A CIDADE ANTIGA E A VISÃO DA SOCIEDADE REMOTA
Por Ewerton Franklyn Antunes Leite | 26/12/2013 | DireitoA obra de Fustel de Coulanges trata-se de uma reflexão profunda sobre a realidade da sociedade antiga, como vivia o ser humano, suas crenças, seus costumes. O autor começa seu texto descrevendo as crenças sobre a alma e sobre a morte, numa referência a raça indo-europeia, que acreditava na continuidade da vida após a morte, dando a essa passagem uma importância sem precedentes. Aos mortos adotaram se cuidados como “dar o que comer”, o que beber, elevando-os a deuses . “Os mortos eram tidos como entes sagrados.”(p.21). Surge, dessas práticas uma forma de religião, que imperou por muito tempo nas cidades antigas, até que essa fosse substituída e superada pelo cristianismo. A religião antiga assumiu um caráter estritamente particular, pois seus atos, tidos como sagrados, eram protegidos dos estranhos, das quais não faziam parte do seio familiar. A família, nesse contexto histórico, diferia e muito do seu significado contemporâneo, como diz o autor. “[...] só a família tinha o direito de lhe assistir, estando todo o estranho rigorosamente excluído dele.” (p.37).
A religião doméstica apresentava-se de forma singular, pois para cada família havia rituais diferentes, deuses diferentes, não por estarem muito afastados, mais pelo fato dessa religião ser formada exclusivamente pelo núcleo familiar, os deuses provinham da própria , sendo fechada a participação de não parentes.” Para essa religião doméstica não existiam nem regras uniformes, nem ritual comum. Cada família gozava, a esse respeito, da mais complexa independência. ”(p.41).
O significado da família antiga, segundo Coulanges, não se restringia unicamente a questão sanguínea, cada indivíduo assumia um papel singular, que era só seu, assim como o casamento envolvia não simplesmente a união de um homem com uma mulher, mas a abnegação, por parte feminina, dos seus costumes da família de seus pais. Pela complexidade que essa religião envolvia, a separação era algo praticamente impossível.
Como nessa realidade o homem, o pai e/ou primogênito, detinha o papel no qual se concentrava todos os poderes de decisão, presidência no culto aos mortos, mostra-se a indispensabilidade da continuidade familiar, sendo vedado o celibato e a esterilidade de apreciação.
O casamento era pois obrigatório. Não tinha por fim o prazer;o seu objeto principal não estava na união de dois seres afinizados [...]O fim do casamento[...]estaria na união de dois seres no mesmo culto doméstico,fazendo deles nascer um terceiro, apto a continuar esse culto. (p.55).
O autor fala que a relação de parentesco, antes uma relação de sangue, apenas, levava em conta fatores distintos, que eram estabelecidos pela religião. A esses fatores pesava não só ao que concerne as relações de parentesco, mas também no direito a propriedade, a sucessão do poder no cunho familiar, herança, adoção, emancipação.” O princípio do parentesco não estava no material do nascimento, mas no culto.”(p.61).
Quem aplicava a justiça era a família, mais especificamente o homem, no qual advinha todo o poder decisivo, o dever de celebrar o culto aos antepassados, perante o túmulo.
O túmulo tinha grande importância na religião dos antigos; porque, por um lado, devia-se cultuar os antepassados e , por outro, a principal cerimônia desse culto,o banquete fúnebre, devia realizar-se pelo próprio local onde os mortos repousavam.(p.69).
Os critérios que se estabeleciam ao direito de sucessão seguia a lei da primogenitura, com a morte do pai assumia o primeiro filho, homem. A filha não cabia nenhum direito a sucessão do pai,se não fosse casada, ficava aos cuidados de seu irmão que nascera depois dela ou antes. Ao primogênito cabia à obrigatoriedade para como culto, com a posse das terras.” A continuação da propriedade, como a do culto , é para ele uma obrigação e um direito.”(p.79). Mas essa lei de sucessão estabelecia outros critérios que poderiam ser utilizados no caso da ausência de filho ou filho homem,como a sucessão por um agnado mais próximo, a emancipação e da adoção, seguindo o laço religioso que era de maior importância que o nascimento.
Segundo o autor a partir daí formaram-se as gens, organizações de famílias, que compartilhavam uma celebração em comum, sem nenhuma relação sanguínea, mas com uma construída relação parental, feita pela religião. Apesar dessa associação política, os cultos familiares continuavam sendo restritos, com uma pequena, mas significativa mudança, começaram a serem celebrados outros, estabelecendo contato com outras famílias. Dessa união, ampliam-se as relações que as famílias têm com as outras. “O certo é que essa nova associação não se realizou sem nenhuma expansão da idéia religiosa.”(p.128). Cada vez surgem novas e importantes instituições, mais complexas como as fratrias, sob a responsabilidade de presidir sacrifícios, promulgar decretos, esses seguidos pelos membros.
Nesse contexto aparecem novas crenças religiosas, principalmente a de deuses da natureza física, o que contribuiu para o desaparecimento gradual de antigas concepções. Isso significou ampliar as relações humanas, desenvolver e agrupar em cidades, estas distintas instituições. “Várias famílias formaram a fratria, várias fratrias a tribo, e diversas tribos a cidade. Família, fratria, tribo, cidade são, portanto sociedades perfeitamente análogas e nascidas umas das outras por uma série de federações.” (p.138).
A cidade era uma reunião de instituições, que pelo menos em primeiro momento respeitava a singularidade de cada uma, sendo a elas vedada a entrada do estrangeiro. Nela seguia-se todo um ritual para incorporação de famílias , regras taxativas, pois a cidade mesmo em escala maior conserva muitos dos preceitos religiosos antigos.
Numa analogia, o fundador, assumiu o papel que o homem tinha dentro da família, só que seu compromisso não é mais só com sua família, com toda a cidade. “O fundador era o homem que realizava o ato religioso sem o qual a urbe não poderia existir.”(p.154).Tudo foi ampliado, assim como as cerimônias.
Com todas as transformações ocorridas, surge a figura do rei como sacerdote-supremo da cidade, cada uma com o seu, com denominações diferentes, mas com praticamente as mesmas atribuições. A substituição do rei, utiliza das antigas leis de hereditariedade.
Tanta transformação levou o homem a um amadurecimento das suas ideias, passando ao questionamento da estrutura na qual estava inserido.
A primeira foi a transformação operada nas idéias , conseqüência natural do desenvolvimento do espírito humano,que fazendo esmorecer as antigas crenças, abalou o edifício social que elas haviam erguido e que só elas poderiam manter.(p.253).(suc)
As insatisfações, a realidade social na qual se inseria, contribuíram para que as revoluções fossem levantadas. As consequências dessas revoluções foram transformadoras, mudando significativamente o aspecto e a divisão social, de certa forma todos provaram de alguma forma essas mudanças. ”[...] o filho mais novo se libertou do primogênito, e o servo desobrigou-se do senhor; a classe inferior cresceu, armou-se e acabou por vencer a aristocracia e conquistar a igualdade.” (p.333).
Embora, houvessem ocorrido tantas revoluções, em algumas cidades não foram capazes de acabar com antigas tradições. ”[...] Atenas continua fiel as tradições do velho tempo, tanta revoluções ainda não haviam conseguido apagar esse supersticioso respeito pelas tradições.”(p.353).
Como ponto final da obra de Coulanges,sobre essas cidades antigas, destaca o cristianismo como ponto chave para a substituição dessas crenças antigas, destacando o seu papel como animador social, propagador do amor ao próximo,da ajuda mútua, da quebra dos preconceitos raciais,de procedência.“ O cristianismo transformou a natureza e a forma de adoração, o homem não mais não mais ofereceu a Deus o alimento e a bebida; a oração deixou de ser formula de magia, mas ficou sendo um ato de fé e de humildade.”(p.413).Por todas essas mudanças os alicerces foram substituídos e não mais imperarão, isto é , segundo a ótica do ator.
BIBLIOGRAGIA:
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2001.