A Construção Imagética da Identidade Nordestina
Por Luciano Agra | 31/12/2008 | HistóriaResumo: Como surge a noção de região Nordeste? Maura Penna é autora de “O que faz ser nordestino”. Podemos perceber que Rosa tem profundas raízes da “Cultura Popular e Práticas Simbólicas”. A região “Nordeste” e o “nordestino” são representados ou que analisem os processos de hibridização em produções contemporâneas. Tendo por base uma concepção ampla de literatura, assim como de popular, os projetos podem focalizar diversas manifestações artístico-culturais. Não podemos deixar de abordar a recepção dada aos nordestinos em São Paulo. Desde o início até os dias atuais, sempre foi carregada de muita discriminação e preconceito, estigmatizando-os como “baianos” ou “cabeça chata”. O estudo de Maura Penna trata da identidade do nordestino em São Paulo e aborda o preconceito que ele enfrenta. A autora faz um levantamento, na imprensa, de diversos artigos e situações, na época em que a paraibana Luísa Erundina venceu as eleições para a prefeitura, que mostram a xenofobia dos paulistanos. Os migrantes nordestinos aparecem no plano do visível e do invisível, que ocupam os poros da metrópole. Eles não estão somente nos espaços de aglutinação, concentração, mas aparecem na forma de trabalho e não trabalho no processo de formação da metrópole. As imagens e os discursos unificadores sobre o “Nordeste” como região do atraso têm impedido a investigação das injunções práticas tanto das disposições cognitivas quanto dos constrangimentos ambientais e sócio-econômicos na renovação das práticas produtivas em contextos locais nordestinos. Para entender como surge o estereótipo do nordestino como resistente à mudança será resgatada a origem de tais imagens e discursos, como lembra muito bem Durval Muniz. Rosa Maria Godoy Silveira, em seu trabalho “O regionalismo nordestino: existência e coexistência da desigualdade regional”. Fala da questão entre centro e periferia. Tratando da visão das classes dominantes em relação às províncias de Pernambuco e Paraíba na segunda metade do século XIX, Rosa Maria Godoy Silveira faz um incentivo aos estudos regionais além de uma crítica historiográfica e em conseqüência disto podemos citar ainda Pierre Bourdieu em “O pode simbólico” e Durval Muniz Albuquerque Júnior. “A invenção do Nordeste e outras artes”. Palavras-chave: Região Nordeste - Regionalismos - Abordagens historiográficas.
Este estudo procura discutir a relevância a partir do estabelecimento da discussão conceitual do termo "Região" e "Regionalismo" sob diferentes enfoques teóricos e sobre a utilização do espaço regional como exercício de poder infere-se que a materialidade da regionalização é obtida a partir de critérios que destacam a possibilidade de operacionalização de políticas específicas e intervenções planejadas na relação do Estado com a Sociedade, para reprodução e preservação da ideologia dominante. Podemos perceber que essa idéia de região, sob qualquer conteúdo que lhe seja conferido, relaciona-se com a noção de espaço geográfico. É importante chamar a atenção para o fato de que a polissemia da palavra permite uma intricada rede de sentidos apropriados em diferentes acepções, em diversas áreas do conhecimento ou em diversas situações da existência.Entretanto, para compreensão das análises aqui desenvolvidas, o "espaço geográfico", mais antigo do país em termos de ocupação demográfica e econômica, disso resultando uma identidade objetiva, geográfica e cultural, que é diferenciada dos outros espaços ocupados.
Tal meta-discurso da história regional seria aquela que aconteceria no interior das fronteiras regionais, não a história dos acontecimentos que produziram essas dadas fronteiras regionais. A região é tomada nestes discursos historiográficos como um apriori a partir do qual se reivindica um lugar acadêmico, um lugar político e um lugar epistemológico para o saber que eles produzem. A região serve de argumento de legitimação para o saber que é produzido em seu nome, numa operação circular de reconhecimento, já que este saber historiográfico repõe permanentemente a própria identidade regional, dando a ela um passado, uma memória, projetando-a para trás no tempo, dando a ela uma origem. De forma geral podemos afirmar que a historiografia regional já nasce legitimada por brandir a região como seu objeto de conhecimento, como seu objetivo político e como aquilo que lhe dá um lugar no campo historiográfico. Diante disto, podemos perceber então, dois objetivos propostos, o primeiro define a sua singularidade e sua especificidade epistêmica, enquanto o segundo lhe confere especificidade no tocante às regras de produção do saber no campo historiográfico. Literalmente, a região dá um lugar político e epistêmico à historiografia regional e esta dá um lugar a esta região no campo do saber e do poder, isto me lembra muito bem Michel Foucault.
Além disto, a região se constitui, assim, num objeto fixo, já dado, um objeto evidente, não-problemático, ou seja, é um objeto constituído por uma realidade inquestionável, um referente de uma materialidade positiva e auto-expressiva. Na região existiriam problemas dignos de se tornarem preocupações de trabalhos de historiadores, mas ela mesma não seria um problema. Em seguida a região seria um dado facilitador para as necessárias demarcações e balizamentos espaciais requeridos pela pesquisa historiográfica. Acostumados a pensarem o tempo em seu movimento e em suas transformações, treinados em estabelecer e construir marcos temporais, os historiadores, quase sempre, têm negligenciado o espaço como dimensão constituinte dos próprios eventos históricos.
Cabe aqui formular que o historiador do regional deve, acima de tudo, evitar aderir a qualquer discurso regionalista. Não porque esse seja uma mera ideologia, um discurso das classes dominantes a encobrir a verdade do regional, a evitar o desmascaramento das contradições de classe e do modo de produção como determinantes últimos ou verdades medulares de qualquer configuração regional. Pensar assim é achar que para além ou aquém da versão ideológica do regional existe uma região de verdade, uma região como realidade palpável, fora da linguagem e da ideologia, uma região definida por um único aspecto de sua elaboração, aspecto considerado motriz da sua historicidade como o fator econômico ou a luta de classes, quando estes são apenas alguns dos vários elementos que entram na invenção de uma dada região.
Com esta perspectiva quer-se afirmar que o regionalismo não é negativo, e sim produtivo. Este discurso regionalista não impede que se veja a região, que ele faz ver o regional, e sim ele fabrica a região, não a esconde, encobre ou disfarça. Pois a verdade da região não se encontra num mergulho vertical em sua interioridade. A verdade da região é efeito de superfície, mas não é essência. É aparecimento, é emergência, é invenção epidérmica. Se o regionalismo é o conjunto das práticas discursivas e não discursivas que funda uma região, o historiador do regional deve engajar suas práticas de escritura, de ensino, de militância política em torno do afundamento da região, de seu questionamento enquanto identidade cristalizada, fazendo-a habitar o tempo, fazendo-a aparecer em seu caráter contingente, acontecimental, eventual, causal. Ele deve tomar a região como elaboração material e lingüística, como construção imagético-discursiva, como resultado de práticas múltiplas. Tomar a região como uma elaboração fruto de uma pragmática e de uma semiótica.
Em contrapartida, a discussão sobre os regionalismos fazem parte dos inúmeros dispositivos inventados pelo mundo moderno para dividir, classificar e hierarquizar os homens, para melhor governá-los, explorá-los e dominá-los. A região é uma das inúmeras formas de aprisionamento às quais a sociedade burguesa deu origem. A história pode ser o discurso que fabrica e repõe as grades desta jaula, mesmo flexível, mas pode ser o discurso que nos ajuda a simular e experimentar a possibilidade de vê-la de fora, de seu exterior: um discurso que nos permita dela duvidar e dela se afastar, fazendo desta prisão casebres em ruínas, muros escalavrados e nós, como a lesma, recuperarmos a liberdade de irmos nus e úmidos, prenhes de novas trilhas, permitindo traçarmos novos caminhos brilhantes. Rosa Maria Godoy Silveira, em seu trabalho "O regionalismo nordestino: existência e coexistência da desigualdade regional", fala da questão entre centro e periferia. Tratando da visão das classes dominantes em relação às províncias de Pernambuco e Paraíba na segunda metade do século XIX, diante do impacto do processo modernizador Rosa Maria Godoy Silveira faz um incentivo aos estudos regionais além de uma crítica historiográfica.
"As análises são unânimes na caracterização "dois Brasis": um arcaico, subdesenvolvido, localizado sobretudo no Nordeste agrário; outro moderno, identificado com o progresso e desenvolvimento, localizado no Centro-Sul industrial. A noção de centro-periferia, aplicada á interpretação das disparidades entre as nações, era transposta para as interpretações das desigualdades regionais internas ao país, sob uma perspectiva de interesses urbano-industriais, que consubstancia, destarte, uma segunda vertente historiográfica sobre o Nordeste, de feição liberal neoclássica."( SILVEIRA, 1984, p. 29)
É nesse ponto que este debate ocorreu durante as décadas de 70 e 80, período em que o movimento feminista ressurge com maior força em todo o país, percebemos que os grupos de mulheres e grupos feministas em Florianópolis não incorporaram esse debate. Rio de Janeiro e São Paulo são apresentados como locais de orientação dessas mobilizações, e de certa forma, locais que detêm o conhecimento. Segundo a historiadora Rosa Maria Godoy Silveira, o Nordeste brasileiro é fruto da forma como a atividade política e econômica regional se desenvolveu após a "grande seca", realizada frente à regionalização desencadeada pelo Estado Nacional. O Nordeste, como elo mais fraco do processo produtivo sob o capitalismo tardio da nação, foi engendrado pela necessidade desse modo de produção de gerar a desigualdade, numa combinação perversa de desenvolvimento e escassez, riqueza e pobreza sob mesma teia capitalista. A ela interessou analisar esse processo a partir do discurso dos representantes políticos e dos proprietários de terra ante o período de crise, verificando, também, a documentação produzida na Paraíba e em Pernambuco, estados emblemáticos da representação do espaço regional na época. Para ela, o desequilíbrio regional vivido após a desvalorização geográfica e social dos estados do Norte vincula o Nordeste, diretamente, à "caracterização da identidade regional em estado de crise e sua oposição a uma outra identidade espacial, o Sul do país" (SILVEIRA, 1984, p.16).
Ainda segundo Silveira, devido à conjuntura econômica no Brasil, a região Nordeste ficou marcada como espaço geográfico em estado de crise e subdesenvolvimento. O investimento e a entrada do capital europeu no Brasil causou mudanças na área de comércio. Com isso, enquanto a região Sul estabelece uma alta circulação monetária e um grande desenvolvimento comercial, o Nordeste perde movimento de capital sofre uma desvalorização de seus produtos no mercado, especialmente, no caso da economia nordestina, do açúcar. Sendo assim, no final do século XIX o discurso regionalista começa a ficar cristalizado, estabelecendo, do ponto de vista ideológico, o discurso das elites dirigentes, que, na impossibilidade de outra inserção, buscam, na representação da crise, na presença constante da escassez, na imagem tórrida da terra, manter meios de recursos públicos que, em última instância, são por elas apropriados. Para ela, "a ideologia regionalista, tal como surge é, portanto, a representação da crise na organização do espaço do grupo que a elabora" (SILVEIRA, 1984, p.17). Não há nenhuma outra região brasileira sobre a qual se tenha escrito mais do que o Nordeste. Diante da grande produção acadêmica, Silveira observa essa historiografia do espaço nordestino da seguinte forma:
"A ideologia regionalista ainda não passou pelo crivo de análises sistemáticas, à semelhança, alías, de muitos outros temas da história nordestina, a despeito de o Nordeste ser a "região brasileira sobre a qual mais amplamente se escreveu". Trata-se contudo, de uma produção bastante lacunar, mormente no que tange aos dois últimos séculos. O século XIX, que nos interessa em particular pela conjuntura delimitada para o objeto do presente estudo, permanece largamente indesvendado, não porque mingúem as fontes sobre o período, mas em razão do diminuído volume de obras analíticas, do privilegiado a um determinado segmento do atual espaço regional – a área açucareira – e das abordagens assumidas pelas obras disponíveis na interpretação da realidade regional."(SILVEIRA, 1984, p. 20)
O regionalismo é um problema político, não por ameaçar, no extremo, a unidade nacional, mas por ser um elemento que, além de propiciar o desenvolvimento de preconceitos regionais, baseia sua análise da realidade a partir do fator geográfico, ou seja, ideologiza a discussão dos problemas sociais contribuindo para elidir a compreensão das questões de classe e de gênero, desviando a atenção dos verdadeiros focos dos problemas.A plurimensionalidade da exibição da ideologia do regionalismo nordestino é identificada por exemplo, na produção cultural, tanto erudita como folclórica, sendo esta última intensamente apropriada no seu sentido por várias modalidades de leitura por parte das elites, que a reelaboram e cometem traduções para um código que passa a trabalhar, a operar dentro e para aquela função ideológica apontada acima. Identificada também no discurso e no comportamento político em "latu sensu" enquanto manifestações de interesses de classes, na criação e no desempenho das instituições 'organicamente nordestinas' tais como DNOCS, Banco do Nordeste do Brasil, IAA, Sudene, etc., quando deverá ser buscada a identificação dos interesses "estaduais" e suas transformações em interesses "regionais", sendo feita a análise da maneira como se articulam os primeiros e como se conflituam e/ou se harmonizam em interesses "regionais".
De acordo com as colocações da autora, pode-se afirmar que há uma certa necessidade de ir ao conceito de "Região" para chegar a uma conceituação de "regionalismo". Analisar a vertente conceitualista da Geografia, e suas autocríticas e críticas mais atuais. Neste esforço de calibrar melhor o conceito de "região" e de "região nordestina", incorporar o critério argumentado por Rosa Maria Godoy Silveira em seu texto aqui citado indagando criticamente aquele seu critério não estaria tomando excessivamente por base uma situação contemporânea do Nordeste e do Brasil. É neste contexto que Silveira afirma o seguinte:
"A crítica historiográfica recai, pois, não no quantum se produziu sobre o Nordeste, mas na perspectiva do que se produziu. Advertidos disso, antes do que proceder a uma exaustiva avaliação da produção, nosso intuito foi o de avaliar as principais vertentes de análise da realidade regional, enfatizando as principais conotações dadas ao conceito de espaço, que acabaram por se constituir nas matrizes de linhas de interpretação do que se denomina atualmente Nordeste. Coerentes com uma concepção de que a ideologia regionalista foi produzida como resposta ao processo de intervenção do Estado no espaço regional, procuramos pensar na produção historiográfica(da e sobre a região) da mesma maneira, isto é, na sua relação com o processo histórico dos momentos em que surgiram as obras."(SILVEIRA, 1984, p. 21)
Neste fragmento acima, podemos perceber que a ideologia da cultura nordestina tem assim o seu lugar proeminente na construção legitimadora para o estabelecimento e trânsito da categoria de Região, e transfigura-se até no próprio Regionalismo. Pode se argumentar que o chamado "Regionalismo Nordestino" na verdade, estaria encobrindo mais uma manifestação de "estadualismo" como no caso, o pernambucano. Pode também parecer que não seja tão simples se destacar deste argumento, o que não quer dizer que seja ele verdadeiro. O que não o é, na realidade. O fato de Pernambuco estar quase sempre aparecendo historicamente na liderança das articulações inter-estaduais da "região", indica muito mais uma situação de sua relativa importância entre os demais estados nordestinos, em termos econômicos, políticos e culturais. Inclusive a hegemonia do Estado de Pernambuco com relação à área já foi fato incontestável.
A autora procurou interpretar, no entanto, mesmo com a possível hegemonia de qualquer um estado, o projeto ideológico da "nordestinidade" apresenta-se no seu discurso "superando" os Estados individualmente, como também aparece "camuflando" e "amaciando" prováveis hegemonias. O fato de um estado exercer uma predominância pode diminuir a possível validade da existência de um "bloco regional", mas isto não vem interferir na construção ideológica do Regionalismo, e nem mesmo na presença de alianças estaduais, quer dizer, de alianças de classes e/ou de facções de classe eventuais. Silveira enfoca que ainda que a "região" Nordeste tem tramitado em determinado nível como significante de um referente que tem sido um conjunto de Estados. A complexidade se acentua ainda mais quando constatamos que o Nordeste como significante tem sua própria história, não existindo até princípio de meados do século XIX, e se reconhecendo e sendo reconhecido, sobretudo neste século. Como referente Nordeste tem sido várias "realidades". Como significado, a categoria Nordeste além de complicar substancialmente a discussão, vem a ser dentro desta cadeia de significação, o elemento mais importante para a análise do discurso ideológico aqui proposto.
É certo que, a partir de um esquema rígido de análise semiológica, poderíamos desprezar o referente, admitindo que sua presença ou ausência não incidiram no estudo de um significante enquanto utilizado numa certa sociedade em relação a determinados códigos. O importante seria saber como, num determinado contexto, a forma significante recebe um determinado significado. E mais principalmente quais as conotações deste significado. A discussão sobre o referente vem inclusive subsidiar enormemente o esclarecimento da significação do significante "Nordeste". Por outro lado, por falta e/ou inadequação de uma metodologia de análise, e também por razões de ordem ideológica, a investigação sobre o significado da categoria significante, "Nordeste", que tem sido barrada, implicando de certa forma numa interdição do sentido desta categoria. Faz-se necessário afirmar, que o discurso, acadêmico ou não, tem feito crer, ou se satisfeito em considerar, que o sentido se esgota no referente ou no máximo no significado denotado. Considerando, então, estas aceitações tão simplificadas têm escapado até a constatação de que o significado denotado do símbolo Nordeste possui uma "elasticidade ontológica" bastante acentuada. Em clave epistemológica pode-se perfeitamente afirmar que existe um deslocamento conceitual da noção de região, da noção de Nordeste.
Além da primeira vantagem discutida acima quanto ao estudo da "região" Nordeste com o propósito de se analisar a expressão "ideológica do regionalismo", temos a considerar que é o "Regionalismo Nordestino" um fenômeno que tem recebido uma preocupação mais intensa e extensa em se justificar do ponto de vista teórico, e de maneira mais sistemática por seus ideólogos. Pode-se, vislumbrar, portanto, que a manifestação do "Regionalismo Nordestino" existe uma espécie de escritura mais construída, o que implica no reconhecimento da necessidade da elaboração, e consolidou a existência e as aparições desta "região" e de seus atributos. "Região" e atributos pertinentes que têm tido o efeito de diluir contradições econômicas, políticas e sociais, e de impedir o aprofundamento teórico da compreensão do Regionalismo Nordestino enquanto categoria ideológica.
De acordo com Maura Penna, "a identidade ideológica – cultural e a representatividade política que especificam o espaço como regional são "construídas" pelo regionalismo..."(PENNA, 1992, p. 20). Em conseqüência disto, a identidade não está na condição de nordestino, mas sim no modo como esta condição é apreendida e organizada simbolicamente. Percebe-se assim, que determinados enunciados audiovisuais se produziram e permaneceram como representações do Nordeste, como sua essência. É preciso questionar a própria idéia de identidade, que é concebida como uma repetição, uma semelhança de superfície. Porém, apesar desses clichês e estereótipos do Nordeste a ser propagados no contexto geral da indústria cultural. A onda midiática pode ser avassaladora, se considerarmos apenas o seu aspecto comercial, fabricado para fácil assimilação e rapidamente consumido. A expressão "Região Nordeste", ou, simplesmente Nordeste, possui, atualmente, significados já muito cristalizados que evocam uma série de imagens, tanto das suas características geográficas, quanto culturais, sociais e econômicas. Entre as primeiras, podemos citar elementos da paisagem que incluem desde o recorte litorâneo com suas praias e seus remanescentes coqueirais, até a paisagem mais seca do agreste e, sobretudo, a do sertão, com sua vegetação símbolo, formada pelas cactáceas e seus tipos humanos, entre o quais sobressai o vaqueiro com sua vestimenta de couro e sua pele curtida pelo sol.
A segunda diz respeito ao processo histórico da formação da Região Nordeste e que constitui, justamente, o objeto dessas notas. Falar em processo histórico da formação do Nordeste significa ter presente que a região não existiu desde sempre e as concepções sobre suas características, ou mesmo, sua delimitação geográfica sofreram mudanças ao longo do tempo. Isso significa, ainda, que a região não é a expressão direta de uma realidade geográfica, embora esta seja um importante determinante de sua existência. Em outras palavras, apesar de uma base geográfica relativamente imutável, durante um tempo bastante longo, não houve nenhuma percepção da existência de uma territorialidade denominada Região Nordeste. Isso não quer dizer que elementos de sua formação não tivessem já uma existência espacial, mas significa que não eram percebidos como parte de uma divisão institucional e geográfica denominada Nordeste. É nesse sentido que Maura Penna coloca:
"Ao colocar a questão básica "o que faz ser nordestino", partimos da premissa de que o Nordeste, hoje, "existe". Existe enquanto referencial disponível que auxilia a dar sentido ao mundo e às experiências de vida, no âmbito da sociedade brasileira. Este pressuposto é em si problemático, pois se tomarmos o Nordeste(ou qualquer outra região) como se configura no momento atual, juridicamente instituído, estarão sendo relegados todos os processos histórico-sociais que o tornaram "natural" e "real" para nós.
Faz-se necessário, portanto, resgatar em sua complexidade a "existência" do Nordeste, desvendando os processos de constituição da região, o que passa necessariamente pelos efeitos da ação do Estado, dos processos econômicos e do regionalismo nordestino."(PENNA, 1992, p. 18)
A autora nos mostra que o "Regionalismo nordestino" nasceu e evoluiu como reação á decadência do Nordeste. Do ponto de vista histórico, surgiu no início do século XX, junto com o deslanche da industrialização no sudeste. Do ponto de vista social, configurou-se como atitude política das elites regionais, jamais se difundiu profundamente entre a população. Do ponto de visa estratégico, caracterizou-se por reivindicar ajuda federal á região, sob a forma de obras públicas ou proteção para empresas e produtos. O argumento central sempre foi à pobreza regional, geralmente associada ao fenômeno climático das secas. Vale ressaltar que o discurso regionalista e as respostas federais pariram o principal mito sobre a pobreza do Nordeste, como é caso "o mito das secas".
É importante considerar que busca demarcar referenciais teóricos e propor uma conceituação de identidade social, tomando como tema uma identidade regional - a nordestina. Aponta-se, ao final, que o que faz ser nordestino é a conjunção da disponibilidade de um referencial culturalmente construído do Nordeste como região, o interesse em perceber certos elementos como capazes de fundamentar a atribuição de identidade e a dinâmica do jogo de reconhecimento. Percebe-se, conforme Penna, a existência de um jogo de reconhecimento, que serve, portanto, como referência para situá-los socialmente, para designar certa classe, enfim, identificar-se como cidadão. Identificação, na qual os homens estabelecem suas relações, capazes de forjar também uma identidade territorial. Neste contexto nota-se que além da identificação social, cultural e espacial do grupo, há a auto-atribuição do indivíduo. Sobre identidade territorial, Penna considera a existência de duas direções que configuram situações diferenciadas, tanto em termos de classificação como em termos de identidade. A primeira seria o autoreconhecimento ou reconhecimento pretendido e a segunda seria as classificações originadas na exterioridade do grupo, ou seja, o modo como são reconhecidos pelos outros, que a autora denomina de alter-atribuição. Assim, para a autora, a identidade é resultado de duas definições: a externa e a interna. Ainda discorrendo sobre isto, Maura Penna coloca que:
"A nosso ver, ao pretender estudar o regionalismo como um dado, um fato social(de cultura), o autor está de certa forma contribuindo para reativá-lo, reelaborando-o dentro da perspectiva de toda uma vertente da cultura nordestina – mais especificamente de toda uma produção formal regionalista que reforça a percepção da região como um conjunto "com perfil próprio". E esta produção, pelo lugar e papel dos intelectuais em nossa sociedade, contribui para a difusão desse "sentimento". (PENNA, 1992, p. 36)
Na minha leitura, a "nordestinidade" ou o "nordestino" fica centrado em dois pontos, a geografia (essencialmente) e a diversidade que negaria a própria idéia de "Nordeste". Aqui a coisa complica. Reconheço que realmente existem na região cidades bastante diferentes, culinárias diferentes, sotaques diferentes etc, mas o mais importante não é discutir como se constrói essa "identidade" percebida como comum. Em que canais, em quais locais, mediante quais discursos, referenciais e, em alguns casos, estereótipos? Entender isso é mais importante, pelo menos pra mim como nordestino, do que a reafirmação das tais diversidades. Não acho que seja só uma questão de desconhecimento geográfico dos "sudestinos". E arrisco a dizer que, mesmo tendo dificuldade de ver daqui essa "identidade" no cotidiano, como cearense, ver os baianos ou pernambucanos como nordestinos e assim sucessivamente, tenho a impressão de que aqui na região também se usa de modo estratégico uma idéia de "Nordeste".
Isto significa dizer que o regionalismo parte da mesma necessidade de fortalecimento mútuo de "iguais". Tal movimento será sempre político-econômico, mascarado de cultural. Ignoram-se as inúmeras nuances que podem existir numa determinada região para garantir uma coalisão plena entre os indivíduos que a compõe. Isso é força, isso é poder, e isso não acontece por acaso, mas é necessário projetos de larga escala, e estes realmente ocorreram em todo o país. Resta saber se do ponto de vista do pensamento é conveniente continuar fingindo um regionalismo em detrimento da possibilidade de enxergar em perspectiva tal problemática e perceber que a complexidade do "ser-paraense" no fim das contas acaba impedindo que consigamos apreendê-lo tal como sempre o pretendemos.
Bem, não vejo qualquer problema em se existir uma "identidade do Nordestino", do "Sulista", etc. O ruim é as pessoas levarem os estereótipos aos extremos - como os exemplos do artigo de "Penna" como bem colocam, e assumir que "é tudo igual". Esse rolo compressor homogeneizador é que uma mazela, que perpetua a idéia de que o Nordeste é composto de miséria e ignorância, algo que integra grande parte do senso comum do Sul e Sudeste. Existem referências culturais que partes do Nordeste possuem em comum e isso é decisivo na construção dessa identidade cultural. Mas, nem sempre seu simbólico é o que os "nordestinos" desejam, ou enxergam em si mesmos, e muitas vezes está carregado de preconceito sim. Chamar um pernambucano de "Paraíba" é mais do que desconhecer ou compreender sua origem, é associar a ele uma palavra que muitas vezes foi reservada àqueles retirantes que vinham tentar a sorte mais ao Sul. Uma maneira de demarcar um limite, uma fronteira entre quem é nativo e quem é "outsider". Já escutei essa palavra sendo usada de maneira pejorativa várias vezes, bem como outras formas menos educadas de referir a quem é do Nordeste. De qualquer maneira o problema maior é a imagem que o senso comum faz do Nordeste, não o fato de seus habitantes possuírem (ou não) uma identidade compartilhada.
Para Bourdieu é insustentável o discurso de que poderiam existir "critérios capazes de fundamentar classificações 'naturais' em regiões 'naturais', separadas por fronteiras 'naturais'"(BOURDIEU, 2004, p.114)
"As lutas a respeito da identidade regional [...] são um caso particular das lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer os grupos. Com efeito, o que nelas está em jogo é o poder de impor uma visão do mundo social através dos princípios de divisão que, quando se impõem ao conjunto do grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular, sobre a identidade e a unidade do grupo, que fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo." (BOURDIEU, 2004, p. 113).
Neste fragmento acima, portanto, há uma lógica simbólica na distinção de um grupo, já que para que o grupo passe a existir não basta que seja proclamado ou que se auto-proclame diferente, mas também que seja reconhecido legitimamente como diferente, já que "a existência real da identidade supõe a possibilidade real, juridicamente e politicamente garantida, de afirmar oficialmente a diferença". (BOURDIEU, 2004, p. 129). Para Bourdieu, as ciências, ao construírem um discurso legitimador nas lutas políticas pelo poder de divisão do espaço físico, que se manifesta nas políticas de "regionalização" e nos movimentos "regionalistas", também lutam entre si. Enquanto os geógrafos constroem discursos descritivos minuciosos, centrados nas fronteiras internas da região, que enfatizam fenômenos físicos espontâneos, os economistas e sociólogos dão destaque à interdependência entre as regiões, construindo explicações mais ambiciosas para a existência das regiões, as teorias. Bourdieu procura mostrar que essa luta pela autoridade científica, pelo monopólio da divisão legítima, não tem uma autonomia em relação às políticas e movimentos regionalistas, nelas se manifestando através de diferentes mediações para a produção de efeitos sociais. As características naturais ou sociais legitimadas pela ciência como critérios supostamente objetivos de identidade regional, mesmo as mais negativas, passam a ser usados estrategicamente, em função de interesses materiais e simbólicos, para manipular as imagens mentais.
Ao problematizar o conceito de região, Pierre Bourdieu entende que a tentativa de classificação das particularidades de um determinado espaço está diretamente ligada à questão da identidade regional, a começar pela definição do dado étnico. Não é, portanto, em função de uma veleidade que os indivíduos, situados num determinado lugar, classificam-no, dão-lhe um nome e, mais do que isso, defendem esse nome.
A invenção de uma identidade nacional por políticos e intelectuais reforçava alguns preconceitos e estereótipos acerca da cultura nordestina, à medida que selecionava elementos culturais como mais representativos (ou ex-óticos, olhar de fora para dentro) do que outros, para estabelecer uma verdade sobre o Nordeste que não existia (e continua não existindo). Segundo Albuquerque Jr aponta que:
"o Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõe de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nauseum, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região." (p. 307)
Para Albuquerque Júnior o combate aos preconceitos em relação ao Nordeste e ao nordestino, associando-os ao atrasado, ao rural, ao arcaico, não se fará por um discurso regionalista, que tente "inverter o sinal do que se diz, atribuindo uma falsidade ao que se fala e vê e procurando colocar outra verdade em seu lugar". Teríamos que começar destruindo o Nordeste e o nordestino, como estas abstrações preconceituosas e estereotipadas, conhecendo as diversidades constitutivas de cada área e de cada parcela da população nacional.
Para Albuquerque Júnior a emergência do dispositivo das nacionalidades permitiu o surgimento da idéia de Nordeste, porque sem a idéia do Brasil como nação teria sido impossível pensar as regiões. Esse dispositivo fez com que houvesse a necessidade de se buscar símbolos e signos que preenchessem a idéia de nação e, na tentativa de garantir sua hegemonia, as diferentes regiões começaram a competir entre si para que seus costumes, crenças, relações e práticas sociais fossem generalizados para todo o país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
·ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2001.
- BOURDIEU, Pierre. A identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região. In: ______. O poder simbólico. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 107-132.
- PENNA, Maura." Capítulo I – Examinando pressupostos: a região Nordeste". In.: "O que faz ser nordestino: identidades sociais, interesses e o "escândalo" Erundina".São Paulo: Cortez, 1992. pp. 17 – 48.
- SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. " Introdução".: In.: O regionalismo nordestino: existência e consciência da desigualdade regional. São Paulo: Ed. Moderna, 1984. pp. 15 – 58.