A BANALIZAÇÃO DOS DELITOS E SEUS REFLEXOS NA ESTRUTURA SOCIAL DO BRASIL.
Por Maria Angélica Peti Marques | 19/09/2010 | DireitoAo passo que crescem os índices de criminalidade no país também crescem os problemas administrativos com este novo cenário, portanto é preciso toda uma reestruturação por parte do Estado para lidar com o aumento da população carcerária.
Dentro deste cenário nota-se uma situação totalmente inversa da qual julgaríamos correta, a "Justiça Brasileira", esta se adequando a esse caos, quando o esperado era que tudo se enquadrasse de acordo com os ditames da Justiça.
Existe hoje uma grande diversidade de princípios no direito penal, princípios estes que embora inovadores e talvez revestidos de boas intenções, visam rebruscar e desviar os poucos princípios que ainda balizam a justiça no Brasil.
A banalização dos delitos e a inclusão de muitos deles em uma nova classe de crimes chamada de "insignificantes" nutrem e fortalecem uma geração sem valores morais que acreditam em uma só coisa, a ausência de Justiça.
Pessoas assistem cada vez mais a impunidade se instaurar diante de seus olhos, e isso acontece porque o Estado não é mais capaz de administrar todos os indivíduos que cometem delitos, e muito menos de coibi-los a não cometê-los.
A solução aparentemente foi tornar corriqueira a aplicação de princípios laxistas para não agravar ainda mais a situação.
A falta de credibilidade e confiança na justiça é hoje um trampolim para a criminalidade, milhares de jovens assistem com uma freqüência lamentável criminosos serem soltos através de brechas na legislação penal.
Cidadãos de bem têm todos os dias suas casas invadidas por rapinantes, pessoas capazes de tudo, sem nada a perder.
Homens e mulheres vivem em uma vida restringida por serem possuidores de poucos bens.
Essa realidade leva a necessária reflexão dos caminhos percorridos pelo direito, que rumo estaria trilhando esse ramo de suma importância na sociedade brasileira.
Esta reflexão se faz necessária para todos aqueles que operaram o direito, mas principalmente para os que vislumbram carreira na magistratura, pois somente livres das crostas de vaidade e de alienação é possível lidar com indivíduos que fogem as regras sociais. Regras estas, de suma importância para a manutenção de uma sociedade suportável.
E com a atual vaidade, limitação, e a pouca visão social dos atuais e futuros operadores do direito pouco se tem a esperar.
O que se vê hoje no mundo jurídico é uma lamentável propensão aos interesses políticos e pouquíssima inclinação para os interesses da sociedade como um todo.
Os jurisdicionados contam com a morosidade da justiça e com a voracidade de delinquentes.
Na exposição e pontuação de alguns princípios o que se pode observar é como eles são convertidos em manobras para sanear o caos da administração pública.
2 PRINCÍPIOS
2.1 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
O princípio da intervenção mínima, segundo Damásio de Jesus, tem por objetivo.
[...] restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só devendo intervir o Estado, por intermédio do direito penal quando os outros ramos do direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita. (DAMASIO, 2006, p 94, 1997)
É importante salientar que deste princípio também decorrem outros sub-princípios, tais como o da subsidiariedade e o da fragmentariedade, sendo que, deste último, o da insignificância.
2.2 PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE
O princípio da fragmentariedade tem como fundamento a proteção de bens jurídicos relevantes, não devendo, portanto, o Direito Penal a se ater a crimes que atinjam bens jurídicos irrelevantes. Nessa mesma linha Damásio de Jesus:
É conseqüência dos princípios da reserva legal e da intervenção necessária (mínima). O Direito Penal não protege todos os bens jurídicos de violação, só os mais importantes. E, dentre estes, não os tutela de todas as lesões, entrevem somente nos casos de maior gravidade, protegendo um fragmento dos interesses jurídicos. Por isto é fragmentário. (DAMASIO, 2006, p 94).
Com a aplicação correta do princípio narrado segundo Damásio de Jesus, nada teria de errado, uma vez que previne a marginalização de pessoas por pouco.
2.3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Este princípio visa excluir atos de potencial ofensivo insignificante, evitando a movimentação do sistema penal por objeto de pouca valia.
Ligados aos chamados "crimes de bagatela" ou (delitos de lesão mínima), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a tipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante (subtração de um pano de chão, de um sapato usado de pouco valor, uma passagem de ônibus etc.); lesão insignificante ao físico; maus tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta; lesão corporal de extrema singeleza etc. Contratação de mão de obra em período diminuto. (DAMASIO, 2006, p 95).
A falha estaria em avaliar a relevância de cada coisa, valorar um bem de acordo com seu valor real.
3. PONTUAÇÕES RELEVANTES
Pois bem, não parece tão grave na letra fria da lei, porem com a aplicação irresponsável de princípios como estes em crimes com maior gravidade, o que se vê nada mais é do que criminosos a solta por uma quantificação equivocada do bem jurídico lesado.
Pior que o principio da intervenção mínima e a intervenção ineficaz.
Hoje a situação vivida no Brasil é exatamente uma mistura catastrófica de todos os princípios.
O resultado desta mistura é o que se assiste: o aumento da criminalidade e a certeza da impunidade.
Talvez seja um momento que repensar o que esta sendo tutelado juridicamente; é visível que a maioria tende a uma valoração elitista sobre o bem jurídico alheio.
Não se sabe ao certo o que o Estado está realmente disposto a tutelar.
Quanto vale o que nada vale?
Perguntas como estas são inevitáveis quando frente com alguns princípios do direito que ignoram algumas atividades criminosas, simplesmente porque é mais cômodo relevá-las do que inibi-las, talvez por uma opção de política criminal.
A intervenção mínima talvez em um país desenvolvido e com uma contraprestação também mínima, poderia até ser razoável. Porem esta analise se trata da situação do Brasil, um país ainda em desenvolvimento e acostumado a cada dia mais depender de intervenções estatais para as coisas mais cotidianas imagináveis.
Difícil é lidar com este assunto sem abordar faces políticas tão latentes em nossa sociedade.
O Estado em alguns casos chama para si funções totalmente dispensáveis, e na hora em que mais se espera sua atuação, o que se vê é o mais absoluto abandono, a "[...] criminalização é uma conduta que só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico" (BITENCOURT, 2006, p 13).
Se antes as pessoas contavam com a proteção de Deus e com a luz do direito para ter uma sociedade justa e pacifica, diante da narração deste principio o melhor daqui para frente seria contar apenas com a proteção de Deus!
O que seria exatamente "determinado bem jurídico" e quem é que determina o bem jurídico a ser tutelado.
Se hoje doutrinadores pregam a tutela apenas a bens relevantes à vida do indivíduo, como fica a maioria da sociedade perante tal preceito?
O que se prega é uma feição subsidiaria do direito penal, quando este deveria estar à frente de tais desvirtudes sociais.
Quando se fala de Fragmentariedade este princípio visa fazer uma seleção dos bens a serem tutelados. Aceitar esta fragmentação seria aceitar também a fragmentação das classes sociais e sua importância frente ao Direito.
Seria pregar uma tutela seletiva e elitista do bem jurídico.
Em resumo o caráter fragmentário nada mais é do que admitir que o direito penal não deva apenar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão-somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contras bens relevantes.
Como seria a separação do que é e o que não é relevante para o mundo jurídico, como se valora o bem de outrem, atribuindo a este um valor que tantas vezes é igual a nada, e outras vezes simplesmente tudo que o indivíduo tem.
Fragmentando as condutas de um indivíduo como pouco ou muito lesivas, estaria o Estado sendo permissivo com tais condutas, e isso seria, ou esta sendo o começo do maior caos social que já se viu. E a pior face disso é que estaria assistido pela lei. Um "caos legal".
Em relação ao principio da insignificância vendo por uma ótica mais administrativa do que moral, percebe-se que a aceitação destas e de outras teorias "inovadoras" possam ter uma origem não modificadora, mas sim saneadora.
Vejamos: temos um sistema prisional falido e sem a menor perspectiva de melhora; a criminalidade a passos largos do controle absoluto. Era de se esperar um novo rumo administrativo. Mesmo que totalmente controvertido este cenário caótico provavelmente leva as autoridades e entidades administrativas a se corromperem e quanto ao poder legislativo, ficar suscetível a teorias como as mencionadas.
Tudo isto como uma solução desesperada de conter a responsabilidade que lhes recai aos ombros cada vez que permite o aprisionamento de um individuo.
Voltando ao lado moral e social do assunto, a banalização da conduta criminosa de pouco potencial ofensivo coloca em xeque a tutela de bens que tem pouco valor econômico.
Aproveitando a indignação e sábios contrapontos do ilustríssimo Doutor Volney Correa Leite de Morais Jr. e também os exemplos mencionados em uma de suas obras "Em torno do Roubo", nota-se uma real retratação do que esta realmente sendo ignorado por nossos legisladores.
Uma tesoura para uma costureira pode significar seu ganho, seus sustento, sua dignidade; quem ousaria a valorar tal bem.
Quando a tutela a bens como este é negada temos uma visão elitista e injusta das normas como um todo, ignorando todos os princípios humanistas pregados pela Constituição Federal, como por exemplo, a igualdade e também o sagrado direito a propriedade.
Não tutelando bens de tais características, é como virar as costas para uma classe que já sofreu o suficiente por fazer parte desta.
Importante ressaltar a periculosidade de um individuo que se prestou a um ato ilícito para subtrair objeto de tão pouco valor econômico.
O pouco valor do objeto furtado com certeza não e deu pela consciência do criminoso, mas sim pela circunstancia do delito; se no momento do crime a disposição estivesse um bem de pouco valor e outro de muito valor, o que aconteceria?
A insignificância do bem não pode servir como fator de amenização da conduta delituosa.
Se admitir tais teorias e passarmos a ver com olhar natural crimes como estes estaríamos nos prestando a uma total inversão de valores.
Dentre todas as frases sábias muito bem pontuadas na obra de Volney Corrêa Leite de Morais Jr., em sua obra Em torno do roubo, é difícil aquela que não leva a uma revisão de conceitos, É o que se observa neste trecho: [...] Portanto, não mais caberá admoestar os nossos filhos, quando deitarem a mão sobre o brinquedo (pouco valioso) do amigo. Pois se não é imoral!"(MORAES, 2003, p. 40).
4. CONCLUSÃO
Portanto se revela um grande erro a pregação do Direito penal Mínimo, mesmo que para crimes com pequeno potencial ofensivo.
Admitir tais condutas seria dar aval a, hoje pequenos, amanhã médios e quem sabe com essa anuência, logo veremos graves delitos com naturalidade.
Importante salientar que para a plena aplicação do Direito Penal Mínimo, teria que ficar bem delineado e valorado cada bem, e sua importância para quem o possua.
E subjetivo demais dar valor a coisas alheias, acredito ser uma tarefa incumprível, como o Estado escolheria o que seria tutelado baseado em significância, importância, relevância?
Crime é e sempre será um crime, praticas delituosas tem que sofrer a intervenção sim do Direito Penal, o que precisa ser adequado é a maneira que essa punição será aplicada e sua eficácia quanto ao efeito regenerador em cada indivíduo.
Pensando friamente o que se prega é, que seria desumano enviar uma pessoa a uma cadeia, pois assim estaria esta sujeita a uma considerável piora em seu caráter. Mas se o lugar é inadequado à solução é ignorar a conduta delituosa?
O correto não seria adequar o sistema, para que este possa ter o efeito de reabilitação?
Ocorre o inverso, a justiça se moldando a criminalidade.
É hora de questionar se o sistema jurídico, em especial o sistema penal esta a altura dos clamores de uma sociedade que já não sabe mais de que lado ficar para garantir por si só a sua segurança e de seus familiares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, César Roberto, Tratado de direito penal parte 1. ed.11. Curitiba: Saraiva, 2006.
JUSUS, Damásio Evangelista de, Código Penal Anotado. ed.17.São Paulo: Saraiva, 2006.
MORAES JR., Volney Corrêa de, Em torno do roubo.Campinas: Millennium, 2003.