A aplicação por analogia da Lei Maria da Penha como forma de proteção contra a violência doméstica nas relações homoafetivas.

Por ALESSON RICARDO MENDES ARAUJO | 21/06/2018 | Direito

Alesson Ricardo Mendes Araujo[2]

Profa. Ma. Tuanny Soeiro. [3]

 

RESUMO

Este paper tem o objetivo de estabelecer uma análise sobre a possibilidade de aplicação por analogia da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) como forma de proteção contra a violência doméstica nas relações homoafetivas. A partir desta delimitação objetiva-se discutir uma nova perspectiva de aplicação da Lei em nível de relações homoafetivas visando a prevenção contra a violência doméstica nessas situações. Apesar de ter surgido a partir de lutas feministas que consequentemente foram abraçadas pela maioria da sociedade brasileira, torna-se inegável a aplicação por analogia as relações homoafetivas tendo em vista uma nova realidade social existente em relação a formação das famílias em nosso país. Desta forma o paper inicia apresentando a possíveis soluções para as lacunas existentes dentro do ordenamento jurídico. Analisa a Lei Maria da penha (Lei 11.340/2006) e as decisões a ela relacionadas por analogia e finaliza apresentando uma visão crítica às decisões por analogia e o atual posicionamento do Supremo tribunal Federal.

Palavra Chave:Lei Maria da Penha; violência doméstica; relações homoafetivas; analogia.

INTRODUÇÃO

As convenções sociais, que também pode ser definida como uma instituição informal, traz em sua essência padrões morais e éticos impostos para que haja harmonia no convívio em sociedade. Muitas dessa normas e regras estão carregadas com influências do patriarcalismo da época dos hebreus que tinham o propósito de qualificação do homem como líder. A religião também teve grande influência no regramento quanto aos padrões morais e éticos da sociedade.

Esse regramento social é responsável por limitar as ações do indivíduo, que são considerados desviantes sempre que extrapolam o que foi imposto. O modo de se vestir, de se portar diante das situações, de se relacionar afetivamente com pessoas, os juízos de valor para tomada de decisões são exemplos de como as normas de gênero estão presentes no cotidiano.

Com a evolução das sociedades e a perda do medo de contrariar as normas de gênero, é possível observar a quebra de alguns regramentos sociais como é o caso da relação homoafetiva. Sempre muito discriminados, homens e mulheres foram à luta pela aceitação de sua opção sexual, fugindo da heteronormatividade existente principalmente nos locais aonde a cultura do patriarcalismo é bastante enraizada e que existem muitos casos de mulheres que silenciam as agressões sofridas por ter no marido ou companheiro a imagem do provedor da família.

Graças a luta das feministas, o Ordenamento Jurídico Brasileiro criou mecanismo para combater a violência doméstica contra mulher. Tal fato aos olhos dos seguidores das normas de gênero foi um alento para punir os desviantes que agrediam as mulheres. Diante das conquistas e da aceitação do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo que atualmente estão constituindo família, é possível aplicação, mesmo que por analogia, da Lei Maria da Penha?

A resposta ao questionamento precisa considerar que em 2013, por meio da resolução nº 175 o Supremo tribunal federal resolveu que é vedada a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo,e que na contramão desta conquista, o que se observa é o crescente caso de violência doméstica nas relações homoafetivas e a inexistência de lei específica para tratar os casos que são denunciados.

Esses fatores motivaram a pesquisa juntamente com as recentes decisões de juízes que buscando a proteção, segurança do ser humano e verificando que há uma lacuna no ordenamento por inexistir lei específica que atenda as relações homoafetivas, optam por utilizar a Lei Maria da Penha, fazendo uso da analogia e considerando o significado de violência doméstica. Entretanto, seguindo outra linha de pensamento, verificamos também que entidades de classe criticam a utilização de uma lei específica no caso da violência nas relações homoafetivas.

Portanto, o estudo tem o intuito de esclarecer quanto à possibilidade ou não a aplicação da Lei Maria da Penha como mecanismo protetivo também nas relações de pessoas do mesmo sexo.

 

1. Solucionando as Lacunas dentro do ordenamento jurídico.

 

Com o ritmo instável da sociedade, a movimentação constante das relações humanas e das necessidades da vida, acabamos por nos deparar com novos fatos e conflitos que obrigam o direito a acompanhar esse dinamismo da sociedade. Mas nem sempre o direito consegue acompanhar essa relação dinâmica da sociedade, tornando-se mesmo que temporariamente lacunoso. A lacuna nada mais é que uma omissão involuntária, ou seja, a inexistência de um dispositivo para aplicação no caso concreto.

Como forma de exemplificação da evolução da sociedade e do surgimento de uma lacuna no direito brasileiro, podemos citar as famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo, onde após o reconhecimento dessa modalidade de união, foi observado um significativo crescimento de uniões, mas não foram criadas leis específicas para regular a violência doméstica que por ventura venham a ocorrer.

Porém existem correntes que negam a existência das lacunas, principalmente quem está diretamente ligado ao poder legislador, considerando que se inexiste lacuna, logo existe um ordenamento completo sendo desnecessário o poder legislador. De outro lado, estão os que defendem a existência das lacunas, inclusive o próprio ordenamento admite a existência das lacunas quando estabelece como o juiz deve decidir em caso de omissão da Lei.

Considerando que o juiz deve sempre decidir as lides, as lacunas são preenchidas seguindo alguns critérios como a analogia, costumes e princípios gerais do direito como consta no artigo 4º da LICC. O primeiro mecanismo que o jurista deve se socorrer é a analogia. Segundo Maria Helena Diniz:

“O processo analógico consiste em aplicar uma disposição legal a um caso não qualificado normativamente, mas que possui algo semelhante com o fato-tipo por ela previsto. Porém, para que tal se dê deve-se considerar como relevante alguma propriedade que seja comum a ambos” (DINIZ, 2002).

Logo, é importante observar que para a aplicação de analogia, requer que o caso não esteja previsto em norma jurídica; o caso não contemplado tenha com o previsto, pelo menos, uma relação de semelhança e por fim, que o elemento de identidade entre eles seja essencial, havendo semelhança verdadeira e razão entre ambos.

Já os costumes, este somente serão utilizados se a lei não conseguir utilizar a analogia, conforme asseverado também por Maria Helena Diniz:

“o recurso ao costume só tem cabimento quando se esgotarem todas as potencialidades legais, o que revela a presença, em nosso ordenamento, de uma ideologia liberal, traduzindo o propósito de garantir a segurança jurídica e o culto à lei” (DINIZ, 2002).

Por fim, o uso dos princípios gerais do direito somente será aplicado quando não houver lei ou costume que se aplique à lide.

Fonte subsidiária, ainda, quando as outras mais diretas falham ou se mostram insuficiente, é a invocação do dos princípios gerais de direito, com a qual o aplicador investiga o pensamento mais alto da cultura jurídica juntamente com a fixação da orientação geral do ordenamento, e os traz ao caso concreto (PEREIRA, 2013).

Como notado, o ordenamento jurídico não é perfeito a ponto de ter o “remédio” para cada uma das situações que surgem ou que se transformam na tentativa de acompanhar a evolução da sociedade. Para suprir esse problema de ausência de norma, o sistema jurídico faz uso da analogia como forma de sanas a omissão ou inexistência da norma. O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) confirma a importância do uso da analogia para a solução dos casos dizendo que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”

Desde 2013, por meio da resolução 175, o que se observa é que o número de relacionamentos, casamentos e união estável entre pessoas do mesmo sexo representa 0,4% dos casamentos realizados no pais segundo pesquisa realizada em 2014 pelo IBGE. Porém, atualmente não existe uma lei específica para atender aos anseios de quem opta por uma relação homoafetiva, configurando uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, fator bastante delicado, considerando o histórico de discriminações e o tratamento de maneira marginalizada dispensado pela sociedade preconceituosa aos considerados “transgressores das normas de gênero”.

A sociedade tem a falsa impressão de que as relações homoafetivas são igualitárias, entretanto não é o que acontece, a violência nesse modelo de relacionamento é similar à existente entre os casais heteroafetivos. Os homossexuais são discriminados nos mais diversos setores da sociedade e a divulgação da violência dentro de um relacionamento homoafetivo é muitas vezes toleradas em silêncio para evitar os comentários como o velho “eu te avisei” vindos de pessoas contrarias a opção sexual e mesmo da própria família.

Por estar sofrendo violência na mesma proporção que as mulheres e por ausência de uma lei específica para resguardar as vítimas da violência doméstica na relação homoafetiva, alguns juristas estão optando pelo uso da analogia, aplicando a Lei Maria da Penha, no que tangem à violência doméstica, como mecanismo de proteção do direito.

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