A BIOÉTICA SOB ENFOQUE DO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

Por Ana Carolina Esmeraldo Barbosa | 14/11/2016 | Direito

RESUMO

 O presente artigo tem por escopo analisar a possibilidade de inserção da Bioética e de seus princípios no rol do catálogo dos direitos fundamentais da Carta Magna brasileira. Logo, tentará relacionar os princípios bioéticos com os dispositivos constitucionais, ao passo que serão apresentadas as repercussões acerca de tal relacionamento na nova conjuntura social e cultural da atualidade. Além disso, tratar-se-á, também, da aplicação prática de tais entendimentos em questões geradoras de polêmicas e dúvidas.

 

INTRODUÇÃO

A constante aceleração do progresso científico e tecnológico, principalmente nas últimas duas décadas, tem trazido consideráveis inovações na zona de interseção entre biologia e medicina, proporcionando a solução de diversos problemas e a concretização de fatos até então tidos como ideais inalcançáveis.

Diante dessa realidade, inicia-se, no presente artigo, uma analise sobre questionamentos que relacionam tais avanços a uma série de situações médicas, genéticas, sócias, culturais, éticas, epistemológicas, religiosas, metodológicas e cientificas, que serão abrangidas por uma nova disciplina denominada bioética.

A BIOÉTICA, SUA IMPORTÂNCIA E SEUS PRINCÍPIOS FORMADORES

            A Bioética representa um estudo sistemático acerca da ação humana, no âmbito das ciências da vida e da saúde, e do perigo da interferência nesse campo pelos avanços das pesquisas tecnocientíficas e biomédicas, examinando essa conduta à luz de valores e princípios morais.  Percebe-se, assim, a contribuição de áreas, como Antropologia, Sociologia, Filosofia, Teologia, Pscicologia, entre outras, no exercício dessas pesquisas. Como bem afirma Maria Helena Diniz:

a Bioética seria então uma nova disciplina que recorreria às ciências biológicas para melhorar a qualidade de vida do ser humano, permitindo a participação do homem na evolução biológica e preservando a harmonia universal. Seria a ciência que garantiria a sobrevivência na Terra, que está em perigo, em virtude de um descontrolado desconhecimento da tecnologia industrial, do uso indiscriminado de agrotóxicos, de animais em pesquisas ou experiências biológicas e da sempre crescente poluição aquática, atmosférica e sonora. (Origem: DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2.ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 09.)

Nesse enfoque, não se pode olvidar da colaboração do Direito, visto que, nem sempre, o homem se limita por princípios éticos ou morais, sendo imprescindível que o exame de descobertas na atuação das ciências biomédicas seja realizado ao lado dos Direitos Fundamentais.

Tal afirmação é reforçada ao proceder-se uma análise dos princípios formadores da bioética, como os da beneficência, não maleficência, autonomia e justiça, amplamente relacionados à disposições constitucionais, ao passo que possuem como base o principio da dignidade da pessoa humana, a mesma do ordenamento nacional, como explicita nossa Carta Magna, em seu Título I – Dos Princípios Fundamentais:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;           

Com intuito de haver uma efetiva compreensão dessa interação, explicita-se, a seguir, em que consiste cada uma dessas ideias.

  O princípio da não maleficência trata do dever que possui o profissional de não causar mal ou danos a seu paciente de forma intencional, por meio de más ou negligentes condutas. Tal preceito é de suma importância, visto que, muitas vezes, uma ação ou procedimento que estão moralmente indicados são inseparáveis do risco de causar danos. Isso é bastante verificado na área médica, já que muitas intervenções diagnósticas ou terapêuticas sujeitam o paciente a um risco de dano, que, dependendo da sua intensidade, exigirá um maior e mais justificado objetivo do procedimento para que este seja considerado eticamente correto.

            Indo além do principio da maleficência, encontra-se o da beneficência, o qual exige moralmente atitudes benéficas perante os outros, reportando-se a condutas positivas, enquanto que o primeiro refere-se a uma ação omissiva, consistindo em evitar o mal. Vale-se ressaltar que, tal como o primeiro, o segundo também é bastante aplicável na esfera médica, onde o profissional deve se utilizar de todos seus conhecimentos e habilidades a serviço do paciente, visando oferecer-lhe o melhor tratamento, e considerando-o em sua totalidade, incluindo não só sua dimensão física, mas também psicológica, social e espiritual. Desse forma, procura-se garantir o reconhecimento da dignidade desse ser humano.

            O princípio da justiça refere-se à igualdade de tratamento e de distribuição de bens e recursos considerados comuns entre os grupos sociais, visando à equiparação das oportunidades de acesso a esses bens e ao respeito, com imparcialidade, ao direito de cada indivíduo, afim de que ninguém se prejudique. É, costumeiramente, acrescentada à esse principio a noção de equidade, que significa dar a cada pessoa o que lhe é devido segundo seu merecimento, sendo ele avaliado de acordo com as necessidades, os esforços, as contribuições, o mérito e as regras de livre mercado.

            Finalmente, o princípio da autonomia determina que as pessoas tenham uma liberdade de decisão sobre sua vida, gerenciando-a de acordo com suas vontades, sem influencias alheias. Para que haja um respeito pela autonomia, além da liberdade, outra condição também é considerada fundamental, a informação. Esse requisito necessita da explicação e de uma constante renovação de dados e esclarecimentos, com o fito de haver uma efetiva compreensão dos assuntos tratados, afastando a vontade equivocada. No entanto, entende-se que o princípio da autonomia não garante a liberdade absoluta, buscando-se, em caso de existência de limitações à esta, referências nos princípios da beneficência ou da justiça.

A RELAÇÃO PRÁTICA DA BIOÉTICA E A SUA FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL

A partir do momento em que o homem não segue os princípios éticos e morais, surge a necessidade de mudanças nas legislações nacional e internacional, e do aprimoramento das interpretações, normas profissionais, jurisprudências e doutrinas. Dentre tais normas, destacam-se as que protegem o ser humano em seus aspectos psíquicos e físicos. Acerca disso, sustenta Maria Cristina Cereser Pezzella:

“Compreender a dignidade da pessoa humana abarca uma séria discussão no campo das idéias na esfera jurídica constitucional e no campo de todas as relações na esfera do direito infraconstitucional inclusive, além de outras repercussões do pleno desenvolvimento da pessoa na perspectiva física, emocional, intelectual e psíquica”. (Origem: Pezzella, Maria Cristina Cereser. O Código Civil em Perspectiva Histórica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O Novo Código Civil e a Constituição. 2 ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006)

            É justamente nesse contexto que o Direito Constitucional relaciona-se à Bioética, pois o profissional da área jurídica, ao se deparar com as novas indagações decorrentes do avanço científico, deve garantir os princípios constitucionais, ao passo que há uma reconscientização dos direitos individuais e sociais, configurando uma nova ordem ética e uma revolução cultural.

            A Bioética é um ramo da ética que investiga os problemas que derivam especificamente da prática médica e biológica, sendo ela o principal norteador das questões mui polêmicas da atualidade, como as que tratam de inseminação artificial, mães de aluguel, esterilização, fecundação in vitro, estatuto do embrião, manipulações ou engenharia genética, aborto, eutanásia, clonagem, doação e transplante de órgãos e tecidos, experimentação em seres humanos, controle da dor e fronteiras da vida, enfim, dos diversos desafios do sistema de saúde e das relações entre os indivíduos.

            Analisar-se-á, em seguida, algumas dessas controvérsias à luz dos fundamentos constitucionais brasileiros e de outros dispositivos do ordenamento jurídico.

O aborto, por exemplo, trata-se de um ato interruptor da vida do nascituro até momentos antes do parto. Considerando que, segundo o Código Civil, em consonância com a Constituição Federal, afirma em seu artigo 2º que: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, se faz notável que a vida, sendo um direito deste, deve ser resguardada.

Mesmo ao ser analisado sob diversos ângulos, como politico, social, jurídico, moral, religioso etc., o aborto ainda trata-se de um tema controverso, uma vez que há quem defenda a sua legalização. Atualmente, além de ser considerado tipo penal previsto nos artigos 124, 126, 127 e 128 do Código Penal, ele também fere um direito inerente à condição de ser humano fundamentado como cláusula pétrea pela Lei Maior em seu artigo 5º:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

         No tocante às questões sobre as procedências de retirada ou transplante de tecidos e órgãos, percebe-se, nesses procedimentos, um extraordinário progresso pela medicina contemporânea para fins terapêuticos e científicos. O que costumava ser, por muito tempo, um método de alto risco, o transplante agora aponta como terapia usual e destinada a salvar e reabilitar o ser humano.

            No entanto, embora tenham sido minimizados os enclaves e obstáculos médicos, ainda persistem discussões acerca da disponibilidade de órgãos, substancias e de outras partes transplantáveis do corpo humano. Referindo-se a isso, estabelece a Carta Magna:

Art. 199: A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

[...]

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