A Comunidade Científica no âmbito do Curso de Administração

Por Jorge Repula | 14/04/2010 | Adm

A pesquisa realizada na elaboração do presente trabalho tem enfoque na busca dos fundamentos da comunidade científica que, através de seus paradigmas, apresenta à sociedade um conhecimento técnico-científico a partir de seus estudos. No curso de administração, os estudantes, dotados de valores, estruturam e organizam a comunidade científica, empenhando-se na investigação científica, tornando-se assim capazes de dar uma resposta útil e integrada ao mundo. Sendo pesquisadores de teorias e práticas administrativas a partir de análises críticas e analíticas, os administradores explicam e reinventam a realidade social em que vivem.


Palavras-chave: Comunidade científica, paradigmas, administração.



1. COMUNIDADE CIENTÍFICA


Poderíamos definir a comunidade científica como uma associação de pessoas que encontram-se com o objetivo de tratar a respeito de determinado assunto científico, trocando informações, conhecimentos; porém o que rege esta comunidade são os saberes científicos e não aqueles do senso comum, pois somente considera-se científico aquilo que pode ser comprovado. A investigação acerca de um tema representa a discussão e busca aprofundada de explicação da origem, consequências e impactos, soluções que o assunto apresenta.

Na definição de Thomas Kuhn, a comunidade científica é uma entidade social extremamente particular, mesmo única no seu gênero. Todas as características que definem a comunidade, contribuem para tornar possível o funcionamento eficaz do empreendimento científico. Um deles é a profunda unanimidade que, em tempo normal, reina entre os membros de uma mesma comunidade que se encontram dispersos através do mundo, porém lêem os mesmos jornais, feitos para e por eles e que são praticamente os únicos a consultar; têm o mesmo vocabulário e os mesmos interesses científicos; a sua educação vai muni-los de modelos e de critérios metodológicos comuns que determinam os problemas a resolver e as soluções admitidas pelo grupo.

Os membros de uma comunidade científica se empenham em buscar a solução de um assunto, através da leitura de muitos artigos e textos e após isso, se encontram para discutirem as possíveis soluções a partir das conclusões extraídas por cada membro dentro de seu caráter investigativo.

O interesse pela ciência socializa o conhecimento na medida em que ocorre a construção de teorias que fundamentam a pesquisa e servem de base para aplicação dentro desse ambiente científico. O prazer de buscar sempre melhores fundamentos aliado com as descobertas realizadas move esse estímulo pela investigação contínua do ambiente científico, conhecimento das leis, teorias e aceitação das teorias já comprovadas que facilitam a busca por novos conhecimentos. A comunidade é fortalecida quando os membros encontram novos modelos e ocorre a cooperação e colaboração entre os parceiros que empreendem sua vida e dedicação no conhecimento de um assunto, sendo capazes de refazerem uma determinada experiência tantas vezes que forem necessárias até que seja comprovado e apresente uma teoria ou experimento científico tornando-se aceitável pela sua comprovação e apresentação de resultados.


2. OS PARADIGMAS DA CIÊNCIA


Dentro da comunidade científica onde há a união do grupo que identifica e busca respostas em um descobrimento há um paradigma que rege a maneira de compreender e encarar os fatos. Este consenso ocorre através da maneira de entender, agir, perceber as coisas, ou seja, o pensamento do grupo está estruturado sob uma fonte, um elemento comum a todos os membros.

Este elemento, podemos identificar como paradigma, ou seja, como afirma Kuhn, está empregado do elemento sociológico que compreende todo o sentido de valores, crenças que determinam o conjunto científico social, partilhadas pelo grupo que possui uma ciência organizada dentre destes paradigmas. Kuhn define o paradigma como "matriz disciplinar" do grupo, diferenciando o sentido amplo de paradigma do sentido preciso, que seria o próprio paradigma e seus valores. Este sentido preciso remete à comunidade dos cientistas que possuem uma maneira comum de praticar a ciência, com valores de pesquisa sólida e baseada em compromissos de trabalho e investigação científica.

Os valores e normas, segundo a teoria de Kuhn, possuem uma dimensão constitutiva das ações dos cientistas em que o significado de uma regra é construída ao longo da ação concreta na qual ela é empregada; portanto a norma ou valor está embasado no seu contexto de uso, a partir das funções que desempenha nas atividades práticas dos indivíduos. Na construção destes valores, destacamos a noção de autonomia relacionada a esfera cultural e geográfica em que está inserida, pois a relação com o ambiente em que vive dentro da sociedade irá condicionar o funcionamento das comunidades. Os paradigmas não são símbolos, mas são o próprio funcionamento pelo qual se guiam as ações dos cientistas dotados de um sistema de valores próprio em que estes valores irão determinar a forma como será desenvolvido o trabalho dentro da comunidade científica.

Na concepção de Kuhn, a comunidade científica, enquanto unidade produtora e legitimadora do conhecimento científico, é a noção que permite conferir operacionalidade tanto ao conceito de paradigma quanto ao de ciência normal. Para esse autor, o paradigma governa antes de tudo não um objeto de estudo, mas um grupo concreto de praticantes da ciência. A estrutura da ciência normal é dada justamente pelo consenso, compromisso e adesão de uma determinada comunidade à tradição de pesquisa informada pelo paradigma. Ser membro da comunidade científica, segundo Kuhn, é ter sido formado e estar inserido numa sólida e estável rede de compromissos compartilhados, compromissos que envolvem tanto aspectos cognitivos quanto valores e crenças sociais. A concepção kuhniana trouxe para os estudos sobre a formação e o funcionamento da comunidade científica, a noção de que o conhecimento científico é um sistema de convenções, construído e reproduzido socialmente por meio da autoridade exercida pelo grupo. Kuhn afirma que a aplicação dos conceitos científicos é o resultado do acordo estabelecido, na prática, por uma comunidade específica de cientistas. Ainda que possa haver o juízo ao nível individual, o significado dos termos e conceitos sempre será dado em função daquilo que a comunidade científica julga como correto e legítimo. De acordo com essa concepção, o foco da atenção deve estar nas pessoas que aplicam os conceitos e não nas coisas às quais estes se aplicam. Portanto, as explicações para a pesquisa científica devem discutir a prática concreta daqueles que realizam a pesquisa.

Vemos então que os paradigmas não são eixos norteadores mas a própria comunidade com seus valores específicos e as razões que levam os cientistas a aderir a um novo paradigma funcionam como valores e não como regras objetivas de escolha. Tais valores podem ser aplicados em situações concretas de diversas maneiras pelos indivíduos, sempre a partir do sistema aceito pela comunidade. A compreensão dos motivos que levam um cientista a agir de uma dada maneira numa dada circunstância depende da investigação sobre a natureza do grupo científico do qual ele faz parte, sobre o que esse grupo valoriza e rejeita, bem como sobre a posição que esse cientista ocupa em tal grupo.

Ao tratar dos paradigmas na ciência, foi dada especial atenção a teoria de Kuhn, porém lembramos que existem diferentes concepções de paradigmas segundo a teoria de diferentes autores; queremos destacar aqui a noção de paradigma segundo Fritjof Capra que ao tratar da ciência divide em dois paradigmas: o mecanicista e o sistêmico. O paradigma mecanicista engloba o mundo que opera a partir das leis matemáticas e todas as normas que regem o pensamento dentro das disciplinas de química, física, biologia, psicologia, sociologia e outras. Já o paradigma sistêmico, na visão de Capra, integra o mundo com o homem, baseado na interação de processos, ou seja, a união do homem com o ambiente em que vive. O paradigma mecanicista levou à crise individual, social e ambiental na medida em que prega a determinação do mundo destituído do livre-arbítrio. O Paradigma sistêmico ou holístico privilegia o coletivo, a cooperação, em que o mundo está envolvido por uma teia de redes que são dinâmicas. Enquanto o mecanicista é absoluto, o holístico é relativo.

Assim, na concepção das comunidades científicas, temos agora dois exemplos de paradigmas (Kuhn – a comunidade é o próprio paradigma e Capra – paradigma sistêmico/holístico) que serão as bases para tratarmos da estrutura e funcionamento da comunidade científica no curso de Administração a partir dos paradigmas que irão reger todo o andamento neste ambiente.


3. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA COMUNIDADE CIENTÍFICA NO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO


O Curso de Administração iniciou-se no Brasil em meados da década de 60 e pertence ao CCSA – Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Na definição de Houaiss (Drucker, 2002), pode-se afirmar que a administração é o "conjunto de normas e funções cujo objetivo é disciplinar os elementos de produção e submeter a produtividade a um controle de qualidade, para a obtenção de um resultado eficaz, bem como uma satisfação financeira". Fayol foi o primeiro a definir as funções básicas do Administrador: planejar, organizar, controlar, coordenar e comandar. Durante a história surgiram diferentes teorias da administração como a Teoria da Administração Científica (Frederick Taylor - 1903), Teoria clássica da administração (Henri Fayol - 1916), Teoria estruturalista (idéias de Max Weber - 1947), Teoria dos sistemas (Ludwig von Bertalanffy - 1951) e inúmeras outras. Estas diferentes teorias buscam explicar a administração sob diferentes óticas, visando a formação de uma teoria científica a respeito da administração.

Tratando das teorias científicas da administração, entramos na questão da comunidade científica e seus paradigmas. Sendo a administração uma ciência social aplicada, ela deve apresentar um grau de pesquisa científica aprofundada a fim de que sejam formados profissionais aptos a enfrentar a complexidade do mundo moderno que cobra cada vez mais conhecimentos técnicos, com profissionais administrativos dotados de uma base crítica construtiva, capaz de assimilar e desenvolver novas tecnologias, com esforço contínuo de adaptação e renovação, correspondendo às exigências atuais, objetivando a formação científica aliada à teoria e à prática, jamais esquecendo da formação humana e ética.

Na busca da formação de um profissional dinâmico, inovador, criativo, crítico, consciente de suas responsabilidades, deve estar o profissional da administração sempre aberto para uma aprendizagem contínua e multidisciplinar, agindo em consonância com os processos de transformações pelos quais passam a sociedade em geral.

Na formação do grupo, no caso administração que focaliza o papel do administrador, as teorias enquanto uma ciência social aplicada reflete uma maneira de ver o mundo e a organização social com seus valores, concepções, crenças e os paradigmas existentes dentro deste contexto social. Assim, as pesquisas e os conhecimentos técnicos-científicos são de grande valia no sentido de estruturar a comunidade científica organizada no curso de administração. A relação da comunidade com a sociedade gera uma interdependência e esta deve ser fundamentada, dotada de caráter científico.

O estudante do curso de administração deve se empenhar em encontrar fundamentos teóricos para compreender o conteúdo em seu caráter científico, sendo capaz de apresentar um conhecimento de cunho científico, baseado em fontes confiáveis com cunho de pensamento crítico e analítico. A comunidade científica no curso de administração deve ser um encontro de pessoas unidas pelo mesmo objetivo e/ou assunto, dispostas a pesquisar e conhecer sempre mais.

A obtenção do conhecimento da realidade se desenvolve através da pesquisa. Essa prática envolve um conjunto de atividades e orientações para a busca de descobertas ou verdades. Através dessa atividade sistemática, metódica e reflexiva descobrimos respostas para os problemas que se manifestam como lacunas do nosso conhecimento. O ato de pesquisar possibilita a compreensão, reformulação e transformação de teorias científicas, ao mesmo tempo que nos aproxima do novo, do desconhecido. Sendo a realidade "um todo contínuo, complexo e dinâmico", nas palavras de Barros e Lehfeld (2000), o profissional não pode ficar aliado desse processo, e a universidade é o espaço que lhe permite iniciar esse contato com os fatos da realidade através da apreensão do conhecimento acumulado favorecida pela leitura e discussão de textos teóricos; pela reflexão e pelo desenvolvimento do senso crítico, formando assim o seu espírito científico. A elaboração de trabalhos acadêmicos, como resumos, fichamentos, seminários e pesquisas bibliográficas, contribuem para a formação de uma consciência crítica e estimulam a prática da leitura e da escrita, atividades imprescindíveis para o desenvolvimento do raciocínio lógico.

O profissional ou futuro profissional, não pode ignorar que o seu amadurecimento intelectual fortalece a sua capacidade de interagir com essa realidade dinâmica e de compreendê-la, possibilitando uma prática profissional apoiada no conhecimento científico, construído a partir de uma investigação racional, metódica e objetiva. A construção do conhecimento não deve se restringir aos denominados pesquisadores profissionais, e sim expandir-se à todos aqueles que buscam compreender a complexidade dos fenômenos e das relações que se desenvolvem em um mundo cada vez mais interativo e indagador.

Neste sentido, após a criação dessa comunidade científica, voltamos a tratar dos paradigmas que regem a comunidade. Tomando, como exemplo, os dois paradigmas acima apresentados, aplicamos este ao curso de administração. O paradigma segundo Kuhn não são as regras que regem o grupo e sim os valores desta comunidade. Assim, no curso de administração os estudantes devem se aplicar no sentido de contribuir no acompanhamento da pesquisa e evolução da busca por aquilo que define-se ou aproxima-se do verdadeiro e, cientificamente, comprovado. As ações do administrador, de planejamento, definição de conceitos, organização, comunicação, mensuração, devem ser realizadas de forma integrada, holística. Assim, o paradigma na visão de Capra une-se ao paradigma de Kuhn, ou seja, sendo uma rede na teia da vida, estamos sempre em contato com o mundo, e essa visão sistêmica aplica-se ao conteúdo da administração na medida em que as ações do administrador são aplicados os princípios, técnicas e as ferramentas administrativas. Um bom administrador é um líder com valores humanos, com ações responsáveis e de cooperação, detentor de uma visão sistêmica e global da estrutura da organização.

Desta forma, a criação da comunidade científica amparada em seus paradigmas é o apoio para o desenvolvimento de um trabalho científico no âmbito do curso de administração. Sendo capaz de fornecer teorias, explicações científicas convincentes que servem para aprimorar conhecimentos e assim, o trabalho do administrador será mais útil, organizado, estruturado no planejamento e execução das tarefas diárias.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A compreensão dos paradigmas que regem a comunidade científica são as bases para que o grupo possa avançar em suas pesquisas. Foram apresentados alguns paradigmas, mas sabemos que estes terão sua importância na medida em que o grupo estiver estruturado, organizado e ciente de suas tarefas. A dedicação de cada membro fortalece o grupo e nessa união, importantes conhecimentos e experiências surgem em benefício da sociedade. Destacamos o caráter científico que deve estar presente em cada administrador para que o curso de administração, enquanto uma ciência social aplicada, inove em suas idéias, reinvente as teorias da administração já existentes aplicando-as na sociedade, assim todos podem usufruir dos conhecimentos teóricos e práticos trazidos pelos cientistas da administração.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de Metodologia Científica - Um guia para iniciação científica. São Paulo: Makron Book, 2000.

BEN-DAVID, Joseph 1974 O papel do cientista na sociedade. São Paulo, Pioneira/Editora da Universidade de São Paulo, 2001.

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. Ed. Cultrix, 1996.

CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 4. ed. São Paulo: Makron, 1993.

DRUCKER, Ferdinand P. Introdução à administração. 3. ed. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2002.

KUHN, Thomas S. 1989a Estrutura das revoluções científicas. 3ª ed., São Paulo, Perspectiva.

KUHN, Thomas S. 1989b A tensão essencial. Lisboa, Edições 70.
MAXIMIANO, Antônio Cesar Amaru. Da escola científica à competitividade na economia globalizada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000.


1Graduado em Ciências Econômicas e Pós-Graduação em Comércio Internacional.