A APLICAÇÃO DO USUCAPIÃO FAMILIAR AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE?

Por Breno Raveli Gomes de Souza | 19/10/2016 | Direito

Breno Ravelli Gomes de Souza

Vitória Farias Vieira[2]

Viviane de Brito [3]

RESUMO

Este trabalho apresentado à disciplina de Direitos Reais visa esclarecer o entendimento sobre usucapião familiar, que tem seu surgimento com a edição da Lei n° 12.424, de 16 de junho de 2011, que regulamenta o programa “Minha casa, minha vida” do Governo Federal. Essa nova modalidade de usucapião possui o objetivo de proteger o cônjuge ou convivente que arcou com as responsabilidades do imóvel de até 250 m² durante o período de dois anos ininterruptamente, utilizando deste para a sua moradia ou de sua família, após o ex-companheiro ter abandonado o lar voluntariamente e de forma injustificável. A problemática a ser analisada neste paper é se, então, a aplicação do usucapião familiar estaria ferindo o Princípio da Igualdade resguardado pela Constituição Federal.

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho terá como fundamento o fato que o usucapião pró-moradia foi instituído com o intuito de beneficiar pessoas que não possuem um imóvel residencial único, mas tão somente uma meação. Contudo, para que possa utilizar-se do usucapião familiar, e assim adquirir o direito de se tornar o proprietário exclusivo do bem, é necessário que quem deseja usucapir o imóvel seja co-proprietário com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, o qual tenha abandonado o imóvel voluntariamente, pelo prazo mínimo de dois anos.

Nesse trabalho será questionado em um primeiro o texto legal ao fazer a proteção da parte que permaneceu residindo no imóvel conjugal e arcou com todas as despesas referentes a ele, em detrimento da parte que abandonou o lar, estaria incidindo em afronta ao Princípio da Igualdade conforme o art.5° da Constituição Federal, tendo em vista que um dos co-proprietários estaria sendo beneficiado em detrimento do outro, ocasionando uma desigualdade patrimonial entre ambos.

Utilizando-se dos pensamentos doutrinários de diversos especialistas no tema, serão entendidas as vantagens e desvantagens que surgiram em decorrência da edição da Lei n° 12.424, de 16 de junho de 2011, na qual discorria sobre o Programa do Governo “Minha Casa Minha Vida”, e que criava uma nova modalidade de usucapião.

Por ultimo se procurará demonstrar a inexistência de inconstitucionalidade em razão de tratamento desigual, posto que o usucapião familiar visa proteger de eventual despejo, o possuidor que agindo de boa fé manteve e conservou de forma exclusiva, mansa, pacífica e ininterrupta o imóvel, imprimindo ao mesmo o status de lar.

  1. O CONCEITO E AS CARACTERÍSTICAS DO USUCAPIÃO FAMILIAR

Para o professor e doutor Fabio Ulhoa Coelho em seu livro “Curso de Direito Civil – 2012” discorre sobre o seu entendimento do conceito geral de usucapião, de que este instituto trata-se do exercício da posse do bem durante um certo período de tempo atendendo as condições previstas pela legislação.

O usucapião familiar é uma modalidade derivada do usucapião especial. A Lei n° 12.424/2011 que discorre sobre o programa do Governo “Minha Casa Minha Vida” que foi inserido no Código Civil brasileiro com a previsão de um cônjuge usucapir do outro o imóvel nos seguintes termos descritos no artigo 1240-A:

“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

  • 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.” (BRASIL, Lei n° 12.424/2011)

Os requisitos para requerer este instituto é que a propriedade possua uma área inferior a 250m², que ocorra o abandono do lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros, que o exercício da posse pela parte inocente ocorra sem oposição e seja de pelo menos dois anos a partir do abandono do lar, a parte requerente não pode ser proprietária de outro imóvel urbano ou rural e não pode já ter sido beneficiada por este instituto ainda mesmo que no âmbito de outra relação afetiva.

O marco inicial para ingressar com essa ação é pedir o divórcio ou dissolução da união estável, demonstrando que houve a existência da relação e a sua separação de fato. Para que configure esse instituto é necessário que o ato de abandonar o lar pelo cônjuge seja voluntário e injustificado, devendo o outro conjugue que pretende usucapir o imóvel demonstrar que a saída do lar ocorreu de maneira injustificada.

Para que assim o ex-companheiro que continua a habitar no imóvel abandonado possa requerer em juízo a integralidade da propriedade que antes estava em um regime de condomínio entre o casal, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Esse artigo permite que o casal divorciado após a edição desta lei se possuir um imóvel em comum reconhecido no termo de audiência e a posse direta do cônjuge que habita a residência sem oposição durante dois anos ininterruptos, poderá o ex-companheiro requerer em juízo a integralidade da propriedade que antes estava em um regime de condomínio entre o casal, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Segundo o doutrinador do direito Carlos Roberto Gonçalves, o usucapião familiar ou pro-moradia, assemelha-se ao usucapião urbano onde ambos necessitam que o imóvel tenha até 250 metros quadrados, que a posse ocorra de maneira mansa, que o usucapiente não possua outro imóvel urbano ou rural  e não permitem a concessão desse privilégio mais de uma vez para a mesma pessoa.

“Trata-se, como mencionado, de nova modalidade de usucapião especial urbana, instituída em favor de pessoas de baixa renda, que não têm imóvel próprio, seja urbano ou rural. A lei em apreço disciplina o novo instituto nos mesmos moldes previstos no art. 183 da Constituição Federal. Tanto no caso da usucapião especial urbana, como no da usucapião familiar, é necessário que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural e exerça posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre imóvel urbano de até 250 metros quadrados, para fins de sua moradia ou de sua família, não sendo permitida a concessão da medida mais de uma vez em favor da mesma pessoa.”(GONÇALVES, 2012)

Embora esta modalidade esteja contida no Direito Real afetará diretamente no Direito de Família, levando em consideração que a segurança jurídica é comprometida posto que a confiança no pacto antenupcial e no regime de bens vai deixar de existir uma vez que aplicando esta norma, os consortes estarão apressando a partilha dos bens com o receio de que possam perder o patrimônio, assim encurtarão o prazo de reflexão necessário entre a separação fática e a judicial, causando a antecipação dos atos, e se distanciaram mais de uma possível reconciliação.

  1. AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DESSA NOVA MODALIDADE DE USUCAPIÃO 

Historicamente o Direito Civil sempre foi um dos ramos do direito que caminhou de maneira mais devagar, refutando sempre mudanças. Esse instituto ocasionou uma grande mudança no Código Civil brasileiro, tem sua origem no direito de moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal. É uma norma que protege as pessoas de renda baixa que não possuem imóvel próprio. Na redação do seu dispositivo são exigidos praticamente os mesmos requisitos previstos para o usucapide moradia urbana no art.183 da CF, porém o prazo dessa nova modalidade de usucapião é o mais exíguo de qualquer outro, com apenas dois anos.

 Uma desvantagem, de acordo com o dispositivo, seria se uma pessoa já usucapiu um imóvel se utilizando da usucapião familiar, e depois em futura relação distinta houver a necessidade de ocorrer outro usucapião familiar, não será possível. Essa pessoa só poderá usucapir o bem por meio de outra modalidade, seja ela prevista no Código Civil (usucapião extraordinária do art. 1.238) ou pela Constituição (art. 183).

 O termo utilizado pelo dispositivo ex-cônjuge ou ex-companheiro significa que a união estável ou o casamento se dissolveram de fato ou de direito. A extinção desse direito ocorre com a sentença ou escritura pública reconhecendo o fim da união estável, ou com a sentença ou escritura pública de divórcio ou separação de direito, também pode ocorrer através de uma liminar em medida cautelar de separação de corpos. Essa extinção de fato entende-se na simples saída do lar conjugal.

“1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após decisão liminar de separação de corpos. 2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio.” (REsp 1065209/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 16/06/2010)

Com fundamento nessa decisão do Supremo Tribunal de Justiça entende-se que a separação de fato, desde que nela for caracterizada o abandono, é um motivo para que se dê inicio a contagem do prazo desta nova modalidade de usucapião, posto que a separação de fato é admitida como um motivo para que seja reconhecida o fim da sociedade conjugal e do regime de bens.

Todas as modalidades de usucapião exigem que o proprietário deixe de praticar alguns atos que lhe são inerentes, como os atos de uso, de gozo ou de reivindicação. Para que seja configurado como abandono efetivo o ex-cônjuge não deve fazer exercício de atos possessórios. No caso do cônjuge ou companheiro que não residir no imóvel tomar qualquer medida judicial ou extrajudicial visando à manutenção da propriedade não se configura o abandono.

Se a mulher utilizar as medidas previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) para que ocorra a sua proteção, tais como o afastamento do marido ou companheiro do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; a proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; não existe o abandono por parte do marido ou companheiro, assim não será possível essa mulher se utilizar do usucapião familiar nessa situação, caso houver usucapião se classificará em outra modalidade que não a do usucapião familiar.

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