''A aplicabilidade de institutos estrangeiros nos juizados especiais criminais e a racionalização pragmática da teoria dos jogos.''

Por Ana Carolina Evangelista Albarelli | 04/08/2012 | Direito

“A APLICABILIDADE DE INSTITUTOS ESTRANGEIROS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS E A RACIONALIZAÇÃO PRAGMÁTICA DA TEORIA DOS JOGOS.”

INTRODUÇÃO             

            O Estado Democrático de Direito tem por escopo diversas e difíceis tarefas, as quais requerem deste uma infinita variedade de normas de caráter infraconstitucional cuja finalidade é fornecer o aparato necessário ao desenvolvimento dos atos administrativos, jurídicos e legislativos. A tarefa é bastante árdua pelo quantidade de interesses a serem considerados em cada ato normativo emitido pelo Estado, e se torna mais complexa quando o objeto em discussão é o Direito Penal, que sem dúvida alguma é a parte do Direito cuja mão do estado é mais sentida.

            Neste momento, o Processo Penal surge para o Estado, como forma de proporcionar a segurança jurídica necessária, extirpando da sociedade a autotutela e tomando para si o monopólio da justiça, para a manutenção do respeito à legalidade, ao devido processo legal e ao contraditório, pois é a partir do respeito à esses princípios, é que também se respeita o Estado que proporciona sua efetivação, uma relação de equilíbrio.

            É importante também que além do respeito aos princípios supracitados seja observado que o processo penal deve ser eficiente na busca por o escopo a que se propõe: a justiça. Só que esta finalidade acaba por não ser atingida como se deseja, diante dos problemas que o Direito Brasileiro apresenta, não só em matéria penal, mas em todo o sistema jurídico.

            A morosidade e a ineficiência da proliferação de normas, cuja  força é fictícia, são os mais visíveis problemas que o processo penal enfrenta. Neste ambiente inóspito à aplicação do “bom direito”, surge no Brasil, em 1995, a lei 9.099, que trata dos juizados especiais e que como inovação, traz do Direito anglo-saxão, o plea bargaining que abre a possibilidade de negociação, e por conseguinte desafoga o poder judiciário e ameniza sua lentidão.

            No entanto a utilização deste e de outros institutos deve ser analisada com cautela, pois tratam-se de aplicativos utilizados em outra realidade jurídica e por conseguinte não podem ser simplesmente teletransportados, desconsiderando as peculiaridades do nosso ordenamento.

            Enquanto a aplicação deste instituto em sua terra natal dar-se-á de maneira geral, isto é,  amplamente aceito em todas as esferas de contenta, proporcionando inclusive uma maior discricionariedade na atuação das partes, no Brasil, esta aplicação só se restringe aos Juizados Especias, e ganha corpo como a denominada transação penal, que em geral trata-se do instituto semelhante ao plea bargaining, só que com aplicação mais restrita, proporcionando ao acusado de infração de menor potencial lesivo a possibilidade de negociação da pena junto ao Ministério Público . Trata-se de um instituto decorrente do claro intuito de promover uma instrumentalidade, não no sentido lato, adotado pelo processo civil, mas de maneira geral como um meio de obtenção das finalidades buscadas.

            Alem do citado instituto, foi também trazido ao âmbito dos Juizados Especiais Criminais, a delação premiada, que também possui origens estrangeiras, com raízes no Direito italiano e americano, não se confunde com a  é o instituto que como o próprio nome trata, premia com benefícios o  co-autor que delatar o “comparsa” e contribuir para a efetiva prestação jurisdicional. Sendo aplicável portanto, nos casos em que há co-autoria.

            Diante das inovações acima tratadas que surgem no intuito de resguardar a eficiência jurídica e amenizar os problemas que o sistema criminal brasileiro apresenta, devemos também não só citar o plea bargaining, que ganhou novas formas no Direito Processual Penal Brasileiro, e a delação premiada largamente utilizada no Brasil, não só no âmbito dos juizados especiais, como também em crimes de maior potencial lesivo como por exemplo os crimes regidos pela lei 9.034/95, chamada de “lei dos crimes organizados”, também devemos observar outros institutos como o guilty plea, o non contendere e a possível aplicação da teoria dos jogos na jurisdição pátrio.

            O presente trabalho pretende abordar estes temas da seguinte forma, primeiramente, tratar dos institutos do plea bargaining e do guilty plea, verificando a aplicabilidade no Direito Brasileiro que será feita com análise da transação penal presente nos Juizados especiais, e realizando uma comparativo no quesito discricionariedade no Brasil e no Estados Unidos (origem do instituto).Posteriormente, será abordada a delação premiada relacionada a teoria dos jogos e por conseguinte ao dilema do prisioneiro. E finalmente pretendemos verificar a aplicação ou a possível aplicação destes institutos no Brasil.

 

 

1.Os institutos estrangeiros : Plea bargaining e o Guilty plea

           

            O plea bargaining, como já fora comentado é fruto do sistema jurídico norte-americano, que possui diferenças latentes ao sistema jurídico brasileiro, e por isso, não se faz, como também não se deve, trazer o referido instituto de corpo inteiro para a legislação pátria, sob pena de inobservância as particularidades locais ou ainda mais grave, uma ruptura do sistema atual.

            Em sede americana, o plea bargaining resguarda as peculiaridades do Sistema americano, mais discricional, mais preocupado com o pragmatismo e de moldes anti-garantistas. Estas características fazem-se presentes ao analisarmos a aplicabilidade do instituto, ou seja, em qualquer tipo de crime, inclusive os de titularidade do Ministério Público.

            Traduzindo em palavras simples, o procedimento ocorre da seguinte forma: o investigado toma ciência da investigação que contra ele corre, e são apresentadas as provas existentes, é de escolha do mesmo, realizar o acordo proposto ou, caso não aceite, enfrentar um processo judicialmente. Se ele realizar o acordo, considerar-se-á culpado (admissão de culpa), e por esta haverá a criação de uma verdade consensual, acordada,diferente do Brasil onde se aplica o princípio da verdade real. Fica, portanto, evidenciada o grau de discricionariedade presente no plea bargaining.

          No Direito Norte Americano, então, confessando então o delito e aceitando a culpabilidade,ou seja, realizando um acordo, isto é, tornando efetiva a plea bargaining, o processo não chegará a existir, porém, avaliou-se a culpa, construiu-se uma verdade para aquele caso concreto.(SILVA,2004)

            A sistemática americana confronta diversos preceitos normativos brasileiros, dentre os principais pode-se citar o devido processo legal, já que existe a possibilidade de que este nem venha existir se aceito o acordo, o já mencionado princípio da verdade real, pois diante da possibilidade de acordo, não se procura verificar se aqueles fatos realmente aconteceram da forma como as provas evidenciam, é criada uma nova verdade, a que lhe  é conveniente para que se evite a contenta judicial.

A política criminal americana deu azo ao sistema de barganha por ser mais prática resposta aos anseios de sua sociedade. É função do direito penal zelar pela paz da sociedade, porém, antes de sua aplicação, há que se perquirir através do processo penal se deve ou não ser culpado o acusado (alertamos para a vigência do princípio da inocência). (GOMES,2001)

            Diante do exposto, verifica-se que a adaptação deste instituto aos anseios brasileiros não pode realizar-se de forma completa, o que se verifica é que a transação penal atende aos moldes da sociedade que a criou, recaindo somente em crimes de menor lesividade, julgados pelos Juizados Especiais Criminais, sem evitar a contenda criminal, isto é, respeitando um dos pilares do Estado Democrático estabelecido neste país, o devido processo legal, e corroborando, mesmo que minimamente para o desafogamento do judiciário.

            Já que o objeto deste item são os institutos estrangeiros, também é válido tecermos breves comentários acerca de outra faceta do direito anglo-saxão: o guilty plea, que assim como o plea bargaining traz diversos questionamentos a cerca de sua aplicabilidade.

            Em linhas gerais, o referido instituto trata-se de uma forma de economia processual, cuja confissão é objeto de barganha, e em troca, o acusado recebe benefícios ,tal escambo visa evitar que o embate chegue a virar um processo contencioso. Revelando assim o já comentado caráter pragmático do direito norte-americano.

            Também é lícito ressaltar que o guilty plea não tem instituto semelhante no Direito Brasileiro e que sua aplicação no sistema common law, assim como ocorre no plea bargaining requer uma admissão de que os fatos que lhe são imputados são reais. Diferente também do que ocorre no Direito Brasileiro:

Não se identifica com institutos estrangeiros e, sobre o guilty plea ou do plea bargaining dos Estados Unidos, tem a vantagem de não se exigir confissão e admissão de culpa Não há na transação da Lei nº 9099aceitação de culpa.. O autor do fato, ao aceitar a proposta do Ministério Público, não estará reconhecendo a sua culpa, tanto assim que não perde a primariedade e a anotação no registro criminal só terá a finalidade de impedir outra transação no prazo de 5 (cinco) anos (FERNANDES,2000)

            O guilty plea é, portanto, um  demonstrativo do que se anseia no direito americano, soluções mesmo que estas desconsiderem, o que para o Direito Penal Brasileiro é fundamental, o respeito aos princípios do  devido processo legal, o direito ao contraditório e a ampla defesa. Pois a partir do momento em que o Ministério Publico têm prerrogativa de não oferecer denúncia, preferindo um acordo judicial, ou muitas vezes uma imputação de conduta diferente da que os fatos comprovam, em nome do caráter negocial que o Direito Americano apresenta, atinge-se, de  maneira fulcral os princípios acima citados.

            O óbvio é que tais institutos tentaram  e trouxeram os caracteres do mais perceptível fruto da sociedade americana, o capitalismo, encrustado em cada veia daquele estado, deslocando a importância da existência da justiça, recepcionando apenas uma de suas facetas: a resolução de conflitos, de maneira pragmática, racionalizando apenas o melhor meio de pôr fim a contenda, desconsiderando a real situação do conflito, procurando a solução mais prática, e não a mais adequada.

 

2. Os instrumentos estrangeiros e a aplicação no Brasil

           

            Como fora anteriormente comentado, o Brasil importou alguns institutos advindos de outras legislações, alguns advindos da legislação americana, muitos das legislações italiana e alemã, frente a forte influência exercida pelo Direito europeu nas fundações do Direito Brasileiro.

            O caráter negocial destes institutos, têm diversas vantagens, principalmente diante da lenta realidade jurídica brasileira. A delação premiada e a transação penal são indubitavelmente, instrumentos desafogadores do nosso atolado sistema jurídico.

            Não se pode negar o caráter pedagógico que essas importações têm. No entanto há de se convir que, tratando-se de plea bargainig, de inspiração anglo-saxã, o semelhante adotado no Brasil guarda certas peculiaridades próprias do nosso sistema jurídico, além da serem bastante diferenciados os fins de criação destes institutos.

Há que ficar claro que não se objetiva aqui, afirmar que esse sistema (brasileiro) ou aquele(norte-americano) estejam certos ou errados, que um ou outro seja justo ou injusto, melhor ou pior, mas, apenas levantar suas diferenças, e perceber que entre nós o instituto é concebido como forma de “administrar conflito”, de “resolvê-los”, sendo que de fato, não os soluciona, mas, apenas elimina o processo dentro de um curto espaço de tempo.( SILVA,2004)

            A transação penal, permitida no Brasil apenas nos Juizados Especiais Criminais,  deve ser, simplificadamente, assim ser observada: Diferente do que ocorre no plea bargaining, em que o processo é uma garantia do cidadão e ele é quem escolhe passar por ele ou prefere realizar acordo, conhecendo as provas que contra ele foram produzidas, a transação penal é uma garantia do estado na busca ao que pretende,ou seja punir, e o acusado não tem o conhecimento das provas produzidas contra ele, ele é portanto, forçado à realizar um acordo. Enquanto o fim no plea bargaining é a simplificação da resolução para facilitar a tramitação entre as partes, a transação penal tem por escopo evitar a lentidão processual.

            Outro clara diferença reside admissão de culpa por parte do acusado, enquanto no instituto americano, quando o acusado aceita o acordo, ele está admitindo a culpa, enquanto, a transação brasileira, quando o acordo é aceito, aceita-se a culpabilidade proposta, não a culpa.

            A finalidade da transação penal acaba por desconsiderar alguns importantes princípios balizadores de todo o ordenamento jurídico brasileiro, desrespeitando por exemplo o princípio penal da verdade real, o qual procura extrair das provas o que realmente aconteceu no mundo dos fatos, para aí sim realizar a aplicação da pena, o que a transação penal acaba por não permitir.

            Quanto à delação premiada, esta também merece análise, pois ela acaba por desconsiderar importantes princípios do Direito Processual penal:

Argumenta-se também contra a  delação premiada que esta fere o princípio da igualdade, pois oferece o benefício da redução de pena apenas aos deliquentes de crimes hediondos e de crime organizado, não tendo oportunidade os criminosos de outros tipos de crime. Fere também o princípio da proporcionalidade da pena, uma vez que se punirá com penas diferentes pessoas envolvidas no mesmo fato e com idênticos graus de culpabilidade (COSTA, 2008)

            O citado autor ainda acrescenta:

Em nome do controvertido Direito Penal funcionalista, utilitário e pragmático, adota-se a delação premiada, considerando-se apenas o resultado final como importante e menosprezando valores fundamentais como justiça equidade e proporcionalidade. Tenta-se impor com isso o Direito Emergencial ou de exceção.( CERVINI apud COSTA, 2008)

            O que se pode concluir do que fora acima descrito é que o Sistema negocial deve ser abordado com certa cautela pelo ordenamento pátrio, visto a clara possibilidade de atingirmos importantes institutos do ordenamento pátrio.

REFERÊNCIAS

SILVA, Breno Inácio da. Formas Institucionais de produção de verdade: Transação penal X Plea Bargainig. Revista Ciências Sociais da Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro, v. 10, n. 1-2, p. 119-136, 2004. Disponível em: http://www.ugf.br/files/editais/Artigo%205%20Vol%2010%20n%201%20e%202.pdf

COSTA, Marcos Dangelo da. Delação Premiada. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez. 2008. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=1055.22109>. Acesso em: 05 nov. 2010.

FERNANDES, Antonio Scarance; PENTEADO, Jaques de Camargo; PENTEADO, Marco Antonio de. Reflexos da Lei dos juizados especiais na justiça criminal paulista. Justitia, São Paulo, v. 62, n. 189/192, p. 123-148, jan./dez. 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/23813>. Acesso em: 20 ago. 2010.

GOMES, Milton Jordão de Freitas Pinheiro. Plea Bargaining No Processo Penal : perda das garantias. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/2123>. Acesso em: 4 nov. 2010.