A CAIXA
Por José Ronaldo Piza | 30/08/2010 | CrônicasA CAIXA
Conta a história que havia um homem muito rico e poderoso, que fez fortuna como dono de uma metalúrgica. Até aí sua história é muito parecida com a de milhares de outros empresários que se deram bem na vida.
Mas esse homem tinha algo que o diferenciava: não sabia ler e sequer assinar o próprio nome. Aprendeu apenas a desenhar sua assinatura nos papéis mais importantes. Quando questionado sobre como havia conseguido construir aquele império sendo analfabeto, a resposta era curta e objetiva:
- Aprendi a fazer duas contas: somar e multiplicar. Foi o suficiente.
Esse homem tinha um filho, que seria o herdeiro natural de seu patrimônio e daria continuidade ao seu trabalho. O empresário analfabeto desejou que o filho se tornasse maior do que ele, que conquistasse muito mais vitórias do que ele mesmo havia conseguido.
Decidiu então bancar o melhor estudo para seu filho, fez questão de pagar as melhores escolas primárias, os melhores professores particulares, enfim, fez o possível e o impossível para que o filho se formasse com louvor.
Não satisfeito, enviou-o para que se graduasse em Harvard, uma das mais conceituadas universidades do mundo e assim, ficou enfim satisfeito e com a sensação de que havia cumprido seu dever como pai.
O garoto se formou com louvor e logo no primeiro ano depois de formado se viu numa situação triste: seu pai havia sofrido um enfarto e não resistiu. O jovem recém formado se viu frente a frente com o peso do desafio de dar continuidade ao que o pai havia começado.
A princípio sentiu medo e apreensão, aquela empresa era o sonho da vida de seu pai e ele não poderia deixar que as coisas saíssem do trilho, deveria mantê-la funcionando e dando lucros cada vez maiores. Logo se acalmou diante do seguinte pensamento: "Meu pai não sabia ler nem escrever e conseguiu levantar esse império, portanto eu, que sou formado em Harvard, não terei problemas para superar as dificuldades e fazer muito melhor do que ele."
Imbuído dessa confiança o rapaz se iniciou nos negócios com muita disposição, mas ao final daquele mesmo ano a empresa apresentou uma queda de vinte por cento no faturamento. Todos ficaram amedrontados, menos o jovem empresário, afinal era formado em Harvard e não seria um ano ruim que faria com que entrasse em pânico.
Aconteceu que no segundo ano a empresa despencou e por muito pouco não fechou seu balanço no vermelho. Alguns empregados já pensavam em trocar de emprego, mas o jovem diretor ainda não se abalou, aquele fenômeno se deu em virtude de transformações do mercado, ele não tinha responsabilidade nenhuma. Além do quê, era formado em Harvard, de jeito nenhum tinha ligação com a queda de rendimentos da empresa.
Veio o terceiro ano e, pela primeira vez em vinte anos a empresa deu prejuízo. O diretor então começou a ficar preocupado, pois não via onde estava o erro. Fechado em sua sala com seu conselheiro, desabafou:
- Eu não entendo, sou formado na melhor universidade do mundo, tenho muitíssimo mais conhecimento que meu pai e porque não consigo sair desse buraco?
O conselheiro, que era um senhor de idade avançada e fala mansa disse:
- Não sei dizer o que acontece, mas sempre que seu pai tinha problema, procurava os conselhos de um velho curandeiro, de quem era muito amigo.
O diretor se enfureceu:
- Imagine que eu, com PhD em economia e gestão empresarial, formado em Harvard vou recorrer à ajuda de um homem que mal sabe conversar.
E assim recomeçaram mais um ano, cujo final não foi diferente do que o do ano anterior. A empresa teve um balanço negativo arrasador e tiveram que demitir dez por cento de seus funcionários.
Mais uma vez o diretor e o conselheiro estavam reunidos na sala de reuniões da empresa.
- Não é possível ? esbravejava o diretor ? como que meu pai, sendo um analfabeto conseguia fazer essa empresa dar lucro? Eu passo quase vinte horas por dia estudando uma maneira de cortar custos, fazendo novos contatos, me dedico e não consigo.
- Ouça o que eu digo ? disse o conselheiro ? procure o amigo de seu pai, o curandeiro, ouça o que ele tem a dizer.
- Isto está completamente fora de cogitação, um homem com minha formação não se rebaixa a tanto. Eu vou tirar a gente dessa situação.
E mais um ano se passou, desta vez a empresa teve que pedir empréstimo bancário para não abrir falência.
Sem ter saída, o arrogante diretor sucumbiu às dicas de seu conselheiro e foi procurar o curandeiro amigo de seu pai, embora não tivesse nenhuma esperança de que daquele encontro pudesse sair algo que fosse salvar sua empresa.
Parou seu carro bem em frente à casa do homem, na verdade era um casebre, com as paredes descascadas e as madeiras do telhado castigadas pela ação do tempo. Foi recebido por um homem de aparência humilde que o conduziu para dentro de seu casebre, falava com voz suave e mansa:
- Que bom que veio me procurar, eu era muito amigo de seu pai, costumávamos passar horas batendo papo. Espero que você tenha herdado essa característica dele.
- Acho que sou muito diferente de meu pai.
- Porque diz isso?
- Porque não consigo sequer manter o que ele começou, tento seguir seus passos, mas vejo cada dia mais afundando a companhia que ele tanto amava.
- Então esse é o problema?
- Sim, não sei o que fazer.
- Pois eu tenho a solução.
O homem começou a procurar no seu guarda-roupa, depois no armário e embaixo da cama. Desapareceu por alguns instantes e enfim voltou trazendo uma pequena caixa de papelão, amarrada com uma fita preta num laço perfeito.
- Aqui está, tome essa caixa, ela garantirá a você uma nova arrancada rumo ao seu sucesso pessoal e de sua empresa.
O rapaz olhou incrédulo para a caixa, não acreditando que havia estudado tanto para no fim recorrer a uma caixa de papelão para resolver seus problemas.
- O que tem aqui dentro? - perguntou começando a desfazer o laço.
- Não! ? gritou o homem ? Em hipótese alguma abra essa caixa. Jamais.
- Ora, então o que devo fazer com ela?
- Todos os dias, você sairá com essa caixa embaixo dos braços e percorrerá todas as dependências de sua empresa, uma vez logo de manhã, outra vez no meio do dia e outra vez à tarde. Fará isso religiosamente todos os dias e não poderá abri-la e nem compartilhá-la com ninguém, se possível, quando for para casa deixe-a guardada em um cofre.
- Mas ? interrompeu o rapaz ? o que tem dentro dessa caixa?
- Isso você só descobrirá depois que sua empresa sair do buraco, então deverá voltar aqui para abri-la.
Se sentindo um completo idiota, o rapaz saiu dali com a caixa embaixo do braço, não podia acreditar que teria que pagar aquele mico de passear pela empresa com uma caixa embaixo dos braços.
Mas ao mesmo tempo não viu que mal faria seguir os conselhos do velho curandeiro.
Assim, no dia seguinte, deixou sua sala e saiu pela empresa. Primeiro passou pela portaria, cumprimentou o porteiro e o segurança; seguiu para o setor de recebimento, almoxarifado, processamento da matéria-prima, área de preparação, calderaria, acabamento, pintura, montagem e saiu finalmente pela expedição.
Todo trajeto lhe tomou cinqüenta minutos, por onde passou, notou que as pessoas o encaravam, mas ele retribuía o olhar e os cumprimentava. Não podia deixar de notar que todos olhavam para a caixa que ele carregava, mas ninguém lhe perguntou nada.
Repetiu o trajeto na hora do almoço e, finalmente à tarde. Ao fim do dia se sentia cansado, afinal se acostumara a passar seus dias resolvendo problemas burocráticos, mas tinha gostado do passeio.
Passou a ser rotina as três visitas do diretor ao chão da fábrica e, por mais estranho que possa parecer, naquele ano os negócios melhoraram na ordem de cinqüenta por cento, mas a empresa ainda continuava a ter prejuízos, tão grande era a crise que a tinha acometido.
No ano seguinte, o diretor seguiu com suas visitas diárias e ao final do ano, a empresa havia equacionado sua situação financeira, não teve lucros, mas também não teve prejuízos.
E assim, nos três próximos anos a empresa decolou, voltou a contratar e bateu recordes de faturamento.
O diretor, então, decidiu que já era hora de voltar a procurar o velho curandeiro e devolver-lhe a caixa que tanta sorte havia lhe trazido.
Estacionou mais uma vez diante da porta da casa do homem, que continuava da mesma maneira, entrou e se sentou na mesma cadeira de há cinco anos atrás e falou:
- Eu confesso que duvidei no início, mas agora vejo que vir aqui foi uma das coisas mais acertadas que eu fiz na vida. Conforme combinamos, aqui está sua caixa, eu não a abri e a usei conforme o senhor me pediu e tive muito sucesso.
O velho pegou a caixa, olhou para os lados como se estivesse procurando alguma coisa, viu um grande balde de lixo e jogou a caixa nele.
- Não ? gritou o empresário ? não a jogue fora, ela pode servir para outras pessoas assim como serviu para mim.
- Não se preocupe, aquilo não serve para nada.
- Claro que serve, eu saí da falência para o lucro usando a caixa.
Então o homem se levantou, foi até o balde de lixo e pegou a caixa novamente.
- Sabe o que tem aqui dentro?
- Não, mas imagino que seja uma espécie de amuleto ou alguma magia muito forte.
- Nada disso ? disse o velho curandeiro e abriu a caixa. O empresário olhou e notou que estava completamente vazia.
- Mas o que é isso? Como pode ser?
- Muito simples ? concluiu o velho ? quando você entrou aqui há alguns anos atrás, tudo que eu vi foi um rapaz arrogante que tinha a mania de ver as coisas de cima e pensava que apenas por ter um diploma importante teria garantido o sucesso. Mas percebeu que só isso não bastava e não sabia como fazer para consertar as coisas.
"Essa caixa nada mais é do que um pedaço de papel. O que fez sua empresa vencer foi a sua atitude de visitá-la e não apenas ficar preso no escritório. Tenho certeza que nessas caminhadas você conheceu muita gente, você notou muitos desperdícios, muitas operações erradas, muita gente de má fé; enfim, você passou a fazer parte do corpo da empresa. Além de estreitar as relações com seus empregados.
Como pode ver, não existe mágica."
O empresário ouviu com atenção e não pôde deixar de constatar que havia sido um tolo, pois pensou que só ele sabia das coisas e que todos os outros não passavam de meros subalternos.
Levantou-se e tirou a carteira do bolso, ao que o velho disse:
- Não precisa me pagar.
- Como não? Se não fosse pelo senhor eu hoje estaria completamente falido.
- Não fiz nada além de lhe abrir os olhos, mas se quer realmente saber como retribuir, passe adiante o que acabou de aprender. Jamais guarde para si o conhecimento das coisas, pois quem o reparte se torna grande, quer seja em bens materiais ou no próprio enriquecimento da alma.