A carta rogatória na homologação de decisão estrangeira de dívida de jogo de azar

Por Luciano Mariano | 26/10/2016 | Direito

Luciano Mariano da Silva
Philipe Antônio Pereira Maciel Xavier
Roberto Luciano de Araújo

Resumo 

Tendo em vista a frequente mudança de entendimento no âmbito do direito internacional, várias são as alterações quanto as formas de cooperação jurídica internacional, principalmente no que se refere a homologação de decisão estrangeira, atual denominação para a antiga homologação de sentença estrangeira. O presente artigo trata sobre as características e procedimento de homologação de decisão estrangeira, bem como sobre a importância significativa da carta rogatória para efetivação desse procedimento e, ainda, as divergências sobre o que deve ou não ser cumprido no âmbito das cartas rogatórias, mais precisamente quanto a dívida oriunda de jogos de azar. Para tanto, é feita uma breve explicação sobre a origem histórica da homologação de decisão estrangeira, sobre sua forma, procedimento e respectivas alterações ao longo dos anos. Ao final, é abordado o conflito frequente que ocorre quanto ao cumprimento de carta rogatória que verse sobre tema “repudiado” pela legislação nacional. 

1 INTRODUÇÃO

            O Direito Internacional Privado, bem como o Público, não possui uma codificação própria (Direito Positivado), nasce daí um problema de embasamento e operacionalidade de resolução dos conflitos e decisões estrangeiras e nacionais. Para efetivar a comunicação e interação internacional, tem-se o Instituto da Homologação de Decisão estrangeira, para fins de cumprimento da jurisdição Estatal estrangeira.

            Trata-se de um instituto extremamente importante no âmbito do Direito Internacional, onde se dá a possibilidade de cumprimento das decisões terminativas da Jurisdição estrangeira. Vale ressaltar que, a competência para homologar a decisão estrangeira será do STJ, conforme Emenda Constitucional nº 45 de 2004.

            No que tange a efetividade da homologação de decisão estrangeira pelo STJ, há uma série de requisitos, quais sejam: observância dos preceitos constitucionais (Contraditório, Ampla Defesa). Ainda acerca dos requisitos, conforme o Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 963, terão que ser observados se a decisão terminativa da jurisdição alienígena foi proferida por autoridade competente, citação regular mesmo que haja revelia, ser eficaz no pais que a proferiu, não ofender a coisa julgada e a ordem pública; estar acompanhada de tradução oficial, exceto se houver disposição e estar prevista em tratado, que dispense a tradução.

            O grande instrumento para que a homologação de decisão estrangeira alcance seus fins esperados, é a Carta Rogatória, pois esta, é um objeto de relação entre os países, se mostrando um grande instrumento para o cumprimento da sentença dada no estrangeiro.

            A natureza jurídica da Carta Rogatória é: ordinatório (citação), instrutório (provas contempladas no processo) e por último executório (dando eficácia a homologação de decisão estrangeira).

2 A JURISDIÇÃO INTERNACIONAL E O HISTÓRICO BRASILEIRO

            Assim como o Direito Internacional Público, o Direito Internacional Privado não possui um sistema jurisdicional, em consequência da ausência de uma codificação própria, vez que a soberania nacional dos países não permitiria a intervenção de um “Órgão Internacional” em sua jurisdição interna, o que caracterizaria claramente a perda de sua soberania em prol do sistema internacional.

            Desta forma, percebemos que o reconhecimento da decisão estrangeira, no caso de homologação, decorre pura e claramente do reconhecimento do próprio Estado que proferiu a sentença por seu Órgão Jurisdicional interno, ou seja, reconhecer a validade da sentença estrangeira equivale no reconhecimento de existência do país de origem. Ademais, esse fato, o reconhecimento da decisão estrangeira, está ligado à questão da circulação internacional das decisões, cuja efetividade é importante para o bom funcionamento do sistema internacional (ARAUJO, 2011).

            Vale ressaltar que o não reconhecimento da decisão estrangeira não vai acarretar sempre em negar a existência do país de origem, vez que determinadas sentenças estrangeiras podem apenas não ser reconhecidas como sentença pelo país que irá homologar a decisão, seja por não preencher requisitos processuais, seja por confrontar com princípios básicos de direito (ARAUJO, 2011).

            No Brasil, a homologação de decisão estrangeira foi tratada originariamente pela Constituição da República de 1988 – CR/88 como de competência do Supremo Tribunal Federal – STF, porém, por uma opção de reduzir as atribuições do STF, tal competência foi modificada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que incluiu a alínea “i” no inciso I, do artigo 105 da CR/88 e revogou a alínea “h” do inciso I, do artigo 102 do mesmo diploma legal. 

Conforme o direito brasileiro, a sentença proferida por juiz ou tribunal estrangeiro somente será eficaz no País após a sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. As respectivas normas situam-se na Constituição, no Código de Processo Civil, na Lei de Introdução ao Código Civil e em breve provavelmente também no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. (RECHSTEINER, 2010, p. 315-316). 

            Com a alteração realizada pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, a competência para homologação de decisão estrangeira passou do STF para o Superior Tribunal de Justiça – STJ, que até então vem mantendo posicionamento semelhante ao STF em suas decisões homologatórias. 

3 REQUISITOS PARA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA NO BRASIL

            Primeiramente devemos observar que não há necessidade de existência de tratados internacionais ou reciprocidade na homologação de sentença brasileira por Estados estrangeiros para que uma sentença seja homologada pelo STJ.

            Para que uma decisão estrangeira seja homologada no Brasil, serão observados apenas requisitos de caráter de delibação, ou seja, o STJ ao analisar uma ação homologatória de decisão estrangeira irá analisar se houve a observância de princípios constitucionais fundamentais, tais como o contraditório e a ampla defesa, bem como alguns de caráter processual, como a citação válida, o trânsito em julgado, e ainda, a autenticação da sentença por autoridade consular brasileira no país de origem. (ARAUJO, 2011)

            Conforme o artigo 963 do Novo Código de Processo Civil, são requisitos indispensáveis para a homologação da decisão alienígena: ser proferida por autoridade competente; ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; ser eficaz no pais que a proferiu; não ofender a coisa julgada no Brasil; estar acompanhada de tradução oficial, exceto se houver disposição, prevista em tratado, que dispense a tradução; não ser ofensiva à ordem pública. 

A tradução da decisão e demais documentos necessários é indispensável, devendo ser feita por tradutor juramentado. Esta exigência se justifica, pois o tradutor tem fé pública, não só para a tradução como para as certidões que expedir. Por isso, não é possível efetuar a mesma fora do Brasil. Quando não há tradutor da língua em questão, um tradutor ad hoc deve ser nomeado para o ato, devendo a parte diligenciar nesse sentido. (ARAUJO, 2011, p. 342-343). 

             Além dos requisitos acima mencionados, a tradução oficial da decisão, para língua portuguesa, é feita por tradutor juramentado ou no caso de inexistência deste, por tradutor designado pelo juízo competente.

            Frisa-se que a decisão não poderá ser enfrentada quando ao seu mérito, conforme salientado anteriormente, assim, o STJ estará limitado em avaliar se a sentença não fere a soberania nacional e a ordem pública. 

O sistema instaurado é de contenciosidade limitada, não cabendo ao STJ analisar o mérito da questão. Por isso tem deferido cartas rogatórias para citação, mesmo quando se trata de uma das hipóteses do art. 88 do CPC, em que tese poderia ser competente o juiz brasileiro. O STJ já definiu os limites do procedimento de delibação, ao decidir que não é possível discutir o mérito do que foi decidido na decisão estrangeira. (ARAUJO, 2011, p. 335). 

            Vale ressaltar que não será homologada a decisão estrangeira proveniente de processo cuja matéria for de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, conforme o artigo 964 do Novo Código de Processo Civil, e quando o réu não for sido citado por carta rogatória, salvo nos casos de comparecimento espontâneo ao Juízo estrangeiro. 

4 A IMPORTÂNCIA DA CARTA ROGATÓRIA   

            De acordo com a Emenda Constitucional de número 45, a competência para homologar sentença estrangeira no Brasil passou-se ao STJ e a carta rogatória mostrou-se de grande valia para a instrumentalidade e formalidade do processo de homologação/validação.

            A citação válida, na forma da lei brasileira, é imprescindível à aceitação da decisão estrangeira, sendo a ausência da citação válida um dos maiores obstáculos para a homologação de decisões estrangeiras. A prática de considerar apenas citação feita por meio de carta rogatória, desenvolvida pelo STF, foi seguida pelo STJ, que já recusou homologar decisões estrangeiras que não realizaram a citação válida (ARAUJO, 2011). 

A citação regular da parte domiciliada no Brasil, perante um processo instaurado no estrangeiro, é de suma relevância na prática. Este requisito legal da homologação se refere ao ato pelo qual se chama alguém a juízo, com a intenção que venha integrar a relação processual conforme o pedido constante na inicial. Quando o réu tiver domicílio no Brasil e este for certo e sabido, o direito brasileiro só admitirá a citação mediante carta rogatória com exequatur concedido pelo Superior Tribunal de Justiça, e outra não poderá ser a forma processual aplicável, devido a viola a ordem pública brasileira. (RECHSTEINER, 2010, p. 327-328). 

            Segundo a doutrina de Nádia de Araújo, a carta rogatória é um pedido formal de auxílio para a instrução do processo, pedido feito pela autoridade judiciária de um Estado para outro, e deve cumprir todos os requisitos da lei brasileira.

            A Carta Rogatória possui três as caraterísticas: a primeira é a característica de ato ordinatório, que se tem como exemplo a citação; a segunda de ato instrutório, tendo como exemplo a produção de provas e por fim de atos executórios, que visa dar eficácia a determinada decisão. Além disso, a Carta Rogatória, no ordenamento brasileiro, se divide em ativa e passiva: a primeira enviada pelo Estado Brasileiro a outros Estados e a segunda é recebida pelo Brasil pelos os Estados respectivamente.

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