A comida mais gostosa

Por Marco Antonio Guimarães Sarmento | 18/11/2021 | Crônicas

A comida mais gostosa

Certa vez, eu vi uma propaganda na televisão de uma rede de lanchonete fast-food, em que eles prometiam atender o seu pedido em apenas 40 segundos. Caso não conseguissem atingir essa marca, eles dariam o lanche de graça.

Alguns dias depois, passeando por um shopping, senti vontade de comer alguma coisa e, lembrando-me do comercial na TV, pensei: “Legal, não precisarei esperar muito para comer”. Então, dirigi-me alegremente à lanchonete e fiz o pedido simples de um cheese-burguer com refrigerante. O tempo máximo de atendimento foi atingido, recebi o lanche e me sentei para comer. Qual foi a minha decepção quando percebi que o meu sanduíche mal cabia entre minhas mãos, tão miúdo que era. Quando procurei catchup, não encontrei. Mal enxerguei a fina camada de maionese que havia no cheese-burguer que, por sinal, estava frio feito pão que se compra num dia e se come no outro. A única vantagem é que o copo de refrigerante mais parecia um mini balde, de tão grande que era. Fazendo o balanço final, fui atendido rapidamente para tomar refrigerante acompanhado de um pequeno sanduíche de brinde e não o contrário. Após essa experiência, pensei no quanto somos influenciados pela propaganda televisiva e o quanto eles nos levam a acreditar que estamos levando vantagem em determinada compra para, depois, descobrirmos que não é bem como que pensávamos que fosse.

Também fico refletindo na questão específica da comida que nos é oferecida pelas grandes empresas de fast-food. Além de ser uma comida altamente padronizada, eles ainda fazem questão de não oferecer nada que possa ser considerado delicioso. E nós nos sujeitamos a essa falta de consideração pelo nosso paladar.

Anos depois, passando as férias de verão na casa de meus pais no interior, tive uma experiência cultural-gastronômica maravilhosa. Eu e minha família fomos a um sítio de uma senhora, amiga de minha mãe, numa cidadezinha do interior do Estado, durante uma viagem de férias. O sítio, encravado no meio do mato, às margens de uma estrada, tinha uma casa de farinha, barracão sem paredes onde se produz artesanalmente a farinha e outros derivados da mandioca, raiz abundante na Amazônia. Com equipamentos rústicos, como um ralador que é movimentado com a ajuda de umas boas pedaladas de um pedal de bicicleta atrelado ao equipamento, ou um tipiti, espécie de cestaria alongada que serve para espremer a mandioca ralada.

Comecei a ajudar à senhora e seus filhos, gente simples, educada e muito simpática, a fazer a farinha de mandioca desde o início do processo, descascando a espiga (que estava de molho no igarapé – pequeno braço de rio amazônico), até o momento de assá-la no grande forno rudimentar do barracão. Sua filha, moça surda-muda de traços caboclos, educadamente, me corrigiu, pegando a grande pá de madeira de minha mão para demonstrar o modo correto de farinhar – remexer a massa de farinha no forno. E assim, com algumas horas de trabalho, aprendi como se faz a farinha de mandioca e seus derivados, como a goma (usada para fazer a tapioca) e o tucupi (quem nunca ouviu falar no pato no tucupi?).

Essa experiência, além de ser uma maravilhosa aventura de retorno ao cotidiano de nossos antepassados indígenas, serviu para me mostrar o trabalho que dá preparar a farinha nossa de cada dia, entendendo a dura realidade de nossa gente do interior.

Como se só isso já não fosse bastante gratificante para mim, ainda tive a sorte de ser presenteado com alguns quilos de farinha e dois litros de tucupi por aquela bondosa senhora cabocla paraense, que nos enviou o presente no dia seguinte.

Assim, minha mãe preparou para o almoço do domingão um delicioso feijão, minha esposa preparou a salada vinagrete e ajudei meu pai no churrasco. Sentados à mesa na hora de comer, servi-me daquela farinha novinha e de um molho de pimenta feito com o tucupi da mesma safra e com pimenta tirada dali mesmo, no quintal. Ao comer aquela comida absolutamente fresquinha, com aquela pimenta de pouco ardume, aquele churrasco recém-saído da brasa e aquela farinha torradinha, descobri o que é o verdadeiro sabor da comida brasileira, delícia gastronômica que, ao misturar ingredientes frescos e feitos com carinho de mãe, nos leva ao prazer da degustação das maravilhas do interior. Comer assim é comer com alegria. Comer com satisfação, por saber de onde veio a comida, como foi feita e, sem produtos adicionais que possam prejudicar nossa saúde. Foi, sem dúvida, a comida mais gostosa que comi em toda minha vida.

Fast-food? Quem precisa deles? Nem em 40 segundos.

 

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