uma importante conquista dos povos indígenas foi o direito a formação de professores, pois são eles o selo de garantia para a preservação da cultura, dos conhecimentos, das tradições e das memórias dos povos indígenas pelo fato de fazerem parte como membros das comunidades onde foram implantadas escolas e onde eles, os professores índios são mediadores.

2.3 O CURRÍCULO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS

Em 1996, após a promulgação da LDB, a Câmara de Educação Básica – CEB do Ministério de Educação organizou diretrizes curriculares para os diversos níveis e modalidades de ensino, entre estas diretrizes, estão as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena que constituem os resultados dos debates que aconteceram na CEB e que foram aprovados em 14 de setembro de 1999, por meio do Parecer CNE/CEB nº 14/99. O Parecer traz em destaque a hipótese da modalidade “escola indígena”, a formação do professor indígena, o currículo e sua flexibilidade.

O Parecer diz:

A formação do professor-índio pressupõe a observância de um currículo diferenciado que lhe permita atender as novas diretrizes para a escola indígena devendo contemplar aspectos específicos tais como:

- capacitação para elaboração de currículos e programas de ensino específicos para as “escolas indígenas”;

- capacitação para produzir material didático-científico;

- capacitação para um ensino bilíngue, o que requer conhecimentos em relação aos princípios de metodologia de ensino de segundas línguas, seja a segunda língua em questão a língua portuguesa ou a língua indígena;

- capacitação sociolinguística para o entendimento dos processos históricos de perda linguística, quando pertinente;

- capacitação linguística específica já que, via de regra, cabe à este profissional a tarefa de liderar o processo de estabelecimento de um sistema ortográfico de língua tradicional de sua comunidade;

- capacitação para a condução de estudos de cunho linguísticos e antropológico, uma vez que este profissional, enquanto, necessariamente, autor e condutor dos processos de elaboração de materiais didáticos para as escolas indígenas, devem ser capaz de:

- realizar levantamentos da literatura indígena tradicional e atual;

- lidar com o acervo histórico do respectivo povo indígena;

- realizar levantamento sócio geográfico de sua comunidade.

(PARECER CNE/CEB Nº 14/99).

 

É fundamental este benefício e direito conquistado, pelos índios, que é a formação de professores indígenas, porém para que esta proposta seja realizada de maneira expressiva, se faz necessário à busca, pelos professores índios e de caminhos para uma educação de transformações.

O livro, Referenciais para a Formação de Professores Indígenas (BRASIL, 2002), expressa as características gerais do currículo de formação de professores indígenas, as quais estarão delineadas aqui com suas peculiaridades.

                De acordo com os Referenciais, a elaboração desses currículos são passos institucionais imprescindíveis para o planejamento, execução e avaliação de seus programas, como também a regulamentação das propostas de currículos nos Conselhos Estaduais de Educação. Com relação a essa regulamentação, alguns estados definem, gradativamente, as ideias principais das sugestões para a formação de professores. Para isso, são definidas as características da organização dos cursos em questão, como por exemplo: o calendário anual, o tempo ou carga horária prevista, as opções metodológicas para a organização do currículo, as abordagens transversais, os enfoques (por eixos temáticos, caso sejam disciplinares), os perfis dos professores etc. Alguns desses textos são provisórios, ao iniciar o programa e no decorrer das etapas da formação eles vão sendo lapidados enquanto são desenvolvidos.

As propostas curriculares são baseadas em circunstâncias profundamente interculturais. A flexibilidade e o dinamismo do currículo é um fator predominante para que a participação e a negociação com as comunidades indígenas e outras instituições e atores da educação sejam fortalecidas.

Os participantes da formulação do currículo do programa de formação, os professores indígenas que recebem o estímulo para que façam uma reflexão sobre sua formação.

De acordo com os Referenciais, a construção das propostas para formação de professores indígenas envolve a participação de índios e não índios na qualidade de coautores, no qual é formada uma equipe de profissionais conhecedores das políticas das comunidades e com experiência em ensino e formação de professores. Esses profissionais são selecionados minuciosamente, tanto no seu estado como, também em outros estados. Sobre isso, diz o documento:

Uma proposta para a formação de professores índios em contexto intercultural é construída com a coparticipação de índios e não índios, por meio de uma equipe de profissionais sensíveis às demandas políticas das comunidades e com experiência acumulada com o ensino e a formação de professores em situação de diversidade cultural. Tais profissionais, em razão da especificidade de sua formação, devem ser procurados e identificados com bastante cuidado não só no próprio estado, mas em outros, e integrados ao programa na qualidade de docentes dos cursos, participando na elaboração das propostas curriculares, na formação dos materiais didáticos nas línguas maternas e em português junto com os professores indígenas e os demais docentes. (BRASIL, 2002, p.33).

 

É notória a importância da participação dos professores índios na construção dos currículos para a formação de professores indígenas em razão da diversidade cultural, seus conhecimentos da língua materna e sua sensibilidade com as políticas das comunidades e pelo fato de terem uma formação específica que muito contribui para a construção desses currículos.

No que se refere ao perfil do currículo de formação de professores indígenas, é válido salientar que este se diferencia de uma “grade” estanque e imutável, na verdade, sua figura mostra um documento flexível que é resultado das relações e das conversações entre os professores indígenas, as diferentes questões que representam e as referências comunitárias que estão contidas neles.

Segundo os Referenciais para a formação de professores indígenas, o tema currículo tem sido considerado de grande relevância e está sendo inserido em diversas propostas curriculares em formações de professores que estão em curso no país e vem sendo elemento de pesquisa e reflexão entre os professores e entre as comunidades destes. Este é um tema gerador de áreas diversificadas de pesquisa para que os professores indígenas e não indígenas sejam levados a refletir, criticamente, as experiências de formação vividas nos cursos e as experiências em educação desenvolvidas junto aos discentes. (BRASIL, 2002).

Há um número considerável de orientações cabíveis na organização curricular dos cursos de formação, dentre eles, estão: as expectativas diversificadas em relação à escola; o lugar de onde vêm os professores; as comunidades indígenas que serão atendidas. Dessa forma, a organização curricular é resultado da convenção dessa variedade de orientações e peculiaridades.

Os Referenciais (BRASIL, 2002), citam elementos comuns que merecem ser reconhecidos como padrão pedagógico e curricular da educação escolar indígena, apesar de sua flexibilidade em um tratamento diversificado em diferentes casos. O documento destaca a necessidade de promover atuações na educação no período de duração do curso de formação que tenham objetivo de atender os diferentes campos de conhecimentos indispensáveis à prática profissional dos professores.

Segundo o documento, devem ser considerados os seguintes conhecimentos:

I – Conhecimentos psicossociais e culturais sobre os alunos sejam eles crianças, jovens ou adultos;

II – Conhecimentos sobre a dimensão cultural, social e política da educação escolar indígena e da educação em geral nas diversas sociedades humanas;

III – Conhecimentos culturais relativos aos saberes sobre a natureza e a sociedade;

IV – Conhecimentos pedagógicos sobre o processo de produção e socialização dos saberes e dos valores entre as gerações;

V – Algumas sugestões metodológicas.

 

As práticas desses conhecimentos poderão ser de grande importância quando utilizadas lado a lado com as práticas pedagógicas que há décadas vem sendo desenvolvidas pelos professores, nas escolas indígenas em que atuam.

Para uma adequação das características da organização curricular dos cursos de formação de professores indígenas são levados em consideração alguns aspectos de importância significativa, que são as condições dos professores como moradores de terras e aldeias indígenas, a distância entre suas aldeias e a sede do município ou da capital do estado, onde, geralmente, os cursos são realizados, além do local de sua socialização do dia a dia e de sua vida social.

No que se refere aos cursos de formação, há dois tipos: situações de formação presencial e cursos intensivos nas cidades e nas terras indígenas. Nos cursos de formação presenciais se faz presente a equipe de professores especialistas, os quais são responsáveis pela formação dos professores nas diferentes áreas em definição na proposta curricular. Os lugares para a realização dos cursos precisam ser espaços apropriados que permitam o acesso e a permanência de professores indígenas, que em sua maioria são oriundos de terras em vários municípios, como, também, os docentes não índios que são vindos de vários estados do país.

Os cursos intensivos acontecem a cada ano a cada dois anos, sendo a sua localização na capital do estado ou nas sedes de alguns dos municípios. Os professores indígenas também dispõem de acompanhamentos pedagógicos, assessorias e estágios supervisionados. Essas situações ocorrem, preferencialmente, nas terras indígenas, fora dos centros urbanos. O foco dessa situação formativa é a melhoria da atuação dos professores nas escolas das aldeias, e fazem parte da formação de professores.

Dessa forma, podemos afirmar que os protagonistas dos trabalhos na escola e na aldeia são professores indígenas juntamente com seus alunos, os formadores atuam apenas como observadores e podem dar auxilio as práticas educacionais dos professores em serviço. Dessa maneira, a equipe de formadores compreenderá melhor a habilidade individual dos professores.

Outro aspecto a ser destacado da formação dos professores são as visitas de intercâmbio entre professores indígenas. De acordo com os referenciais (BRASIL, 2002), nessas visitas são desenvolvidas atividades que envolvem os professores indígenas, os assessores da equipe e a comunidade. Os elementos que compõem essas atividades são:

- Discussões com os professores sobre dúvidas e impasses teóricos e práticos relacionados à sua formação básica e profissional.

- Reflexão sobre os diários de classe, memoriais, cadernos de campo, etc. e o planejamento do currículo escolar pelo professor ao longo do ano.

- Reflexão sobre as práticas pedagógicas e didáticas a partir da observação das aulas do professor.

- Reflexão e acompanhamento da proposta pedagógica daquela escola.

- Discussão/ avaliação com a comunidade indígena envolvida sobre a qualidade da escola e do professor a partir dos objetivos da referida proposta.

- Discussão e avaliação do rendimento escolar dos alunos nas áreas de estudo e no uso e domínio da(s) língua(s) de acordo com as competências gerais identificadas no projeto.

 

Essas atividades parecem funcionar, também, como uma troca de conhecimentos, uma vez que, professores mais experientes utilizam seus vários conhecimentos em diversas áreas no apoio à formação dos outros professores com menos experiência e, da mesma maneira, essa troca de conhecimento teórico e empírico permite uma melhor reflexão sobre o seu fazer pedagógico e seu pensar a educação.

Construir uma prática de reflexão é o objetivo desta etapa, desenvolvendo uma maior ação profissional, buscando melhorar sua atuação como docente, assim colaborar para a sua autonomia e de outros que pesquisam e estudam sua cultura.

As atividades que são realizadas como parte do trabalho do professor, no período escolar, fazem parte da formação não presencial. Após o encerramento dessas atividades é feita uma reflexão por parte dos professores e uma avaliação por escrito em documento pedagógico.

Para as atividades de estudos dirigidos, os formadores reúnem materiais, como apostilas, livros, revistas especializadas, enciclopédias, atlas e outros materiais que possam aprofundar os conteúdos do curso de formação. Fazem parte, também, dos estudos dirigidos leituras dos resultados de pesquisas, realizadas por historiadores, antropólogos e linguistas, que abordam os temas de sua tradição cultural, são materiais, geralmente, desconhecidos os quais, sempre sem acesso. São feitas, ainda, leitura de materiais didáticos em português, fornecidos pelo sistema de ensino ou por projetos. Também ocorre a revisão da programação curricular que são realizadas nas etapas presenciais.

Para as ações de pesquisas, os professores indígenas são incentivados a realizar pesquisas sobre aspectos, que são considerados por eles, como componentes de sua cultura, tendo em vista, também, a criação do currículo da formação de professores e dos alunos no que se refere a conhecimentos étnicos. O objetivo das pesquisas é de conhecer, difundir e valorizar os diferentes aspectos da cultura e língua, histórias e geografias, esse estudo é feito com a colaboração de homens e mulheres mais idosos. Essas pesquisas são relevantes para a decisão sobre o conteúdo que vai fazer parte do currículo escolar. Essas são atividades que tem um potencial didático e pedagógico com significado acentuado.

Nas circunstâncias de formação não presenciais, as práticas pedagógicas são discutidas e estudadas, após as avaliações são registradas em livros ou como desenho ou vídeo. Os professores indígenas, através desses registros, documentam tanto para eles como para outros o seu “saber fazer” pedagógico. Esses documentos recebem a denominação de diário de classe, memoriais, relatórios, por serem narrativas, variam de acordo com cada programa. A proposta pedagógica é o documento mais recente e relacionado à escola que tem sido produzido por professores e que possui uma grande importância político-institucional. Sua característica é de um texto flexível e sem tempo determinado para a sua conclusão. A proposta pedagógica define todas as ações educacionais e políticas que serão realizadas pela escola.

Os cursos de formação de professores indígenas possuem uma carga horária devidamente distribuída entre as etapas presenciais em períodos anuais ou bianuais definidos nas propostas curriculares, já as etapas não presenciais possuem um calendário flexível anual.

Esta formação entra em harmonia com a pedagogia indígena e a pesquisa, as quais têm maior relação com formação para o magistério indígena. Nesta dinâmica, o professor indígena em serviço, adquire simultaneamente, conhecimento sobre os conteúdos e suas metodologias sem precisar separar o conhecimento teórico e o prático ou a escola e a vida. Por meio de pesquisa, o professor pode fazer registros de pontos importantes da história e da geografia de seu povo, com informações adquiridas junto aos mais velhos da comunidade. Durante as dinâmicas, os professores indígenas podem, ainda, tomar decisões sobre qual tipo de dispositivos didáticos que os auxiliarão em seu trabalho na escola e que possa valorizar os saberes históricos e geográficos locais.

Segundo os Referenciais, (BRASIL, 2002), as inúmeras línguas usadas pelos povos indígenas, ocupam um lugar marginalizado no período do curso de formação e ocupam o lugar de igual importância no currículo, ou seja, nenhuma. Diz o documento: “[...] São pouco contempladas como objeto de estudo, e também pouco utilizadas como língua veicular nas situações de comunicação oral e escrita. Raramente são faladas na comunicação formal entre professores indígenas e seus formadores, estando muitas vezes restrita à comunicação formal entre professores indígenas quando falantes da mesma língua”.

Percebe-se que no momento em que a língua materna mereceria um lugar de destaque em um currículo de formação de professores indígenas, é onde ela tem a menor ou quase nenhuma importância, haja vista o uso frequente da língua portuguesa, onde esta funciona como a segunda língua dos alunos e a primeira de seu formador, já que todo conhecimento que faz parte do conteúdo curricular é transmitido em língua portuguesa. Sobre isso, diz os Referenciais:

 

Ao longo do desenvolvimento dos cursos e no cotidiano das relações sociais e comunicativas interétnicas, pode-se reforçar a tendência já conhecida de enfraquecimento das línguas indígenas e de concomitante fortalecimento da língua portuguesa, tendo como palco os processos escolares de formação. Ou seja, conceitualiza-se e objetiva-se a educação bilíngue ou multilíngue, mas no desenho curricular e na sua prática se obedece a uma proposta em que a língua indígena está restrita à estudos esporádicos em período condensado numa só disciplina, ocupando uma fração insuficiente da carga horária total, com pouca produção de conhecimentos nas demais áreas de estudo para suprir as necessidades da formação de professor e da escola. (BRASIL, 2002, p. 49).

 

Esse paradoxo parece ter uma solução simples com o incentivo aos professores para o uso intencional e contínuo e desenvolvimento das línguas indígenas nas atividades interativas de educação, enquanto se comunicam e interagem uns com os outros da mesma forma como fazem em língua portuguesa.

Os “diários de classe”, os “relatórios”, os “cadernos de campo” e os “memoriais” são alguns dos instrumentos que fazem parte das diversas formas de registro da prática profissional e que contribuem para a articulação teoria-prática. Ao fazer o registro do cotidiano, o docente amplia sua capacidade de registro e de planejamento, pode fazer uma maior reflexão do que foi feito naquele dia e como pode fazer para melhorar o aprendizado de seus alunos, ou seja, pode pensar na maneira de atingir o objetivo da escola indígena, que é oferecer aos seus alunos uma educação de boa qualidade.

3 OS ELEMENTOS CULTURAIS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES INDÍGENAS.

Este capítulo delineia um estudo sobre os elementos culturais e sua participação na formação de professores indígenas, mostrando a importância de cada elemento para conservação, construção e modificação desses elementos nas fronteiras da identificação social de um povo que mesmo sendo diferente na língua, no jeito e no costume, é semelhante no corpo, na inteligência e no respeito.

3.1. Línguas ou linguagens

                Segundo o Dicionário Aurélio, linguagem é a expressão do pensamento pela palavra, pela escrita ou por meio de sinais que permitem a comunicação e a interação entre pessoas. A língua é o elemento principal da identidade indígena, e este elemento é formado por um leque de diferentes línguas. Esses diferentes tipos de língua estão nos espaços escolares indígenas.

O RCNEI define linguagem assim:

A linguagem é, sempre, o meio mais importante através do qual os povos constroem, modificam e transmitem suas culturas. É por meio do uso da linguagem que a maneira de viver de uma sociedade é expressa e passa, constantemente, reavaliada, de uma geração para outra. Os modos específicos de usar a língua são, por isso, como documento de identidade de um povo num determinado momento de sua história. (BRASIL, 1998, p.113).

 

Os professores indígenas podem delinear e construir suas identificações sociais ao fazerem uso da linguagem e das línguas em circunstâncias didáticas promovidas pelo conhecimento curricular. Através de atividades de expressão e de transmissão na sua comunicação intercultural utilizam de maneira rotativa ou com exclusividade, uma ou diversas línguas, dependendo da identificação de momento com alguma comunidade falante. A identidade indígena tem sido especificada em língua portuguesa, contrastando com a potência opcional do uso da língua indígena para dar referência aos conhecimentos de cada etnia ou, particularmente, de cada comunidade indígena. (MONTE, 2000).

As expressões e recriações de uma identidade diferencial que expressam a vivência da interculturalidade e do multilinguismo estão contidas nos diversos materiais desenhados, narrados oralmente ou dramatizados ou escritos. Segundo Monte (2000, p. 27).

[...] Ao atuarem como aluno dos cursos e professores das escolas nas aldeias, os professores vem elaborando um conjunto de textos diversificados, configurando-se uma produção de sua “autoria” nas línguas indígenas e na língua portuguesa. [...] Essas obras passam a compor não só o material de apoio ao currículo das escolas ao longo do ano, como também são procedimentos importantes para formar professores do ponto de vista pedagógico e torná-los pesquisadores de novos conteúdos curriculares.

 

Ao elaborarem os referidos materiais didáticos em sua própria língua e na língua portuguesa, os professores indígenas contribuem para preservação de sua língua materna e constroem um legado para as gerações futuras que saberão onde encontrar os ensinamentos que os ajudarão a manter viva sua principal identidade.

Para Monte (2000), os professores indígenas vêm buscando uma reação contra as condições que foram determinadas pelas escolas onde desenvolvem atuação e tem contato, revigorando suas vozes, agora como autores. Para a autora, os professores indígenas:

[...] concebem a educação não como uma oportunidade para a dominação e a conquista, e sim para a transformação dos conquistados em conquistadores, sujeitos políticos, usuários ativos que buscam o controle do meio e da mensagem (MONTE, 2000, p. 18).

 

O resultado dessas ações é a renovação não somente dos conteúdos curriculares como também dos procedimentos orientadores no processo de ensino-aprendizagem e, após a escolha desses conteúdos, eles são transformados em conhecimento escolar. As linguagens visuais, as cênicas e a plástica são os novos meios de comunicação que são obtidos principalmente pelos cursos de formação de professores indígenas. Há, no entanto, uma linguagem que sempre ocupará um lugar de destaque nos textos curriculares, é a linguagem verbal, que é tida como o mais importante saber e meio de comunicação na escola em sua extensão bilíngue.

Segundo Grupioni (2006), nos últimos anos, o uso da língua indígena na escola teve um avanço significativo em termos de reflexão e práticas nas salas de aula. Não existe um único modelo que possa representar as variadas circunstâncias sociolinguísticas vividas pelos povos indígenas. Há os que, em sua língua de origem, são monolíngues, há os que falam mais de uma língua, e também existem aqueles povos, para os quais o português passou a ser a sua língua principal (BRASIL, 2006, p. 49).

A escola indígena pode ser um veículo de grande importância para a valorização e manutenção das línguas indígenas diante do fato de que, no Brasil, muitas línguas indígenas podem desaparecer, pois há casos em que os pais não usam mais sua língua materna para se comunicar com os filhos e essa prática vai tornando algumas línguas pouco faladas entre os índios. Para Grupione (2006), a escola indígena traz uma importante contribuição para esta manutenção e valorização ao tornar possível a escrita dessas línguas e instituir novos contextos para o uso das mesmas. De acordo com este autor, no Brasil de hoje, são faladas 180 línguas indígenas conhecidas, que estão distribuídas em 41 famílias dois troncos linguísticos e dez línguas isoladas (BRASIL, 2006, p. 49).

Segundo Maher (2006), os professores indígenas, em sua maioria, trabalham em comunidades indígenas bilíngues e por este motivos estão sempre envolvidos em atividades de tradução no seu dia a dia na escola, o que fortalece o domínio dessa habilidade característica. A autora cita outra competência para os professores indígenas. Diz ela:

Outra competência para esses docentes é a capacidade de tomar decisões informadas sobre o modo de grafar seu próprio idioma, já que os sistema de escrita de muitas línguas indígenas encontram-se em processo de definição. É por isso que muitos dos programas de formação para o Magistério indígena incluem em seus currículos, Curso de Introdução à Linguística. (BRASIL, 2006, p.26).

 

As responsabilidades dos professores indígenas não estão limitadas somente as atividades em sala de aula. A lista de suas designações é extensa, por conhecerem os sistemas da sociedade brasileira, os tornam perceptíveis como elementos decisivos na interlocução cultural e política do grupo étnico a que pertencem com a sociedade em que estão envolvidos.

A visão que cada ser humano ou cada grupo tem do mundo é diferente, pois ela é construída partindo de um olhar que se propaga na língua materna, sobre isso Funari e Piñon (2014) dizem:

O mundo não é igual para todos, e só o vemos a partir de uma ótica cultural particular, que se expressa no idioma, responsável por caracterizar o mundo a nossa maneira. As cores quantas são? Depende da língua, da cultura por trás de um idioma, que percebe as tonalidades de forma diferenciada. O idioma dos esquimós, grupo indígena que vive no gelo, reconhece a tonalidade da cor branca que não existe em português ou em tantas outras línguas. Ou seja, a percepção visual dos esquimós é diferente da nossa isso está expresso em seu vocabulário. As cores, portanto, variam de cultura a cultura, de língua a língua. (FUNARI e PIÑÓN, p. 30-32).

 

 

Para os professores indígenas esse patrimônio cultural é um fator relevante para a preservação e recuperação da memória histórica ao mesmo tempo em que contribui para a ampliação do conhecimento que será transmitido aos alunos que frequentam as escolas indígenas.

O multilinguismo está entre os povos e as escolas indígenas em situações bem diferentes, pois há municípios brasileiros como, por exemplo, Assis Brasil, no Acre em que numa mesma escola indígena convivem mais de uma língua que são as línguas Jaminawa, Manchineri e o Português. As diferenças linguísticas, no entanto, não representam um empecilho para os relacionamentos entre índios de diferentes etnias. A este respeito, o RCNEI diz:

Esses sistemas multilíngues são um exemplo de que as pessoas podem viver lado a lado, em paz, sem terem que falar, todas, a mesma língua. Às vezes, nesses contextos, uma das línguas se torna o meio de comunicação mais usado, torna-se a língua franca. Essa é utilizada por todos, quando estão juntos, para superar a barreira da compreensão. (BRASIL, 1998).

 

 

Esse bilinguismo variado anula a tendência que tem a grande maioria dos brasileiros, de pensar que o Brasil é um país monolíngue e que a única língua falada aqui é a língua portuguesa. Essa é uma ideia contrária a realidade, pois há no Brasil uma infinidade de povos e culturas diferentes, um exemplo são os imigrantes oriundos de tantos lugares diferentes e que trouxeram sua língua na bagagem e hoje elas são faladas por seus descendentes. A mesma tendência perdura em relação à língua indígena que devido a informações erradas encontradas, com frequência, nos livros didáticos e na imprensa que dão conta de que “os índios falam tupi ou tupi-guarani”. O RCNEI afirma: “[...] assim como não há um índio genérico, e sim, muitos povos ou etnias distintas, não há apenas uma língua indígena.” (BRASIL, 1998).

A escola atuou como principal contribuinte para a destruição cultural dos povos indígenas, no entanto, no Brasil contemporâneo ela pode ser a ferramenta principal para a reconstrução e afirmação de uma era de esperança de conquistas definitivas dos direitos dos indígenas.

3.2 CULTURA

De acordo com o dicionário Aurélio, cultura é o conjunto de manifestações artísticas, sociais, linguísticas e comportamentais de um povo ou civilização e as atividades e manifestações que fazem parte da cultura de um povo são: música, teatro, rituais religiosos, língua falada e escrita, mitos, hábitos alimentares, danças, arquitetura, invenções, pensamentos, formas de organização social, etc.

Segundo uma professora da tribo Tembé, que vivem aos arredores do rio Guamá no município de Santa. Luzia, no Pará, a formação de professores indígenas procura fortalecer a cultura indígena por meio do curso de Licenciatura em Linguagem de arte, neste curso a cultura indígena é, fortemente, trabalhada tanto na teoria quanto na prática, as atividades e trabalhos acadêmicos são realizados não somente na Instituição de graduação, mas também dentro das escolas das aldeias, preferencialmente. Há eventos culturais que já fazem parte do currículo escolar, como por exemplo, a festa da menina-moça, que uma festa para apresentar a moça para a sociedade indígena e a festa da moça que é onde moça é apresentada como mulher pronta para o casamento. E assim como esses rituais há outros também que fazem parte do currículo escolar.

3.3 ETNIAS

De acordo com os professores indígenas, o curso de formação de professores ainda é restrito à apenas algumas etnias, aqui no estado do Pará, algumas delas são: Tembé, Kaapó, Guajajara, Gaviões, Mundurucu, e outras. O curso é bem presente nessas etnias, porém, ainda segundo os professores da Aldeia Itaputyr e Frasqueira, há uma participação maior em outros estados como Mato Grosso, Amazonas, etc.

3.4. CRENÇAS

Com relação à crença, de acordo com os professores, ainda é bem presente nas aldeias Tembés, inclusive os professores se reúnem com os alunos para ensinar a religião do povo Tembé que é a Teneterrara, essa reunião acontece toda quinta e sexta-feira. Essa foi a maneira que o povo Tembé encontrou para preservar essa parte da sua identidade, que é tão importante quanto a língua, a cultura e a etnia.

PALAVRAS FINAIS

                O direito à educação diferenciada para as comunidades indígenas, garantido na Constituição Federal de 1988, precisou de vários atos normativos, editados pelo Ministério da Educação, para que, definitivamente fosse desenvolvido, como foi previsto em documentos fiscais.

                A formação dos professores indígenas está entre os direitos adquiridos pelos povos índios, pois esses figuram como o instrumento fundamental para a preservação do patrimônio cultural e do conhecimento dos povos indígenas, por fazerem parte das comunidades em que as escolas indígenas estão presentes.

                 A pesquisa apresentada teve como objetivo analisar a contribuição da formação de professores indígenas para a preservação da identidade cultural dos povos indígenas e identificar os desafios que a educação escolar indígena enfrenta para manter seus valores e seu patrimônio cultural, que ao longo dos anos vem perdendo sua originalidade em consequência da forte influencia que emana do povo não índio.

                O perfil do professor indígena sugerido nos documentos oficiais, para ser atendido necessita de um professor que possua uma formação pesquisadora, que seja apto a encontrar soluções para problemas que a sua comunidade enfrenta. O professor indígena pode avaliar suas próprias práticas pedagógicas com a finalidade de buscar melhoras para sua atuação em sala de aula.

                Durante a pesquisa em lócus tomou-se conhecimento da realidade das escolas indígenas e do povo Tembé, realidade essa que muito nos impressionou pelo modo característico como os indígenas enxergam sua realidade e como se comportam diante dela, no entanto isso não demonstra que eles sejam indiferentes à outras realidades ou tipos diferentes de culturas, eles buscam esses diferentes conhecimentos através das universidades, nos cursos de formação de professores e repassam em suas salas de aula.

                Ao nos defrontarmos com jeito único e característico de se defrontar e agir diante dos fatos, nossa receptividade foi total para seus ensinamentos que nos serão de grande valor e farão parte uma experiência que muito contribuirá para o futuro acadêmico e profissional, assim como poderá ser um passo inicial para mudanças significativas nos currículos e calendários escolares tanto das escolas indígenas como das escolas não indígenas.

                 Ao analisar as informações coletadas nas referencias, nos artigos percebe-se que muito ainda precisa ser feito em favor dos povos indígenas, com relação à preservação de seu patrimônio cultural, com destaque para o uso ou desuso da língua materna, que parece agonizar diante da forte influencia da língua portuguesa, que invadiu as comunidades indígenas sem a intenção de sair, mas de se enraizar em terras que não são sua.

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[1] Psicopedagoga e Professora da Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. Presidente do Colegiado do Curso de Pedagogia angelaanjospena@gmail.com

[2] Pedagoga formada pela Escola Superior Madre Celeste – ESMAC. zanisud@hotmail.com

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