A Concepção De Democracia Para Max Weber

Por Robson Stigar | 02/05/2008 | Filosofia

A DEMOCRACIA EM MAX WEBER

Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características concretas.

Uma vez exercido o direito de voto e sagrados os vencedores do pleito eleitoral, a vontade popular estaria atendida, cabendo aos seus representantes, de maneira autônoma, a direção governamental do país. Weber foi um nacional-liberal, mas não um liberal no sentido norte-americano. Ele não era propriamente um democrata no sentido francês, inglês ou norte-americano. Punha acima de tudo a grandeza da nação e o poder do Estado. Indubitavelmente, estimava as liberdades a que aspiram os liberais do velho continente. Sem um mínimo de direitos individuais, escreveu, não poderíamos mais viver. Não acreditava, porém, na vontade geral ou no direito dos povos de dispor de si mesmos, nem na ideologia democrática. Se desejava uma 'parlamentarização' do regime alemão, era para aprimorar a qualidade dos líderes, e não por princípio.

É interessante percebermos como Weber enxerga a democracia. Para ele, a participação popular se resume ao sufrágio universal. O processo é democrático somente na escolha e legitimação do governante. Não cabe ao governante atuar em função da vontade das massas que, segundo ele, são emocionais e irracionais.

A primeira idéia que ocorreu a Weber na elaboração dessa teoria foi a de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do capitalismo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de exaustivas análises nesse sentido, Weber foi conduzido à tese de que a explicação para o fato deveria ser encontrada na íntima vinculação do capitalismo com o protestantismo: "Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes".

O sufrágio universal é muito mais uma aclamação periódica que confirma o carisma do líder escolhido. Em momento algum, identifica a participação das massas com a participação no poder. A participação das massas é importante na escolha dos líderes enquanto mais um fator de seleção de homens hábeis para conduzir a nação. Dessa forma, Weber considerava as instituições e idéias democráticas pragmaticamente: não em termos de seu 'valor intrínseco', mas de suas conseqüências para a seleção de líderes políticos eficientes.

Além dessas características, a perspectiva weberiana de democracia contemplava a valorização do parlamento como o celeiro natural de lideranças políticas e a necessidade da existência de um líder governamental carismático que, contrapondo-se ao poder da burocracia estatal, controlando-a, seria o condutor das aspirações nacionais. Aqui surge outra questão intimamente ligada à concepção de democracia weberiana, qual seja como lidar com a expansão do domínio da burocracia estatal. Com efeito, para Weber a burocracia representava o aparato funcional indispensável para o Estado fazer funcionar a "máquina" administrativa.

Weber louvava a impessoalidade, o formalismo, a previsibilidade e a perícia técnica da burocracia ao mesmo tempo que expunha seus temores pelo receio da ampliação desmedida da influência burocrática sobre a vida cotidiana das pessoas, bem como sobre as liberdades públicas e sobre a atividade política, o que, em última instância, significaria o "estrangulamento" da democracia.

Weber distingue no conceito de política duas acepções, uma geral e outra restrita. No sentido mais amplo, política é entendida por ele como "qualquer tipo dê liderança independente em ação". No sentido restrito, política seria liderança dê um tipo dê associação específica; em outras palavras, tratar-se-ia da liderança do Estado. Este, por sua vez, é defendido por Weber como "uma comunidade humana que pretende o monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território". Definidos esses conceitos básicos, Weber é conduzido a desdobrar a natureza dos elementos essenciais quê constituem o Estado ê assim chega ao conceito dê autoridade ê dê legitimidade. Para quê um Estado exista, diz Weber, é necessário quê um conjunto dê pessoas (toda a sua população) obedeça à autoridade alegada pêlos detentores do poder no referido Estado. Por outro lado, para quê os dominados obedeçam é necessário quê os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima.

A autoridade pode ser distinguida segundo três tipos básicos: a racional-legal, a tradicional e a carismática. Esses três tipos dê autoridade correspondem a três tipos dê legitimidade: a racional, a puramente afetiva e a utilitarista. O tipo racional-legal tem como fundamento a dominação em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada, por sua vez, em regras racionalmente criadas. A autoridade desse tipo mantém-se, assim, segundo uma ordem impessoal e universalista, e os limites de seus poderes são determinados pelas esferas de competência, defendidas pela própria ordem. Quando a autoridade racional-legal envolve um corpo administrativo organizado, toma a forma dê estrutura burocrática, amplamente analisada por Weber.

A respeito da visão weberiana sobre democracia e burocracia, pondera o seguinte: "O efetivo dilema a ser enfrentado pelas democracias seria: considerado o inexorável processo de complexificação e burocratização da sociedade moderna e dadas as características de cada um dos agentes do jogo político e os seus recursos de poder, como impedir que a burocracia venha a usurpar o poder e como assegurar que permaneça sendo apenas um elo de ligação entre dominadores e dominados?" Esse mesmo dilema é formulado pelo próprio Weber (1999, p. 542):"Em face da indispensabilidade crescente e da conseqüente firmeza, cada vez maior, da posição de poder do funcionalismo estatal, que aqui nos interessa, como pode haver alguma garantia de que existam poderes capazes de manter dentro de seus limites a prepotência enorme desta camada cada vez mais importante, e que a controlem eficazmente? Como será possível uma democracia pelo menos neste sentido limitado?" Em termos sintéticos, pode-se dizer que a democracia weberiana equivalia a um mero procedimento de legitimação de lideranças pelo voto e por aí se limitava sua abrangência.

Uma vez eleitos, os líderes políticos, como possuidores de cheques em branco, poderiam conduzir, livremente, suas ações, sem quaisquer vinculações com as aspirações dos seus eleitores. Esse modelo de democracia, considerado por estudioso da sociologia política (SANTOS, 2002, p. 42) como sendo de democracia de "baixa intensidade", em muito se aproxima do paradigma democrático idealizado por Joseph Schumpeter (1961), para quem "a democracia é um método político, ou seja, um certo tipo de arranjo institucional para se alcançarem decisões políticas – legislativas e administrativas – e, portanto, não pode ser um fim em si mesma, não importando as decisões que produza sob condições históricas dadas". Na visão de Schumpeter, não existe governo pelo povo, o que pode existir é governo para o povo, que é exercido por elites políticas que são as responsáveis pela proposição de alternativas para a nação.

A visão weberiana de democracia centrava o sucesso da condução política da nação no desempenho de seus líderes políticos, limitando a participação popular ao sufrágio em pleitos eleitorais, o que reflete a postura de Weber contrária à participação popular na condução do processo governamental da nação. Os políticos, para Weber, seriam a expressão da epresentatividade máxima da nação e, portanto, seus condutores utorizados. A burocracia estatal ao contrário, ameaçava, com sua expansão técnica, a "saúde" da democracia e deveria ser controlada, com vigor, por lideranças carismáticas.

Essa mescla de burocracia profissional, de um parlamento formado por elites e de lideranças carismáticas, formava o que o próprio Weber denominava como "democracia plebiscitária", que constituiria o tipo mais importante de democracia de líderes – em seu sentido genuíno, é uma espécie de dominação carismática oculta sob a forma de uma legitimidade derivada da vontade dos dominados e que só persiste em virtude desta.

A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às bases de legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo do líder seja considerado como legítimo por seus seguidores, os quais estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Fenômeno excepcional, a dominação carismática não pode estabilizar-se sem sofrer profundas mudanças estruturais, tornando-se, de acordo com os padrões de sucessão que adotar e com a evolução do corpo administrativo, ou racional-legal ou tradicional, em algumas de suas configurações básicas.

Nesse modelo, idealizado por Weber, a dominação carismática que, em sua conformação original, era legitimada pelo reconhecimento, puro e simples, das qualidades extracotidianas dos líderes carismáticos (profetas, sábios, curandeiros, heróis de guerra, etc.) pelos carismaticamente dominados passa a ser legitimada pela realização de pleitos eleitorais.

Dessa maneira, a dominação carismática, interpretada em seu sentido original como autoritária, pode ser reinterpretada como anti-autoritária, pois a potencialidade da autoridade carismática se reveste da legitimação eleitoral que ratifica o primitivo reconhecimento carismático. Nessa situação, o senhor legítimo, em virtude do próprio carisma, transforma-se em um líder livremente eleito (WEBER, 2000, v. 1, p. 175- 176).