A BIOMASSA NO CONTEXTO ECOLÓGICO

Por Tarcísio Viana de Lima | 17/01/2016 | Ambiental

A BIOMASSA NO CONTEXTO ECOLÓGICO

 Tarcísio Viana de Lima*

Adenilda Ribeiro de Moura**

 RESUMO

A biomassa se constitui num importante recurso renovável resultante da coparticipação de componentes de natureza diversificada encontradas na biosfera que, na presença da radiação solar, condiciona a dinâmica das atividades metabólicas, mantendo a sustentabilidade das estruturas vivas e não vivas. Dentro desse princípio, este trabalho teve por objetivo descrever, resumidamente, o comportamento da formação, distribuição espacial e uso da matéria orgânica no continuum das cadeias alimentares.

Palavras-chave: Energia; Fitomassa; Zoomassa.

1. INTRODUÇÃO

            A criação e organização biológica são frutos da combinação de substâncias minerais básicas subordinadas à ação da energia solar.

            Essa energia, após ser recrutada e armazenada na forma química nos alimentos, transpassa em fluxo unidirecional ou acíclico nas teias tróficas que estruturam os mais variados ecossistemas da biosfera.

            A função primordial dessa energia é possibilitar o desenvolvimento, crescimento e funcionamento dos organismos autrótrofos ou fotossintetizantes e, sobretudo, heterótrofos representados pelos fitófagos, carnívoros e onívoros, respectivamente.

            Ao contrário da energia, o alimento que a contém é matéria que sofre transformações contínuas e, independentemente da forma assumida, sempre realiza o transporte da energia. Dessa forma, esse alimento permeia permanentemente, em fluxo cíclico, os componentes bióticos dos diferentes níveis tróficos e as regiões da biosfera (litosfera, hidrosfera e atmosfera).

            Portanto, este trabalho teve por objetivo apresentar de forma resumida como a biomassa se projeta na ótica ecológica segundo a sua formação, distribuição espacial e utilização no contexto biótico.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Definição

            A biomassa - termo introduzido pelo Doutor em Física e Ciências Eugene Adam – segundo vários autores, dentre os quais Bristoti e Silva (1993), Wereko-Brobby e Hagen (1996), diz respeito a estrutura constituída pelo material produzido por todos os seres vivos – vegetais, animais, fungos e protistas – em  seus distintos processos, ou seja, corresponde a matéria orgânica viva gerada a partir do princípio da absorção da energia solar pelas células dos vegetais para realização da fotossíntese, passando no conjunto de etapas da cadeia alimentar ou trófica.

Para Townsend et al. (2006), por biomassa deve-se entender a massa do organismo por unidade de área de solo ou de água, expresso por unidade de energia – J.m-2 – ou matéria orgânica seca – t.ha-1.

            Na realidade, abrange uma extensão considerável de materiais que podem ser usados como combustíveis ou matérias-primas para os mais diversos fins, e deve, principalmente, ser considerada como derivados de organismos vivos ou, segundo Fonseca (2009), que estiveram vivos recentemente. Portanto, ficam claramente excluídos os tradicionais combustíveis fósseis, pois, apesar de terem origem na vida vegetal (carvão mineral) ou animal (petróleo e gás natural), resultam de milhões de anos de processos transformadores que os converteram à forma conhecida atualmente.

2.2. Origem

            O termo biomassa é usualmente empregado para representar o conjunto de seres vivos que caracterizam quaisquer sistemas ecológicos. Entretanto, face à sua origem ser tanto de plantas quanto de animais, denominações específicas são dadas. Dessa forma, toda matéria orgânica originada da flora é conhecida por fitomassa, enquanto a proveniente da fauna é intitulada de zoomassa (Coelho, 1982).

            A fitomassa como parte predominante dos sistemas ecológicos, na realidade, resulta dos processos que governam a realização da produtividade primária. Portanto, sua origem implica na combinação sistemática do dióxido de carbono, água, macronutrientes, micronutrientes e radiação solar. Todos considerados componentes indispensáveis para a elaboração da matéria orgânica na forma em que conhecemos (Townsend et al., 2006).

Ecologicamente, a produtividade primária de uma comunidade corresponde à taxa em que a fitomassa é produzida por unidade de área pelos vegetais. Este atributo permite, portanto, rotular as plantas de produtores primários (Townsend et al., 2006; Larcher, 1986; Odum, 1986; Silveira Neto et al., 1976).

Como a produtividade primária está relacionada diretamente aos eventos fotossintéticos, a sua concretização depende da fixação total de energia solar. Entretanto, essa fixação, denominada de produtividade primária bruta (PBB), tem parte consumida pela oxidação decorrente do processo respiratório do próprio vegetal, sendo perdida pela comunidade como calor respiratório (Odum, 1986).

Como resultado de toda essa dinâmica onde uma fração da produtividade ´primária bruta é consumida pela respiração, obtém-se uma taxa real de produção de nova biomassa, conhecida por produtividade primária líquida, que ficará à disposição para consumo por parte dos organismos heterótrofos (animais, bactérias e fungos) (Townsend et al., 2006).

Uma vez concretizado o consumo da produtividade primária líquida por parte dos seres vivos heterótrofos, notar-se-á o incremento decorrente da transformação e reutilização do material orgânico ingerido por estes organismos. Este aumento corresponde à taxa de produção de zoomassa por heterótrofos e se denomina de produtividade secundária (Townsend et al., 2006).

2.3. Distribuição

            A biomassa, por depender da maior disponibilidade e flexibilidade dos macroelementos e microelementos e da eficiência ecológica dos componentes que estruturam as comunidades, distribui-se de forma concentrada e irregular. Portanto, a sua produção no epinociclo - parte composicional da biosfera - está confinada a regiões onde se verificam maiores ofertas das condicionantes indispensáveis à estruturação da matéria orgânica: temperatura elevada, umidade expressiva, dióxido de carbono e minerais; componentes essenciais à realização da fotossíntese. Nesse contexto, verifica-se claramente que as áreas de maior produtividade primária líquida são aquelas situadas nas menores latitudes, portanto, as que congregam grandes formações vegetacionais como, por exemplo, os espaços territoriais dominados pelas paisagens das florestas tropicais pluviais equatoriais.

            Entretanto, é importante salientar que o processo da maior produtividade primária líquida não pode ser generalizado para as latitudes baixas, pois nas regiões onde a água é fator limitante há substancial interferência na produção primária, por conseguinte, nas distribuições horizontal (espacial ou geográfica) e vertical (estratificação) da vegetação, o que reflete expressivamente nas Diversidades Alfa, Beta e Gama, respectivamente.

            No caso específico do Brasil, percebe-se que a produtividade primária é sazonal para determinadas regiões. Esta situação é facilmente compreendida quando se leva em consideração que a extensão territorial do país e as complexas características edáficas associadas as grandes variações de relevos subordinados às condições climáticas específicas são fatores preponderantes e decisivos no comportamento produtivo das comunidades vegetacionais.

            Em decorrência da irregularidade da distribuição da biomassa, mas especificamente no epinociclo, é facilmente perceptível que o funcionamento da biota terrestre depende dos níveis de produtividade que os vegetais podem alcançar. Dessa forma, limites de variação normais da produtividade primária anual líquida e biomassa de culturas permanentes encontram-se submetidas às condições ambientais específicas, principalmente as relacionadas ao clima, controladas pelas latitudes desde as regiões setentrionais, passando pelas temperadas, até alcançar as faixas tropicais (Townsend et al., 2006; Odum, 1986).

            Esse comportamento fica evidenciado quando se observa a distribuição dos tipos de ecossistemas nos mais diversos biomas que se distribuem na biosfera, em particular aqueles considerados como culturas permanentes continentais.  Nesse contexto, Whittaker (1975) deixa evidente que as florestas tropical (1.000 – 3.500 t.km-2), temperada (600 – 2.500 t.km-2) e boreal de coníferas (400 – 2.000 t.km-2), juntamente com terra cultivada (100 – 3.500 t.km-2) e pântano e banhado (800 – 3.500 t.km-2), são as estruturas ecossistemáticas continentais com maior produtividade primária anual líquida da biosfera em contraste, por exemplo, com deserto extremo, rocha, areia e gelo (0 – 10 t.km-2).

            Sabendo-se que os autótrofos se constituem na base alimentar dos demais seres vivos, eles podem ser caracterizados como os determinadores do sistema de consumo de matéria viva. Esse consumo pode ser concretizado de forma direta, quando se verifica a fitofagia (herbivoria) ou a predação de vegetais por animais; e indireta, quando se detecta o processo de predador-presa, onde animais carnívoros de enésima ordem se alimentam de fitófagos ou de outros carnívoros. Essa interação é denominada de carnivoria. O consumo direto e indireto possibilita a transferência de parte da energia entre os níveis tróficos ao longo das cadeias alimentares que constituem a teia trófica. Paralelamente, verifica-se perda energética pelo sistema na medida em que os organismos realizam trabalho e interagem entre si (Figura 1).

 

  Figura 1 – representação gráfica da transferência e da perda energética verificadas dentro do sistema de consumo direto e indireto da biomassa produzida pelos autótrofos e que é utilizada como alimento pelos organismos heterótrofos ao longo das cadeias alimentares distribuídas em estrutura piramidal dentro dos sistemas ecológicos

             No caso específico da fitofagia, os animais pastadores não ocasionam a morte dos vegetais. Já no processo de predação de plantas por animais, verifica-se o abate das mesmas, principalmente se estiverem no estádio inicial dos seus ciclos de vida.

            A combinação resultante do consumo direto e indireto de matéria orgânica viva permite a definição de modelos de cadeias e teias alimentares nos mais diversificados sistemas ecológicos. Esses modelos, além de facilitar a identificação do grau de complexidade dos processos interativos verificados entre os organismos e do ajustamento destes com o meio onde estão inseridos, possibilitam também caracterizar os produtores primários como determinadores da densidade populacional dos fitófagos (Gralla, 1998; Laroca, 1995; Mizuguchi, 1981) , por meio da competição pela oferta de alimentos responsável pelo controle da comunidade da teia alimentar de baixo para cima (Townsend et al., 2006).

2.4. Utilização

            A utilização nobre da biomassa tem como função produzir energia a partir da combustão da matéria orgânica assimilada e acumulada no ecossistema. Essa queima, sob o ponto de vista biológico, decorre da atividade fisiológica conhecida por respiração, responsável pela quebra das moléculas da matéria orgânica, permitindo, portanto, liberação do dióxido de carbono e água para o ambiente (Odum, 1986).

            A renovação de parte ou de todo o sistema ecológico deve-se aos próprios seres vivos: os autótrofos, responsáveis pela construção da biomassa; e os heterótrofos, representados por usuários transformadores (consumidores) e por usuários demolidores (decompositores) da matéria orgânica. Portanto, no conjunto, são organismos que oxidam compostos orgânicos e que necessitam da reposição continuada dessas substâncias mediante produção (flora), ingestão (fauna) e deposição e absorção no meio (biorredutores) (Odum, 1986).

No que diz respeito ao uso da biomassa em sua forma bruta pelo Homem para obtenção de energia, o primeiro passo foi dado imediatamente após o domínio e utilização do fogo – arma que lhe possibilitou inclusive a exploração dos metais – para cozimento e iluminação.

A partir desse marco histórico, e durante muito tempo, a madeira foi a principal fonte energética, sobretudo para a cocção. Mesmo com o início da exploração dos combustíveis fósseis, ela continuou a desempenhar importante papel energético, principalmente nos países tropicais.

Embora usados em menor escala, os óleos vegetais e animais tiveram também sua participação efetiva como fonte energética. Entretanto, historicamente, o grande salto no consumo de biomassa se deu com a própria lenha na siderurgia no período da revolução industrial.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Inúmeros são os trabalhos referentes a biomassa e os processos fisiológicos responsáveis pela sua origem. Entretanto, vale ressaltar que o tema sempre despertará no contexto científico a necessidade de novas avaliações que ratifiquem a importância de se conhecer a dinâmica da matéria orgânica de forma mais abrangente nos mais diversificados biomas da Terra, justificando, portanto, que, além de conter a energia potencial propulsora da vida, ela assegura de forma continua a diversidade biológica do planeta a partir da combinação indispensável da radiação solar, água, dióxido de carbono e minerais. Todos cruciais para a estrutura e composição das variadas paisagens encontradas no âmbito da biosfera.

4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRISTOTI, A.; SILVA, J. L. S. Diagnóstico da utilização e da oferta da biomassa vegetal no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Núcleo de Energia, Promec, UFRGS. 1993.

COELHO, J. C. Biomassa – Biocombustíveis – Bioenergia. Brasília: Ministério das Minas e Energia. 1982. 100p.

FONSECA, A. D. Biomass-to-liquids: uma contribuição ao estudo da obtenção de biocombustíveis sintéticos através da síntese Fischer-Tropsch. 2009. 143p. Dissertação (Mestrado – Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia). EP/FEA/IEE/IF da Universidade de São Paulo- USP, 2009.

GRALLA, P. Como funciona o meio ambiente. São Paulo: Quark books Ltda. 1998. 213p.

LARCHER, W. Ecofisiologia vegetal. São Paulo: EPU. 1986. 319p.

LAROCA, S. Ecologia: princípios e métodos. Rio de Janeiro: Vozes. 1995. 197p.

MIZUGUCHI, Y.; ALMEIDA, J. R.; PEREIRA, L. A. Introdução à ecologia. São Paulo: Moderna. 1981. 215p.

ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara. 1986. 434p.

SILVEIRA NETO, S.; NAKANO, O.; BARBIN, D.; VILLA NOVA, N. A. Manual de ecologia de insetos. São Paulo: Agronômica Ceres. 1975. 419p.

TOWNSEND, C. R.; BEGON, M.; HARPER, J. L. Fundamentos de ecologia. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed. 2006. 592p.

WEREKO – BROBBY, C. Y.; HAGEN, E. B. Biomass conversion and technology. New York: Unesco energy engineering series. John Wiley & Sons Ltd. 1996. 203p.

WHITTAKER, R. H. Communities and ecosystems. 2ª ed. New York: Macmillan Publishing Co. 1975. 385p.



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