A arte de rua como necessidade

Por Maria Victória Gonçalves Gonzalez | 31/08/2017 | Arte

 Por volta de 1970 em Nova Iorque, surgiu o grafite, grafito ou grafiti, nas mãos de alguns jovens que desenvolveram a arte deixando desenhos e escritas nas paredes da cidade como suas ‘’marcas’’. Essas marcas são feitas sobre locais que não foram previstos para esta finalidade, e é daí que vem o conceito desse tipo de arte. Por se tratar, na maioria das vezes, de uma forma para expressar a opressão que a humanidade enfrenta, enfatizando os menos favorecidos e, logo, refletindo a realidade das ruas do país, passou muito tempo sendo tratado como um assunto de pouca importância, mas logo tomou espaço e hoje é visto como forma de expressão e como arte visual. Foi introduzido no Brasil, em São Paulo, no final do ano 1970. Apesar de ter tomado uma enorme proporção no país, principalmente em São Paulo, onde existem diversos lugares que se tornaram pontos turísticos por conta do grafite, ainda existe um preconceito e uma má interpretação da arte de rua. Muita gente a compara com a pichação, que não passa de um tipo de vandalismo usado apenas para ‘’marcar um território’’ sem oferecer nenhum tipo de mensagem para a população, sendo apenas uma disputa entre os pichadores para ver quem chega ‘’no pico mais alto’’ com melhor visualização para deixar sua marca, como afirma o grafiteiro Rodolfo Zebrão, conhecido por Zebrão na Zona Norte de SP, durante nossa entrevista. O jovem artista de rua disse que seu interesse pela prática começou quando ganhou uma folhinha com desenhos que remetiam o grafite, de um amigo que já praticava a arte. Zebrão falou também um pouco sobre a ideia inicial do grafite, que era ‘’ passar mensagens das coisas erradas que aconteciam no governo e não conseguiam ser ditas com palavras e a maneira para tomar mais visualização foi utilizar os muros para expressa-las’’, afirmou o próprio. Completou dizendo que a arte foi tomando outros rumos com o passar do tempo, foi virando uma maneira de deixar a cidade mais bonita esteticamente, mas que ainda existem muitos grafites com mensagens políticas. Além desses atributos, a prática é utilizada muitas vezes também como forma de homenagem à certas pessoas, como por exemplo o jovem Miguel Ayoub de 19 anos, que foi baleado perto da sua casa em Laranjeiras no Rio de Janeiro, durante uma tentativa de assalto. O garoto teve seu rosto estampado na pilastra em frente ao local em que o crime aconteceu. Outra homenagem, essa em São Paulo, é atribuída ao Silvio Santos, em um muro do Campo Limpo pintado por Paulo Terra.

Como curiosidade, algumas dos termos e gírias dentro dessa arte são: Grafiteiro/writter: o artista que pinta. Bite: imitar o estilo de outro grafiteiro. Crew: é um conjunto de grafiteiros que se reúne para pintar ao mesmo tempo. Tag: é a assinatura de grafiteiro. Toy: é o grafiteiro iniciante. Spot: lugar onde é praticada a arte do grafitismo. (Tirado de: brasilescola.uol.com.br)

Algumas pinturas de Zebrão:
Foto por: Rodolfo Zebrão.

Foto por: Rodolfo Zebrão – via
Instagram.

Foto por: Rodolfo Zebrão – via Instagram.

Foto por: Rodolfo Zebrão – via Instagram.

Logo que surgiu no Brasil, a arte de rua era considerada crime pois a liberdade de expressão, que é o pilar mais importante do grafite, era caçada pela ditadura militar. Um dos primeiros desenhos realizados em São Paulo foi o ‘’Boca com alfinete’’ de Alex Vallauri, que criticava a censura. Vallauri foi a principal influência para outros artistas e a data da sua morte (27 de março de 1987) é considerada como o dia nacional do grafite. João Dória, prefeito, ou administrador como o próprio prefere se nomear, de São Paulo, eleito no primeiro turno das votações, implementou o programa ‘’Cidade linda’’ logo no começo de sua gestão. A ação conta com serviços de manutenção, conservação, limpeza, recuperação, reparos, etc. Além desses, Dória decidiu acabar com os grafites da cidade cobrindo-os com tinta cinza. A ideia começou quando disse que as pichações (vandalismo) poluíam visualmente São Paulo e foi adiante considerando o grafite (arte visual de rua) como crime tratado de vandalismo. Acabou com o que era chamado de “maior mural de grafite a céu aberto da América Latina” na 23 de maio, que contava com pinturas de mais de 200 artistas. ‘’Os artistas viraram vândalos na boca do Dória’’, afirmou Igor Gasparini, jornalista voltado para a arte e cultura, durante um bate papo realizado na PUC-SP, no dia 28 de março de 2017, com os alunos de Jornalismo. Disse também que a intenção do governo é transformar as pessoas em seres menos pensantes até se tornarem ‘massas de manobra’, que não é o caso dos artistas, que são cidadãos iguais aos demais, mas que assustam por se tratarem de pessoas que estão sempre pensando, sempre criando contextos para reflexões, quase sempre voltadas para os problemas da sociedade. ‘’A arte e a política estão muito ligadas. Estamos num momento muito crucial no contexto político. Mas ao mesmo tempo, a movimentação de luta contra isso está crescendo. O Dória é muito vaidoso, talvez ele ceda por ser muito preocupado com a imagem. ’’, afirmou ainda o jornalista. No dia 6 de abril de 2017, durante entrevista ao jornalista Mario Sérgio Conti, no programa Diálogos, da GloboNews, aconteceu exatamente o que Igor Gasparini sugeriu que aconteceria. O prefeito João Dória se disse ‘’arrependido’’ por ter sido precipitado ao avaliar a relação dos grafiteiros (artistas) entre os pichadores (vândalos) e ter acabado com os desenhos da 23 de maio. Talvez esse ‘’arrependimento’’ não passe de uma preocupação com a sua imagem, principalmente ao afirmar durante a entrevista que "Todo aprendizado exige um pouco de dor." A cultura e a arte fazem parte da sociedade e são fatores essenciais para ela. O grafite, sendo uma prática artística, uma forma de expressão, deve e precisa estar inserido socialmente. Os grafiteiros e muralistas precisam e merecem mais reconhecimento da população e principalmente das autoridades, pois além de promoverem artes que embelezam o espaço urbano e oferecem a oportunidade de estarmos em uma galeria a céu aberto, promovem reflexões, questionamentos, etc.

Trata-se de uma arte democrática, cria e lança novos artistas e o mais importante é que insere pessoas que poderiam estar em risco social, no meio cultural. O Brasil conta com diversos projetos que têm por finalidade tirar jovens do mundo da marginalidade, transformando-os em artistas do spray. Além de aprenderem as técnicas do grafite, aprendem valores de cidadania. Apagar os grafites da cidade é apagar história, apagar cultura, tirar da sociedade o direito de acesso à arte pública, tirar a oportunidade de uma minoria se salvar das drogas e da criminalidade por volta da arte, é interromper o desenvolvimento turístico da cidade. Silenciar os artistas não é uma opção.