A BNCC E O PARADOXO COM O PNE, NO QUE TANGE À VISÃO DE CURRÍCULO

Por Nilva Manea de Araujo | 02/11/2018 | Educação

Nilva Manea de Arujo[1]

Priscila Carla Hauco Toro[2]

Resumo: A nova Base Comum Curricular foi aprovada em dezembro de 2017, sobe um perspectiva que almeja um modelo de currículo acrítico, endossada pela proposta da escola sem partido e sem discussões políticas. Dentro desse enfoque, o presente artigo faz uma revisão literária sobre as teorias do currículo e traz à tona o grande problema camuflado dentro da proposta curricular tradicional que, em síntese, está centrada apenas na formação de mão de obra. Além disso, traz à tona o paradoxo entre BNCC/2017 e o PNE/2014, uma vez que a nova proposta de modelo curricular, diferente do Plano Nacional, não visa à formação do cidadão participativo, crítico, democrático, sujeito da transformação social.

Palavras-chave: Base Comum Curricular, proposta curricular tradicional, formação crítica.

Introdução

Este artigo tematiza o paradoxo da teoria curricular tradicional proposta pela BNCC/2017 com o modelo curricular crítico e pós-critico que estava no PNE/2014. Para tanto, faz-se uma revisão literária da teoria do currículo e depois pondera-se quais das propostas tem o enfoque para a formação apenas de mão de obra e qual visa a formação participativa, democrática e com lócus na educação transformadora da realidade social.

No que tange à sustentação do aporte teórico, usamos como sustentáculo de definição da teoria do currículo autores como Lopes (2006), Sacristán (2000), Silva (2005). Já concomitante à antítese entre a BNCC[3] e o PNE[4] usamos os apontamentos de Portugal (2017) e de Gama (2018). Além do mais, buscamos averiguar os ditames da LDB 9394/96, no que se refere à questão do fim da autonomia dos Sistemas de Ensino com a cisão da Gestão Democrática e dos modelos de avaliação exauridos pela nova proposta curricular.

Ao final deste artigo, fechamos a nossa linha de pensamento, com Paulo Freire (1986), no livro Educação como prática da liberdade, pois se a educação servir apenas para a formação de mão de obra, teremos sempre a manutenção da elites e subjugação do povo no substrato social, uma vez que a ele é negado a participação e o pensamento crítico, o que lhe tira o empoderamento.

Revisão de literatura 

Antes de falarmos sobre os antagonismos que existem entre a BNCC/2017 e o PNE/2014, faremos uma breve conceituação sobre o que é o currículo e sobre as teorias sobre o currículo.

De acordo com Sacristán (2013, p. 12), o currículo pode ser definido como:

 

[...] conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno dentro de um ciclo-nível educativo ou modalidade de ensino; como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se; como tarefa e habilidade a serem dominadas; como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução da mesma [...]

 

 

Complementando o que diz Sacristán (2013, p. 12) sobre o currículo, Lopes (2003) diz que a construção do currículo é:

 

 

[...] tecida em cada escola com a carga de seus participantes, que trazem para cada ação pedagógica de sua cultura e de sua memória de outras escolas e de outros cotidianos nos quais vive. É nessa grande rede cotidiana, formada de múltiplas redes de subjetividade, que cada um de nós traçamos nossas histórias de aluno/aluna e de professor/professora. O grande tapete que é o currículo de cada escola, também sabemos todos, nos enreda com os outros formando tramas diferentes e mais belas ou menos belas, de acordo com as relações culturais que mantemos e do tipo de memória que nós temos de escola [...].

 

 

Dessa forma, como ponderam Lopes (2006), Silva (2005) e Sacristán (2000), a ideia que sustenta a imagem de currículo não deve ser apenas uma mera listagem de conteúdos. O currículo, antes de mais nada, é procedimento direcionador, constituído pelo encontro da cultural, dos saberes e dos conhecimentos escolares na prática da sala de aula, que é o local locais de intercâmbio entre professor e aluno.

Assim, podemos dizer que o currículo é um direcionador das aprendizagens, construído dentro de uma tessitura coletiva na escola, em que está presente as vivências dos sujeitos, seus valores e suas visões de mundo, no intuito de se desenvolver o conhecimento estruturado e cientifico. 

 

3.Teorias do Currículo

 

Conforme Sabaini (2007), no artigo “Porque estudar currículo e teorias de currículo”, ao citar Silva  (2005, p. 17), afirma que há três bases teóricas que sustentam a concepção de currículo. São elas:

 

Teorias Tradicionais: (enfatizam) ensino – aprendizagem – avaliação – metodologia – didática – organização – planejamento - eficiência- objetivos.

Teorias Críticas: (enfatizam) ideologia – reprodução   cultural e social – poder classe social – capitalismo – relações sociais de produção –conscientização – emancipação – currículo oculto – resistência.

Teorias Pós-Críticas: (enfatizam) identidade – alteridade – diferença –Subjetividade – significação e discurso – saber e poder – representação cultural – gênero – raça – etnia sexualidade – multiculturalismo.

 

A teoria tradicional do currículo centra-se na neutralidade, preterindo o ensinamento de conteúdos científicos, desinteressados da realidade. Está na base da formação da mão de obra e não do cidadão crítico e responsável com as causas sociais. Neste modelo, o aluno recebe o conteúdo, forma habilidade e competências restritas à sua atuação no mercado de trabalho, mas não participa do processo de elaboração do currículo, não questiona e é passivo quanto à perspectiva de transformação da realidade.

Na teoria crítica, o currículo está ponderado pelo pensamento de que não há neutralidade no processo e conhecimento desinteressado com as transformações sociais e com meio material. Na teoria crítica, o conhecimento é visto como uma relação de poder, pois conhecer é empoderar-se.

Já na teoria pós-crítica do currículo, visam uma educação engajada com as questões sociais, com o meio, com o respeito as minorias e as diversidades culturais e de gênero. Não nesse modelo uma preocupação irrestrita de se formar mão-de-obra, ao contrário o morte é a formação de cidadãos críticos da realidade, participativos e politizados

 

Para Sacristán (2000, p. 157), perspectiva crítica e a tradicional se distinguem da seguinte forma:

 

A finalidade do currículo crítico é o inverso do currículo tradicional; este último tende a “naturalizar” os acontecimentos; aquele tenta obrigar os alunos /a a que questione as atitudes e comportamentos que considera “naturais “. O currículo crítico oferece uma visão da realidade como processo mutante contínuo , cujo agentes são os seres humanos , os quais , portanto , estão em condição de realizar sua transformação . A função do currículo não é “refletir “ uma realidade fixa ,mas pensar sobre a realidade social ; é demonstrar que o conhecimento e os fatos sociais são produtos históricos e, consequentemente, que poderiam ter sido diferentes (e que ainda podem sê-lo)

 

 

Ou seja, na abordagem crítica e pós-crítica do currículo, com mais ênfase neste último, aborda-se temas como: ética, saúde, orientação sexual, meio ambiente, trabalho, consumo e pluralidade cultural, além do multiculturalismo.

 

 

  1. A visão de currículo preterida na BNCC e no PNE

 

 

O Sociólogo brasileiro Zacarias Gama, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicou um artigo recentemente intitulado: “A elite do atraso e a Base Comum Curricular”. Neste artigo, Gama traz à tona o objetivo enviesado pela nova proposta curricular – BNCC, aprovada em dezembro de 2017 pelo Governo Federal. Na nova Base Comum Curricular, a proposta é de tornar facultativa as disciplinas de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Religiosa. Gama (2018), alerta que na verdade, ao propor tais mudanças no currículo, o governo objetiva trabalhá-lo por um viés tradicional que fomenta a formação para o mercado de trabalho, afastando do currículo a formação crítica e pós-críticas. Em outras palavras, o enfoque é criar a escola sem partido e o cidadão apolítico, isto é, não questionador da realidade, das relações sociais e das relações de trabalho, distante do culturalismo e do multiculturalismo, alheio à diversidade de gênero e do respeito ao diferente.

Gama (2018), ao criar um paralelo entre nossa nova Base Comum Curricular com o que há de orientação do currículo na Europa, pontua que nos países europeus a Base Curricular almeja:

  

os futuros cidadãos e trabalhadores, a partir das competências de base, desenvolvam com espírito crítico outras competências mais elevadas voltadas ao empreendedorismo, mundo digital e à cultura financeira. Para tanto, espera que o futuro cidadão e trabalhador – livre, autônomo, democrático, despido de preconceitos, criativo, responsável e consciente de si e do mundo em que se insere – seja capaz de rejeitar todas as formas de discriminação e exclusão social, reconhecer a importância e os desafios colocados pelas Artes, Humanidades, Ciência e Tecnologia “para a sustentabilidade social, cultural, econômica e ambiental” do seu país e do mundo, lidar “com a mudança e a incerteza num mundo em rápida transformação”, “valorizar o respeito pela dignidade humana, pelo exercício da cidadania plena, pela solidariedade com os outros, pela diversidade cultural e pelo debate democrático” (Portugal, 2017).

 

 É uma realidade que destoa da nossa, exatamente porque propõe um currículo crítico, onde o cidadão é participativo, politizado e colaborativo com as transformações sociais.

Já no que tange à distância ideológica entre a BNCC/2017 e o PNE 2014, e os impactos da proposta de modelo curricular de 2017, Aguiar e Dourado (2018), organizaram uma coletânea de textos da ANPAE que ocorreu em Recife e, neste material, tematizam discussões que dão conta que na PNE de 2014, havia uma proposta de construção de currículo pela ótica descentralizada, que respeitava a diversidade de cada região e a autonomia dos sistemas de ensino. Além é claro, de pontuar a formação crítica para a construção de valores éticos, da participação e do respeito à diversidade.

Nos textos da coletânea da ANPAE, três pontos são apontados como retrocesso na BNCC: 1º) A falta de autonomia da escola e o patrolamento da gestão democrática, rompendo-se assim o que preconiza a LDB 9394/96; 2º) Cerceamento do ensino, a partir de pressupostos da escola sem partido; 3º) O ensino capitaneado para a manutenção das elites, a partir do interesse de se focar apenas na formação para o trabalho, sem a reflexão sobre as formas de produção, sem se discutir o capitalismo na sociedade, não permitindo uma ruptura com os modelos postos e a melhoria para o cidadão, através do empoderamento permitido pelo conhecimento.   

 

  1. Considerações Finais

 

 

Paulo Freire (1986), no livro Educação como prática da liberdade, já nos ensinava que para que haja o rompimento dos sistemas hegemônicos da sociedade, alicerçados na manutenção das elites, torna-se necessário fazermos emergir uma educação críticas capaz de promover os cidadãos para que estes sejam capazes de transformar a realidade.

Neste sentido, é necessário estarmos atentos às mudanças pretendidas na educação brasileira, haja vista que a discussão do momento que preiteia a escola sem partido, na verdade, visa o cerceamento da prática educacional e pedagógica para estancar a educação libertadora. Isto é, na praxe o que se almeja com a BNCC é a retirada da criticidade do currículo, almejando-se apenas e tão somente a formação de mão de obra para o mercado.

 

  1. Bibliografia

 

 

A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Organização: Márcia Angela da S. Aguiar e Luiz Fernandes Dourado [Livro Eletrônico]. – Recife: ANPAE, 2018.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1986.

GAMA, Zacarias. A elite do atraso e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Disponível em  http://controversia.com.br/7888. Acesso em 28 de setembro de 2018.

 

LOPES, Alice C. Pensamento e política curricular – entrevista com William Pinar. In: Políticas de currículo em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006.

 

MOREIRA, Antonio F.(org.). Currículo: política e práticas. Campinas: Papirus,1999.

 

MOREIRA, Antonio F.; SILVA Tomaz Tadeu (org.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Ed. Cortez, 1999.

 

PORTUGAL. Perfil dos alunos para o século XXI. Portugal, 2017. Disponível no site: https://dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias_Imagens/perfil_do_aluno.pdf. Acesso em julho de 2018.

 

SACRISTÁN J. G.; PÉREZ GÓMEZ A. I. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ArtMed, 2000.

 

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

 

[1] Professora da Educação Básica.

[2] Professora da Educação Básica

[3] Base Comum Curricular.

[4] Plano Nacional de Educação.

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