A Caixa D'água

Por Avelino José Pereira Neto | 11/12/2015 | Engenharia

Há muitos anos atrás, a água potável para grande parte da população que vivia em terras áridas e semiáridas, era algo raro e protegido por “guardas”. Em algumas áreas aonde a água era demasiadamente escassa, o homem teve que desenvolver técnicas ousadas de busca e prospecção dessa substância tão vital para a vida. A história de regiões como o Egito, o Oriente Médio e parte da Ásia sempre está relacionada com a busca e estocagem de água desde os seus primórdios. Dados históricos registram que os chineses, no mundo antigo, foram os experts em cavar profundos fossos à procura de água. Em casos os chineses cavaram poços com cerca de meio quilômetro de extensão para obter água potável.

No Brasil, encontrar água nunca foi um problema tão sério como nas regiões mais áridas do planeta. É verdade que o sertão nordestino tem uma longa relação com a escassez de água. Porém nós sabemos que esse problema possui uma grande dosagem de ordem política e de má gestão dos recursos públicos. Gestões corruptas e desvio de recursos financeiros são na verdade os maiores problemas na resolução do problema da seca no nordeste. Estudos tem comprovado que sob o solo nordestino está um dos maiores reservatórios de água potável do mundo!

Se você nasceu depois de 1980 e sempre viveu nos centros urbanos é bem provável que você desconhece como as pessoas estocavam a água para ser consumida antes de o mundo virar mundo moderno. Até no início do século XX nossos antepassados retiravam a água para consumo de poços artesianos, cisternas, poços naturais e rios para ser estocada em barris, moringa ou em reservatórios de barro. Com o crescimento econômico e avanço tecnológico, a população brasileira, hoje, dispõem de inúmeras soluções para o armazenamento e abastecimento de água. Enquanto no passado a população recorria às enormes moringas, reservatórios d’água construídos de madeira ou alvenaria, hoje o mercado oferece variadas soluções práticas e de fácil acesso. Acredito que a questão central aqui não como estocar, mas “aonde” estocar a água doméstica.

Com o aparecimento das primeiras caixas d’água de amianto (Asbesto) na década de 60, a população iniciou a substituição das velhas caixas d’água de alvenaria por caixas d’água de fibra de amianto. Devido aos frequentes problemas de vazamento, tricas e contaminação da água guardada em caixas d’água de alvenaria, a opção por usar um material com melhor estanqueidade e mais prático pareceu aos olhos da maioria da população uma troca acertada. Com o crescimento dos casos de câncer de pulmão e do aparelho digestivo em pessoas que tinham de alguma forma contato com o amianto, fez com que pesquisadores e a Organização Mundial de Saúde levantassem os primeiros sinais de alarme quanto ao uso do amianto na construção civil. As evidências encontradas em pesquisas de que o amianto era de fato um material cancerígeno fizeram com que a OMS recomendasse a não utilização de asbestos nas edificações ou qualquer atividade em que pessoas pudessem ter contato com esse material. Diante desse cenário, governos de vários países proibiram a utilização de asbesto em todos os edifícios públicos a partir de então. Como sabemos, o amianto foi utilizado largamente como isolamento térmico ou de combate a incêndio em países do continente norte-americano e na Europa. Em meados da década de 80, governos de países como Canadá, USA, Japão e vários países europeus iniciaram a retirada do amianto de todas as edificações públicas ou governamentais.  No Brasil, no entanto, a fabricação e distribuição de materiais construtivos de amianto segue seu curso normal até nos dias de hoje. A Brasilit, um dos maiores fabricantes de produtos de amianto, segundo sua assessoria de imprensa, deixou de utilizar o amianto desde 2001. A Eternit, ao contrário, apoiada por uma legislação arcaica (Lei Federal 9.055/95 e o decreto 2350/97), ainda utiliza do amianto em vários de seus produtos argumentando que dispõem de um processo de controle de qualidade que garante a qualidade de seus produtos.

“Asbestos has been classified as a known human carcinogen (a substance that causes cancer) by the U.S. Department of Health and Human Services, the EPA, and the International Agency for Research on Cancer. Studies have shown that exposure to asbestos may increase the risk of lung cancer and mesothelioma (a relatively rare cancer of the thin membranethat line the chest and abdomen). Although rare, mesothelioma is the most common form of cancer associated with asbestos exposure. In addition to lung cancer and mesothelioma, some studies have suggested an association between asbestos exposure and gastrointestinal and colorectal cancers, as well as an elevated risk for cancers of the throat, kidney, esophagus, and gallbladder.” _National Cancer Institute at National Institutes of Health.

Depois dos vários problemas com as caixas d’água de amianto, surgiu no mercado, outra opção mais “em conta”. As caixas d’água de PVC ou policloreto de polivinila (ou policloreto de vinil) que são produzidas extensivamente no Brasil desde o início da década de 90. O policloreto de vinil é um plástico produzido a partir de dois elementos: o cloro (derivado do cloreto de sódio) e o eteno (derivado do petróleo). Como todo plástico, o vinil é feito a partir de repetidos processos de polimerização que convertem hidrocarbonetos, contidos em materiais como o petróleo, em um único composto chamado polímero. Hoje os polímeros estão em todos os aspectos da construção civil desde os tubos de água, conduítes ou eletrodutos, tomadas elétricas, pisos, forros e rodapés e por final, as caixas d’água vendidas em todo território nacional. Porém, apesar dessa euforia diante de um material relativamente barato e muito prático em sua instalação, deparamos mais uma vez com o aspecto de segurança na saúde pública. Organizações de saúde espalhadas pelo mundo já nos vem alertando sobre os perigos do PVC quando exposto a altas temperaturas. Escrevem Antônio Rodolfo Jr e Lúcia Helena I. Mei no artigo intitulado “Mecanismos de Degradação e Estabilização Térmica do PVC”

“A exposição do polímero PVC sem a adição de estabilizantes ao calor, radiação ultravioleta ou, ainda, à radiação gama, pode, dependendo da intensidade e tempo de exposição, causar a liberação de cloreto de hidrogênio (HCl), acompanhado da formação de seqüências poliênicas e ligações cruzadas na cadeia, resultando em um rápido processo de degradação, revelado normalmente pela mudança de coloração para amarelo, até o marrom escuro.”__Antonio Rodolfo Jr e Lúcia Helena I. Mei.

Em um artigo produzido pela organização Healthy Child Healthy World, nos alerta para o perigo do PVC quando exposto a altas temperaturas. Pesquisas realizadas demonstram que quando submetido a altas o PVC libera produtos químicos nocivos à nossa saúde.

“The production of plastic accounts for the single largest use of chlorine and PVC is the most common of all chlorinated plastics. Vinyl chloride, the chemical used to make PVC, is a known human carcinogen, according to the World Health [...]Traces of toxic chemicals, known as adipates and phthalates (pronounced "tha-lates"), used to soften PVC can leak out into foods. The risk of leaching is especially high with fatty foods and at high temperature.”  __Healthy Child Healthy World.

Tomemos o Brasil como exemplo, onde 92% de seu território está num clima tropical com temperaturas que podem ultrapassar os 40º Celsius no verão. Como a maioria das instalações de caixa d’água no nosso território é feita diretamente ao ar livre e expostas ao sol tropical durante todo o ano, é perfeitamente plausível imaginar que num período de 20 a 30 anos, haja liberação de cloreto de hidrogênio suficiente para contaminar a água desses reservatórios e causar graves problemas de saúde em seus consumidores. Como profissional atuante no mercado da construção civil, eu tenho observado o uso indiscriminado desse tipo de caixa d’agua não só em edificações populares, mas também em edificações de alto padrão de requinte.

O tema que sempre levanto em discussões técnicas é que nem sempre o mais barato e prático é a melhor opção na hora de se construir. Nós arquitetos, em especial, temos uma responsabilidade enorme com relação a todos os aspectos construtivos do projeto. Como maestros da criação do projeto, devemos também ser os mestres no conhecimento dos materiais e na especificação dos mesmos. Deixar essa responsabilidade a terceiros não é somente um erro, mas também uma irresponsabilidade inadmissível.

Felizmente temos outras opções. Uma delas é a caixa d’água de inox. Uma ótima opção por se tratar de um material resistente que não libera substâncias tóxicas e tem grande durabilidade. Basicamente o aço inox (uma mistura de ferro, cromo, níquel, carbono e molibdênio), tem a composição química balanceada, para ter maior resistência à corrosão. Isso faz desse material uma solução quase perfeita. O desafio aqui é me relação às altas temperaturas do nosso clima. Como consumir a água exposta a temperaturas acima de 40º Celsius num reservatório como esse? Outro desafio das caixas d’água de inox é com relação ao tamanho da tampa de visita. O seu tamanho reduzido dificulta a lavagem e assepsia desses reservatórios. Como sabemos, devido à má qualidade da água fornecida pelas centrais de tratamento do país, é imperativo que haja um programa de manutenção e lavagem das caixas d’água. Se a opção for pelo o uso de caixa d’água de inox em um determinado projeto, recomendo que o responsável técnico encontre opções para manter a água numa temperatura amena e que seja possível uma fácil limpeza desse reservatório de água.

Outro tipo de caixa d’água bastante comum no mercado é a caixa d’água de polietileno que é também um polímero. Como já sabemos os polímeros expostos ao calor contínuo podem liberar substâncias tóxicas como o antimónio. Hoje existem vários estudos que comprovam a liberação de antimónio em materiais feitos de polímeros quando expostos por longas horas a altas temperaturas. Estudos realizados com garrafas plásticas de água por cientistas tem revelado liberação de substâncias como o antimónio que é um elemento metaloide com qualidades tóxicas. Apesar da quantidade verificada em experiências tem indicado um valor abaixo do nível considerado prejudicial à saúde humana o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos tem alertado através publicações e ações preventivas sobre este fenômeno.

 “According to the U.S. Center for Disease Control (CDC), antimony can cause acute and chronic health issues, such as diarrhea, vomiting, and stomach ulcers. Studies indicate that storage of these bottles at extended periods of time, and at increased temperatures, can result in unhealthy amounts of antimony. For example, a bottle stored at 60 degrees C for 176 days will yield unhealthy levels (maximum contaminant level (MCL) of 6 ppb), as would a bottle stored at 85 degrees C for just 1.3 days.” By George Dvorsky and Joseph Bennington-Castro. 

Por isso a preocupação por parte dos profissionais de saúde com relação a utilização do micro-ondas em vasilhas e vasilhames plásticos. Experiências realizadas por pesquisadores têm comprovado que o aquecimento de polímeros a alta temperatura pode ser nocivo à saúde de animais e do homem.

Uma opção que uso em quase 100% dos meus projetos é a utilização da velha caixa d’água de concreto. A menos que o proprietário do empreendimento seja irredutível quanto ao uso de outro tipo de caixa d’água, ou quando o projeto não permite utilização de caixa d’água de concreto, a minha recomendação técnica é que o reservatório de água seja mesmo de concreto. Descriminada por preceitos sobre o custo, peso e vazamento, a caixa d’água de concreto vem sendo descartada a cada projeto executado hoje no território nacional. O que eu digo aos meus clientes é que para a nossa condição climática e para a qualidade da água fornecida pelos os órgãos de saneamento do país, a caixa d’água de concreto é a que mais se adequada às nossas condições. Sabemos que a caixa d’água de concreto é mais cara do que a caixa d’água de PVC. Sabemos também que a caixa d’água de PVC é infinitamente mais fácil de ser instalada. Porém fica aqui uma consideração fundamental, __O que é o melhor para a saúde das pessoas?

Eu acredito que quem investe na construção de um empreendimento com uma residência ou prédio vertical quer resultados de qualidade a longo prazo. A caixa d’água de concreto oferece isso. Os desafios oferecidos pela caixa d’agua de concreto são facilmente contornados quando o arquiteto ou engenheiro utiliza de recursos técnicos adequados. No Brasil, hoje, existem inúmeros aditivos, selantes e componentes químicos que ajudam na estanqueidade e oferecem resultados extraordinários na confecção desse tipo de caixa d’água.

Sempre que posso, recomendo a utilização de impermeabilizantes rígidos na confecção do concreto desse elemento construtivo. Os agentes cristalizantes são hoje largamente encontrados no mercado por preços muito acessíveis. Os agentes cristalizantes além de preencher os “poros” naturais do concreto, fornece uma impermeabilidade de alta qualidade. Profissionais da construção civil preocupados com a redução custo da obra, muitas vezes recomendam outros tipos de caixa d’água sem considerar a manutenção e a qualidade da água armazenada. Com a disponibilidade do concreto usinado e o aço em abundancia no mercado essa desculpa não se justifica. Outro aspecto a ser considerado é com relação à manutenção desses reservatórios. Eu acredito que o bom projetista é aquele que pensa na edificação a longo prazo. Imagine vocês o processo de lavagem ou limpeza uma caixa d’água de amianto ou de PVC todo o ano? A caixa d’água de concreto quando tratada adequadamente oferece facilidades muito maiores na sua manutenção. Devido a sua estrutura de concreto armado, essas caixas d’água permitem uma assepsia muito mais adequada e segura do que qualquer outro tipo de reservatório. Sempre recomendo o tratamento das paredes internas com epóxi branco à base de silicatos. Além de dar um aspecto homogêneo, o epóxi sela a superfície do concreto e permite uma fácil limpeza da caixa d’água. Hoje no mercado existe outra opção que são os revestimentos monolíticos. Este tipo de revestimento é uma resina à base de polímeros que oferecem uma elasticidade ainda maior do que o epóxi. Como sabemos os polímeros são tóxicos e podem causar uma série de problemas. Porém quando usados em porcentagens reduzidas e diluídos numa massa cúbica de concreto exponencialmente bem maior, os riscos são infinitamente menores do que uma caixa de PVC.

Porém, construir uma caixa d’água impermeabilizada e de boa qualidade não suficiente. É preciso assegurar que seu barrilete também possa oferecer condições de funcionamento eficiente e que seja moldado para que ofereça condições ideias para a manutenção da caixa d’água e de seus assessórios de distribuição de água. Eu sempre recomendo que o barrilete tenha uma altura superior a 1.50m, pois além de facilitar a manutenção da caixa d’água e das colunas de distribuição de água, colabora de forma determinante na pressão da mesma.

Depois que a caixa d’água foi tratada com um revestimento selante adequado, é sempre recomendado, que após a secagem e cura desse revestimento, a caixa d’água seja criteriosamente lavada com água e sabão antes de seu uso. Utilizar água na temperatura ambiente. Deve-se evitar o uso de produtos excessivamente ácidos ou alcalinos. Também não utilizar substâncias ou produtos abrasivos na limpeza. A caixa d’água de concreto devidamente tratada e com um processo de limpeza anual resistirá ao tempo e oferecerá a seus usuários uma água de ótima qualidade.

Arq. Avelino Neto