A APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO COMO MEIO DE DISSOLUÇÃO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIES.

Por Kassio Andriny Fernandes Taveira | 26/05/2020 | Direito

A APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO COMO MEIO DE DISSOLUÇÃO DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIES.1

 

Kassio Andriny Fernandes Taveira2

Anna Valéria de Miranda Araújo 3

  

RESUMO 

O objetivo desse estudo é analisar o procedimento de aplicação da mediação como via de dissolução das famílias multiespécies. Tal procedimento já usado nas varas de família na resolução de conflitos de ordem comum, mais especificamente, conflitos familiares de configuração “tradicional”, representam uma opção concreta e viável. Tendo em vista que o foco desse artigo é a família multiespécies, também se torna fundamental o estudo do reconhecimento dos direitos animais no ordenamento jurídico, bem como a proteção que as famílias compostas por esses indivíduos iram ter objetivamente frente ao contexto jurídico atual. Para tanto usou-se de fontes bibliográficas e recursos advindos de artigos científicos disponíveis na internet, revistas digitais e jurisprudências, para que com intuito exploratório seja elaborado tal artigo.

 

Palavras-chave: Mediação Familiar. Dissolução. Famílias Multiespécies.

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A importância da mediação no trato com os conflitos familiares; 3 Posicionamentos jurídicos acerca do reconhecimento do direito dos animais; 4 A proteção jurídica das famílias multiespécies no ordenamento jurídico brasileiro frente ao processo de dissolução familiar; 5 Considerações Finais; Referências

 

 

1 INTRODUÇÃO

A transformação que a estrutura familiar sofreu nas últimas décadas pode ser notada a partir da perspectiva do ordenamento jurídico. Os novos conceitos familiares surgem com a

modernidade das relações e também pela visibilidade que os grupos, outrora marginalizados, ascendem para uma participação cada vez mais efetiva no exercício de sua cidadania.
 
   

Nossa Carta Magna que se irradia por todas as esferas do direito, inclusive, na seara do direito privado, disperso na esteira da difusão da legislação especial, cada vez mais numerosa, e da perda de centralidade do Código Civil, parece inaugurar, em definitivo, uma nova galeria de valores. O cenário dos polêmicos dispositivos em assuntos de família pode ser verificado na mudança do papel conferido aos entes familiares e também pela definitiva transformação do conceito de unidade familiar que sempre esteve na base do sistema.

Nesse sentido estão incluídas as famílias multiespécies, haja visto que as relações humanas com seus animais, gera para grande parte das pessoas um vínculo afetivo forte que é determinante para a inclusão dos mesmos no núcleo familiar.

Dessa maneira, surge a proposta de mediação familiar e a necessidade de se verificar o grau de efetividade de aplicação do sistema de mediação na dissolução do novo núcleo familiar multiespécies. Algo que vem se revolvendo como um eficaz meio consensual de composição de conflitos (familiares).

O procedimento da mediação familiar é caracterizado pela presença de um mediador (imparcial, aceito ou escolhido em comum acordo pelas partes) que irá gerenciar os conflitos e atender as vontades das partes, de forma a formalizar um acordo que preza pela harmonia e pacificação dos interesses.

É ainda um tema contemporâneo, que ainda não se encontra positivado no ordenamento jurídico pátrio, mas que já vem sendo empregado há certo tempo, alcançando-se bons frutos. Algo que pode ser verificado pela própria posição do Conselho Nacional de Justiça, que qualifica a paz social como valor essencial, estabelecendo assim a Resolução n. 125/2010/CNJ, onde muitos conceitos foram revistos, inclusive com a implantação de uma técnica de humanização, difundindo entre os agentes fundamentais, que são as partes desse processo essa nova doutrina, com as devidas e indispensáveis habilitações aos condutores e todos aqueles envolvidos.

Na mediação, as deliberações são adotadas pelas partes. O mediador com os seus conhecimentos técnicos na área do Direito, irá introduzi-los e orientá-los no sentido de ouvir as suas inquietações e desejos, impedindo os confrontos que de maneira inevitável ocorrem sem um intercessor. A Utilização dessas técnicas na resolução conflitos familiares é de relevante valor para a sociedade, pois enseja a pacificação através da comunicabilidade das pessoas, que mesmo com suas relações acabadas, passam a ser tolerantes com a visão do outro, buscando e construindo paulatinamente a solução dos seus conflitos, visivelmente contrapostos.

 

Os autores da presente pesquisa, por interesse em aprofundar seu conhecimento acerca do tema, ainda pouco difundido, buscaram apreciar o novo contexto de famílias multiespécies, onde a validade do processo de mediação é tão concreta, quanto para os de famílias comuns. Logo, a interpretação pode ser abrangente de modo a contemplar os pets que da mesma forma que os humanos, também são objeto de afeto e estima, necessitando de proteção e reconhecimento de seus direitos. Fazendo com que o estudo de perspectivas que encarem essas novas estruturas do direito familiar seja importante para evolução do mesmo.

2 A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO NO TRATO COM OS CONFLITOS FAMILIARES.

A mediação familiar usada nas varas da família, representa de forma concreta uma opção para possibilitar um diálogo entre as partes que passaram por um conflito. Segundo Maria Helena Diniz, o objetivo da mediação é solucionar os conflitos jurídicos de família, ela diz:

[...] a mediação tem como escopo primordial estabelecer uma comunicação conducente ao conhecimento do outro e à intercompreensão, partindo de explicações, buscando informações e permitindo a intersubjetividade entre os mediandos, para que cada um possa compreender o que o outro diz ou quer. (DINIZ, 2014, pg.393).

 

Outra característica da mediação é a sua capacidade de impedir de certa forma a morosidade, enfraquecendo os altos valores dos litígios (para as partes) e do processo (para o Estado e para as partes), auxiliando na colaboração familiar, esclarecendo os membros para que eles sofram menos os resultados da dissolução, tornando assim as consequências dos conflitos menos traumáticas.

Dessa forma a mediação tem como foco a mudança cultural, no sentido de permitir aos indivíduos que tomem para si o poder de tomar suas próprias decisões e assim alterar a sua realidade. Trata-se, com efeito, de privilegiar a autonomia da vontade das partes, ao invés de recorrer a um terceiro que decida por eles, sendo que o judiciário é o último recurso, quando todas as vias de negociação fracassaram. De outro modo, também se deve ter em mente que a obtenção de um acordo satisfatório deve ser o objetivo a ser almejado, algo que deve ser feito por vias da consensualidade (DINIZ, 2014).

Por esse ângulo se permite vislumbrar que o procedimento de mediação familiar favorece a confluência de interesses de ambas as partes. Em vista disso é um processo de gestão de conflitos onde os agentes interessados requerem a intervenção de um outro (tecnicamente qualificado) para que encontrem uma solução mutuamente aceitável, que contribuirá para a reorganização da vida pessoal e familiar. Na visão de FUGA, isso ocorre quando:

 

A mediação familiar é uma prática para restabelecer relações, quando tudo indica que a família está desmantelada por consequência da dissociação entre o homem e a mulher, tentando minorar os prejuízos para os filhos. Com a intervenção da mediação familiar, é possível compreender que a separação e o divórcio não significam a dissolução da família, mas sua reorganização. [...]. Em matéria de família, só consegue avaliar bem o que ocorre quem está passando pelo sentimento, seja de amor, de ódio ou indiferença. Por isso, são as partes as únicas que podem interpretar seus afetos: nem o advogado, nem o juiz, nem o mediador podem fazê-lo. Por isso, a sociedade civil tem afrontado tanto o direito de família. O amor não pode ser interpretado por normas. (2003, pg.75) [Grifou-se]

 

De outra maneira, podemos explicar melhor a Mediação, como um meio de construção e de administração da vida social por intervenção de um terceiro neutro, independente, sem que exista qualquer poder, a não ser o das partes de escolherem livremente, buscando assim, solucionar através do terceiro, o mediador, desinteressado, que exerce papel de conselheiro, que pode sugerir e aconselhar, mas caberá ao fim as partes escolherem (DINIZ, 2014).

A escolha das partes e a sua intenção de resolver os conflitos que se estabeleceram no relacionamento, constitui ação fundamental para aqueles que querem a mediação familiar como meio resolução das desordens. A técnica da mediação será um modo de resolver os litígios, na qual os interessados procuram e anuem com a interferência de uma terceira pessoa, sendo ela, imparcial e qualificada, que permite aos litigantes adotar decisões por si mesmos e procurem uma solução duradoura e aceitável para ambos. Assim, que contribua para a reorganização da vida pessoal e familiar.

Nesse sentido, a atuação do mediador não é a de tomar partido nas deliberações em nome da família, mas ajudar o casal a se comunicar de maneira conjunta e assim encontrar alternativas que sejam do seu interesse e de seus filhos, chegando a uma possível conciliação. Os pais são ajudados a entender as necessidades dos filhos e a desenvolver um relacionamento cooperativo nas questões de parentalidade. (GRUNSPUN, 2000)

No que diz respeito ao aspecto dos motivos que favorecem a mediação, cabe ressaltar que o fato de a família constituir um sistema, no qual as relações se comunicam com muita facilidade, pois há um conjunto de sentimentos e vivências, que por vezes, ocasionam vulnerabilidades que acabam afetando todo conjunto familiar, a procura por um meio menos prejudicial ao arranjo familiar, costuma ser ideal. Tais situações são inevitáveis nas relações humanas que têm seu nascedouro na família, e, na maioria das vezes, persistem em virtude das diferenças não compreendidas entre os próprios entes familiares (DIAS, 2016)

No tocante ao procedimento dos meios de mediação e as técnicas a serem utilizadas, cabe aqui os ensinamentos de Carlos Eduardo de Vasconcelos, para quem o processo de mediação é dividido em seis etapas.

A primeira etapa representa o momento em que o mediador se apresenta e explica o procedimento de modo descontraído e acolhedor. No segundo momento as partes falam sobre

o conflito que os levou até à mediação, cabendo a elas decidir quem deve começar a falar. O mediador deve ouvir com atenção deixando as partes à vontade, confortáveis para expressar os sentimentos sem obstáculos, ele explica:

Não se recomenda interromper os mediandos em suas primeiras intervenções. Quando o mediando tiver dificuldades, deve o mediador estimulá-lo com perguntas. Caso o mediando que está na vez de escutar interfira prejudicando a continuidade da fala do outro, o mediador deve interrompê-lo e esclarecer sobre a importância da escuta. (VASCONCELOS, 2016, pg.93)

Na terceira etapa o mediador, depois de perguntar se as partes têm algo a acrescentar, faz um resumo do que foi explicado, requerendo às partes que intervenham caso diga alguma incorreção. Nesse momento deve o mediador, mostrar os pontos de convergência, os pontos positivos, criando uma base sólida para a comunicação. A quarta etapa representa um dos momentos mais importantes da mediação, pois as partes, após ouvir o resumo feito pelo mediador, começam um diálogo direto, com maior profundidade. Nessa etapa surgem as maiores contradições, indefinições, obscuridades. Ele ensina:

Sempre que houver a possibilidade de acordos parciais, o mediador deverá incentivá- los. Os acordos parciais podem aumentar a confiança na interação. Eles devem, necessariamente, decorrer do diálogo direto entre os mediandos, com a colaboração do mediador. Tendo em conta que os acordos devem ir das questões mais simples ou mais consensuais às mais complexas ou contraditórias, nessa ordem. ( 2016, pg. 95)

A quinta fase representa o momento do início das conclusões. Sem impor qualquer acordo, o mediador começa a sintetizar os temas já abordados no diálogo estabelecido, ensinando as partes a raciocinarem em busca de soluções satisfatórias e de cumprimento possível. Por fim, a sexta etapa refere-se à redação do acordo que deve ser feito pelas duas partes, numa linguagem fácil, que possibilite a compreensão das partes e que contenha todas as exigências do acordo estabelecido através da comunicação.

Portando, tendo em vista tais considerações acerca do processo de mediação comum e a sua aplicação, a importância desse meio de resolução de conflitos para o direito de família é a restabelecimento de forma mais rápida e menos dolorida de uma situação de harmonia, ajudando os casais e os demais membros da família a resolverem as contendas geradas pela cessação da sociedade conjugal (DINIZ, 2014). Tornando assim a Mediação Familiar uma alternativa viável para a superação de conflitos e melhorando o tradicional direito de família que demonstra ainda incapacidade de regular as novas configurações da família brasileira.

3 POSICIONAMENTOS JURÍDICOS ACERCA DO RECONHECIMENTO DO DIREITO DOS ANIMAIS

No Brasil quando se pensa em tutela jurídica dos animais no plano legal se percebe ainda uma dificuldade doutrinária, do ponto de vista do direito civil, de reconhecimento da qualidade de sujeitos de direito em razão dos animais. No nosso ordenamento jurídico são tratados como coisas semoventes (artigo 82, Código Civil), mas que possuem importância e merecem tutela jurídica na perspectiva do direito ambiental.

A Lei nº 9.605, de 1998 em seu artigo 32 comina pena para aqueles que de alguma forma prejudicarem a integridade física de um animal, nesse sentido verifica-se a importância dos animais para a legislação ambiental. O referido artigo, expõe:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Retomando ao aspecto doutrinário a classificação de animais como pessoas é ainda para maioria da doutrina algo inviável. A definição doutrinária de pessoa de direito é ainda aquela clássica que considera o ser a partir de seus direitos e obrigações. Desse modo filia-se a essa corrente Silvio de Salvo Venosa, que esclarece:

Os animais e os seres inanimados não podem ser sujeitos de direito. Serão, quando muito, objetos de direito. As normas que almejam proteger a flora e a fauna o fazem tendo em mira a atividade do homem. Os animais são levados em consideração tão só para sua finalidade social, no sentido protetivo. (VENOSA, 2016, pg. 138)

O autor em questão, comunga de um pensamento que mede as relações jurídicas pela participação humana, para essa corrente o ser humano é a destinação de todas as coisas no campo do direito e somente ele pode ser considerado sujeito de direito, como fica claro em uma outra posição do mesmo: “Os animais e as coisas podem ser objeto de Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa. ” (VENOSA, 2016, pg. 129)

Em contramão a esse movimento conservador em relação ao reconhecimento do animal como dotado de personalidade jurídica, novos posicionamentos surgem para concretizar uma nova etapa de expansão no Direito, Tetü Rodrigues em sua tese de doutorado faz críticas pertinentes ao sistema atual:

O amparo dos Direitos dos Animais não-humanos se encontra em normas que resguardam os interesses dos seres humanos. Neste particular, os Direitos dos Animais não-humanos são antes de tudo, direitos do próprio ser humano. (2007, pg. 76)

Em sua tese de doutorado ela traz consigo traz consigo propostas como a de discutir o conceito legal de personalidade jurídica sui generis aos animais não humanos. Isto posto, constitui dizer que os animais seriam incluídos em uma categoria que traria a eles uma maior proteção do ponto de vista jurídico.

Em linha de raciocínio parecida, ARAUJO, também acredita que os direitos dos animais devem ser resguardados, não apenas em termos de proteção jurídica, mas sim em definir a sua caracterização como sujeito de direito, ele aduz que:

“Não subsiste nenhuma barreira objetiva à atribuição de direitos aos animais, porque não subsiste nenhuma necessidade de manter os animais do lado de fora de uma fronteira de exclusão. ” (2003, pg. 82)

O ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente, na sua constituição, prescrita em seu art. 225, VII, reconhece que os animais são dotados de sensibilidade, ao dizer que: “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. Logo, com base nos mandamentos constitucionais, mesmo os animais ainda sendo considerados como coisas, o texto constitucional adota a posição de que a esses seres vulneráveis, deve o direito admitir o resguardo fundamental à vida, à integridade física e à liberdade, refletindo novas diretrizes às leis infraconstitucionais e à sociedade.

Analisando, como foco no tema deste artigo que é o processo dissolução das famílias multiespécies, podemos verificar que em relação aos animais de estimação inexiste na lei, algo que disponha acerca de tais proteções em caso de separação do casal até então proprietário. Apesar disso, o julgador tem se utilizado da analogia para garantir a tutela jurisdicional daqueles que buscam na justiça a regulamentação de tais direitos, como pode3 ser visto nesse julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. BUSCA E APREENSÃO

DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com o animal ficavam a cargo da convivente. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70064744048, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 12/05/2015).

(TJ-RS - AI: 70064744048 RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 12/05/2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/05/2015)

Há, no entanto, resistência por parte do próprio sistema de justiça para conceder aos animais os direitos de personalidade, tais quais se concede as crianças e adolescentes frente aos processos de separação. Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ficou demonstrado tal incapacidade:

CONFLITO     NEGATIVO     DE      COMPETÊNCIA.      AÇÃO     DE    POSSE

COMPARTILHADA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. Na ação de manutenção de posse de animal de estimação, inexiste discussão que recaia sobre Direito de Família. A lide trata de matéria cível de cunho declaratório, competindo ao juízo suscitante o processamento e julgamento do feito. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA         JULGADO         IMPROCEDENTE,         EM      DECISÃO

MONOCRÁTICA. (Conflito de Competência Nº 70074572579, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 18/09/2017).

(TJ-RS - CC: 70074572579 RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Data de Julgamento: 18/09/2017, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 29/09/2017)

Já em relação ação do poder legislativo, que atento as mudanças no seio familiar e os novos arranjos, dos quais estão incluídas as famílias multiespécies, já preparam a reformulação de leis que proporcionem proteção jurídica aos animais de estimação e que resguarde os interesses de seus donos em casos de conflitos de interesse. O primeiro deles proposto respectivamente pelos Deputados Federais Márcio França e Marco Aurélio Ubiali, que ponderavam sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores. Projetos de Lei 7196/2010 e 1058/2011, foi arquivado pela mesa diretora da câmara.

De outra maneira já existe outra proposta de lei que trata da matéria e aguarda resignação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Trata-se do projeto de lei 1365/2015 do deputado Ricardo Tripoli e que dispõe: “sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da união estável hetero ou homoafetiva e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. ”

Assim sendo os pontos de vistas conflitantes acerca do reconhecimento dos animais como pessoas de direitos não humanas, encontram mais eco no meio jurídico, do que aqueles que inovam ao reconhecer um animal não humano como um ser que possui dignidade e integridade, com sentimentos, que ao seu modo necessitam de proteção.

4 A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS FAMÍLIAS MULTIESPÉCIES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO FRENTE AO PROCESSO DE DISSOLUÇÃO FAMILIAR

Nas sociedades modernas atuais o conceito de família, como somente aquele formado por pai, mãe e filhos, já não cabe mais. O mundo se moderniza e com ele as relações.

A ampliação desse conceito gera uma necessidade de proteção e o elo que define uma entidade familiar é o afeto. Nesse sentido Maria Berenice Dias (2016), diz que a família deve ser encarada do ponto de vista da união, solidariedade, confiança, amor que une indivíduos na busca de um projeto de vida.

Dentro dessa perspectiva surge as famílias multiespécies, que são aquelas em que o animal, participante da relação afetuosa, é incluído no núcleo familiar como um membro do mesmo. Ocorre que no nosso ordenamento Jurídico, mas especificamente nosso Código Civil, os animais ainda são vistos como como objeto, conforme o artigo 82. Algo que para Haydée Fernanda Cardoso, é um retrocesso. Ela aduz:

Não se pode ver como coisa seres viventes, pois tais elementos mostram a existência de vida não apenas no plano moral e psíquico, mas também biológico, mecânico, como podem alguns preferir, e vice-versa. O conhecimento jurídico-dogmático hoje encontra-se ultrapassado, não apenas em função de animais considerados inteligentes, mas sim em função de todos os seres sensientes, capazes de sentir, cada um a seu modo [...] (CARDOSO, 2007, p.132) [sic].

 

A legislação brasileira ainda não reconhece de fato os direitos dos animais e nem os das famílias multiespécies, que em processos de dissolução não encontram na lei algo objetivo que os ajudem a lidar com tal fato. A lei na verdade é omissa e retrograda, pois enxerga seres vivos com sentimentos e que também nutrem afeto, como simples coisas ou objetos.

Em vista disso há na atualidade um movimento cada vez maior de apoio a uma perspectiva que alargue a configuração familiar, atribuindo aos pets a categoria de membro de uma família, sujeito ao amor e carinho, como dos demais indivíduos. Sendo assim necessitando de proteção jurídica e defesa de seus direitos. Na esteira deste pensamento, SANTOS leciona sobre o conceito de famílias multiespécies, ele diz:

O animal como membro familiar sugere a existência de uma relação interespécies e de uma família multiespécies composta por humanos e seus animais de estimação. Os mesmos acabam tendo diferentes funções, que vão desde serem vistos como objetos para o dono mostrar para outras pessoas, dando certo status social, cuidadores para algumas pessoas e até integrantes da família, tendo a mesma importância dos demais membros. Nesse sentido, destaca-se que “em estudo conduzido por Berryman e outros pesquisadores se concluiu que os animais de estimação são vistos como tão próximos quanto o próprio filho pelos humanos. (2008, pg. 23)

A distinção desse núcleo familiar para os demais, não diz respeito a falta de afeto ou qualquer outro tipo de sentimento. Logo, é tão legitima como qualquer outro modelo de família existente e por ser legitima, carece de atenção dos meios legais.

No Brasil ainda não há regulamentação desse novo núcleo familiar, o que favorece o desrespeito e mal tratamento por parte do judiciário e consequentemente o sofrimento dos membros familiares. Caso parecido, pode ser notado em julgado de uma apelação civil pelo Tribunal do rio Grande do Sul

O curioso é que em tempos de assoberbamento do Poder Judiciário, lotadas as mesas e os armários dos operadores do Direito da área de família com questões de grande relevância, tais como investigações de paternidade ou destituições de poder familiar, não estamos aqui ARTIGO | 113 tratando da busca e apreensão de um menor, cuja guarda se discute, mas sim de uma cachorrinha. E as petições lançadas por autor e requerida, eminentes colegas, não perdem de vista as expressões de ‘direito de guarda’ e ‘direito de visita’, não sendo de estranhar que surgisse, em algum momento, alusão à defesa do ‘melhor interesse canino.

Mas nem toda situação é tratada da mesma maneira, há casos em que essa problemática acerca da visão sobre os animais, traz para o judiciário cada vez mais demandas no sentido de surgirem ações pelas quais a busca pela guarda dos bichinhos é uma das preocupações. A 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidindo acerca de uma dissolução de união estável permitiu a guarda compartilhada do cãozinho de estimação. No teor do julgado fica dito:

Atento a todos os parâmetros até aqui apresentados, aos quais acresço o fato de que o animal em questão, até por sua idade, demanda cuidados que recomendam a divisão de tarefas (...) que seja permitido ao recorrente ter consigo a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenção às necessidades do animal, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, às 8h de sábado, restituindo-lhe às 17h do domingo, na residência da apelada. (Des. Marcelo Lima Buhatem, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019757- 79.2013.8.19.0208, julgado em 27 de janeiro de 2015)

Dado o exposto, o desembargador reconhecendo o vínculo afetivo criado em torno do pet, decidiu assim por bem dividir entre os dois a guarda do animal. Tal inovação é visto por Maria Helena Costa Carvalho de Araújo Lima (2015), como uma manifestação da valorização que os humanos proporcionam aos animais ao torna-los parecidos e ao criarem vínculos afetivos com eles.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou identificar o debate em torno do sistema de mediação, aplicado ao contexto da dissolução familiar. Os procedimentos de conciliação e mediação, que funcionam como aparelhos eficazes de pacificação social, prevenção e solução de ações, diante da constatação que estas cooperam para a diminuição das demasiadas judicializações dos conflitos de interesses no Brasil. Também abrandando o número de recursos e de execuções de sentença, fato que para os processos de dissolução familiar multiespécies é adequado, haja vista que com a equalização dos interesses o rompimento far-se-á de modo menos desgastante para as partes que estão ainda ligadas a um vínculo afetivo com seu animal.

De outro modo, o estudo que proporcione o esclarecimento dessas diversas mudanças que vem passando a família ao longo dos anos, com o mérito de ressaltar de maneira crítica se a mediação familiar é ou não uma opção eficaz para solução de conflitos familiares da sociedade, é importante, pois existe a inabilidade do Direito de Família tradicional em satisfazer as novas tendências das relações familiares, como as das famílias multiespécies.

Portanto, esse artigo buscou analisar um importante sistema do direito civil e familiar e para além de sua definição legal e doutrinária, trazendo questionamentos acerca do bom emprego dos mandamentos legais que orientam o mesmo. Buscou-se compreender as relações afetivas que envolvem os indivíduos que participam desse novo núcleo familiar e a segurança jurídica que os envolve.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 2013 ed. 1988.

Texto Constitucional Brasileiro em que se dispõe acerca da proteção aos animais e flora brasileira.

              . Presidência da República. LEI Nº 13.140, DE 26 DE JUNHO DE 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13140.htm. Acesso em: 17 de março de 2018.

Lei que institui o processo de mediação.

              . Presidência da República. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 17 de março de 2018.

Posicionamento legal que comina pena a quem fere a integridade de um animal.

              . Código Civil: LEI N10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 17 de março de 2018.

Extraído a abordagem legal de coisas semoventes.

              . Câmara Federal dos Deputados. Projeto de Lei 1365/2015. Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=929082D1ED793 2ADE7B9933C425A0A84.proposicoesWebExterno1?codteor=1328694&filename=PL+1365/ 2015. Acesso em: 25 de maio de 2018. Texto Original.

Projeto de Lei em tramitação sobre os direitos de família dos animais.

              . Câmara Federal dos Deputados. Projeto de Lei 7196/2010. Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=761274&filename= PL+7196/2010. Acesso em: 25 de maio de 2018. Texto Original.

Projeto de Lei arquivado.

              . Câmara Federal dos Deputados. Projeto de Lei 1058/2011. Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=859439&filename= PL+1058/2011. Acesso em: 25 de maio de 2018. Texto Original.

Projeto de Lei arquivado.

              . Conselho Nacional de Justiça. Resoluçãoº 125 de 29/11/2010.

Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579.Acesso em: 17 de março de 2018.

Resolução do Conselho Nacional de Justiça que qualifica a paz social e qualifica um processo mais humano no desenrolar de situações de conflito.

              . Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 0019757- 79.2013.8.19.0208. Relator: Desembargador: Marcelo Lima Buhatem. Julgado: 27 de janeiro de 2015 Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201400196177. Acesso em: 20 de março de 2018.

Apelação cível que julgou um caso de dissolução que envolvia um caso de guarda de um animal.

              . Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 70064744048, 7ª Câmara Cível, TJ/RS, Relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 12/05/2015.

Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/188897781/agravo-de- instrumento-ai-70064744048-rs. Acesso em: 21 de maio de 2018.

Trata-se de julgado em que se concede a guarda a cônjuge mulher por seus cuidados com animal.

              . Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul. Apelação Cível: AC 70038022414 RS. Relator: Des. Alzir Felippe Schimitz. Data do Julgamento: 24 de fevereiro de 2011.

- Inteiro Teor. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22928998/apelacao- civel-ac-70038022414-rs-tjrs/inteiro-teor-111180323. Acesso em 27 de abril de 2018.

Apelação Cível cujo conteúdo indica uma incompreensão do Tribunal com relação aos novos conceitos de núcleos familiares.

              . Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul. Conflito de Competência: 70064744048. RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 12/05/2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/05/2015. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/504716653/conflito-de- competencia-cc-70074572579-rs. Acesso em: 22 de maio de 2018.

Julgado em que se reconhece um conflito de competência e se declara improcedente um pedido de ação de posse compartilhada.

ARAÚJO, Fernando. A hora dos direitos dos animais. Coimbra: Almedina, 2003. Sua perspectiva de defesa do direito de personalidade aos animais trouxe contribuição significativa ao artigo.

CARDOSO, Haydeé Fernanda. Os animais e o Direito: novos paradigmas. Revista Animal Brasileira de Direito (Brazilian Animal Rights Review), ano 2 - 2007, p.137. Disponível em: http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm. Acesso em 20 de março de 2018. Trouxe ao artigo a sua perspectiva de considerar um retrocesso o tratamento dado aos animais em função de sua proteção jurídica.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016

A autora contribuiu no sentido de trazer a sua ideia de entidade famílias e os princípios e valores que a concebem.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. vol. 5: Direito de Família. 29. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

Retirado dessa obra a definição de mediação e seus objetivos centrais.

FUGA, Marlova Stawinski. Mediação familiar: quando chega ao fim a conjugalidade. Passo Fundo: UPF, 2003.

Trouxe ótimos apontamentos em razão do processo de dissolução familiar mediado.

GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 5.ed. São Paulo: Atlas,2010 Obra fundamental para abalizar o processo de construção de projetos de pesquisas.

GRUNSPUN, Haim. Mediação familiar - o mediador e a separação de casais com filhos. São Paulo: LTR, 2000.

Trouxe para este artigo importantes considerações acerca do processo de mediação, no que diz respeito a figura do mediador.

LIMA, Maria Helena Costa Carvalho de Araújo. Considerações sobre a família multiespécies. Disponível em:

http://eventos.livera.com.br/trabalho/98-1020766_01_07_2015_11-07-22_5164.PDF, acesso em 20 de março de 2018

Apresentou uma posição coerente em torno do contexto social e a sua influência para a “humanização” de animais.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas.- São Paulo: Método, 2008.

Compartilhou conhecimento acerca do procedimento de mediação.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 17.ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. Contribuição que envolve a definição de personalidade jurídica e a caracterização do animal para o ordenamento jurídico.

RODRIGUES, Danielle Tetü. Os animais não-humanos como sujeitos de direito sob enfoque interdisciplinar. 2007. 119 f. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2007

Extraída da tese de doutorado, onde a mesma defende a personalidade sui generis para os animais em termos jurídicos.

 

1 Paper apresentado à disciplina Direito de Família do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

2 Aluno do 6º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

3 Professora, Orientadora.

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