A CONSTRUÇÃO DE VISÕES DE MUNDO NA ADOLESCÊNCIA

Por Fernando Oliveira Mendonça | 11/11/2009 | Educação

A escolha dos adolescentes como objetos de estudo partiu do principio de que, nesta fase da vida, chamada na psicologia de adolescência, existe um maior e especial envolvimento do jovem frente ao grupo e à sociedade. É quando também que se constroem os conceitos sociais que vão referenciar a vida adulta (INHELDER e PIAGET, 1958; ERIKSON, 1971; DEUSTCH, 1977).
Para um maior entendimento da influência do contexto social na adolescência, é importante considerar que as relações sociais começam na infância. Assim, torna-se necessário analisar as percepções que a criança constrói a respeito do contexto social em que está inserido. As bases teóricas estarão em estudos feitos por Vygotsky em trabalhos que levam em conta a importância dos fatores psicológicos e sociais na construção do conhecimento das crianças.
Vygotsky, em suas obras, considera o ser humano como essencialmente histórico e, portanto, sujeito às especificidades do seu contexto cultural em suas relações interpessoais. Toda cognição, para o autor russo, é construída através dos processos interpsíquicos e intrapsíquicos que funcionam como a internalização dos conceitos. As formas de conhecimento que indicam a ocorrência dessas interações sociais e culturais entre o indivíduo e o meio foram chamadas, por Vygotsky de processos cognitivos superiores ou mediados.
Além dos processos culturais, devido à ênfase nas situações de mediação psicológico-social, são consideradas as estruturas lingüísticas e cognitivas mediadas pelo grupo. Enquanto sujeito do conhecimento, a criança não tem acesso direto aos objetos, mas um acesso mediado através de recortes do real operados pelos sistemas simbólicos dos quais ela dispõe.
Os signos, os símbolos e os discursos humanos formam uma importante classe de mediadores. Eles orientam internamente no sentido da mudança dos processos psicológicos individuais e possibilitam o significado das “coisas”, simplificando-as e generalizando-as antes de poderem ser traduzidas em novos símbolos. Pode acontecer de a criança selecionar os estímulos que são mais apropriados, filtrá-los e organizá-los, determinando o surgimento ou desaparecimento de certos estímulos.
Tendo uma ligação muito forte com a cultura, os signos capacitam o ser humano para entender e alterar os elementos do meio exterior e os moldam de acordo com as suas necessidades e interesses. A partir de então, os instrumentos psicológicos produzem mudanças na própria interioridade psicológica do ser humano, nos âmbitos cognitivo, lingüístico e afetivo. Segundo Vygotsky (1989, p. 44)
A percepção do mundo e a sua expressão – a linguagem, estão ligadas para reestruturar a totalidade do processo psicológico da aprendizagem,... neste esquema,... signos são autogerados por estímulos artificiais através da memória, muito além das dimensões biológicas do sistema nervoso central.

             Na teoria sócio-interacionista, os signos têm uma origem social e revelam com clareza um papel crucial no desenvolvimento individual da criança. As operações com signos, de que cerca a criança são chamadas de funções psicológicas superiores. Nelas, as figuras têm o papel de significar coisas e elas acontecem no nível das interações vividas pelo indivíduo no seu grupo social.
O desenvolvimento do pensamento na infância, para Vygotsky, parte do social para o individual. As possibilidades de desenvolvimento variam de pessoa para pessoa, de acordo com as suas relações com o social e com o tipo de realidade que cerca cada uma delas, escolar ou não. É importante realçar que “a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. Toda a aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história, começa nos seus primeiros dias de vida e é na escola que poderá chegar ao conhecimento” (VYGOTSKY, 1992), ou não.
Toda a formação de conceitos a respeito do mundo que cerca a criança levará em conta as características do mundo real selecionadas como relevantes pelo grupo social no qual está inserida. É esse grupo cultural que vai lhe fornecer o universo de significados que ordenará o real em categorias (que o autor considera como conceitos) nomeadas por palavras da língua de seu grupo. Assim, a construção dos signos parte da criança, mas a visão e a relação que os adultos têm com o mundo que os cerca são referências importantíssimas. As crianças são curiosas e perguntam ao adulto, sejam eles professores, pais ou outras pessoas, que estão sempre ao seu lado. As respostas vão demonstrar uma visão adulta do mundo e as palavras e expressões, muitas vezes, vão ser aquém ou além do que a criança quer saber.
Para a análise de visões de mundo de adolescentes, Vygotsky é importante por considerar a criança em seu contexto social. Conceitos como os processos cognitivos superiores ou mediados, os signos e as funções psicológicas superiores mostraram as interferências do mundo social na criança, que vão ser úteis na construção das visões de mundo dos adolescentes.

A elaboração da identidade social do adolescente e as suas relações com os grupos.

Jean Piaget (1973) apud Parra (1983) analisou a adolescência dimensionando-a no período chamado de “Operações intelectuais formais” ou “Período Operatório formal” que se constrói dos 11 aos 15 anos de idade, em média. O período é caracterizado, segundo Salles (1998, p. 47), por profundas transformações intelectuais que têm a sua gênese em estruturas intelectuais anteriores. Tomado como um crescimento necessário ao adolescente e de acordo com Piaget, Parra (op. cit. p. 16) afirma que “se até os 11 anos a criança usava o raciocínio lógico e permanecia presa aos objetos e eventos concretos, o adolescente pode subordinar o real ao possível – inverte a direção entre a realidade e a possibilidade”
Nesse processo, o adolescente primeiro tenta, antes de tudo, imaginar as possíveis relações entre as variáveis e, depois, por meio da experimentação ou do raciocínio lógico puro, tenta combiná-las, segundo um padrão sistemático, para então concluir qual, ou quais, relações se mantêm como verdadeiras. Segundo Inhelder e Piaget (1976. p. 251), “o pensamento formal começa com uma síntese teórica e conclui que certas relações são necessárias”.
A Estrutura cognitiva e os aspectos sociais que marcam o pensamento formal mostram um paralelismo claro entre os aspectos sociais e os lógicos. O intercâmbio de pensamentos constitui uma superação do egocentrismo e exige do indivíduo uma nova coordenação de pontos de vista e uma verdadeira relação combinatória da lógica aplicada à vida comum.
Contudo, o pensamento formal é, por um lado um pensamento sobre si próprio e, por outro lado, um raciocínio que coloca o real sob o possível de ser realizado. Nele o adolescente foge do concreto em direção ao abstrato e ao possível (PARRA, p. 39). O egocentrismo desaparece na medida em que o pensamento formal se consolida após vários contatos sociais entre o adolescente e outras pessoas de sua realidade social. Destaca, aqui, todo tipo de relações interpessoais e discussões nos grupos dos quais participa.
O intercâmbio de idéias e os sentimentos envolvidos colaboram para isto. O desenvolvimento da socialização é associado ao desenvolvimento da lógica. Segundo Parra (op. cit, p.40), há uma: “marcha gradual da subjetividade (egocêntrica) em direção a objetividade (saída do egocentrismo), quando é possível ao jovem situar seu pensamento entre outros diversos e a diferenciar tal pensamento pessoal da realidade comum”.
Assim, os aspectos lógico e social são inseparáveis na forma e no conteúdo (Parra, p. 40). O adolescente não se limita mais aos dados empíricos brutos, ele raciocina sobre os empíricos. O raciocínio hipotético dedutivo do adolescente possibilita-lhe construir proposições até contrárias aos fatos em um sistema de múltiplas possibilidades. Ele pode “raciocinar formalmente e, por conseqüência, atribuir à forma lógica das deduções um valor demonstrativo que até então não possuía” (PARRA, op. cit. p. 16).
Nesse momento, os dados empíricos a serem manipulados são, para o adolescente, motivos importantes para o levantamento de afirmações ou proposições a seu respeito. Há a antecipação do concreto  e ele, então, realiza ligações lógicas entre as proposições. É o chamado pensamento proposital no que a realidade, antes de constituir-se como ponto de partida, se torna fonte de idéias e tomada de posições.
O intercâmbio de pensamentos constitui uma superação do egocentrismo e exige do indivíduo uma coordenação de pontos de vista, uma verdadeira relação combinatória  lógica aplicada à vida comum. O equilíbrio dos intercâmbios coincide com o equilíbrio da lógica proposicional. Os princípios que governam os intercâmbios são os mesmos que governam a lógica. O princípio de identidade equivale à conservação das proposições aprovadas nas trocas anteriores e o da contradição afirma que, ao conservar uma proposição como válida, sua valência é também confirmada. Além disso, nesse diálogo intelectual autêntico que estabelece a possível atualização das proposições anteriores revela, para Inhelder e Piaget (1958, p. 345), a reversibilidade operatória – fonte de coerência de toda construção formal.
Sociologicamente, a adolescência é uma fase da vida caracterizada pela busca do ajustamento social, sexual e vocacional. É quando ele procura saber quem foi, quem é e quem pode ser. Isto possibilita ao adolescente a elaboração da consciência de sua singularidade individual e de sua personalidade, constituída pela interação continua de três elementos: o biológico (nasce com impulsos e tensões que sofrem maturação), o social (relação com familiares, outros jovens e o resto da sociedade) e o individual (interação entre o social e o biológico).
No processo de formação de sua identidade, o adolescente, primeiramente, se coloca num plano de igualdade com o adulto, principalmente na família. A seguir, ele desenvolve um plano de vida pensando no futuro para, depois, se propor como reformador da sociedade. Assim, o adolescente experimenta papeis que vão de encontro às formas de tolerância da sociedade, o que Erikson chama de “moratória social” (1971 p.247). Muitos atos exibicionistas funcionam como defesa contra os outros “diferentes”, como os de outra “tribo”, ou satisfações de disputas do passado, outrora frustradas e, desde então, nunca satisfeitas. Há sempre o protesto da geração mais jovem contra a precedente, que pode até ser em atos de delinqüência ou revolucionário (DEUSTCH, 1977, p. 35).
Os adolescentes necessitam de se agrupar. Segundo Knobel (1973, p. 49), “o grupo serve como defesa, facilitando a oposição aos pais e a busca de identidade fora do meio familiar”. Viver em grupos é o processo básico vivido pelo adolescente (ERIKSON, 1971, p. 44). Nessa fase da vida, os grupos de pessoas com mesma idade, dúvidas e problemas vão ser úteis para a elaboração de ideologias  que facilitarão o enfrentamento da futura vida adulta.
No campo social, ao raciocinar formalmente, o adolescente transforma a natureza das discussões pela adoção, por hipóteses, do ponto de vista de outra pessoa. Segundo Deustch (1977, p.46), em grupos, os adolescentes se consideram originais, mas se auto-imitam. O uso de roupas, cabelos, acessórios, piercings, tatuagens, e outros “acessórios”, semelhantes aos pertencentes ao mesmo grupo, denotam a construção da identidade para com o grupo. Neste momento, buscam a maturação (como parecerem mais velhos), ser originais (diferentes dos mais velhos, principalmente dos pais) ou de expressar os sentimentos de rebeldia. O desenvolvimento psicológico e social nos adolescentes depende, assim, da maturação do sistema nervoso, do ambiente social em que circula e vive, da aprendizagem e da equilibração dos conceitos aprendidos.
Segundo Salles (1998, p.47), “o adolescente é visto hoje como um ser em desenvolvimento e em conflito, que passa por mudanças corporais, pessoais e familiares, que busca independência e diferenciação da família de origem”. O seu desenvolvimento pessoal, biológico e psicológico deve ser compreendido em relação às condições socioculturais e históricas que determinam as suas formas de ser. Independente das classes sociais, o adolescente é sempre associado (SALLES, 1998, p. 52), nas sociedades capitalistas, ao consumo e às diversões em grupo, como festas, shows e esportes coletivos.
Os meios de comunicação e o mercado de bens culturais (televisão e música principalmente) e de consumo (roupas, esportes e outros) estão sempre os observando para criar-lhes um estilo de vida único, inseri-los no mercado consumidor ou até tirar deles um novo produto, que pode ser estendido para todos da mesma idade. Isto decorre da facilidade com a qual os adolescentes criam as suas próprias formas de comportamento – vestir, falar, escolher estilos musicais, entre outras, e da versatilidade com que mudam de estilos (de se vestirem principalmente). Porém, o nível sócio-econômico em que estão inseridos acaba por determinar formas diferentes de ser adolescente, como na conduta, nas aspirações, nas responsabilidades e no consumo.
Pesquisas (NASCIMENTO, 1978; ABRAMO, 1994; CAVALCANTE, 1997) mostram que o adolescente gosta mais de fazer é ficar com os amigos. Nascimento, estudando valores e atitudes de adolescentes de São Paulo, percebeu que, no plano coletivo, os medos do adolescente estão associados à guerra, à fome, à falta de liberdade e aos problemas ecológicos. Embora desvalorizem a política, desejam respeito e paz entre os povos esperando entrosamento, amor e cooperação entre eles, respeito aos direitos humanos e o fim da pobreza, da fome e do desemprego. A passagem do mundo da criança para o do adulto exige um grupo de socialização entre pares para se construir nova identidade e estabelecer vínculos. O grupo tem caráter normativo, fixando normas e leis que são compreendidas pelos seus membros.
Abramo (1994), ao estudar as “tribos” da cidade de São Paulo, concluiu que ao se “libertar” da família o adolescente encontra no grupo um caminho, um meio, para atingir a sua independência pessoal. É no grupo que ele encontra, pela forte afetividade entre os membros novos referenciais de comportamento e identidade. A procura de amigos é feita conforme os valores já internalizados pelo adolescente, de tal forma que os amigos têm um estilo de vida e pensamento parecido com o seu.
Cavalcante (1997), ao estudar a rebeldia juvenil, concluiu que, embora muitos jovens venham a participar de movimentos alternativos ou se associar aos oprimidos, a grande maioria parece vivenciar a adolescência sem questionar os valores sociais. Indica que várias formas de ser adolescente convivem na sociedade. Contudo, segundo Erikson (1971, p. 37-47) muitos jovens não questionam o sistema social porque não chegam a ver alternativa. Outros influenciados pela escola, quando estudam a história de lideres rebeldes e das lutas sociais, adotam a convicção política marxista ou adotam o modelo gandhiano, anticolonialista e não violento.

A família como espaço construtor da visão de mundo.

É inquestionável a importância da família em toda a construção social das pessoas. Cynthia Sarti (1999, p. 100) afirma que “a família é o alicerce de identidade”. Os estudos antropológicos da autora, sobre a relação entre a família e os jovens, consideram a família como um lugar para a ação e a construção da cidadania. Há também uma preocupação nos estudos da autora com as famílias pobres, considerando que todos os homens e mulheres têm um desejo de compreender e dar sentido ao mundo em que vivem, não o olhando apenas como uma fonte de problemas sociais.
Sarti (op. cit. p. 105) considera que “a condição da família, seus limites e suas possibilidades correspondem à condição social de seus membros. A vulnerabilidade da família diz respeito, então, à sua localização como classe social”. A família é considerada pela autora como o lugar importante na vida do jovem para a aquisição da linguagem, para dar sentido às experiências vividas e para a construção de sua imagem e do mundo exterior. “É o filtro através do qual se começa a ver e significar o mundo a partir dos diferentes lugares que se ocupa na família” (SARTI, op. cit. p. 100). A família, que tem uma base muito biológica (derivada de toda a sua função ligada ao nascer, crescer, casar, envelhecer e morrer), é onde se definem os significantes que criam os elos de sentido nas relações com o mundo.
A família é singular quando as pessoas que a compõem se comparam com as outras famílias e também dentro dela mesma com os seus membros. “Ela não é apenas o ‘nós’ que a constitui necessariamente, mas é também o ‘outro’, condição da existência do ‘nós’” (SARTI, op. cit. p. 101-104). Isto é, as fronteiras demarcadas do mundo familiar sobre o que a família conta sobre si e que criam as suas identidades como diferentes das outras, são abaladas pela ação individualizada de cada um de seus membros, que reagem singularmente às relações internas e que trazem à convivência cotidiana a experiência também singular com o mundo exterior.
A família não pode ser desvinculada de seu contexto social, nem pensada isoladamente. A família comporta, por definição, o outro em suas relações, sendo ele o pai, a mãe, o irmão, ou qualquer outra família. Esse reconhecimento no plano social da existência do outro possibilita, a partir do reconhecimento dos direitos, como reivindicação de si e do(s) outro (os), a construção da noção de cidadania. Assim, a construção da cidadania será feita a partir da subjetividade e reconhecer a diversidade é obviamente fundamental, no sentido de não normatizar as ações a partir de um modelo rígido e único, artificialmente imposto.
Mas, é preciso analisar a importância da família no futuro do adolescente. As desigualdades sociais se manifestam também na forma que cada família vê a escola. O que cada família quer, e o que pode dar de futuro para os filhos refletirá no processo de perpetuação das desigualdades em nossa sociedade. Na França, para dar conta das desigualdades de desempenho escolar de crianças oriundas de diferentes classes sociais, Bourdieu apud Nogueira e Cattani, (2002, p. 73) formulou o conceito de capital cultural tornando-se possível olhar o sucesso e o fracasso escolar além dos efeitos das aptidões naturais.
Segundo Bourdieu (1966) apud Nogueira e Cattani (2002, p. 41-64), os filhos de pais mais instruídos conhecem os graus mais evoluídos da educação. A escolha da escola dos filhos realça o que os pais querem para eles. Muitas vezes, a escola também funciona como ascensão social para as famílias pobres, onde o êxito dos filhos é, sempre, maior que o do pai.
Artigos organizados por Nogueira et. all. (2002) abordam a interdependência entre as condições sociais de origem das famílias e as formas de relação que estas estabelecem com a escola. Para o presente trabalho, dois artigos, um que trabalha com classe popular e outro com classe média, mostraram que os caminhos traçados pela família, como na escola escolhida e na necessidade ou não do trabalho, podem ser elementos construtores das visões de mundo.
O artigo de Zago (NOGUEIRA, 2002. p. 17-43) partiu da constatação de que é nos meios populares onde estão os mais elevados índices de analfabetismo, reprovação e evasão, entre outros problemas escolares. A pesquisa realizada entre 1991 e 1998, com dezesseis famílias da periferia de Florianópolis, Santa Catarina, esteve voltada para os processos de escolarização em famílias de baixo poder aquisitivo que acompanharam as situações escolares dos seus filhos.  Como resultados, entre outros, a autora observou que os comportamentos escolares adotados pelos alunos não se reduzem às influências do ambiente doméstico. São importantes também outras instâncias de socialização, como os ambientes do bairro e do trabalho. A continuidade dos estudos dos alunos de classe popular transcorre de forma oposta ao “ideal tipo”. O tempo na escola é alongado pela necessidade de trabalho e da complementação da renda da casa. Na conciliação da escola com o trabalho, a escola é deixada de lado e projetada para o futuro, o que traz como conseqüências futuras a baixa qualificação e os baixos salários.
O segundo artigo, de Nogueira (NOGUEIRA, 2002. p. 125-154), tratou de conhecer os itinerários percorridos por 37 jovens estudantes, novatos de 37 cursos, da Universidade Federal de Minas Gerais, e as estratégias postas em práticas pelas suas famílias e por eles próprios no decorrer de suas escolaridades. Sendo os sujeitos de sua pesquisa filhos de pai e mãe professores universitários com a mais alta qualificação profissional, o objeto do estudo situou-se nas formas de atuação do capital cultural familiar sobre a vida escolar dos filhos. O pressuposto básico era que o filho, na busca de sua própria escolaridade, se espelhasse nos pais, como na obtenção e na visibilidade dos efeitos da vida profissional deles.
Utilizando estratégias de pesquisa delineadas por Bourdieu, a pesquisadora teve os seguintes resultados: os itinerários encontrados caracterizam-se, de um modo geral, por sua fluência, linearidade e continuidade, com a entrada na universidade se fazendo na idade correta; há a predominância de escolarização privada e as famílias influenciam os filhos a não trabalhar, porque atrapalharia os estudos.
Contudo, de acordo com o que foi exposto acima, conclui-se que as diferenciações no futuro das pessoas, se relacionadas à escolaridade que tiveram, podem perpetuar desigualdades de renda e de conhecimento. Os fatos relatados nas pesquisas anteriores nos mostram que oportunidades diferentes trazem futuros diferentes e a função da família é muito importante no futuro dos filhos.

Os meios de comunicação e os adolescentes.

Além da influência da família na vida e na construção da identidade social no jovem/adolescente, Sarti (op. cit. p. 102) ressalta que a família não pode ignorar o papel fundamental dos meios de comunicação, sobretudo da televisão e da publicidade no sentido de criar importantes referências de identidade para os jovens. E, hoje em dia, há uma interligação muito grande entre os meios de comunicação.
Segundo Dênis de Moraes (1997, p. 19) todos os meios de comunicação são, hoje em dia, partes de uma mesma mídia e em grande parte comandada por poucos grupos empresariais, transformados na globalização em grandes corporações internacionais. Sendo assim, estudar a Internet, a televisão, o rádio, ou a imprensa escrita, separados dos outros meios de comunicação é perda de tempo. Os adolescentes estão influenciados, como todas as pessoas, por um tipo de notícias sobre esporte, variedades, catástrofes, que segundo Bourdieu (1997) “podem suscitar um interesse de simples curiosidade e que não exige nenhuma competência especifica prévia, sobretudo política”. Essas  notícias, classificadas como de variedades, despolitizam e reduzem

A vida do mundo à anedota e ao mexerico (que pode ser nacional ou planetário, com a vida das estrelas ou das famílias reais) fixando e prendendo a atenção em acontecimentos sem conseqüências políticas que são dramatizados para deles tirar lições ou para os transformarem em problemas da sociedade (BOURDIEU, 1997. p. 73).

Com a capacidade de converter noticias banais em importantes assuntos de conversas variadas entre as pessoas, as mídias se converteram em “agentes de difusão de discursos legitimadores da ideologia do mundo sem fronteiras, irradiando fluxos dinâmicos de informação, de entretenimento e de padrões de consumo que se universalizam” (MORAES, op. cit. p. 12). Isso gerou um campo das comunicações com um dinamismo sem precedentes e um estoque inimaginável de dados, de imagens, de opções de entretenimentos e simulações. Com isso, há a conservação de hegemonias representadas pelo Estado e pelas megacorporações financeiras e industriais. Todo esse processo de comunicação tecnológica, que ultrapassa fronteiras locais, regionais, nacionais e continentais, classes e grupos sociais, raças e religiões, vão converter-se em agentes privilegiados de fixação de identidades culturais que subvertem os horizontes conhecidos.
Entretanto, existem outros pensadores que não concordam com essa visão pessimista das mídias. Maria da Graça Jacintho Setton (2002) alerta que essa homogeneização pode ser relativizada em seu caráter manipulador através de certas formas de resistência, como em estudos de Certeau (1994) e Hoggart (1973) e também através das capacidades dos sujeitos apropriarem das mensagens e de construírem sentidos particularizados ao consumirem as mercadorias simbólicas, como em estudos de Barbero (1997) e Canclini (1998).
Setton (2002, p. 113), mesmo considerando que a competitividade e o lucro são os comandos de produção das mídias, salienta que as formas simbólicas não são necessariamente ideológicas. É possível pensar os sujeitos sociais de outra forma: eles podem orientar suas práticas e ações escolhendo, de acordo com os seus conhecimentos, as informações que lhes acharem pertinentes.
Apesar de todo o discurso mais crítico em relação aos meios de comunicação na vida dos adolescentes, é importante salientar que os canais de TV pagos (acessados por cabos ou satélite), propriedades de poucos grupos de comunicação, ampliaram a oferta da TV aberta (acessada por antenas comuns) e a visão de mundo dos telespectadores. Com programas variados, como filmes, jornais, documentários, esportes, variedades, seriados, moda, etc., transmitidos em diversas línguas, possibilitam o acesso a lugares, pessoas e culturas diferentes. Esses canais de TV são importantes fontes de informações do mundo que, ao transmitirem imagens e informações específicas, segmentam mais as programações, mas oferecem uma maior oferta de entretenimento.
Aos adolescentes que convivem com inimagináveis referências comerciais, passadas pelas propagandas de produtos, que nem eles mesmos sabem de onde vem, e que podem ser associadas a um mundo, seja ele local ou mais global, é importante afirmar que os reflexos dos meios de comunicação serão importantes em suas visões de mundo. Nas famílias que possibilitam aos seus filhos adolescentes uma gama maior de canais de televisão, internet e todas as tecnologias que intercambiam idéias, produtos e serviços vão contribuir para uma construção de visão de mundo. Já, nas famílias que oferecem condições menos amplas de contato com o mundo para os seus adolescentes as visões de mundo podem não tanta globalidade. 
Para analisar a influência das mídias e das tecnologias na vida dos adolescentes, na atualidade, é muito importante se levar em conta que grande parte dos seus contatos com o mundo é feita virtualmente. A comunicação via web e celular é, para os adolescentes, a forma de eles estarem no mundo. Comunidades, sites de relacionamento, Orkut, facebook, twitter, e outros são ambientes onde eles se encontram, namoram e fazem grupos. Como em todos esses espaços virtuais há propaganda, formação de comportamentos e moda, o uso da tecnologia virtual faz dos adolescentes cada vez mais consumistas e, ao mesmo tempo, individualistas.
Nessa fase da vida, como discutimos anteriormente, para serem diferentes dos adultos, há a necessidade de se aproximar cada vez mais de pessoas com características parecidas com as suas. Nesse processo, comprar e ter o produto da moda torna-se condição de “sobrevivência” no grupo. Em relação ao maior relacionamento virtual dos adolescentes com o mundo, é importante analisar que o individualismo se forma quando eles passam a ter muitos amigos em varias comunidades, participam de jogos online, estando sempre sozinhos na frente de um computador sem o contato físico ideal para a vida em sociedade. Consequentemente, a ausência de contatos em que se considerada os deslocamentos e as relações interpessoais reais pode levar a construção de uma visão de mundo enviesada construída pelos olhares de outros que escreveram noticias através de suas vivências, virtuais ou não.

A importância da escola na construção de visões de mundo

A escola é, em geral, para o adolescente um lugar de encontro com amigos e de relacionamentos afetivos e sociais. Contudo, segundo Nascimento (op. cit, p. 173-192) o que o adolescente espera da escola varia “de acordo os valores já internalizados, de tal forma que sua influência se dá mais no reforço de atitudes já existentes neles”. Segundo a autora, os desejos dos adolescentes podem variar, desde a busca da realização profissional e o casamento até uma maior abertura ao não-convencional, como a aceitação do uso de drogas e do divórcio.
Na escola, segundo Paschoal (1985) (apud SALLES, op. cit. p. 63), os adolescentes sofrem a influência de grupos, demonstrando um desejo de aparecer e de se revoltarem contra o sistema. Lá, os alunos buscam compartilhar sentimentos, pensamentos e aspirações. Há um interesse (SALLES, op. cit. p. 63) por aulas práticas, trabalhos em grupos, esporte e lazer e querem discutir e obter respostas dos professores a cerca de crises econômicas, da situação política e da dívida externa.
Eles querem ser ouvidos. A escola para o adolescente só terá significado, segundo Paschoal (op. cit.), se puderem dialogar sobre a reformulação da escola e se o professor for amigo, partilhando experiências e permitindo o questionamento, sem preferências por nenhum aluno. De acordo com os estudos de Zagury, apud Salles (op. cit. p. 64), “a escola é valorizada por contribuir para aquisição do conhecimento, para a realização pessoal, e é vista, pela ótica ideológica, como lugar de ascensão social”.
Com tudo o que foi relatado, a escola é um importante espaço de vivências para o adolescente, onde ele se reúne com os seus pares (um dos seus grupos de amigos), é onde discute, dialoga, exige respeito e (também) constrói-se ideologicamente. A escola é importante por ser uma instância formadora através dos conteúdos científicos e de normas de conduta sociais aprendidas com aqueles que têm a mesma idade, dúvidas e mesmos sentimentos em relação ao mundo.
É mais um lugar onde se percebe diferente e igual aos outros e na qual, além do espaço familiar, são também impostos limites frente à sociedade. Na escola, o adolescente está em um outro espaço de vivência “fora” dos padrões familiares. Lá, ele transpõe sentimentos em relação a outros adultos, como os professores, e busca as explicações científicas (geográficas, sociais, históricas, biológicas, etc.) a cerca do mundo que o cerca. Apreendendo esses conceitos científicos ligados ao mundo e vivenciando situações em outras esferas da existência, o adolescente tem condições de construir, de forma multifacetada, a sua visão de mundo.
As disciplinas presentes nas escolas têm como objetivo geral o entendimento do mundo. Através de diferentes objetos de estudo, a escola busca construir uma visão do mundo interligada e integrada. Mas, nem sempre isso é conseguido. Existem geografias escolares diferentes.  Essa diferenciação decorre de diversos fatores que levam em conta a formação pessoal e social do professor, a escola e o ambiente social presente nela, o nível cognitivo dos alunos e a realidade social em que estão inseridos a escola e os alunos. Portanto, o mundo presente na vida de cada professor, de cada escola e de cada aluno vai depender da complexidade de cada realidade e de uma síntese possível produzida pelos sujeitos em questão.

Considerações finais

 Cada visão de mundo é diferente das outras. Elas dependerão das diversas vivências que as pessoas passam na infância e na adolescência. O conhecimento e a influência de cada momento seja ele espacial, psicológico, social ou cultural deve ser respeitado. Todos os aspectos sociais vivenciados durante a adolescência são essenciais para o restante da vida das pessoas e contribuirão para a construção de suas visões de mundo e de diversas habilidades e competências que serão usadas posteriormente. Assim, para um estudo mais pormenorizado dos alunos e adolescentes presentes em nossa sociedade torna-se necessário analisar as percepções que eles constroem a respeito do contexto social em que estão inseridos.


Bibliografia citada

• ABRAMO, H. W. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, Página aberta, 1994.
• CAVALCANTE, M. J. M. O mito da rebeldia na juventude: uma abordagem sociológica. In: Revista Educação e Debate, nº 3, Jan/jul 1987.
• INHELDER, B. PIAGET, J. Da lógica da criança a lógica da adolescente: ensaio sobre a construção das estruturas operatórias formais. São Paulo: 1976.
• MORAES, D. Globalização, mídia e cultura contemporânea. Campo Grande- MS: Letra Livre, 1997.
• NASCIMENTO, S. R. Atitudes e valores de adolescentes da cidade de São Paulo: um estudo com alunos de 2º grau. São Paulo, 1978. Dissertação de Mestrado-PUC-SP.
• NOGUEIRA, M. A. et. all. Família e Escola – Trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 2 ed. Petrópolis: Ed. Vozes. 2003.
• PARRA, N. O adolescente segundo Piaget. Série cadernos de Educação – Biblioteca Pioneira de Ciências sociais. São Paulo: Ed. Pioneira. 1983.
• SALLES, L. M. F. Adolescência, escola e cotidiano – contradições entre o genérico e o particular. Piracicaba, São Paulo: Ed. Unimep. 1998.
• SARTI, C. A. Família e jovens – no Horizonte das ações. In: Revista Brasileira de Educação. n.º 11. São Paulo: Anped. Maio/Agosto de 1999.
• SETTON, M. G. J. Família, escola e mídia. Revista Educação e Pesquisa, v. 28. nº 1. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
• VYGOTSKY, L. S. / Luria, A.R./ Leontiev, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 4 ed. São Paulo: Ícone Editora. 1992.