A Barreira do Inferno

Por Raul Santos | 10/06/2010 | Crônicas





A BARREIRA DO INFERNO
Raul Santos
Entrei na Aeronáutica no dia dezessete de fevereiro de sessenta e quatro e quarenta e dois dias depois estourou o golpe militar a que deram o nome de Revolução de Sessenta e Quatro. Nos meados de sessenta e cinco fui para Recife fazer o CFC (Curso de Formação de Cabos) radiotelegrafistas e fiquei de julho a novembro. Entrei de férias, em Salvador, e voltei em janeiro de sessenta e seis para estagiar na Estação Rádio de Recife. Como a escala de serviço era folgada para os sargentos, nós cabos só trabalhávamos como estafetas.
A estação tinha várias posições de telegrafia que falavam com várias capitais do país, como Belém, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Maceió, Aracaju, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília e outras cidades controladas pelo tráfego aéreo, de tal forma que uma mensagem para ir de Natal para Brasília ou vice-versa teria de passar por Recife, que é onde fica o Quartel General da Segunda Zona Aérea, na região Nordeste.
Nós não sabíamos que havia uma base de lançamento de foguetes em Natal, no Rio Grande do Norte, chamada Barreira do Inferno. O presidente da República era o General Artur da Costa e Silva e por volta de fevereiro ou março foi enviada uma mensagem telegráfica comunicando o lançamento do primeiro foguete, no Brasil. Se ninguém sabia da existência da base, como poderia alguém acreditar no lançamento de um foguete? Desta forma, a estação de Natal enviou a mensagem para Recife retransmitir para o presidente, em Brasília. Como eram posições telegráficas diferentes, o cabo estafeta levou-a para o CMG (Centro de Mensagens), na mesma sala, onde foi protocolada nos livros de entrada e de saída e o cabo estafeta levou para a posição Recife/Brasília. Quando o sargento leu o teor que "dizia": COMUNICAMOS VOSSENCIA LANÇAMENTO PRIMEIRO FOGUETE BARREIRA DO INFERNO VG NATAL/RN VG DIA TAL VG HORA TAL PT simplesmente pensou tratar-se de uma brincadeira, jogou-a no balde de lixo e disse:
? Esses caras só vivem de sacanagem!... ? E deu o assunto por encerrado!...
Para ele, sim, foi encerrado, em Recife, porque, em Brasília, o presidente Costa e Silva estranhou a falta de comunicação e mandou cobrar de Natal. Natal respondeu que havia comunicado e as mensagens trafegaram de Brasília para Natal e vice-versa, através de Recife, em precisão cronológica até ficar provado o extravio da original. Pelo número dado ao documento, Natal cobrou do CMG de Recife. O chefe da estação, pela data, verificou o protocolo de entrada e comprovou o recebimento de Natal para Recife, mas no de saída, faltava o fechamento no arquivo do turno e seguintes. Buscou o LRC (Livro de Registro de Comunicações) e pela assinatura e indicativo do sargento (cada operador de telegrafia, controlador de vôo ou meteorologista tinha um indicativo de três letras e quatro algarismos ? o meu era DFB-2159) colocado na coluna da direita da página e lá estavam os dele. Foi apurar a irregularidade e ouviu a pergunta, como explicação:
? Pô!... Vocês ainda não pararam com essa sacanagem, não, é?...
O pobre coitado só não foi expulso da Aeronáutica, porque ficou provada a sua infantilidade, numa época em que a moda eram as palavras subversivo e terrorista como sinônimos de comunista...

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