A ambiguidade na obra A Letra Escarlate de Nathaniel Hawthorne

Por Géssica Mota Santos | 30/11/2012 | Literatura

A ambiguidade na obra A Letra Escarlate de Nathaniel Hawthorne[1] 

Géssica Mota Santos[2] 

RESUMO: O artigo propõe uma análise das influências puritanas que o autor Nathaniel Hawthorne sofria, como também, as inquietações que o dividia entre o passado e o presente claramente transpostas para os seus personagens na obra A Letra Escarlate. Observando o pecado cometido pelos os personagens Hester Prynne, Roger Chillingworth e Arthur Dimmesdale e o castigo recebido por cada um, perceberemos as críticas de Hawthorne para atingir a sociedade daquela época.

 

Palavras - chaves: Hawthorne, pecado, puritanismo.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Esse artigo propõe uma discussão acerca dos princípios puritanos do autor Hawthorne e ao mesmo tempo a fuga do seguimento fiel desses princípios, onde podemos perceber essa relação ambígua na sua obra A Letra Escarlate.

 Mesmo vindo de uma família de tradição puritana é necessário dizer que Hawthorne não era puritano, mas possuía certo interesse em observar ou talvez criticar as severas imposições puritanas.

O autor não retrata fielmente os valores puritanos na sua obra em questão, pois temos o pecado como principal temática. O pecado promove o distanciamento da graça divina, tornando-o impuro. Podemos definir o puritanismo simplesmente como uma doutrina que segue lealmente os princípios morais e rígidos presentes na bíblia sagrada, o indivíduo que foge ou não cumpre as leis divinas, ou seja, comete pecados, não estará entre os eleitos.

 A obra A letra Escarlate escrita no século XIX possui características da história moral dessa época. Em uma primeira análise temos a sensação de que seu enredo nos mostra o castigo de uma pecadora que infringiu as leis divinas, mas há vários pontos que vão além dessa análise.

Há um pouco dessa relação ambígua do autor nas três personagens principais: Hester Prynne, Roger Chillingworth e Artur Dimmesdale que proponho discutir nesse trabalho.

 

2 A RELAÇÃO DE AMBIGUIDADE EM NATHANIEL HAWTHORNE

 

            Com um passado marcado pelo o puritanismo que condenou muitas feiticeiras, Hawthorne utiliza desses ideais para escrever de forma diferente, da forma como ele julgava a sociedade daquela época.

Além dos princípios puritanos que carregava da sua família, Hawthorne escreveu numa época em que predominava as histórias românticas, segundo Levin (1966, p.23)

É nessa espécie de crítica a seus contemporâneos que podemos ver a maior dívida de Hawthorne para com seus antepassados puritanos. Ele escreveu numa época que demonstrava vivo interesse por histórias românticas, pelas epopéias, [...].

 

            Percebendo a forma constante que se escrevia, ele utilizou algumas características destes e as transformou para falar à sociedade em que estava inserido. Para Levin (1966, p.22)

Essa confusa atitude, diante do presente e do passado, levou Hawthorne a defrontar-se, em sua melhor obra, com algumas das mais perturbadoras questões da sociedade americana e a empregar seus conhecimentos de história como um meio de falar aos seus contemporâneos.

 

Em sua obra A Letra Escarlate, Hawthorne utiliza das personagens para falar de tipos diferentes de pecado. Aquele em que poderíamos pensar ser o pecado central do livro, Hawthorne nos apresenta outro ainda maior que os puritanos não julgam, aquele que vai além das aparências ou aquele que fere o coração do próximo. Isso ocorre com as personagens: Hester Prynne que no início é julgada pelo o seu adultério, Roger Chillingworth que comete um pecado maior do que a do adultério cometido por Hester Prynne e Arthur que fere os ideais de sua missão e omiti seu pecado diante da sociedade. Notamos com essas personagens, os sentidos divergentes criados por Hawthorne. Para Spiller (1955, p. 82)

A ambiguidade de sua posição tornou-se completamente revelada por meio desta obra de arte curta e perfeita. Ele aceitara plenamente as condições impostas pelo material que abordara e permitira a seus personagens depor em causa própria, relando seus próprios infortúnios e só se limitando a controlar esteticamente suas ações. 

 

            O autor transpôs suas inquietações em personagens alegóricos fortemente marcados pelo o puritanismo que ele viveu.

 

 

3 A RELAÇÃO DE AMBIGUIDADE NAS PERSONAGENS PRINCIPAIS DE A LETRA ESCARLATE

 

3.1 HESTER PRYNNE

            Como protagonista temos a personagem Hester Prynne, a pecadora que comete o adultério por causa de sua paixão por Dimmesdale. A traição matrimonial infringiu as leis divinas e, portanto a exclui da sociedade puritana. No dia da sua sentença, vemos o julgamento preliminar das senhoras que assistiam a exibição no pelourinho.

­--- Senhoras, - disse uma cinquentona de fisionomia dura - , vou revelar- vos o que eu penso. Seria de muito proveito geral de nós, mulheres de idade madura, e religiosas de boa reputação, tivéssemos o encargo de lidar com criminosas da espécie dessa Hester Prynne. Que achais, amigas? [...] ― Os juízes são cavalheiros tementes a Deus, porém por demais complacentes. Esta é que é a verdade! – acrescentou uma terceira. ― Deviam pelo menos marcar-lhe a testa com ferro em brasa. Assim a dona Hester espernearia, garanto eu! Mas pouco se incomodará com o que lhe puserem no corpete do vestido, a reles prostituta! [...] ―Mas por que é que ainda discutimos emblemas e ferretes, ou se devem ser aplicados no corpete ou na fronte? [...] ― Essa mulher lançou a vergonha sobre todos nós, e deve morrer! (A letra Escarlate, p. 58)

 

Observamos com esse diálogo os ideais puritanos postos a mostra, assim como a revolta e a indignação da sociedade com relação ao pecado cometido por Hester.  Em contrapartida, Hester parecia não se preocupar com o que pensavam ou com o que diziam

Houvesse um reboar de gargalhadas se erguido da multidão ― cada homem, cada mulher, cada voz estridente de criança contribuindo com sua parcela ― Hester Prynne tê-lo-ia correspondido com um sorriso amável e desdenhoso. (A letra Escarlate, p. 63)

 

Mesmo violando os princípios puritanos, Hester assume seu pecado como também a sentença imposta por eles sem hesitar e não revela seu cúmplice apesar das insistentes perguntas de Arthur Dimmesdale.

― Não falarei! ―respondeu Hester, tornando-se pálida como morta, mas replicando à voz que reconhecera com absoluta certeza. ―E minha filha terá que procurar um pai no Céu. Jamais o conhecerá na Terra!  (A letra Escarlate, p. 71)

 

Percebe-se nesse trecho, que o amor de Hester por Arthur é maior do que os valores puritanos e fez com que ela optasse por seu amor quando o protege dos castigos puritanos e da rejeição da sociedade. Além de amar e lutar para criar o fruto do seu pecado, a pequena Pearl.

É notório o amor ao seu pecado, na qual podemos perceber na criação da filha e na letra que usava. Podemos dizer que ela tinha orgulho de mostrar a letra na qual a enfeitava com mais bordados chamando atenção das pessoas que a vissem.

 

3.2  ARTHUR DIMMESDALE

            Cabe a esse personagem os conceitos de essência e aparência. Em sua aparência, o sacerdote é conhecido por seus sermões bem elaborados e cheios de verdade, que o peso de sua própria culpa deixava-os “num nível que até mesmo os mais humildes podem compreender”. (LEVIN, 1966, p. 27)

            Em sua essência, tinha gravado em seu peito a marca do pecado, a letra escarlate que escondia embaixo das roupas eclesiásticas. Com esse gesto, Dimmesdale negava o amor de Hester e a paternidade de Pearl.

Quanto a isso, Levin (1966, p. 27) ressalta:

O princípio que é por ele violado constitui o mais importante artigo de fé puritana e do individualismo romântico do século XIX: o de que um homem seja um verdadeiro crente, ou um confessor verdadeiro, e que revele a Deus e ao mundo o que ele realmente é.

 

            Dentro desse conceito, podemos dizer que Dimmesdale não é fiel a religião nem ao seu amor por Hester, o que o faz de um hipócrita. Seu castigo é o pior de todos, pois faz com ele morra aos poucos e sofra em silêncio. 

Que pode uma alma arruinada como a minha realizar em benefício da salvação de outras almas? Que pode uma alma poluída operar pela a purificação, das outras? E quanto à veneração do povo, eu preferiria que ela se transformasse em escárnio e ódio! (A letra escarlate, p. 169)

Quando encontra e conversa as escondidas com Hester e conhece sua filha Pearl, Dimmesdale movido pela a força do amor pelas as duas e pelas palavras de conforto de Hester, fez nascer uma esperança em viver uma nova vida sem mentiras

Arthur Dimmesdale encarou Hester com um olhar radiante de esperança e alegria, sim, mas em que se misturava uma espécie de medo da coragem daquela que havia dito o que ele sentia vagamente e não ousava dizer.

 

            Hester o convence a fugir, mas a vontade de revelar e assumir Hester e sua filha assim como assumir seu pecado é maior. No final da história, depois de pronunciar o melhor sermão de sua vida, revela seu segredo ao lado de  Hester e Pearl, pedindo perdão. Dimmesdale trai o amor de Hester, pois não aceita fugir e viver uma nova vida em família longe daquela cidade, além de trair os valores puritanos. 

2.3 ROGER CHILLINGWORTH

 

            Aparentemente vítima da história, Roger torna-se o vilão primeiramente por ficar amigo de seu pior inimigo a fim de descobrir quem era o cúmplice do adultério. E em segundo, quando descobre o segredo de Arthur tortura-o para destruí-lo aos poucos. Sobre isso Spiller (1955, p.81) comenta: 

É estranho que o terceiro membro do triângulo, o marido traído, Roger Chillingworth, se torne o vilão da história, cometendo o que Hawthorne considera o supremo pecado dentre todos: a violação de um coração humano, exercendo um controle quase hipnótico sobre o jovem pastor e causando propositalmente sua ruína total. 

Roger sofre alterações de caráter logo quando chega à cidade e assumi outra identidade e a profissão de médico. Sobre a profissão, percebemos a ambiguidade criada por Hawthorne. Médico exerce a função de cuidar de outras pessoas, buscando a saúde física ou mental do paciente. Com Roger temos o contrário, ele tenta destruir a alma de Arthur com palavras de injúria.

Levin (1966, p. 25) o chama de “o pecador imperdoável”. Roger tendo descoberto o cúmplice de Hester ele não revela a ninguém o que sabe, pois é essa a oportunidade de vingança que o move. Levin (1966, p.28) destaca que “sua própria existência depende de Dimmesdale: curiosidade e vingança constituem a obsessão que lhe consumiu a vida”. Tanto é verdade que após a confissão de Dimmesdale, Roger morre. 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

            Hawthorne em sua obra, A letra escarlate, manipula sentidos ambíguos sobre o que é o pecado. Através de personagens bem característicos retrata o puritanismo deixando entre linhas o que julga ser o verdadeiro pecado.

            O amor afasta o homem dos valores puritanos, como vemos no amor de Arthur por Hester, para os valores humanos o amor redimi os pecados, como vemos no amor de Hester por Arthur.

No fim do enredo, Hawthorne traz dois desfechos para o pecado do amor que une Hester Prynne e Arthur Dimmesdale. Hester Prynne assume seu pecado e por isso é condenada a usar a letra, mesmo assim demonstra orgulho em usá-la, pois ela retrata seu amor. Ao contrário de Arthur, que esconde seu amor e morre por isso. 

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HAWTHORNE, Nathaniel. A Letra Escarlate. Tradução Sodré Viana. São Paulo: Martin Claret, 2006.

PANORAMA DO ROMANCE AMERICANO. São Paulo: Fundo de cultura, 1966.

SPILLER, Robert E. O ciclo da literatura norte-americana. Rio de Janeiro: Forense, 1955.



[1] Artigo elaborado como requisito para nota da Ap 1 da  disciplina Literatura Inglesa III ministrada pelo  prof. Dr.  Marton Tamás Gémes.

[2]Aluna do 7º Período do curso de Letras com Hab. em Lingua Inglesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA