A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE...

Por Marianna Mousinho Dutra | 10/02/2017 | Direito

 

A APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA NA SOCIEDADE EM COMANDITA POR AÇÕES

 

Débora Oliveira Magalhães

Marianna Mousinho Dutra

 

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Problemas com a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica; 3. Projeto do novo código de processo civil: Solução para os problemas?; 4. Entendimentos jurisprudenciais; 5. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica em contraponto com o princípio da autonomia patrimonial.

 

RESUMO

 

Tendo por base o conceito da teoria da despersonalização da personalidade jurídica inversa, far-se-á um contraponto com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, instituto este que visa coibir o uso indevido da pessoa jurídica por parte dos sócios e administradores para corrigir atos ilícitos que foram praticados, para isso leva-se em conta a Sociedade em Comandita por Ações, com o objetivo de observar a possibilidade de se criar vínculo de dependência patrimonial dos sócios, ainda que a responsabilidade da sociedade seja limitada. Sendo importante, ainda, falar a respeito dessa teoria na visão do Novo Código de Processo Civil, visto que se tem grande expectativa nele, pelo fato de possuir um capítulo para tratar sobre este assunto, trazendo inúmeras respostas, entretanto, as dúvidas continuam. Serão abordadas ainda várias jurisprudências, fazendo um paralelo com o artigo 50 do Código Civil, expondo casos concretos que envolvem essa teoria.

 

PALAVRAS-CHAVE: desconsideração da personalidade jurídica; Sociedade em Comandita por Ações; Problemas na aplicação; Jurisprudências.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O tema mostra-se atual e relevante por se tratar instituto muito importante, visto que objetiva inibir fraudes e contribui para o uso da pessoa jurídica, na medida em que é necessário abordar a importância da desconsideração da personalidade jurídica, assim como os problemas na hora de sua aplicação, visto que não há legislação regulamentando-a e as jurisprudências não são uniformes.

No decorrer do trabalho, deverá ser apresentado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, assim como meios de limitar a sua aplicação, sendo apontados os problemas trazidos por ele, visto que não há regulamentações sobre este assunto.

Por conta desses problemas causados pela falta de uma legislação, analisar-se-á o projeto do Novo Código de Processo Civil, que terá um capítulo especial pra versar sobre este assunto, podendo minimizar os problemas. Hoje em dia, o instituto existe ao longo de várias legislações especiais, como por exemplo, ao longo do Código de Defesa do Consumidor e a Lei Antitruste (que previne contratos que limitam a extensão do mercado), assim como também ao longo do Código Civil. Entretanto, não há legislação processual civil que possa estabelecer o procedimento correto a ser utilizado nesse instituto, desse modo, surgem várias controvérsias/problemas na aplicação deste, dando ensejo a muitas dúvidas, causando uma insegurança jurídica nas pessoas.

Podem-se exemplificar alguns problemas, que é o fato da desconsideração poder ser feita de ofício ou somente por requerimento da parte; sobre o direito da ampla defesa e do contraditório antes da declaração da desconsideração; ainda a respeito da necessidade de uma ação autônoma, ou se pode existir somente um incidente processual para a aplicação do procedimento.

Deve-se ainda falar a respeito das mais variadas jurisprudências, sendo trazidas algumas do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e também do Superior Tribunal de Justiça, fazendo um paralelo com o artigo 50 do Código Civil.

Por fim, mas não menos importante, será feita uma abordagem mais profunda a cerca do princípio da autonomia patrimonial, esclarecendo diferenças no tocante à desconsideração da personalidade jurídica. Sendo observado que o patrimônio da sociedade não se comunica, em alguns casos, com o patrimônio dos sócios. Isso dependerá do tipo de sociedade que cada empresário escolher.

 

  1. PROBLEMAS COM A APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

Atribuir personalidade jurídica própria a um ente coletivo, como por exemplo, a uma sociedade, com o intuito dos seus efeitos, acaba em práticas abusivas cometidas pelos sócios, que ferem direitos dos credores e de terceiros. Então, com o uso da desconsideração da personalidade jurídica, há uma superação da personalidade jurídica objetivando atingir o patrimônio dos sócios para sanar obrigações que não são da sociedade.

Com a inclusão da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, no inciso IV do artigo 44 do CCB, há quem considere uma forma societária, sendo controverso, visto que seria uma sociedade unipessoal, mas com o fato de ser limitada, pode-se fazer um paralelo com os sócios da sociedade em comandita por ações com responsabilidade limitada. Mesmo estando limitados, podem ser alvos da desconsideração da personalidade jurídica.

Coelho (2011) afirma que uma das mais importantes consequências da sociedade vai ser a formação de um patrimônio próprio, que não deverá ser confundido com o patrimônio pessoal de cada sócio, somente em relação aos sócios administradores, que respondem de forma ilimitada. Quanto aos outros sócios, que respondem de forma limitada, a sociedade arca com o seu patrimônio naquilo que ela for responsável. Trata-se da autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação ao patrimônio das pessoas que a compõem.

Esse princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, presente no artigo 1.024 do Código Civil, revela-se como importante instrumento jurídico de incentivo ao empreendedorismo, de acordo com Ramos (2011), “vez que separa o patrimônio societário do patrimônio dos investidores, atuando como importante redutor do risco empresarial”. Por isso, o número de pessoas que passaram a explorar atividade econômica aumentou significativamente.

A sociedade em comandita por ações é de responsabilidade mista, ou seja, parte dos sócios possuem responsabilidades ilimitadas, enquanto a outra parte possui responsabilidade limitada, ou seja, o patrimônio destes não responde pelas obrigações da sociedade. Mas, a depender da corrente utilizada, pode vir a responder, ou não.

Como já foi dito, conforme Rodrigues (2013):

 

O principal objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é evitar fraudes e abusos praticados pelos empresários sob a proteção da personalidade jurídica, autorizando o juiz a ignorar episodicamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica face às pessoas que a integram.

 

Farias (s.d) estabelece que como não há dispositivos processuais específicos que regulamente o instituto nessa seara, sendo que cada juiz age conforme seu entendimento no momento de decretar a desconsideração da personalidade jurídica. Isso enseja em uma desarmonia no procedimento a ser utilizado, dando margem a arbitrariedades e também acarretando insegurança jurídica.

A primeira regulamentação veio com o artigo 28 do CDC, mas, foi muito criticado pelos doutrinadores, depois, esse instituto foi disciplinado pelo artigo 18 da Lei 8.884/1994, e pelo artigo 4º da Lei 9.605/1998, que também sofreram várias críticas. O Código Civil de 2002 trouxe essa previsão em seu artigo 50, que reproduz a teoria maior, mas não possui o procedimento adequado.

Ao ler o artigo 50 do CC, será observado que o juiz é vedado de aplicar a desconsideração de ofício, então, dependeria do requerimento da parte ou do Ministério Público. Entretanto, ao observar o CDC, o juiz pode agir de ofício. Mas, para Ramos (2011), “mesmo em se tratando de questão ambiental ou relativa à ordem econômica, não se deve permitir a decretação de ofício. Isso porque a norma do artigo 50 do Código Civil tem aplicação geral neste aspecto, enquanto as outras leis tem de específico apenas a previsão de hipóteses especiais de aplicação do instituto”.

Discute-se também a necessidade de respeitar os princípios do contraditório, ampla defesa e o devido processo legal. De acordo com Moraes (2006):

 

 Entende-se por ampla defesa o asseguramento que é dado ao réu de condições que possibilitem trazer ao processo elementos que esclareçam a verdade, ou até mesmo, calar-se, se entender necessário. Já o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito de defesa para o réu.

 

O devido processo legal, estabelecido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LIV, estabelece garantias constitucionais do processo, por isso, segundo Ramos (2011), quando for requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o juiz deverá determinar a oitiva das partes interessadas.

Outro problema enfrentado na aplicação deste instituto é a necessidade ou não de uma ação autônoma para a aplicação da desconsideração. Coelho (2007) aborda que:

 

Se para a teoria maior o pressuposto da desconsideração é o uso fraudulento ou abusivo da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, não haveria como o juiz desconsiderar a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios senão por meio de ação própria. Assim, se a sociedade já não é mais o sujeito passivo da ação, se o autor pretende a responsabilização dos sócios e não mais da sociedade, ela se torna parte ilegítima. Por outro lado, os juízes que adotam a teoria menor da desconsideração, posição em que a condição para desconsiderar a pessoa jurídica depende apenas da insolvabilidade desta, afirmam que a discussão acerca dos aspectos processuais é mais simplista. Entendem que cabe a determinação da penhora de bens de sócios através de despacho no processo de execução, resguardando-lhes defesa por meio de embargos de terceiro.

 

Este instituto tem sido bastante aplicado no ordenamento jurídico brasileiro, mas tem trazido consigo diversas incertezas acerca do procedimento adequado para a sua aplicação. Todavia, Rodrigues (2013) deixa claro que tramita no Congresso Nacional o projeto do novo Código de Processo Civil, originário de uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luiz Fux. Nesse projeto, há um capítulo inteiro para disciplinar a desconsideração da personalidade jurídica, visando extinguir as dúvidas. Entretanto, surgem outras dúvidas se realmente os dispositivos desse novo Código serão realmente suficientes para resolver tantos questionamentos.

 

  1. PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: SOLUÇÃO PARA OS PROBLEMAS?

 

Como já foi dito, o projeto visa tratar do procedimento para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica. Mazzei (2012), afirma que:

 

Tal projeto determina expressamente que a desconsideração da personalidade jurídica se processe como incidente processual, e, assim, encerra um dos grandes debates acerca do adequado processamento legal do instituto.  Ainda, define, isto é, encerra também a discussão quanto à decisão que ordena a desconsideração poder ser em qualquer procedimento ou processo, excluindo o entendimento daqueles que limitavam a decisão à fase de conhecimento ou à fase de execução.

 

Ao mesmo tempo em que garante algumas certezas, ainda gera algumas dúvidas, em relação ao inciso I, do artigo 77, que limita a utilização deste instituto apenas para casos de abusos da personalidade jurídica, excluindo a fraude e outras hipóteses, que estão no artigo 28, §5º do Código do Consumidor. Mas também, no referido artigo 77, deixa bem claro que este instituto pode ser proposto mediante incidente processual, não precisando de uma ação autônoma.

Consoante ao que foi dito, está o STJ, como pode ser percebido através do julgado:

 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. FRAUDE E CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE A EMPRESA FALIDA E A AGRAVANTE VERIFICADAS PELAS INSTÂNCIAS ORIGINÁRIAS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: DESNECESSIDADE DE PROCEDIMENTO AUTÔNOMO PARA SUA DECRETAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (AgRg nos EREsp 418.385/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2012, DJe 16/03/2012)(grifo nosso)

 

Mas o capítulo já recebeu várias críticas, a exemplo da aplicação do instituto de forma incidental, com a intimação da parte, e não mais a citação. Cunha (2011) indaga a seguinte questão: “é possível incidente com sujeitos que não são partes no processo principal?”. Segundo Marinoni (2008), somente as partes já presentes na relação processual podem demandar um incidente processual, conforme o artigo 5º do CPC. Portanto, “não podem figurar como réus na demanda incidente sujeitos que não participavam da relação processual original” (Rodrigues, 2013). Além dessas, outras dúvidas também são geradas sobre a suspensão ou não das ações ordinárias e de execução.

Sendo assim, o projeto do novo CPC não acaba com todas as dúvidas, pelo contrário, implica no surgimento de outras. Mas a regulamentação deste instituto é de suma importância para uniformizar os procedimentos, acarretando, assim, em uma maior segurança jurídica.

 

  1. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS

 

Faz-se necessário a análise de entendimentos jurisprudenciais, na proporção que servem como forma de entender o que está sendo aplicado com relação à matéria debatida no âmbito jurídico. Uma vez que a cada dia torna-se mais comum os jornais noticiarem empresas que realizam manobras fraudulentas em desfavor de seus credores.

Empresas estas que burlam a lei em vários aspectos e ainda são agraciados com prazos enormes com a tentativa de recuperá-las, quando na verdade, estão apenas postergando o pagamento de suas dívidas. Com o intuito de evitar a prática de tais atitudes, surge a teoria da desconsideração da personalidade jurídica inversa, como maneira de evitar o enriquecimento ilícito e dar maior credibilidade ao judiciário brasileiro.

No entanto, em virtude de não haver legislação específica antes da criação do novo CPC, utilizava-se por analogia o artigo 50 do Código Civil, na qual afirma que:

 

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (VADE MECUM, 2015, p. 175).

 

 

Sendo assim, segue abaixo algumas jurisprudências sobre a problemática em questão. Ficará nítido que para poder ser aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica inversa haverá a necessidade do cometimento de fraude ou abuso. Tal entendimento foi extraído do artigo da autora Gastaldi (2013).

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. CABIMENTO. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. DIVISÃO MERAMENTE FORMAL. CITAÇÃO DAS DEMAIS EMPRESAS. DISPENSA. RECONHECIMENTO DE QUE, NA PRÁTICA, SE TRATAVA DO MESMO ORGANISMO EMPRESARIAL.

  1. A alegação de ofensa ao art. 535 do CPC deve ser afastada, porquanto deduzida de forma genérica no recurso, sem a indicação dos pontos acerca dos quais deveria o acórdão ter-se manifestado. No particular, incide a Súmula n. 284/STF.
  2. A tese de que os executados não foram intimados a falar sobre os documentos que deram ensejo à constrição patrimonial não foi objeto de

 

Prequestionamento no acórdão recorrido, circunstância que atrai a incidência da Súmula n. 211/STJ.

  1. A confusão patrimonial existente entre sócios e a empresa devedora ou entre esta e outras conglomeradas pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão societária entre empresas conjugadas.

Precedentes.

  1. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente. No caso, o reconhecimento da confusão patrimonial é absolutamente contraditório com a pretendida citação das demais sociedades, pois, ou bem se determina a citação de todas as empresas atingidas pela penhora, ou bem se reconhece a confusão patrimonial e se afirma que se trata, na prática, de pessoa jurídica única, bastando, por isso, uma única citação. Havendo reconhecimento da confusão, descabe a segunda providência.
  2. Ademais, o recurso foi interposto exatamente pelos devedores que foram citados no processo de execução, circunstância que também afasta a pretensão recursal.
  3. Não obstante a controvérsia tenha se instalado anteriormente à Lei n. 11.382/2006, é evidente a frustração da execução do crédito em razão da ineficácia de outros meios de constrição patrimonial, de modo que é cabível a penhora on line sobre os ativos financeiros do devedor.
  4. Recurso especial não provido.

(REsp 907.915/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 27/06/2011). Vale frisar, que o referido julgado foi retirado do artigo elaborado por Gastaldi (2013).

 

O julgado a ser apresentado em seguida foi retirado do artigo do autor CREMA (2014, p.53).

 

EXECUÇÃO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA CONFUSÃO PATRIMONIAL. Não é crível que a pessoa física do executado tenha apenas R$ 7,70 em sua conta bancária, quando figura como proprietário-controlador de um grupo econômico formado de 5 empresas PROSINTESE cujos capitais sociais somados montam aproximadamenteR$19 milhões de reais. As atividades dessas empresas são todas semelhantes (fabricação e comércio de artigos de ortopedia, farmacêuticos e terapêuticos) ouinterligadas,espalhadas por várias cidades para ampliar o seu leque comercial, mas todas levando o timbre PROSINTESE como marca empresarial, envolvendo, pois, o mesmo grupoeconômico.O instituto da desconsideração da personalidade jurídica autoriza a penhora dos bens que sejam suficientes ao cumprimento da obrigação,não estando limitada apenas à constrição das respectivas cotas sociais dos sócios. Cabe ainda pontuar a incidência na hipótese vertente da chamada "desconsideração da personalidade jurídica inversa", em que se autoriza a afetação dos bens de outra pessoa jurídica; no caso em tela, das demais empresas do mesmo grupo econômico. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AI: 277428320128260000 SP 0027742-83.2012.8.26.0000, Relator:Sérgio Shimura, Data de Julgamento: 08/08/2012, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/08/2012)

 

Os entendimentos jurisprudenciais foram retirados do artigo da autora Rodrigues (2013).

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PENHORA ON-LINE DE DINHEIRO DA EMPRESA DO EXECUTADO. CABIMENTO. EXCESSO DE EXECUÇÃO NÃO PROVADO. Evidenciado que o executado tenta frustrar o pagamento dos alimentos  em execução, correta a decisão que determinou a penhora de dinheiro em conta de empresa do executado. Desnecessária expressa referência à aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica. A alegação de excesso de execução deve vir acompanhada, imediatamente, do valor que o executado entende devido, sob pena de pronta rejeição. Caso em que deve ser mantida a penhora de dinheiro em conta bancária do executado. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.” (Agravo de Instrumento Nº 70042813105, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 18/08/2011).

 

MASSA FALIDA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO NA PESSOA DOS SÓCIOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO JUÍZO UNIVERSAL. A desconsideração da personalidade jurídica da massa falida, e consequente penhora dos bens do sócios, não atinge os bens afetados ao Juízo Universal, razão pela qual não há falar em ofensa ao princípio da isonomia por privilégio indevido do exequente, ou conflito de competência entre Juízo Falimentar e Juízo Trabalhista. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR. No Processo Trabalhista a desconsideração da personalidade jurídica encontra respaldo no art. 28, §5º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, à luz da Teoria do Diálogo de Fontes, razão pela qual a insuficiência patrimonial da empresa é elemento bastante à responsabilização direta dos sócios.  (...) (4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo; Rel. BEATRIZ RENCK, j. 03/07/2012.)(grifo nosso).

 

  1. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM CONTRAPONTO COM O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL

 

O princípio da autonomia patrimonial consiste na afirmação que os patrimônios não se confundem. Em outras palavras, seria dizer que se houver a ocorrência de fraude ou outros ilícitos no decorrer do desenvolvimento da atividade empresária, é a sociedade que responde e não a pessoa diretamente. Consistindo assim, em uma enorme facilidade para o cometimento de crimes falimentares. Nesse sentido, tem-se que:

 

 

Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra os credores ou mesmo abuso de direito. Na medida em que é a sociedade o sujeito titular dos direitos e devedor das obrigações, e não os seus sócios, muitas vezes os interesses dos credores ou terceiros são indevidamente frustrados por manipulações na constituição de pessoas jurídicas, celebração dos mais variados contratos empresariais, ou mesmo realização de operações societárias, como as de incorporação, fusão, cisão. Nesses casos, alguns envolvendo elevado grau de sofisticação jurídica, a consideração da autonomia da pessoa jurídica importa a impossibilidade de correção de fraude ou do abuso [...] (COELHO, 2013, p. 55).

 

Em contrapartida, a teoria da desconsideração jurídica não busca extinguir o princípio da autonomia da pessoa jurídica, mas propiciar maiores garantias aos credores. Ao passo que esse princípio acaba por fragilizar a possibilidade dos prejudicados com a fraude contornar essa situação. Desse modo, entende-se que: “a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraude” (COELHO, 2013, p. 59).

Interessante faz-se abordar o que vem a ser o Juízo Universal Falimentar ou Recuperatório, justamente para que se obtenha maior entendimento a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, na proporção em que faz julgamento contrário ao que será descrito. Corroborando ao que foi dito, tem-se que:

 

No juízo recuperatório, o pedido de recuperação judicial definirá a abrangência da medida: referindo-se ao grupo econômico, a vis atractiva dirá respeito a todas as relações patrimoniais das sociedades componentes; em oposição, se a pretensão disser respeito a apenas uma sociedade, os demais membros do grupo econômico estarão excluídos do juízo universal recuperatório. (MAMEDE, 2012, p. 48).

 

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica faz uso dos juízos individuais, sendo que abrange o juízo falimentar ou recuperátório apenas de forma reflexa. Nessa linha de pensamento há o entendimento que: “havendo desconsideração da personalidade jurídica nesses feitos, as medidas decorrentes serão estranhas ao juízo falimentar ou recuperatório, apenas alcançando-o indiretamente: a satisfação do crédito pelo sócio, administrador ou terceiro, bem como outra sociedade [...]” (MAMEDE, 2012, p. 48).

Deve-se tomar cuidado com relação à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, na medida em que só poderá ser utilizado quando houver a comprovação de abuso e/ou fraude. Ainda que algum credor alegue estar insatisfeito, por exemplo, não caracteriza motivos suficientes para o seu emprego.

 O ator Mamede (2012) alega que foi Rubens Requião quem buscou introduzir tal teoria no Brasil. Requião afirmava que independente de haver legislação específica, deveria ser usada pelos magistrados, ao passo que representa um grande avanço no estudo das sociedades empresárias. Coadunando ao exposto, tem-se que:

 

[...] seu argumento básico é o de que as fraudes e os abusos perpetrados através da pessoa jurídica não poderia ser corrigidos caso não adotada a disregard doctrine pelo direito brasileiro. De qualquer forma, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos. Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a fraude. (COELHO, 2013, p. 60).

 

Já a teoria da desconsideração da personalidade jurídica inversa é caracterizada pelo abandono, digamos assim, ao princípio da autonomia patrimonial. Abre-se mão de tal princípio justamente para impedir que os sócios fujam de suas responsabilidades e assim, evitar possíveis desvios de bens. Vale ressaltar, que essa teoria ao buscar impedir desvio de bens, dar uma atenção especial aos direitos de família, pois almeja dificultar o cometimento de fraudes. Outra possibilidade de aplicação seria:

 

Outro exemplo de aplicação da desconsideração inversa encontra-se na hipótese de responsabilização da sociedade empresária, mediante a execução de bens empregados na exploração da atividade econômica (e, portanto, que deveriam estar mesmo em nome dela, sociedade), por obrigação do sócio, uma vez demonstradas a fraude e a confusão patrimonial entre os dois sujeitos de direito. (COELHO, 2013, p. 69).

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Vade mecum compacto de direito Rideel. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel. 9 ed. São Paulo: Rideel, 2015.

 

COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial. 10ª. Ed. São Paulo. Saraiva. 2007.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. vol 2. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 23ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2011.

 

CREMA, Carlos Eduardo. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Disponível em:< http://tcconline.utp.br/media/tcc/2014/08/DESCONSIDERACAO-INVERSA-DA-PERSONALIDADE-JURIDICA.pdf>. Acesso em maio de 2015.

 

CUNHA, Vanessa Alves. A Desconsideração da Personalidade Jurídica. Disponível em www.conjur.com.br/2011-dez-07. Acesso em maio de 2015.

 

FARIAS, Leonardo Rocha de. A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Brasileiro e o artigo 50 do Código Civil. Disponível em Jusvigilantus.

 

GASTALDI,Suzana. A desconsideração inversa da personalidade jurídica diante de complexas formas societárias. Disponível em: < http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/a-desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica-diante-de-complexas-formas-societarias/1959/>. Acesso em maio de 2015.

 

GOMES, Fábio Bellote. Manual de Direito Comercial. São Paulo. Ed. Manole. 2003

 

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. vol. 4. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2012.

 

MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. 7ª Ed. São Paulo. Ed. RT. 2008.

 

MAZZEI, Rodrigo. Aspectos Processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor e no Projeto do novo Código de Processo Civil. São Paulo. 2012.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª Edição, São Paulo: Atlas, 2006.

 

RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 2. Ed. São Paulo. Método. 2011

 

RODRIGUES, Kamila Goulart. Desconsideração da personalidade jurídica: controvérsias acerca da aplicação prática do instituto. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 110, mar 2013. Disponível em: . Acesso em maio 2015