A construção da identidade docente: um compromisso social em continuidade
Por Neide Figueiredo de Souza | 13/05/2022 | EducaçãoLUDMILLA PANIAGO NOGUEIRA
NEIDE FIGUIREDO DE SOUZA
O reconhecimento de uma identidade docente revela o/a professor/a como um/a profissional da educação. Pontuamos a temática considerando a identidade em três pontos: a socialização, a formação (inicial/graduação/licenciatura) e a formação continuada. Essas três faces requerem ser compreendidas, pois cada uma delas contribui com o desenvolvimento profissional, pelo ‘aprender a ser professor/a’ e, ao longo de seu desenvolvimento profissional, formar a sua identidade, como afirmam Imbernón (2010) e Pimenta (2009). Embora aponta-se essas faces de forma separada, elas constituem um continuum – a identidade não é fragmentada.
Não se pode ignorar que todos os espaços sociais propiciam informações e uma gama de conhecimentos, contribuindo de forma significativa para a constituição de nossas identidades. Nesse sentido, o conceito principal de socialização consiste em compreender que a identidade, assim como o próprio termo socialização, é um processo que se estende ao longo de toda a vida, da primeira constituição social, a família, aos demais espaços sociais, como a escola, a religião/igreja, o trabalho e as instituições sociais. É na família que somos submetidos aos primeiros processos educativos, onde, quando crianças, aprendemos nossos primeiros passos e, também, a falar/comunicar, se alimentar, nos comportar e, também, nossas primeiras compreensões, as primeiras assimilações e ações morais.
Na escola construímos parte da formação de nossa identidade. Nela aprendemos a nos comportar, a nos relacionar conforme a nossa idade e com grupos e indivíduos diferentes. Conforme pertencemos a determinados grupos, vamos nos socializando segundo suas regras. Isso se aplica também aos espaços de formação, bem como aos espaços sociais de exercício da profissão. Todos os espaços são espaços sociais de formação. As experiências vividas em cada espaço social influenciam na constituição da identidade docente. Tal afirmação é respaldada por Vasconcelos (2003), para quem a construção da identidade é resultado das experiências adquiridas pelas pessoas, se configurando como um fenômeno em constante transformação, que ocorre a partir de práticas sociais específicas que medeiam a criação de discursos. Essa construção, conforme a autora “[...] faz uso de instrumentos cognitivos, afetivos e linguísticos, e cria motivos e vontades em um ativo processo para se referir a aspectos de um mundo partilhado intersubjetivamente” (VASCONCELOS, 2003, p. 550).
Para a autora, a identidade é construção, a partir de diferentes maneiras de ser e de estar na profissão. Assim, deveria ser tomada como processo identitário, no qual cada um se vê, se sente, se diz e se faz. Segundo Vasconcelos (2003, p. 554),
[...] a identidade docente aparece assim articulada às identidades de gênero, familiares, religiosas, raciais, de classe, que são carregadas de contradições, cujas marcas sócio históricas aparecem nos relatos (orais ou escritos) que as pessoas fazem de si. Além disso, a construção da identidade jamais é concebida como um processo isolado. Existe sempre uma relação com o(s) outro(s) – concreto ou virtual real ou imaginário, específico ou genérico – para quem se apresenta e, por isso mesmo, é mais que tudo um acontecimento social e coletivo.
Há diferentes aspectos implicados na construção da identidade (profissional) do/a professor/a: a formação inicial, seu trabalho docente, as políticas educacionais vigentes e tudo aquilo que possa influenciar direta ou indiretamente no desenvolvimento de seu trabalho. A construção de sua identidade profissional é atravessada por esses aspectos. O/a professor/a vai se formando na relação com o mundo objetivo e também com a realidade subjetiva, como destaca Dubar (2009).
Um quesito relevante, em se tratando da formação inicial do/a professor/a, conforme ressaltam Iza et. al. (2014, p. 279), é o currículo das licenciaturas. Segundo essa pesquisa, os atuais currículos são campos de conflitos “no qual diferentes grupos e agentes lutam pela oficialização e pelo prestígio de seus conhecimentos, significados, habilidades, métodos, crenças e valores”. Nesse contexto, as necessidades locais são, muitas vezes, esquecidas nos currículos das licenciaturas. Desde 2015 as universidades tem um projeto integrador que consiste em atividades interdisciplinares para complementar a formação do futuro professor. Foi pensado de modo a propiciar aos alunos da graduação um embasamento prático dos conceitos teóricos integrados pelas diversas áreas do conhecimento, articulando as vivências do senso comum e o saber elaborado.
O que significa encontrar possíveis respostas às realidades e necessidades locais, onde os professores atuam. Poucos sentidos assumem, por exemplo, as reformas educacionais, se a formação não acompanhar as demais transformações que acontecem no mundo. Nessa lógica, não se pode esperar que a formação de professores seja sempre complementada pelas formações continuadas, embora delas não possa prescindir.
O currículo deve englobar o conhecimento, as relações sociais, a articulação de vivências e saberes dos licenciandos/alunos, com os conhecimentos historicamente acumulados, que contribuam com a construção das identidades dos estudantes, como afirmam Iza et. al. (2014), que, ainda, argumentam ser os currículos para a formação e qualificação profissional de professores/as, difusos, até mesmo contraditórios, não deixando claro qual o perfil do/a profissional que se deseja formar.
É no espaço das licenciaturas, chamada por Nóvoa (1999) como “licença oficial”, que os/as futuros professores/as começam a conhecer seu campo de trabalho e a experimentar sua prática, nutrindo assim, a construção de sua identidade. Isso acontece, ou pelo menos deveria acontecer, no estágio curricular supervisionado[1]. Aqui, os/as futuros professores/as vivenciam os vários aspectos da docência: conhecimento, metodologia, socialização com seus futuros pares e com os alunos, os pontos positivos e negativos da futura profissão entre vários outros aspectos do cotidiano escolar. Lembrando que o mesmo acontece no curso Normal Médio, “uma formação constituída de valores, conhecimentos e competências necessários ao exercício da atividade docente”, segundo o CNE/CEB n° 02/99.
Na figura abaixo Iza et. all. (2014) expressam como os/as professores/as, em sua pesquisa, entendem a formação de sua identidade profissional.
De acordo com Iza et. all. (2014), o ser professor/a compreende três principais aspectos que não podem ser dissociados: ambiente externo da política, que requer deles maior engajamento político (interno e externo à sua profissão); contexto profissional, que exige deles o ativismo docente; experiência pessoal, que demanda aumento de (auto) conhecimento e capacidade de reflexão. Esse conjunto conduz o/a professor/a ao desenvolvimento pessoal, à aprendizagem profissional e às mudanças para a prática.
A construção e a consolidação da identidade do/a professor/a são perpassadas pelo seu modo de pensar e agir como pessoa e como profissional. Ao longo de sua trajetória profissional ele desenvolve seu potencial e agrega características, conhecimentos e saberes docentes que o auxiliando nesse caminhar. É neste horizonte do profissional, da construção da identidade que emana o compromisso social docente com o estudante, não apenas o intelectual, cognitivo e, de alguma forma, também, o afetivo, mas na produção do conhecimento, dos aprendizados. O compromisso docente com os/as alunos/as transcende a sala de aula e chega às famílias, às comunidades e já delineia, de algum modo, as perspectivas dos indivíduos e das comunidades .
REFERÊNCIAS
DUBAR, Claude. A crise da identidade: A interpretação de uma Mutação / Claude Dubar; tradução de Mary Amazonas Leite Barros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010.
IZA, Dijnane Fernanda Vedovatto, Et. all. Identidade docente: As várias faces da constituição do ser professor. Revista Eletrônica de Educação, v. 8, n. 2, p. 273-292, 2014. ISSN 1982-7199 | DOI: http://dx.doi.org/10.14244/198271999978. Disponível em: http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/viewFile/978/339. Acesso em: 02 jun. 2020.
NÓVOA, António. Profissão Professor. Capítulo I: O passado e o presente dos professores. 2. Ed.Porto: Porto Editora, 1999. p.13-34.
PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. Textos de Edson Nascimento Campos – (et. al.); Selma Garrido Pimenta (Org.). 1. Ed. São Paulo: Cortez, 2009.