A colonização e o tráfico negreiro: base da formação e expansão do Capitalismo

Por Lucival Fraga dos Santos | 18/05/2011 | História

Falar sobre o Sistema Escravista, gera muito mais perguntas do que respostas, principalmente quando se refere a expansão do processo de escravidão com a Colonização da América, em especial do Brasil. Contudo, é preciso um mergulho na História para compreender sua formação e desenvolvimento ao longo dos séculos, pautando-se em alguns pontos entre eles como os europeus portugueses chegaram a costa brasileira, o tráfico negreiro, a diversidade étnico ? cultural africana e o acúmulo de capital resultante do Colonialismo Mercantil.
No século XV, a Europa passou por uma grave crise econômica, decorrente do colapso do Sistema Feudal. Com a falta de produtos e a baixa atividade comercial, o dinheiro começou a desaparecer de circulação, além do mais não havia emprego para todos os ex-servos, que se concentraram nas cidades e suas dificuldades aumentavam ainda mais. Para agravar os problemas a crise de fome assolou a Europa, devido aos preços e escassez dos alimentos com a morte dos trabalhadores rurais, vítimas da maiopr epidemia Peste Negra.
Navegar era preciso, na busca de soluções para a crise. A centralização política, que se deu com a formação dos Estados Modernos e o Absolutismo, as práticas mercantilistas, a expansão marítima e a sociedade estamental foram os mecanismos encontrados para a ultrapassagem da crise do séc.XIV.
Apesar da vontade de conhecer as maravilhas, os europeus tinham muito medo do desconhecido. O mar causava terror aos primeiros navegantes do oceano Atlântico. Conhecedores de poucas técnicas náuticas e aterrorizados pelas histórias de monstros marinhos, os europeus ficavam divididos entre o desejo de conhecer as maravilhas, de conquistar riquezas, na terra desconhecida, e o temor dos " monstros marinhos".
Em fins do século XIV, Portugal viveu um processo de mudanças significativas com a dinastia de Avis, que incentivou a expansão ultramarinha portuguesa. Esta por sua vez teve início com a conquista de Ceuta, no Norte da África, em 1415, sustentada pelo Estado.
Ao longo do século XV, Portugal foi o pioneiro da expansão marítima por ser o primeiro país europeu a construir um Estado Absolutista capaz de apoiar as navegações. Pouco a pouco os portugueses foram avançando em direção as Índias, sempre contornando a costa Atlântica do continente africano, estabelecendo postos comerciais.
A expansão marítima portuguesa , tinha dois objetivos: converter os povos infiéis a fé católica e buscar riquezas.Nas várias viagens realizadas ao longo das costas da África, os portugueses e espanhóis estabeleciam feitorias onde obtinham ouro, pimenta, sal, e ao mesmo tempo, comercializavam escravos africanos o que deu origem ao tráfico negreiro, comércio entre a América, África e Europa.
È importante lembrar, que Portugal e Espanha, principais países europeus da época disputavam as terras "descobertas". Para resolver de forma pacifica o conflito foi criado o Tratado de Tordesilhas, embora não tenha acontecido na prática, pois Portugal ficara prejudicado e os conflitos continuaram (inclusive pela Colônia brasileira).
Em março de 1500, poucos meses depois da volta de Vasco da Gama a Portugal, uma esquadra composta de 13 navios, liderada por Pedro Alves Cabral, partiu com destino as Índias. Após ultrapassar as ilhas de Cabo Verde, a rota de Cabral afastou-se das costas da África intencionalmente ou não, seguindo rumo a costa da Bahia, no local hoje chamado de Porto Seguro. Oficialmente para os europeus, o Brasil estava "descoberto".
Em carta ao rei de Portugal, Pero Vaz faz uma descrição significativa para a colonização e exploração do Brasil:
[...] Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra cousa de metal ou ferro: nem lha vimos. Contudo a terra em si é de bons ares frescos e temperados. As águas são muitas: infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo ? a aproveitar, dar-se-á nela tudo: por causa das águas que tem![...].
A partir de 1530, a política portuguesa em relação ao Brasil começou a mudar, em carta ao capitão-mor, o rei autoriza a colonização do Brasil, visando superar a crise e pagar as dividas aos banqueiros holandeses:
[...] por esta minha carta lhe dou poder para que (...) Martim Afonso possa dar as pessoas que consigo levar, as que na dita terra (Brasil) quiserem viver e povoar, aquela parte das terras que assim achar e descobrir que lhe bem parecer e segundo o merecerem as ditas pessoas por seus serviços e qualidades para as aproveitarem (...).
( Rei D.João III, p/ doar terras de sesmarias, 1530).
Dando início a colonização do Brasil, Martim Afonso fundou as primeiras vilas e instalou um engenho para a produção de açúcar, organizou a busca de metais preciosos no interior. Com o objetivo de tornar lucrativa uma Colônia de exploração, os europeus organizaram um sistema produtivo baseado no latifúndio, monocultura e escravidão.
A escravidão foi a saída que os colonizadores portugueses encontraram para resolver o grave problema da produção açucareira, a mão- de- obra. Na etapa inicial, utilizaram o trabalho escravo indígena em larga escala. Porém no final do séc.XVI, a falta de mão-de-obra, e os danos voltaram-se para o Tráfico Negreiro, que rendia altos lucros para a Coroa Portuguesa e os traficantes.

Ser escravo significa pertencer alguém e estar submisso a essa pessoa de forma completa. Assim, o escravo pode até ter vontade própria, mas não pode realizá-la. A escravidão coloca o ser humano na condição de "coisa," mercadoria, podendo ser, portanto, comprada, vendida ou alugada naturalmente como o tráfico negreiro comprova.
A África era, no século XVI, um continente povoado por diversas tribos, isto é, possuía uma organização tribal. Possuíam hábitos, línguas, culturas e nacionalidades diferentes, tinham sua identidade. Havia entre algumas delas rivalidades que muitas vezes acabava em escravidão, para a tribo derrotada. Com o tempo esses escravos eram incorporados à tribo vencedora e não recebiam tratamento diferenciado, ao contrário dos colonos.
Assim quando os portugueses chegaram à África, perceberam que poderiam tirar vantagem econômica desse costume e passaram a oferecer produtos como tecidos, tribo, sal, e até cavalos, em troca dos escravos. Fascinados com os produtos oferecidos, os chefes das tribos começam a vender seus prisioneiros de guerra e escravizados por causa de dívidas, adultério, crimes ou retirantes de regiões miseráveis, nasce dessa troca o desumano tráfico de escravos africanos.
Portugal foi o primeiro país da Europa a realizar o comércio de escravos africanos. Isso foi possível porque ao longo dos séculos XV e XVI, dominaram muitas regiões no litoral da África, onde fundaram feitorias e estabeleceram alianças com comerciantes e soberanos africanos e passaram traficar os escravos via Atlântico.
O tráfico negreiro era desumano, mas lucrativo e unia interesses na África, América e Europa. Os traficantes compravam negros de diferentes línguas, culturas e regiões, para que não forjassem rebeliões. Eram comprados a um preço mínimo e revendidos com altíssimos lucros. Os escravos eram levados em navios chamados tumbeiros pra a América e Europa. Assim que embarcavam eram batizados, recebendo nomes bíblicos, e um número marcado a ferro no ombro, além de serem acorrentados para evitar fugas.
Os tumbeiros eram superlotados e transportavam em média 700 escravos, sem a menor condição de higiene e conforto. A fome, a sujeira, o desconforto e as doenças como escorbuto, avitaminose, diarréia, eram comuns. Os cativos doentes eram envenenados e jogados ao mar. Estima-se que 30% dos negros a bordo morriam durante a longa viajem.
Assim que chegavam aos portos do Brasil, os africanos, atordoados e doentes também iriam para o mercado de escravos (quando não vendidos no próprio porto), ou expostos em praça pública e leiloados, como um objeto qualquer, do mesmo modo que os sadios, porém com menor preço, é claro.
Preocupado com os prejuízos, decorrentes do grande número de negros mortos durante a viagem, Nassau escreve ao rei, vejamos tal confirmação no trecho a baixo:
[...] Será do interesse da Companhia ter maior cuidado com os negros, visto que dos 6400 exportados da África entre fevereiro de 1642 e julho de 1643, morreram 1525. Quero crer que a causa disso não seja outra que, maltratos nos navios, desprovidos do necessário para a viajem, morrem esse infelizes pelo dessaseio e péssima alimentação. Os preços deles variam conforme estejam bem ou mal nutridos. Após a travessia, de-se um espaço para estes se refazerem os corpos. Do contrário os magros perdem quase inteiramente o seu valor, ou debilitados pelos incômodos da navegação, morrem logo após o desembarque [...]
(Relatório de Nassau sobre o Brasil. Apud Gaspar Barléu, p.338).
Sobretudo, as péssimas condições em que viviam os negros , não restringiam-se apenas dentro do navio, pelo contrário, uma vez vendido, simplesmente seus novos donos os jogavam nas senzalas,abastecidos a sobra de comidas, muito trabalho, com carga horária de 15 a 18 horas por dia, além do abuso sexual das negras mais belas, pelo dono, seus filhos e feitores ou capitão do mato, como eram chamados, e os castigos severos.
Os escravos formavam a maioria da população de um engenho e faziam todo o trabalho nos canaviais e casa grande (fazenda do seu proprietário). Despertados ao raiá do dia pelo som do sino se apresentavam enfileirados ao feitor e recebiam suas tarefas, distribuídas após a prece coletiva. Trabalhavam sempre sob vigilância do feitor, que organizava o trabalho, atividades cansativas e repetitivas, por este motivo tinham pouca durabilidade de vida. A escravidão esteve sempre associada a violência, pois esta era a única maneira de motivar um trabalho obrigatório. Os castigos aplicados tinham assim, dupla finalidade: incentivar a produção e evitar rebeliões e fugas.
È importante lembrar aqui, que os africanos escravizados, nunca foram passivos, ou facilitavam sua captura, mas na maioria das vezes era pegos de surpresa e com as armas que tinham, as fechas não podia reagir a tribo adversária armada pelo português com armas de fogo, pois seria o mesmo que assinar a sentença de morte. Prova disso é que nas colônias, eles fugiam das senzalas, trocavam socos com o feitor e fundaram pequenas comunidades de negros fujões conhecidas como Quilombo. E para garantir a sobrevivência muitas vezes invadiam as fazendas para adquirir alimentos e tornar outros negros livres.
Vale ressaltar, que tanto o Estado como a Igreja apoiavam o tráfico de escravos. O catolicismo ou a Igreja justificava a escravidão alegando inicialmente que os mesmos não tinham almas, que eram por naturezas inferiores, mas tarde alega que o sofrimento dos negros como penitência para seus pecados e a busca da salvação, isto é, a escravidão e o tráfico, tinham a permissão de Deus.
Com todas essas falsas justificativas, ao longo do século XVIII, o tráfico negreiro chegou a dar mais lucros para a metrópole portuguesa do que o próprio negocio com a exportação do açúcar. Assim a "mercadoria humana" enriquecia o Estado e a Igreja que sustentava e expandia o Mercantilismo Colonial que objetivava fortalecer economicamente os governos dos Estados nacionais da Europa Ocidental.
O Mercantilhismo Colonial ou Colonialismo Mercantil, trata-se de um conjunto de idéias e práticas econômicas que caracterizam a história econômica européia, e principalmente , a política econômica dos Estados Modernos europeus durante o período situado entre os sécs. VX e XVIII.
Os defensores do Mercantilhismo davam importância ao comércio exterior, devia-se exportar ao máximo e importar pouco. Para garantir e ampliar o comércio exterior, as monarquias européias adotaram uma série de princípios e práticas que protegiam suas respectivas Colônias da cobiça das outras potencias. Assim a colônia, brasileira só podia comerciar com sua metrópole Portugal. Tal compromisso era chamado de pacto colonial.
De modo geral, com o fim do Feudalismo, surge a consolidação dos Estados nacionais e uma nova prática econômica o Mercantilhismo que visava acumular riquezas, elevar a produção e circulação de mercadorias, envolvendo a intervenção do Estado. Para ao desenvolvimento dessas práticas mercantilistas, foram essenciais a expansão comercial e a dominação das Colônias, pois representavam novos mercados e novas regiões produtoras de matérias primas e compradoras de manufaturados.
Em resumo, é com a Colonização da América que a Europa, em especial Portugal, supera a crise do século XIV, e consolida os Estados Nacionais com a exploração das colônias, implantação do Sistema Escravista, o que posteriormente deu origem ao Tráfico Negreiro, que tornou-se a maior fonte lucrativa para os europeus, o ouro humano. Por fim o acúmulo de capital primitivo que foi fundamental na fase de transição do Feudalismo para o Capitalismo, alicerçado pelo Mercantilhismo Colonial, base econômica do Estado Absolutista.