A Brigada de Infantaria Paraquedista em momentos decisivos da história do Brasil

Por Laércio Becker | 27/04/2015 | História

Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR 

Considerando que o Exército Brasileiro sempre teve um papel de grande relevância na política nacional, é de se supor a importância de sua elite – quando, como e por que ela foi acionada. Pretendo recolher aqui um resumo da participação dos paraquedistas, a tropa de elite do Exército.

1961 – na crise da posse de João Goulart

Como é sabido, a crise de 1961 foi desencadeada pela renúncia de Jânio Quadros. O então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, queria montar uma resistência armada para garantir a posse de seu cunhado, Jango, então vice-presidente em viagem ao exterior. O comandante do III Exército, gen. Machado Lopes, apoiava a posse de Jango enquanto o Ministro da Guerra, gen. Odylio Denys, era contrário. Por conta dessa crise, o gen. Denys nomeou para o comando do III Exército o gen. Cordeiro de Farias. Ocorre que ele não queria assumir o posto.

Em enorme depoimento dado ao CPDOC da FGV, o gen. Ernesto Geisel, que era o Chefe do Gabinete Militar do presidente (interino) Ranieri Mazzilli, sugeriu ao seu irmão gen. Orlando Geisel a tomada de Curitiba pelos paraquedistas, para garantir a posse do gen. Cordeiro de Farias. A idéia era sinalizar ao gen. Machado Lopes que haveria resistência a qualquer pretensão sua de marchar rumo a São Paulo e Rio de Janeiro. Mas que a proposta não tinha a aprovação do gen. Denys. Vamos ao relato do gen. Geisel:

"'(...) o Cordeiro pode ir a Curitiba e lá assumir o comando do III Exército: em vez de assumir em Porto Alegre assume em Curitiba'. Orlando respondeu-me: 'Não, ele não vai conseguir'. Retruquei: 'Acho que ele pode assumir'. E sugeri ao Orlando uma operação militar: 'Você usa os pára-quedistas do Exército e os joga no campo de aviação de Curitiba, o Afonso Pena. Eles tomam conta do campo e organizam a defesa. Em seguida, voa do Rio o Regimento-Escola de Infantaria. Não tenha dúvida de que quando esse regimento descer em Afonso Pena, a guarnição de Curitiba, que é uma guarnição relativamente pequena, vai se entregar, vai aderir a nós, e o Cordeiro assume o comando lá'. E o Orlando: 'Ah, mas o Denys não quer empregar os pára-quedistas, que são as suas reservas'. Eu respondo: 'Mas para que serve a reserva? A reserva é usada para obter uma decisão num ponto crítico'. A resposta foi: 'Não'. O Cordeiro também não queria." (D'ARAUJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (orgs.). Ernesto Geisel. 5ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 138.)

Infelizmente, não há nada sobre isso no depoimento do gen. Cordeiro de Farias, publicado em: CAMARGO, Aspásia; GÓES, Walder de. Meio século de combate: diálogo com Cordeiro de Farias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. Tampouco no livro do então ministro do Exército: DENYS, Odylio. Ciclo revolucionário brasileiro: memórias. Rio de Janeiro: Bibliex, 1993. p. 72 e ss. Nem em sua biografia: BRITTO, Clermont de. Marechal Odylio Denys: uma vida inimitável. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986. p. 196 e ss.

Em compensação, outros livros trazem informações sobre duas operações planejadas no mesmo período:

  • Operação Abelha: o Núcleo da 1ª Divisão de Fuzileiros Navais embarcou, com todo seu material, no NTr Ary Parreiras, da Força de Transporte, e dois navios mercantes requisitados, Rio Mossoró e Araranguá. O plano era desembarcar no litoral catarinense, para apoiar o 5º Comando Naval, contra as tropas leais ao III Exército (COSTA, Carlos Augusto. Fuzileiros Navais: da praia de Caiena às ruas do Haiti. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2005. p. 27).
  • Operação Anel: aeronaves P-16 do 1º GAE (FAB) deveriam embarcar no NAeL Minas Gerais para proteger o desembarque de fuzileiros navais no litoral catarinense e, depois, sobrevoar Porto Alegre, com intenção dissuasória; o plano não foi efetivado, pois a flotilha zarpou do Rio rumo ao sul sem as aeronaves (CARVALHO, José de. Aviação embarcada. Rio de Janeiro: Incaer, 2007. p. 71-2).

Do outro lado da trincheira, especulava-se que os paraquedistas saltariam não em Curitiba, mas em território gaúcho – onde também cogitava um desembarque de fuzileiros navais. É o que diz o cap. Odilon Alves Chaves, em seu depoimento:

“As comunicações funcionavam mal e não permitiam confirmar ou desmentir os boatos. Informes chegavam de Santa Catarina, dando conta de que o Corpo de Fuzileiros navais estaria já em Florianópolis com a missão de desembarcar no litoral gaúcho. Alguns indícios pareciam confirmar essa possibilidade. Também se dizia que o Núcleo Aeroterrestre (Corpo de Paraquedistas) tentaria saltar no nosso território.” (CHAVES, Odilon Alves. Mar grosso. In: Nós e a legalidade: depoimentos. Porto Alegre: IEL, 1991. p. 177.)

Nesse sentido, o livro de memórias de José Wilson da Silva, um oficial da FAB que estava na Base Aérea de Canoas (RS) quando da crise de 1961. A Base Aérea ficou dividida entre os que apoiavam e os contrários à posse de Jango.

"Dia primeiro de setembro, Melquisedec, de serviço, e o tenente Avelino Yost, oficial de dia, foram informados pelo comandante, major Mário Oliveira, que a Base seria atacada por paraquedistas vindos do Rio para fazer ponto de apoio à Aeronáutica contra o 3º Exército. Sargentos, cabos e soldados foram armados e foi feito um cinturão de defesa." (SILVA, José Wilson da. O tenente vermelho. 4ª ed. Porto Alegre: AGE, 2011. p. 47.)

Eventual desproporção no efetivo das tropas pode levar o leigo a uma apreciação equivocada. Presume-se que o III Exército, porque disposto a defender a fronteira sul do Brasil, estava bem equipado (contra, o cel. Maya Pedrosa em: PEDROSA, J. Fernando de Maya. A grande barreira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bibliex, 2001. p. 272). No entanto, os paraquedistas do Exército e os fuzileiros navais da Marinha são tropas profissionais e de elite. Assim, eventual confronto não seria tão fácil quanto parece.

A versão do gen. José Machado Lopes encontra-se em dois livros, ambos porém sem qualquer menção às expectativas que nutria a propósito das tropas dos outros Exércitos:

  • O III Exército na crise da renúncia de Jânio Quadros. Rio de Janeiro: Alhambra, 1980.
  • Uma vida e um século. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1985. p. 185 e ss.

1964 – um estopim

Segundo o jornalista Carlos Castello Branco, um dos motivos para a conspiração que, em quatro meses, levou à queda de João Goulart foi o seguinte:

“Um episódio, ocorrido logo em seguida, se tornou decisivo: a ordem ao Corpo de Paraquedistas para prender o Governador Carlos Lacerda. A resistência do General Boaventura ecoou em todos os escalões da oficialidade, criando o clima propício para o início da conspiração.” (CASTELLO Branco, Carlos. Introdução à Revolução de 1964. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. t. 2, p. 220.)

1964 – na tomada do Forte de Copacabana

Episódio muito importante na queda de Jango foi a tomada do Forte de Copacabana, onde se localizava o Quartel General da Artilharia de Costa. Infelizmente, não encontrei menção nos depoimentos publicados em: História oral da Artilharia de Costa. Rio de Janeiro: Bibliex, 2010. v. 1. O relato oficial do Comando do Forte, publicado pelo cel. Hugo Guimarães Borges Fortes em seu livro, é sucinto na parte relativa à atuação dos paraquedistas:

“Às onze horas da manhã só restava tomar o Quartel-General da Artilharia de Costa, o que seria bem fácil para a guarnição do Forte de Copacabana, contando-se, para evitar derramamento de sangue, com a adesão de muitos integrantes do quartel-general que comungavam dos mesmos ideais que levaram a guarnição do forte a se rebelar. Assim, um grupo de oficiais da Escola de Comando e Estado-Maior, liderados pelo coronel César Montagna de Souza, numa ação inesperada e com completa surpresa, em espetacular golpe-de-mão penetrou, sob apoio da tropa do forte, o referido quartel-general, tomando-o e imobilizando os poucos elementos que ainda tentavam dar seguimento às ordens de reação ao movimento democrático. Avançou-se então o dispositivo de segurança do forte contra eventual ataque de tropas fiéis ao governo Goulart até as esquinas da Rua Francisco Otaviano e Av. N. Sra. de Copacabana, da Av. Atlântica com a Av. Rainha Elizabete. Com a divulgação da atitude da guarnição do Forte de Copacabana e acontecimentos posteriores, em sensacional furo de reportagem filmado das sacadas da TV Rio e pelo rádio, militares da ativa e da reserva de todas as patentes acorreram ao forte, dando inteira solidariedade aos seus integrantes e pondo à sua disposição meios de transporte ou participando das medidas de vigilância ou nos postos de defesa.” (FORTES, Hugo G. Borges. Canhões cruzados: uma síntese da história da Artilharia de Costa brasileira. Rio de Janeiro: Bibliex, 2001. p. 211.)

Em contrapartida, a operação de tomada do Forte foi detalhadamente relatada pelo cel. Sillas Bueno, então aluno da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme). Esse interessante relato foi divulgado pelo cel. Aluísio Madruga de Moura e Souza, nos artigos nº 22 e 23 da série “31 de março de 2014: 50 anos da contrarrevolução de 31/03/1964 – documentário”, publicada no site www.averdadesufocada.com. Com a palavra, o cel. Sillas:

“ A Tenentada que deu Certo.

Na manhã do dia primeiro de abril de 1964, após a agitação do dia anterior – 31 de março, quando a contrarrevolução já irrompera em Minas Gerais, as aulas da ECEME prosseguiam normalmente. Bem cedo, nessa mesma manhã um grupo de oficiais que serviam na ECEME, chefiados pelo Major Helvécio, chegou ao Forte Copacabana. Sua missão era apoiar o coronel Arídio, Comandante( Cmt) do Forte que estava sendo pressionado , para não aderir à Contrarrevolução, pelo General Morais, Cmt. do Quartel General vizinho. Esta operação foi tão sigilosa que a maioria dos alunos da ECEME de nada souberam.

Subitamente foi aberta a porta da sala de aula do 1ª ano e entraram o Cel. Barroso, diretor do 1º ano, acompanhado do Cel. Montagna e do Ten-Cel Couto, ambos da Diretoria da Artilharia de Costa e da Artilharia Antiaérea.

O instrutor, informado que o Gen. Mamede Cmt. da Escola, autorizara a interrupção passou a palavra ao Cel. Barroso, que apresentou os visitantes, com o esclarecimento de que o Cel. Montagna viera solicitar 20 alunos voluntários para um golpe de mão no Quartel General da Artilharia de Costa da 1ª RM(QG/Art Cost/1ª RM), cujo General Cmt. era pró Jango Goulart. Esclareceu o Cel. Montagna que a conquista daquele QG quebraria o “cristal”, que imobilizava a guarnição do Rio, provocando a adesão à Contrarrevolução pelo efeito cascata. Ao apelo do Cel. Montagna, cerca de 50 oficiais alunos se apresentaram. Destes, 20 foram escolhidos. Já no saguão da Escola houve o detalhamento da operação. Era uma operação para a qual não eram fornecidos os meios. Não foi fixado o uniforme. O armamento era o revólver ou pistola de propriedade do oficial. O transporte seria feito nos carros particulares, de quem os tivesse.

Corri para o meu apartamento no Edifício da Praia Vermelha( EPV) – onde residia e ainda reside todos os alunos da ( ECEME) e coloquei meu uniforme de salto(lembrança da tropa pára-quedista), calcei os coturnos, pus meu cinto NA, coloquei a pistola .45 no coldre, depositei uma granada de não defensiva – mais agressiva que a ofensiva em cada bolso e na cabeça afivelei meu capacete de aço – ainda bem que o soldado profissional está sempre pronto para a guerra. Retornei ao Corpo da Guarda da ECEME onde já existiam duas metralhadoras INA aguardando por mim e pelo Capitão Omar. Os voluntários embarcaram nos 4 carros particulares. Um Citroen, um Aero Willys, uma Rural e uma Kombi. No trajeto éramos apenas 19 pois um ficara preso no elevador por falta de energia. Passei então a pensar sobre o tipo de oficiais que o Exército moldava. Eram 19 alunos voluntários, sendo oito majores e onze capitães, a idade oscilando entre 35 e 40 anos. Todos casados, com um mínimo de três filhos. O Maj. Meirelles tinha oito e eu cinco.

Sem nenhuma preparação psicológica, sem nos impressionarmos com o desfecho do ataque, que poderia ser fatal para muitos, éramos movidos apenas pelo ideal comum e pela disciplina, numa missão sem meios, baseada apenas no fator surpresa. Não houve perguntas nem hesitações.

A Providência Divina certamente se envolveu nessas operações. As 10:30hs deste mesmo dia chegava ao QG/Art Cos um comboio motorizado do 8º GMAC, transportando 100 militares para reforçar a defesa do aquartelamento. Após entendimentos com o Ten-Cel Borges Fortes, do QG/Art Cos, o chefe da coluna regressou à origem sem desembarcar um único homem. Se não tivesse sido assim, certamente teria se repetido a mortandade dos 18 do Forte de Copacabana evento ocorrido em 1922 no Rio de Janeiro.

Aproximava-se a hora crítica do meio dia, hora da tora...(hábito do militar dormir alguns poucos minutos após o rancho, ou seja, após o almoço). Favorecendo ainda mais os atacantes, o Gen. Morais Cmt. do QG/Art Cos estava fora: tinha ido ao QG do Iº Exército.

Houve uma “freada” brusca e paramos em Copacabana na rua Raúl Pompéia, um pouco antes da Francisco Otaviano. Neste alto o tenente coronel Couto, a paisana fez um último reconhecimento do itinerário. Em quanto isto o Major Dickson, designado o executivo da operação foi de carro em carro fazendo as últimas recomendações destacando-se: evitar derramamento de sangue, mas atirar sem hesitação se necessário. Em seguida, com o retorno do Tenente Coronel Couto a coluna partiu direto para o alvo. Paramos em frente ao QG da Art/Cos e saltamos dos carros de armas nas mãos quando nos dirigimos correndo para o edifício Central abordando-o pela frente e pelos francos, gritando vozes de comando e de estímulo. A luta corporal, o pipocar dos tiros e a gritaria espalhava-se por toda parte. A surpresa fora completa e a resistência ficou cristalizada, sendo que nesse primeiro momento o Maj. Magalhães, ferido com uma coronhada de fuzil na cabeça foi evacuado para a ECEME na Praia Vermelha. Um de nossos grupos entrando pela porta principal subiu correndo ao andar superior, quando um sargento do QG tentou atirar pelas costas no Cel. Montagna, sendo atingido em uma das pernas por um dos nossos tendo se rendido em seguida. Outro grupo do qual eu fazia partiu para o corpo da guarda onde existia uma sala com a porta fechada. Ao arromba-la deparei-me com um sargento com uma Metralhadora INA nas mãos e mais seis soldados com seus fuzis automáticos leve(FAL). Gritei bem alto: armas no chão! Atiro se não for obedecido! Não tenham medo! Não queremos fazer mal a vocês! Queremos impedir que os comunistas tomem o Poder!

O sargento comandante da guarda e todos os soldados depuseram as armas no chão. Entreguei-os ao Cap. Denys que estava recebendo os presos tendo passado a ministrar ordem unida aos mesmos. Excelente ideia. Prossegui com meu grupo indo ao rancho onde não encontrei ninguém. Então eu e o Cap. Omar vasculhamos um corredor sendo que ao dobrar uma esquina fomos atacados por tiros de metralhadora. Nos abrigamos e o Cap. Omar procurou descobrir a origem dos tiros me informando em seguida que o Cap. Medeiros do Forte Copacabana pulara o muro para o lado do QG/Art Cos. e rendera um sargento radiotelegrafista que era quem estava atirando.

Controlada em definitivo a situação, no portão principal fora instalado pelo Maj. Dickson um posto de sentinela, onde passaram a dar serviço os oficiais alunos, independente de posto, até porque essa é uma missão para soldados. Chegada a minha vez ocupei o posto de sentinela, sem saber que havia uma câmera da TV Rio-Canal 13 filmando tudo o que acontecia ali. Esta fora uma iniciativa do então repórter Flávio Cavalcante, logo no início da ação fato que eu desconhecia e que foi de suma importância para a contrarrevolução, pela difusão instantânea do que ocorria e que alcançou todas as Unidades do Rio de Janeiro, cooperando eficazmente para a imediatamente adesão das mesmas.

Em seguida, para os oficiais alunos da ECEME a missão foi dada por encerrada com a chegada dos Generais Panasco Alvim e Rego Barros. O primeiro assumiu o comando do QG/Art Cos e o segundo escoltou para a Escola Superior de Guerra(ESG) O Gen. Morais. A segurança da área passou para o Forte Copacabana, unidade que se tornou fiel logo após o início.”

Segundo o cel. Madruga, essa missão foi cumprida por um coronel, um ten-cel, oito majores e onze capitães, o que perfaz um total de 21 oficiais.

1964 – na garantia da posse de Mazzilli

Quando João Goulart foi afastado da presidência da República, Ranieri Mazzilli tomou posse na qualidade de presidente interino, em 02.04.1964, em ambiente de grande tensão. A descrição detalhada foi publicada no Diário de Notícias de 03.04.1964, p. 2, e republicada por seu primo, em: GATTI, Vicente Paulo. O presidente Mazzilli e eu. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1997. p. 143-4, 239.

Segundo depoimento dado por Anísio Rocha a Hélio Silva em julho de 1974, nessa oportunidade, os paraquedistas foram efetivamente acionados:

 “O Presidente Ranieri Mazzilli fez nova ligação com o Palácio do Exército. Comunicou ao Gen. Costa e Silva que havia sido empossado na Presidência da República e pediu garantias. Duas horas depois, um choque de paraquedistas descia na Praça dos Três Poderes, dando ao novo Governo a garantia das forças revolucionárias vitoriosas.” (SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 429.)

1964 – na intervenção em Goiás

No final do ano, uma crise política com o governador de Goiás, maj. Mauro Borges, terminou na decretação de intervenção no estado, com nomeação do interventor então cel. Meira Matos. Conta o cap. pqdt. Gonçalves, tropas paraquedistas foram encaminhadas a Goiânia, para garantir a aplicação da lei. A ação terminou com a condução do governador a Brasília (GONÇALVES, Domingos F. Memória histórica da Brigada de Infantaria Pára-quedista. Rio de Janeiro: Viaman, 2010. v. 1, p. 170).

Infelizmente, em seu livro, o governador não dá detalhes sobre a atuação dos paraquedistas no episódio: BORGES, Mauro. O golpe em Goiás. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p. 172 e ss.

1969 – reação contra o seqüestro do embaixador americano

Em 1969, parte da Brigada de Paraquedistas, que já discordava da assunção do poder pela Junta (gen. Lyra Tavares, alm. Rademaker e brig. Márcio de Souza Mello), quando da doença do Pres. Costa e Silva, discordou frontalmente do acordo que a Junta fez, para libertar quinze terroristas de esquerda em troca do embaixador americano Charles Elbrick, que havia sido seqüestrado.

Alguns quiseram impedir a decolagem do Hercules que levaria os terroristas ao México; não obtendo sucesso na empreitada, fizeram uma proclamação durante uma transmissão da Rádio Nacional. Depois, deixaram de desfilar no Sete de Setembro, por entender que a Junta não era merecedora do desfile.

A versão do Chefe do Gabinete Militar, gen. Jayme Portella, encontra-se aqui: MELLO, Jayme Portella de. A revolução e o governo Costa e Silva. Rio de Janeiro: Guavira, 1979. p. 846-8.

A versão do assessor de imprensa do pres. Costa e Silva, jornalista Carlos Chagas, encontra-se aqui: CHAGAS, Carlos. 113 dias de angústia: impedimento e morte de um presidente. 2ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1979. p. 111-5. Nas p. 239-45, ele transcreve a Ordem do Dia de 07.11.1969, do então ten.-cel. Dickson Melges Grael (pai dos iatistas Torben e Lars Grael), quando deixou o comando do 1º Grupo de Artilharia Aeroterrestre, integrante da Brigada Aeroterrestre (nome da Brigada Paraquedista na época), como conseqüência dos fatos acima.

Mais tarde, o cel. Grael publicou um livro em que se limita a dizer que foi transferido para a 2ª Divisão de Cavalaria do III Exército, onde foi encarregado de preparar um estudo para invasão do Uruguai: GRAEL, Dickson Melges. Aventura, corrupção e terrorismo. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 14-5.

Há também um depoimento bastante crítico do gen. Gustavo Moraes Rego Reis: SOARES, Gláucio Ary Dillon et alii (orgs.). A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de janeiro: Relume Dumará, 1995. p. 94-5.

A opinião dos três livros acima é no sentido de que a reação dos paraquedistas foi uma insubordinação. Seria interessante ler a versão dos próprios paraquedistas, que se encontra na citada Ordem do Dia de 07.11.1969, do 1º Grupo de Artilharia Aeroterrestre, uma vez que foi mais um episódio marcante da Brigada na história política do Brasil.

De qualquer modo, encontrei menção à Informação 769/69 (às vezes chamada de 746/69, não sei em qual delas houve erro de edição), do gen. Dutra de Castilho. Pelo que pude apurar, parece-me que essa Informação faz uma análise da situação político-militar daquele período conturbado. Ou seja, essa Informação - que infelizmente não vi transcrita em nenhum livro - provavelmente expressa os motivos que moveram os oficiais da Brigada a tomarem as atitudes relatadas na Ordem do Dia de 07.11.1969, do cel. Grael, quando deixou o comando do 1º Grupo de Artilharia Aeroterrestre.

Seria muito interessante, então, reunir a Informação (que explica a motivação), a Ordem do Dia (que relata os fatos) e os depoimentos dos participantes. Dois deles já foram publicados pela Bibliex na História oral do Exército Brasileiro - Revolução de 64: cel. Valporto de Sá (v. 11) e cel. Adalto Barreiros (v. 14).

Chamo atenção para este trecho do cel. Barreiros, que deixa bem claro como a situação estava crítica:

"No retorno ao quartel, após a operação Galeão, surge um informe que o Regimento de Carros de Combate de Campinho recebera ordem de invadir o Grupo de Artilharia Paraquedista. Nova tomada de decisão crucial. Ninguém entra no quartel sem ordem do Comandante! A ordem era simples e direta – combater qualquer tentativa de invasão, fosse quem fosse o oponente. Dispusemos os obuses municiados com carga máxima, prontos para o tiro direto contra carros em vários pontos, flanqueando as vias de acesso em todas as direções e numa delas para tiros frontais de dentro dos próprios pavilhões, usando dissimulação e fator surpresa.

A tropa disposta para rechaçar qualquer assalto, inclusive fora das guarnições dos obuses, assim permaneceu em vários pontos, de forma a intervir sobre os carros pela retaguarda e flanco. Foram horas cruciais e de grande tensão. Nenhum carro surgiu!"

Anos 70 – combate à guerrilha rural e urbana

Tropas paraquedistas também atuaram para controlar as insurreições de Jacareacanga (1956) e Aragarças (1958), bem como para combater a guerrilha do Araguaia, em suas três campanhas. Segundo o ten.-cel. Lício Augusto Ribeiro Maciel, no Araguaia, essa atuação poderia ter sido fulminante, mas não foi, por uma decisão política:

“O Exército Brasileiro deu inúmeras e demoradas oportunidades para que eles se entregassem: o local foi descoberto em 1972 e só foi neutralizado em 1974. Com a descoberta da área seria muito fácil, por exemplo, empregar a Brigada de Infantaria Paraquedista para neutralizar a guerrilha em curto prazo. Mas isto não foi feito. Foi adotada uma solução humana, demorada e, inclusive, mais arriscada para os militares.” (Jornal Inconfidência, 27.02.2004, apud Madruga.)

A síntese da efetiva participação dos paraquedistas encontra-se em: GONÇALVES, Domingos F. Memória histórica da Brigada de Infantaria Pára-quedista. Rio de Janeiro: Viaman, 2010. v. 1, p. 168-72. Para quem se interessa pela guerrilha do Araguaia, é imprescindível a leitura de dois livros do cel. Aluísio Madruga de Moura e Souza, que participou de uma operação de Inteligência na região, que o credenciou a obter uma verdadeira radiografia do movimento sedicioso, precisamente descrito aqui:

  • Movimento comunista brasileiro: guerrilha do Araguaia – revanchismo – a grande verdade. Brasília: ed. do autor, 2002.
  • Desfazendo mitos da luta armada: documentário. Brasília: ABC BSB, 2006.

De 07.01.1970 a 11.03.1974, o comandante da Brigada era o gen. Hugo Abreu, que publicou dois livros. Num deles, não menciona o que aconteceu no Araguaia: ABREU, Hugo. Tempo de crise. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. No outro, somente en passant, detendo-se em lembrar a morte do maj. pqdt. Martinez:

“Não vou relatar aqui, pois este não é o escopo deste depoimento, a ação da Brigada Paraquedista durante os dias agitados que medeiam entre 1970 e princípios de 1974. Quero apenas fazer uma breve referência sobre as lutas em que se empenharam elementos da tropa paraquedista, no combate à guerrilha rural e urbana, e nas quais se sacrificou, entre outros, o major Toja Martinez, morto em ação em 1971, quando do controle de um ‘aparelho’ subversivo, na área de Campo Grande, no Rio de Janeiro. A intrepidez e o heroísmo do major Martinez constituem exemplo para as gerações futuras e seu sacrifício está incorporado às tradições de idealismo da Brigada Paraquedista. Equipes de paraquedistas participaram intensamente da luta contra a guerrilha urbana no Rio de Janeiro e estiveram presentes em todas as ações contra focos de guerrilha rural que surgiram no país entre 1970 e 1974.” (ABREU, Hugo. O outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979. p. 21.)

Sobre a morte do maj. pqdt. Martinez, ver ainda:

  • AUGUSTO, Agnaldo Del Nero. A grande mentira. Rio de Janeiro: Bibliex, 2002. p. 396-7.
  • MACIEL, Lício; NASCIMENTO, José Conegundes do (orgs.). Orvil: tentativas de tomada do poder. São Paulo: Schoba, 2012. p. 674-5.
  • USTRA, Carlos Alberto Brilhante. A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça. 7ª ed. Brasília: Ser, 2011. p. 373 e ss.

1977 – na demissão do gen. Sylvio Frota

Como é notório, o episódio foi extremamente delicado, tanto do ponto de vista político quanto militar. O gen. Sylvio Frota, em seu livro Ideais traídos, e o gen. Enio Pinheiro, em depoimento ao CPDOC da FGV, acreditavam que o Brasil esteve à beira de uma guerra fratricida entre forças leais ao presidente Geisel e forças leais ao gen. Frota.

Nesse contexto altamente explosivo, a Brigada de Paraquedistas foi colocada de prontidão, para atuar em Brasília. O gen. Hugo Abreu, ex-Comandante da Brigada de Pára-Quedistas e então Chefe do Gabinete Militar de Geisel, organizou os preparativos de ordem militar para garantir a demissão do gen. Frota. Eis o que ele fala sobre a possibilidade de intervenção dos pára-quedistas:

“O Tenente-Coronel Kurt Pessek, Assistente-Secretário do Chefe do Gabinete Militar, deveria estar às nove horas da manhã [do dia 12.10.1977] na Vila Militar, onde tinha a missão de procurar o Comandante da Brigada Pára-Quedista e informá-lo do que estava ocorrendo [a demissão do Min. do Exército]. De acordo com a evolução dos acontecimentos, a tropa de pára-quedistas, por suas características especiais e sua capacidade de ser deslocada para qualquer ponto do país, poderia vir a desempenhar missão muito importante.” (ABREU, Hugo. O outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979. p. 133.)

[...] a maioria da tropa de Brasília não poderia ser considerada como de confiança do Governo. Nessa ocasião – eram mais de três horas da tarde [do dia 12.10.1977] – telefonei para o Comandante da Brigada Pára-Quedista e solicitei-lhe que preparasse um batalhão e o deixasse em condições de se deslocar via aérea para Brasília. O comandante apenas me perguntou se era para deslocar logo a tropa e respondi para ficar em condições e aguardar a ordem de deslocamento, que deveria vir por intermédio do I Exército. Entrei em ligação com a FAB, logo a seguir, pedindo que desse as ordens necessárias para a 5ª Força Aérea de Transporte aprontar os meios de conduzir a Brasília a tropa de pára-quedistas.“ (idem, ibidem, p. 146-7.)

A história é confirmada pelo gen. José Maria de Toledo Camargo, da Secretaria de Imprensa. Em sua opinião, a atuação dos pára-quedistas seria decisiva:

“Além disso, havia um dispositivo militar preparado para sufocar a hipótese de resistência. A Brigada Paraquedista (do Rio de Janeiro) estava de prontidão. Seu comandante, general Fernando Pamplona, era da maior fidelidade a Geisel; até pouco antes, quando de sua promoção ao generalato, era auxiliar imediato do general Hugo Abreu. Não houve necessidade de acioná-la, mas sua ação seria decisiva, provavelmente sem necessidade de um tiro sequer.” (CAMARGO, José Maria de Toledo. A espada virgem: os passos de um soldado. São Paulo: Ícone, 1995. p. 225.)

Segundo o gen. Geisel, o gen. Hugo queria autorizar de plano o deslocamento, mas Geisel o desautorizou:

“O general Hugo, que havia comandado os paraquedistas, resolveu alertar a brigada no Rio e deslocar uma tropa de paraquedistas para Brasília. Quando eu soube, disse: ‘Não precisa’. Ele estava preocupado e querendo agir.” (D’ARAUJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (orgs.). Ernesto Geisel. 5ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 408.)

O gen. Enio dos Santos Pinheiro presenciou os fatos ao lado de Frota. Eis o trecho de seu depoimento, em que fala sobre o que aconteceria se Frota resistisse à sua demissão:

“No começo ganharia porque estava tudo muito dividido. Mas por quanto tempo? Levaria umas seis horas para a tropa do Rio [pára-quedistas] chegar a Brasília. Mas em seis horas teria acabado tudo. O governo não tinha tropa, não tinha nada preparado. Porque é preciso estar em ordem para poder marchar. E eles não tinham ninguém.” (SOARES, Gláucio Ary Dillon et alii (orgs.). A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de janeiro: Relume Dumará, 1995. p. 239.)

O livro do próprio gen. Frota, que fala sobre os preparativos militares que se lhe opunham, infelizmente não cita a Brigada Paraquedista (FROTA, Sylvio. Ideais traídos. Rio de Janeiro: Zahar, 2006).

Em contrapartida, existe a versão de Saïd Farhat, que depois seria ministro da Comunicação Social do pres. Figueiredo. Vamos ao trecho de seu livro:

“Hugo Abreu havia comandado a Brigada de Paraquedistas, de onde saíra diretamente para seu cargo no Palácio do Planalto [min. Chefe do Gabinete Militar]. Era queridíssimo na Brigada. Esta foi por ele posta de sobreaviso, no episódio da demissão do ministro do Exército, general Sylvio Frota, possivelmente para saltar sobre a Praça dos Três Poderes e resgatar o presidente, caso este fosse feito prisioneiro por seu ministro demitido, e eventualmente rebelado. Ou, inversamente, tomar o ‘Forte Apache’ [como era conhecido o quartel general do Exército] e aprisionar o ministro rebelde.” (FARHAT, Saïd. Tempo de gangorra: visão panorâmica do processo político-militar no Brasil de 1978 a 1980. São Paulo: Tag & Line, 2012. p. 269.)

Para finalizar

Como se vê, nem sempre a participação das tropas paraquedistas chegou a se concretizar. Mas o fato de ser ela ter sido especulada ou até mesmo planejada já é suficiente para avaliar a importância política dessa elite militar nesses momentos cruciais e extremamente tensos da história política do Brasil.

Para uma compreensão mais panorâmica da história da Grande Unidade, constituem leitura obrigatória os seguintes livros de autoria do cap. pqdt. Domingos F. Gonçalves, chefe da Seção do Arquivo Histórico da Brigada, na qual tem realizado um inestimável trabalho de resgate da memória do paraquedismo militar brasileiro:

  • Memória histórica da Brigada de Infantaria Pára-quedista. Rio de Janeiro: Viaman, 2010. v. 1.
  • Memória histórica da Brigada de Infantaria Pára-quedista: cronologia dos principais eventos. Rio de Janeiro: ed. do autor, 2014.

A título de leitura complementar, com foco em aspectos mais particulares dessa história, recomendo ainda:

  • ADORNO, Ly. Ser paraquedista: 50 anos de paraquedismo militar no Brasil. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1995.
  • LOUREIRO, Antonio Lobo. Biografia do Gen. Pqdt. Roberto de Pessôa: a vida narrada do primeiro paraquedista do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Teatral, 2003.

 

“BRASIL, ACIMA DE TUDO!”