A cantora, o hino e os diamantes

Por A. Zarfeg | 11/09/2009 | Crônicas

Em vez de se preparar com antecedência para cantar o hino nacional numa homenagem às mulheres, em 8 de março, na Assembleia Legislativa de São Paulo, a cantora Vanuza se acomodou, se estressou, se automedicou e o resultado disso todos conhecemos: um vexame nacional.

 

Depois, veio a público culpar a labirintite de que sofre pelo constrangimento musical. E não perdeu a oportunidade para lembrar que o hino é difícil, equivocado e precisa, com urgência, ser substituído... “Quem sabe cantar o hino nacional?”, desafiou, como se quisesse dizer: “Ninguém sabe cantar o hino nacional”.

 

Se tivesse sido um pouco mais profissional (nem precisava ser patriota), porém, Vanuza teria se saído melhor – ainda que, convenhamos, dificilmente chegasse perto das execuções de Fafá de Belém durante as Diretas-Já!

 

De todo modo, a cantora da Jovem Guarda não deixa de ter razão. A letra do hino não é nada fácil (foi escrita há cem anos, completados no mês de abril de 2009), com palavras pouco conhecidas ou de todo ignoradas pelos brasileiros atualmente. Basta lembrar, por exemplo, plácidas, brado, retumbante, fúlgidos, penhor, impávido, colosso, fulguras, florão, garrida, lábaro, flâmula, clava, etc.

 

Além disso, a maneira como Joaquim Osório Duque Estrada compôs os versos tende a dificultar a compreensão do sentido deles. Para início de conversa, o hino começa com uma inversão daquelas de arrepiar até os autores barrocos mais inspirados. Vejamos: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heroico o brado retumbante...”

 

O pobre do estudante vence o fundamental e chega ao final do médio sem saber que, na verdade, “as margens plácidas” é que são o sujeito de “ouviram” e não “o brado retumbante”, como os coitados são levados a crer, equivocadamente.

 

Não teria problema se os tais versos aparecessem na ordem direta: “As margem plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico...”

 

Simples, não? Contudo (é preciso enfatizar isso), um hino é um texto poético por excelência e – como toda produção literária que se preze – lança mão de recursos estilísticos e, também, de imagens grandiosas para louvar a pátria. Isso significa que, se por um lado, aqueles versos seriam facilmente compreendidos, por outro, não teriam a mesma expressividade e beleza que o autor lhes imprimiu tão bem.

 

O hino também é acusado de apresentar gafes e até (quem diria) erros gramaticais! Uma gafe: “Deitado eternamente em berço esplêndido” – passa a ideia de que este é um país de preguiçosos. Um erro gramatical: “E o teu futuro espelha essa grandeza” – como o futuro espelha alguma coisa se ele ainda não aconteceu? Ora, a grandeza é que espelha o futuro...

 

Outro inconveniente: por ser extenso, ele desestimula as pessoas. Sem contar que, por começarem de forma parecida, estes dois versos acabam gerando confusão: “Brasil de amor eterno” e “Brasil de um sonho intenso”. E por aí vai.

 

No entanto, coube aos políticos uma contribuição decisiva para a onda de indiferença para com o hino nacional. Sabe-se que, durante a ditadura militar, foi criada uma aura sagrada em torno do hino, cuja letra e maneira de portar durante sua execução os alunos tinham a obrigação de saber. Sentimos isso na pele. Tal imposição afastaria toda uma geração de brasileiros do importante símbolo nacional. Em alguns casos, o desinteresse virou desdém, desrespeito. Uma postura lamentável, embora justificável.

 

Do exposto, fica difícil prever se os brasileiros vão gostar do hino nacional como gostam do hino do time de sua preferência – o qual executam com prazer e espontaneidade. Mas, com certeza, essa tarefa enorme caberá sobretudo à escola, que deverá apresentar os brasileirinhos ao hino com civismo, consciência e prazer.

 

Porque o hino nacional, apesar de todos os defeitos e ufanismos, já faz parte da nossa identidade cultural, do nosso jeito verde-amarelo de ser. Como os diamantes, ele é para sempre.

 

(A. Zarfeg)