A COMUNIDADE ESPERANÇA: Desapropriação x Direito De Propriedade

Por Karla Giuliane Gomes Garcia | 28/11/2016 | Direito

Karla Giuliane Gomes Gracia

1 DESCRIÇÃO DO CASO

A comunidade Esperança possui aproximadamente 70 famílias e está situada em zona rural da região metropolitana de Terra das Palmeiras há mais de 30 anos. A comunidade possui infraestrutura de energia elétrica, abastecimento de água, posto de saúde e até mesmo escola comunitária parcialmente mantida pela prefeitura. Contando ainda com um manancial (área preservada) que abastece além da comunidade mais de 500 famílias da região. 

Contudo, foi apresentada uma ordem de despejo contra toda a comunidade, visto que o Sr. Abelardo Teixeira de Freitas apresentou-se como legítimo proprietário e possuidor do imóvel, munido de registro datado de 17 de janeiro de 1997. Alegou ainda ter um projeto habitacional de médio padrão para a localidade, valorizando a área e atraindo serviços públicos essenciais como saneamento básico, asfaltamento de ruas e investimentos privados, como centros comerciais.

Com isso, foi concedida medida para que os moradores saíssem da área em até 15 dias, sob pena de uso de força policial; e caso as providências não fossem tomadas, o Comandante geral da Polícia Militar e o Secretário de Segurança Pública do Estado poderiam ser presos pelo crime de desobediência. Assim, a associação de moradores da comunidade Esperança recorreu à prefeitura municipal para reverter a decisão e iniciar um processo de regularização fundiária da comunidade, alegando até mesmo o desconhecimento de um proprietário para o imóvel.

O problema do case envolve o conflito entre os moradores da Comunidade Esperança e o Sr. Abelardo Teixeira de Freitas com respeito a propriedade de um imóvel. Assim, questiona-se com quem ficará a propriedade, bem como qual seria o ponto de equilíbrio entre interesse público e desenvolvimento.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrição das Decisões Possíveis e Argumentos Capazes de Fundamentá-las

  1. Parecer favorável à Comunidade Esperança.

Inicialmente, pode-se falar do Direito à moradia e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. As 70 famílias (aproximadamente) da Comunidade Esperança alojaram-se neste imóvel pelo fato de estarem na busca de um lar, o que é assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 6º, que elenca a moradia como um dos direitos sociais. Contudo, o sistema jurídico brasileiro não defende apenas ter a moradia, mas requisita que esta moradia seja respeitada - o que confere dignidade aos cidadãos.

Deve-se levar em conta o princípio da Função Social da Propriedade. A Constituição Federal assegura o direito de propriedade (art. 5º, XXII), mas, atualmente, há uma ênfase cada vez maior ao aspecto social - ou seja, a propriedade precisa atender a uma função para a sociedade. No caso da comunidade Esperança, o terreno passou a ter uma função social no momento em que serviu de moradia para as 70 famílias antes desabrigadas e antes disso o local estava abandonada, sem sinais evidentes de um proprietário, que não concedia ao seu imóvel uma função social. Desta forma, o que ocorreu não foi uma invasão, mas o imóvel passou a ter uma função social. (MAIOR, 2012) 

“Limita-se a propriedade, assim como qualquer outro direito, na medida em que se busca dar um sentido coletivo à sua tutela”. (BARBOSA; PAMPLONA, 2015). Existem algumas limitações impostas pela Constituição ao direito de propriedade, são elas a servidão administrativa, requisição, ocupação temporária, limitações administrativas, tombamento e desapropriação. Todas essas formas de limitação são intervenções do Estado na propriedade buscando sua mais apropriada função e visando o interesse público. O instituto mais aplicável ao ‘caso Esperança’ é a desapropriação. 

“Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o poder público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização.” (CARVALHO FILHO, 2006, p. 680). Esta desapropriação é denominada comum ou ordinária e está descrita no artigo 5º, XXIV da CF. Outro dispositivo sobre o tema é o artigo 1228, §3º do Código Civil que estabelece que “O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.” Sendo assim, o Sr. Abelardo perderia a propriedade do imóvel para o Estado, que consequentemente regularizaria a situação dos moradores para que fiquem no espaço. 

Dispositivo mais específico ainda é o §4º do artigo 1228 - há uma divergência quanto à sua natureza, se seria desapropriação ou usucapião, mas independente disso, é assegurado que quando o imóvel de extensa área for ocupado por um considerável número de pessoas por mais de cinco anos, tendo realizado neste imóvel obras e serviços de interesse social e econômico relevante, o proprietário é privado do imóvel. Assim, os moradores da comunidade Esperança ocuparam terreno que não tinha função social e, a partir dessa ocupação, o local passou a ter infraestrutura de energia elétrica, abastecimento de água, posto de saúde e uma pequena escola comunitária, mantida em parte com recursos da prefeitura municipal. Desta forma, caberia Ação Civil Pública para defender os interesses da comunidade e posterior regularização da propriedade para o grupo. Caberia ainda, indenização para o antigo proprietário do terreno (§5º art. 1228 CC). 

Outro ponto a ser levantado é quanto ao registro do sr. Abelardo Teixeira de Freitas, datado do dano de 1997, ou seja, posterior a ocupação do terreno pelas pessoas que hoje fazem parte da Comunidade Esperança. Além disso, apesar de o Sr. Abelardo apresentar proposta de projeto habitacional que valorizaria a área atraindo mais serviços públicos que faltam a localidade, cabe relembrar que deve haver um equilíbrio entre interesse público e desenvolvimento - seria mais plausível deixar essas pessoas em suas casas, do que retirá-las para valorizar a área, já que elas ficariam sem suas casas e com o risco de ocuparem outro terreno. 

Para retirar os moradores do imóvel foi apresentado pelo oficial de justiça instrumento não apropriado para o caso - ordem de despejo. Não se trata de um contrato entre locador e locatário. Portanto, não caberia ordem de despejo e os moradores devem continuar em suas residências.

b) Parecer desfavorável à comunidade esperança.

O Direito de propriedade é assegurado pela Constituição Federal e por isso, deve sofrer intervenções mínimas por parte do Estado e somente em casos extremos. Como possuidor do título de propriedade do imóvel, o direito do Sr. Abelardo sobre esse bem deve ser respeitado e protegido. Além do mais, há uma proposta de função social para a propriedade que leva em conta não apenas o interesse do proprietário ou de um grupo de pessoas, mas o interesse de toda a sociedade - ja que valorizaria a região, atraindo serviços públicos essenciais - o que é amparado pelo princípio administrativo da supremacia do interesse público, “decorre dele que, existindo conflito entre o interesse público e o interesse particular, deveria prevalecer o primeiro, tutelado pelo Estado, respeitados, entretanto, os direitos e garantias individuais expressos na Constituição”. (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 190).

Desta forma, haverá ação de reintegração de posse - a propriedade já tem, falta recuperar a posse do imóvel. O Sr. Abelardo não pode se responsabilizar por uma omissão do Estado ou município que não proporciona às pessoas locais adequados para moradia - sendo o ente responsável por retirar as pessoas do imóvel e colocá-las em outro local. Além disso, a área fica próxima a um local de preservação, cabendo nesses casos, como previsto no art. 2º, VII da Lei 4.232/62, a desapropriação para a preservação de cursos e mananciais de água.

2.2 Descrição dos critérios e valores

O case pelos princípios da Função Social da Propriedade, Dignidade da Pessoa Humana, Direito à Moradia, Supremacia do Interesse Público e Proporcionalidade. Sendo consideradas questões da ordem administrativa, civil e até mesmo social.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. São

Paulo: Editora Método, 2009.

BARBOSA, Camilo de Lelis Colani; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Compreendendo os

novos limites à propriedade: uma análise do artigo 1228 do Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6725/compreendendo-os-novos-limites-apropriedade>. Acesso em 3 de outubro 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas,

2006

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Direito de propriedade deve atender à função social. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jan-30/pinheirinho-direito-propriedadeatender-

funcao-social>. Acesso em 3 de outubro de 2015.

Vade Mecum universitário RT/ [Equipe RT]. - 5. Ed. revista, ampliada e atualizada. - São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.