A CHUVA

Por José Ronaldo Piza | 23/10/2010 | Contos

A CHUVA



Lá fora estava chovendo sem parar e não havia como sair de casa, o céu em tom acinzentado deixava o dia triste.
Sentado na velha cadeira de balanço, tão velha quanto ele mesmo, ficava observando os pingos da chuva que caiam ininterruptamente, molhando a terra.
O velho homem divagava sobre o tempo, sobre o pingos de chuva, parecia distante como se transportado no tempo.
Estava novamente indo trabalhar, observando a vasta paisagem montanhosa, cercada por plantações intermináveis de pés de café, cana de açúcar e pastagens. O orvalho da madrugada ainda pairava sobre suas folhas e gramas. Via o gado que pastava mansamente, alheio ao mundo que o rodeava, não se importando com nada mais do que seu sustento.
A vida era muito simples naqueles tempos, não tinha preocupações, podia fazer que quisesse, mas mesmo assim havia uma inquietação em seu coração, não estava satisfeito, queria encontrar um sentido para sua vida. Era como se o seu coração fosse uma plantação que estivesse sofrendo uma longa estiagem. Havia tentado de tudo: jogos, aventuras, viagens, trabalho. Mas nada era capaz de sossegar seu coração que queimava no peito, completamente insatisfeito com o que quer que fizesse.
Então ela apareceu!
Aqueles olhos, aquele sorriso, aquela beleza.
Não precisou mais que um piscar de olhos para que ele percebesse que ela era tudo que seu coração ansiava e que nada mais no mundo poderia acalmá-lo.
A presença dela em sua vida foi como aquela chuva que chega depois de um longo período de estiagem, lavando as folhas cobertas de poeira, purificando, dando um novo sopro de vida e ele viu que o jardim do seu coração estava florindo.
Seus destinos se uniram e por muito tempo foram parceiros, cúmplices, amigos, amantes. A vida não poderia ser melhor e o coração dele finalmente estava em paz. Tiveram filhos, passaram por crises, venceram grandes desafios e prosperaram unidos pelo amor que os sustentava.
Mas o passar dos dias, a rotina, a monotonia de sempre se fazer as mesmas coisas os envolvia como um manto invisível e leve. Sem que se dessem conta, ambos acabaram se acomodando, se recolhendo; ainda se amavam, se respeitavam, mas não verbalizavam mais, não demonstravam mais e o relacionamento se tornou morno, algo sem graça, sem sabor.
Ela ainda preparava suas refeições favoritas, cuidava das coisas dele, se preocupava com ele. Mas ele se fechou, não via mais necessidade de demonstrar seu afeto, seu carinho, embora ainda a amasse com todas as suas forças e soubesse que ela ainda era o melhor presente que recebera em toda sua vida.
Os filhos se foram, cada um seguiu o seu caminho e ficaram somente os dois. A casa ficou muito silenciosa e grande. Mesmo assim, ainda permanecia o silêncio entre os dois.
Mas ela nunca reclamou.
Ele nunca reclamou.
Um dia, ela teve que partir, precisavam de um anjo no céu e ela era a única que preenchia todos os requisitos.
Agora a casa estava muito mais do que vazia: estava sem vida.
Sentando na velha cadeira de balanço, ele de repente caiu em si e ele percebeu como fora tolo, como perdera tanto tempo ficando acomodado em sua zona de conforto, em seu mundinho feliz.
Não conseguia se lembrar da última vez que tinha dito que a amava. Não se lembrava da última vez que tinha dito que ela era linda e que seus olhos iluminavam sua vida como um farol no mar e que o sorriso dela fazia qualquer sacrifício valer a pena.
Ele não agradecia mais pelas pequenas coisas que ela fazia, ele não apreciava mais suas boas ações.
Ele não dizia mais que a amava.
Sempre que pensava em fazer essas coisas, deixava para outra hora, para um momento oportuno, para um dia especial, para uma noite perfeita.
Mas essas ocasiões jamais chegaram e agora a verdade caía sobre seus ombros com um peso quase insuportável: jamais teria uma nova oportunidade.
Lá fora a chuva estava diminuindo lentamente, já havia cumprido sua missão: havia molhado o solo, propiciando que a vida pudesse continuar.
Com algum esforço, ele se levantou da cadeira, pegou um porta retrato com a foto de sua amada e ficou por muito tempo olhando para ela, um sorriso surgiu em seus lábios, juntamente com uma lágrima que brotou em seus olhos.
Ela havia cumprido sua missão.
Ela foi como a chuva que cai do céu e molha a plantação, refresca o calor e oferece condições para que a vida seja agradável e depois vai embora deixando a certeza de que fez a diferença por onde passou.
Ela foi assim.
Chegou em sua vida, inundou seu coração de amor, fez com que florisse e desse frutos, o fez feliz e quando foi embora, deixou sua marca eterna no coração de todos que tiveram a felicidade de compartilhar uma vida plena e bem vivida.
Beijou a fotografia dela e a recolocou no lugar.
La fora o sol estava surgindo e o céu não era mais cinza, a vida continuava.
Ele sorriu mais uma vez, a vida tinha que continuar, os jardins precisavam ser cultivados.
Devia isso a ela.