A adequação constitucional da prisão preventiva face à lei nº 12.403/2011, às medidas cautelares e ao código de processo penal.

Por Danilo Miranda de Souza | 14/11/2011 | Direito

A ADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO PREVENTIVA FACE À LEI Nº 12.403/2011, ÀS MEDIDAS CAUTELARES E AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

 

Danilo Miranda de Souza[1]

 

 

RESUMO

Com a publicação da Lei 12.403/2011, houve a alteração de 32 artigos do Código de Processo Penal relativos à regulação da prisão e liberdade provisória.

Tais alterações objetivaram, dentre outras, uma maior necessidade de fundamentação por parte de Juízes para a decretação da prisão preventiva.

A referida Lei também inova ao apresentar diversas medidas cautelares, estas previstas no Art. 319, como alternativas à prisão preventiva, cabendo ao Juiz, contudo, decretar esta quando não for cabível a sua substituição por alguma das medidas instituídas.

Este aspecto anuncia, portanto, a adequação ao primeiro aspecto constitucional dos vários a serem debatido pelo presente, qual seja, o princípio da presunção de não culpabilidade, este previsto em nossa Constituição Pátria, assim como os outros que serão abordados.

O presente trabalho objetiva a análise dos ditames desta nova Lei, em todos os seus aspectos de adequação constitucional, face à prisão preventiva prevista no Código de Processo Penal.

 

Palavras-chaves: adequação constitucional; prisão preventiva; conceito; lei 12.403; medidas cautelares.

 

SUMÁRIO

1. Introdução; 2. Conceito de prisão preventiva; 3. Críticas à ‘necessidade’ caracterizadora da prisão preventiva; 4. A base (in)constitucional das prisões cautelares, em especial, da prisão preventiva; 5. As medidas cautelares como positivação dos preceitos constitucionais; 6. Considerações finais; 7. Referências; 8. Notas.

 

  1. 1.      INTRODUÇÃO

Em 5 de maio de 2011, após longo trâmite no Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 4.208/01, foi publicada a Lei 12.403/2011, que trouxe profundas mudanças ao texto legal do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, mais conhecido como Código de Processo Penal.

Este Código completou, em 2011, setenta e nove anos de idade, já existindo há outros quarenta e seis quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, que se constituiu e constitui o diploma máximo do ordenamento jurídico brasileiro vigente, cujas normas e princípios posicionam-se, hierarquicamente, no terreno mais alto face todas as leis instituídas.

Neste contexto, o Código de Processo Penal aguardava (e continua aguardando) uma adequação constitucional direta em seu texto, sem que fosse ou seja necessário utilizar-se da interpretação extensiva e análoga da atual Carta Magna para fazer valer os diversos princípios e direitos instituídos nesta, através de seu inviolável Artigo 5º.

A Lei 12.403/2011 não foi, contudo, a primeira a promover a mencionada adequação. Já no ano de 1967 houve uma das primeiras tentativas de adaptação e atualização do Código de Processo Penal à nova situação de positivação de direitos vivida pela sociedade, tendo sido decretada a Lei nº 5.349, que tratou de dar nova disposição para o Capítulo III do supracitado Código, o qual trata da Prisão Preventiva.

Em 24 de maio de 1977, novas alterações foram feitas ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, através da Lei nº 6.416, novamente tendo realizado algumas alterações no texto da Prisão Preventiva.

Seguindo no contexto de reforma, já em 11 de junho de 1994 foi sancionada a Lei 8.884, que dispôs sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, entre outras providências.

Tendo passado ao novo milênio, decretada foi a Lei nº 10.258/01, a qual promoveu alterações nos dispositivos relativos à prisão especial; em 2003, foi vez da Lei nº 10.792/03 ser sancionada, responsável por mudanças no texto da Lei de Execução Penal. Mais recentemente, em 2008, instituídas foram as leis 11.689, 11.690 e 11.719, estas que modificaram o procedimento do Tribunal do Juri, as disposições relativas à prova e as disposições relativas à suspensão do processo do CPP.

Curioso é ressaltar as três mudanças no texto do Art. 312, do Código de Processo Penal, estas feitas pelas leis de 67, 94 e 2011. É possível ver, nitidamente, mudança de critérios para a decretação da Prisão Preventiva, mesmo que em uma média de 20 anos entre cada mudança:

Redação originária do Art. 312, de 1941:

 

“Art. 312. A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos.”

 

Redação dada pela Lei 5.349/67:

 

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria.”

 

Redação dada pela Lei 8.884/94:

 

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”

 

A redação dada pela Lei nº 12.403/2011 manteve-se a mesma da Lei nº 8.884/94, apenas diferenciando-se pelo acréscimo do parágrafo único:

 

“A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o)”.

 

Já no que se refere ao texto do Art. 313, do mesmo Código, notamos também três importantes mudanças em seu texto, estas oriundas das leis de 67, 77 e 2011, agora, em uma média de 30 anos entre as mudanças:

Redação originária do Art. 313, de 1941:

 

“Art. 313. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal:

I – nos crimes inafiançáveis, não compreendidos no artigo anterior;

II – nos crimes afiançáveis, quando se apurar no processo que o indiciado é vadio ou quando, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou indicar elementos suficientes para esclarecê-la;

III – nos crimes dolosos, embora afiançáveis, quando o réu tiver sido condenado por crime da mesma natureza, em sentença transitada em julgado.”

            Redação dada pela Lei 5.349/67:

 

“Art. 313. A prisão preventiva poderá ser decretada:

I - nos crimes inafiançáveis;

II - nos crimes afiançáveis, quando se apurar no processo que o indiciado é vadio ou quando, havendo dúvida sôbre a sua identidade, não fornecer ou indicar elementos suficientes para esclarecê-la;

III - nos crimes dolosos, embora afiançáveis, quando o réu tiver sido condenado por crime da mesma natureza, em sentença transitada em julgado.”

 

            Redação dada pela Lei 6.416/77:

 

“Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:

I - punidos com reclusão;

II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;

III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal.

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006).”

Importante notarmos que o inciso IV deste artigo foi instituído à luz da Lei 11.340, de 2006, que trata dos mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal.

Na redação agora formalizada pela Lei nº 12.403/2011, temos por promovidas profundas alterações no texto do artigo em pauta, como se observa:

 

“Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV - (revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.”.

 

            Temos, portanto, por revogado, na mais recente redação, o inciso IV do Art. 313, pois apesar da tentativa de adequação constitucional deste inciso, houve priorização da mulher face ao idoso, adolescente, criança, enfermo ou pessoa com deficiência, o que acabou por gerar diversas discussões doutrinárias a respeito da irônica inconstitucionalidade do texto, acabando por ocasionar também a mudança do inciso III, agora, já readequado à melhor abrangência legal.

            Há de se destacar, então, a restrição da decretação da prisão preventiva, primariamente abrangendo praticamente a todos os crimes, caso o praticante fosse tido como “vadio”, algo hoje absurdo de se imaginar, para depois passando a ser aceita apenas em crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, dentre outros requisitos.

            Houve um nítido ganho de liberdades individuais com o passar dos anos, porém também é de se notar como a Lei Penal tornou-se mais rígida no geral, mudança esta certamente instituída pelo aumento da violência que nos deparamos diariamente em nossa sociedade.

Como se observa, a mais recente Lei de que tratamos, a qual entrou em vigor em 4/7/2011 sob muita expectativa e diversas manifestações negativas por parte da mídia, faz parte do almejado e discutido contexto de convergência entre Constituição, Código Penal e Código de Processo Penal.

Por esta Lei, em suma, foram alterados 32 artigos relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e outras medidas cautelares do Código de Processo Penal, e o que iremos analisar, especificamente, será a abordagem face à prisão preventiva e seus aspectos (in)constitucionais, os quais, novamente, tiveram uma readequação à CF/88, pós sua promulgação(das leis).

 

  1. 2.      CONCEITO DE PRISÃO PREVENTIVA

Como definido por Nestor Távora, prisão preventiva “é a prisão de natureza cautelar mais ampla, sendo uma eficiente ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal, leia-se, durante o inquérito policial e na fase processual” [2]. Acrescenta:

 

“Até antes do trânsito em julgado da sentença admite-se a decretação prisional, por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente (art. 5º, inciso LXI da CF), desde que presentes os elementos que simbolizem a necessidade do cárcere, pois a preventiva, por ser medida de natureza cautelar, só se sustenta se presentes o lastro probatório mínimo a indicar a ocorrência da infração, os eventuais envolvidos, além de algum motivo legal que fundamente a necessidade do encarceramento”. [3]

 

Guilherme Nucci, por sua vez, define a prisão preventiva como uma “medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões da necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei.” [4].

 

  1. 3.      CRÍTICAS À ‘NECESSIDADE’ CARACTERIZADORA DA PRISÃO PREVENTIVA

Como consensual entre estes dois brilhantes doutrinadores, temos que um dos requisitos mais relevantes para a decretação da prisão preventiva é a necessidade. Neste condão, há de serem destacadas as palavras de Távora, em pauta aqui já abordada, mas que certeiramente traduz o pensamento proposto:

 

“Não mais existe hipótese de segregação preventiva obrigatória, onde o criminoso, por imposição legal, desmerecendo-se a aferição da necessidade, responderia a persecução penal preso, em razão da gravidade do delito, quando a pena de reclusão cominada fosse igual ou superior a dez anos (era a antiga previsão do art. 312, CPP)” [5].

 

Temos por necessidade, nos termos atuais da lei, as hipóteses de decretação da prisão preventiva como medidas para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria de um crime.

Neste sentido, escreve Mirabete:

 

 “A medida excepcional de decretação da prisão preventiva não pode ser adotada se ausente o fundamento legal. Deve ela apoiar-se em fatos concretos que a embasem e não apenas em hipóteses ou conjecturas sem apoio nos autos. Não a permite a simples gravidade do crime, ou por estar o autor desempregado ou por não possuir bons antecedentes. Também não se pode decretar a medida apenas para garantir a incolumidade física do acusado, pois tal constitui desvio de finalidade, cabendo ao estado providenciar segurança com outras medidas”.[6]

 

Estas hipóteses autorizadoras da decretação da referida prisão são objeto de constante crítica por parte da doutrina, justamente por serem nada mais do que vagas expressões, sem significado preciso e/ou limitação à interpretação, como consona Tourinho Filho ao raciocínio:

 

“’Perigosidade de réu’, ‘os espalhafatos da mídia’, ‘reiteradas divulgações pelo rádio ou televisão’, tudo, absolutamente tudo, ajusta-se àquela expressão genérica ‘ordem pública’. E a prisão preventiva, nesses casos, não passa de uma execução sumária. O réu é condenado antes de ser julgado, uma vez que tais situações nada têm de cautelar” [7]

 

 

  1. 4.      A BASE (IN)CONSTITUCIONAL DAS PRISÕES CAUTELARES, EM ESPECIAL, DA PRISÃO PREVENTIVA

Com estas palavras, importante é mantermo-nos na esteira que trata da cautelaridade da prisão preventiva e a sua base (in)constitucional, que é justamente o objeto do presente artigo, e para tal há de se tecer alguns comentários sobre as formas de prisão, antes de retomarmos o raciocínio aqui proposto.

As formas de prisão existentes em nosso vigente ordenamento jurídico são as cautelares e as cognitivas. No ramo das cautelares, que são aquelas advindas do fumus boni juris e periculum e mora, portanto, aquelas impostas antes do trânsito em julgado do processo penal, temos a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária. Já as cognitivas, são aquelas advindas de sentença penal condenatória, transitada em julgado, que não serão objeto de análise por ora.

Assim sendo, temos que todas as prisões cautelares são efetuadas sem o trânsito em julgado de uma sentença condenatória, portanto, tratando de privação de liberdade ainda existindo a possibilidade de recurso à sentença decretada (ou não) durante uma ação penal, não havendo decisão definitiva sobre a culpa em relação ao crime do qual um réu é acusado.

Esta medida cautelar acaba por afastar em sua totalidade o princípio da presunção da inocência, o primeiro a ser tratado, justamente por já ter decidido a Justiça, em ultima instância, pela culpa do réu. E esta decisão acaba por impactar, muitas vezes definitivamente, o rumo do processo penal, pois uma vez tendo sua liberdade privada, o sujeito é visto pela sociedade como o verdadeiro culpado, não importando qual seja o crime cometido, o quão inocente possa ser, ou o quão correto era. É, literalmente, sentenciado como culpado, tanto pelo Judiciário quanto pela sociedade.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, estabeleceu uma série de direitos tidos como fundamentais. Constituem-se titulares destes direitos todos os brasileiros e estrangeiros (estes, residentes no país), não havendo distinção qualquer quanto a réus, acusados, denunciados e/ou condenados, sendo estes, também, não importando a terminologia utilizada, titulares dos direitos fundamentais, premissa esta muitas vezes descumprida e esquecida quando a abordagem é relativa aos processados ou meramente investigados, tratando estes como meros objetos, não possuidores dos direitos ora instituídos.

Os principais direitos fundamentais que inicialmente interessa abordar, portanto, são aqueles previstos nos incisos LIV, LVII e LXI, abaixo transcritos:

 

“CF/88. Art. 5º:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;”

 

            Consagrados acima estão, portanto, respectivamente, o princípio do devido processo lega, o princípio da presunção de inocência, e a exigência de ordem judicial escrita e fundamentada para a decretação da prisão cautelar.

            Sem dúvida, então, temos que a prisão preventiva “é medida de exceção, devendo ser encarada restritivamente, para compatibilizá-la com o princípio da presunção de inocência, (...), afinal, o estigma do encarceramento cautelar é por demais deletério à figura do infrator” [8], como certeiro pontua Nestor Távora. Sem qualquer dúvida, as prisões cautelares têm de ser

            Na prática, contudo, não é o que se positiva efetivamente quando da aplicação do direito. O que temos de mais comum é a falta de embasamento jurídico para a decretação da prisão preventiva, com decisões vazias, tratando meramente da reprodução do texto legal, sem o real apontamento da necessidade da pedida, através do perigo que a liberdade poderia ocasionar ao processo, atos estes que violam os preceitos constitucionais já mencionados.

            A medida cautelar é meramente a ferramenta posta a uso da jurisdição, como forma de impedir que o meio ou fim do processo não seja inviabilizado ou indevidamente alterado pelo réu, caso este realmente se mostre, através de fundada motivação, pendente à realizar atos convergentes para tal fim.

            A extensão da decisão, ou seja, sua fundamentação, em contrapartida com a exigência de que seja feita, não é regulamentada, bastando que “o magistrado demonstre o preenchimento dos requisitos legais, extraídos dos autos do inquérito ou do processo, que contribuíram para a formação do seu convencimento” [9], como assevera Nestor Távora. Este mesmo doutrinador ainda completa: “Se não houver tal amparo, estando o requerimento (de prisão) baseado em especulações, a toda evidência, não poderá o magistrado valer-se de tais elementos, e se o fizer, a prisão será ilegal.” [10]

Como se observa, as palavras de Nestor Távora compactuam com esta análise proposta, aqui, já que ainda há por parte dos magistrados o requerimento da prisão preventiva por motivos não embasados, característica esta facilmente constatada quando do acompanhamento da prática forense. Ao que aparenta, não houve reforma alguma. A mentalidade judiciária permanece a mesma.

Neste condão, temos que a Lei 12.403/2011 veio com o preceito de determinar a liberdade como regra, e a prisão como a exceção, reforçando o inciso LXI do artigo 5º da Carta Magna.

Em contrapartida, diante do panorama constitucional em pauta desde 1988, é importante ressaltarmos que a Lei não trouxe consigo a intenção de determinar profundas alterações no que já se tem em termos de legislação penal. O maior triunfo do novo texto legal instituído é ter deixado expresso tudo aquilo há muito já deveria ter sido posto em prática de forma recorrente pelos juízes e tribunais deste país.

Sendo assim, e tendo os preceitos constitucionais em pauta, não há porque admitirmos que, cautelarmente, - e antes da instituição da nova Lei -, um acusado por um crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima não superior a quatro anos, dentre outros crimes, pudesse ter sua prisão preventiva decretada, sendo que, consoante o Art. 44 do Código Penal, ao final do processo em curso, pudesse ter sua pena privativa de liberdade convertida em uma pena restritiva de direito.

Ora, na situação acima teríamos encarcerado o réu, para, transitado em julgado o processo, pô-lo em liberdade novamente.

O princípio da proporcionalidade aqui, então, em época anterior à lei, sofria severas violações, e isto que analisamos apenas uma das diversas possibilidades de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito, pois tivesse sido realizada uma extensão da análise, certamente encontraríamos uma abusividade de enormes proporções em situações semelhantes.

Voltarei a falar sobre o aspecto de encarceramento do réu pouco mais adiante, passando, agora, a analisar o aspecto das medidas cautelares, introduzido pela nova Lei.

 

  1. 5.      AS MEDIDAS CAUTELARES COMO POSITIVAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

As medidas cautelares, diversas da prisão, foram determinadas pelo Art. 319 do CPC, o qual teve redação dada pela Lei 12.403/2011, sendo elas formas, ao meu ver, de evitar a utilização das já supracitadas decisões que violam o devido processo legal, a ampla defesa e a presunção de inocência. São elas:

 

“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades

 

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

 

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

 

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

 

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

 

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

 

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

 

IX - monitoração eletrônica.”

 

A aplicabilidade da prisão preventiva, agora, portanto, só é cabível com fundamentada decisão acerca das razões pela qual as medidas cautelares, menos gravosas, se mostram insuficientes para a garantia do processo. Como observado, o rol das medidas cautelares se mostra bastante satisfatório a apresentar medidas diversas à prisão, como garantia do processo e das pessoas nele envolvidas.

Houve um descuido legal quando da decretação da possibilidade de arbitramento da fiança, em valores mais altos, porém utilizando-se do salário mínimo como referência de reajuste, haja vista a vedação de sua vinculação a qualquer título, mas não há porque desmerecermos todo o texto com base neste fato.

Ao deixar de ser submetido à prisão preventiva, que certamente seria cumprida na própria penitenciária em desfavor dos presídios (em clara contrapartida ao disposto no Art. 87 da Lei de Execução Penal), o réu tem por resguardados seus direitos positivados pela Constituição de 1988, e, em caráter ainda mais positivo, não tem o contato com os verdadeiros criminosos que lá estão, ainda que em situação degradante – esta, em completa afronta ao princípio da dignidade humana, haja vista a superlotação de presídios e penitenciárias) -, acabando por também resguardar que seja ‘contaminado’ pela violência e cultura que prevalece em nossas prisões.

Infelizmente o sistema carcerário brasileiro não é dotado da característica de reforma e tratamento. Reveste-se de caráter punitivo, funcionando apenas para a formação de novos criminosos, devido à convivência de condenados em crimes tidos como simples, com os verdadeiros criminosos, entre eles, traficantes, assaltantes de banco, sequestradores, etc.

Ao deixar de residir neste ambiente, mesmo que provisoriamente, temos por garantido os direitos do Artigo 5º da Constituição ao réu que, mesmo que apenas até o trânsito em julgado, possa ser considerado inocente até que esteja perfeitamente caracterizada sua culpa.

 

  1. 6.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

As alterações trazidas pela Lei 12.403/2011, ainda que tardias, foram muitíssimo bem recepcionadas, justamente para possibilitar que se evite que absurdos com os relatados acima, dentre tantas outras formas que ainda ocorrem no Direito brasileiro, possam continuar em vigência.

 O Brasil, com uma população carcerária de quase 500.000 presos, tem, destes, 219.000 provisórios, o que representa cerca de 43% do total. [11]. Dentre estes, certamente há milhares de inocentes, erroneamente e cautelarmente imitidos ao encarceramento, esquecidos e sem possibilidade de revisão, ou por serem analfabetos, ou por não possuírem condições financeiras de financiar um bom advogado para lutar por sua liberdade, dentre tantos outros motivos.

Destes milhares, outra grande porcentagem constitui-se de cometedores de infrações, dentro da proporcionalidade e razoabilidade, simples, que foram obrigados a se verem juntos de grandes criminosos, que acabaram por contaminar o ambiente à sua volta, formando e tornando estes pequenos contraventores em potenciais criminosos.

O princípio da dignidade humana, disposto no Artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, deve ser o basilar para reger as leis e sua aplicabilidade, bem como para se avaliar o sistema brasileiro como um todo, e caso nos utilizemos desta para lançarmos uma análise sobre o sistema carcerário e sua população preventivamente presa, certamente concluiremos por olhar para uma parte falha de nossa Constituição, onde certamente é mais fácil fecharmos os olhos e fingirmos que nada de errado está acontecendo, a justamente utilizarmo-nos dos meios legais para positivar tudo aquilo que o ordenamento jurídico vigente originalmente se propôs.

Sem dúvida alguma, as prisões temporárias e preventivas, dentre tantas outras existentes no ordenamento jurídico, são e sempre o foram medidas excepcionais. Nunca foi necessária a existência da Lei 12.403/2011 para que estas fossem assim consideradas. Ainda antes da edição desta lei, a prisão temporária e a preventiva somente deveriam ser decretadas quando imprescindíveis à persecução criminal, fosse em sede de inquérito policial, fosse em juízo, sempre observando a adequação e preenchimento dos requisitos legais para concessão de tal medida, como certeiro disposto por Fernando Capez:

 

“Sem preencher os requisitos gerais da tutela cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora), sem necessidade para o processo, sem caráter instrumental, a prisão provisória, da qual a prisão preventiva é espécie, não seria nada mais do que uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado e, isto sim, violaria o principio da presunção da inocência.” [12]

 

Ainda que não consensual e plenamente efetivada sua aplicabilidade, certamente veremos os benefícios trazidos pela nova Lei, tanto no âmbito do curto prazo quanto no do longo prazo, mas para isso seja instituído, será preciso lançar mão da análise igualitária das pessoas envolvidas no processo, sejam elas autores, réus, condenados, investigados ou meramente processados, sendo todos estes tratados como pessoas titulares de direito, e não apenas como objetos inanimados e merecedores de uma vida de privações na penitenciária.

 

 

  1. 7.      REFERÊNCIAS

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 5 nov. 2011.

 

BRASIL, Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 5 nov. 2011.

 

BRASIL, Lei nº 5.349, de 03 de novembro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L5349.htm>. Acesso em: 5 nov. 2011.

 

BRASIL, Lei nº 6.416, de 24 de maio de 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6416.htm3>. Acesso em: 5 nov. 2011.

 

BRASIL, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm>. Acesso em: 5 nov. 2011.

 

BRASIL, Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8884.htm>. Acesso em: 5 nov. 2011.

 

BRASIL, Lei nº 11.884, de 11 de junho de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 5 nov. 2011.

 

BRASIL, Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12403.htm>. Acesso em: 5 nov. 2011.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal – parte geral. 6ª edição rev., vol. 01., São Paulo:Saraiva, 2001.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, 5ª edição, São Paulo:Atlas, 1997.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

 

POLATO, Amanda; NOVAES, Marina. Nova lei cria alternativas à prisão provisória e mais de 200 mil casos devem ser revistos. Disponível em: <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/nova-lei-cria-alternativas-a-prisao-provisoria-e-mais-de-200-mil-casos-devem-ser-revistos-20110702.html>. Acesso em 5 nov. 2011.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2003, v III.

 

 

  1. 8.      NOTAS

[1] Acadêmico do 7º período do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Trabalho elaborado na disciplina de Direito Processual Penal I, com a orientação do professor Mário Saveri Liotti Duarte Raffaele. Publicação: nov/2011.

 

[2] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 477.

 

[3] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 478.

 

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 605.

 

[5] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 479.

 

[6] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, 5ª edição, São Paulo:Atlas, 1997. p. 417

 

[7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2003, vIII, p.509.

 

[8] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 478.

 

[9] Idem, ibid., p. 485.

 

[10] Idem, ibid.

 

[11] POLATO, Amanda; NOVAES, Marina. Nova lei cria alternativas à prisão provisória e mais de 200 mil casos devem ser revistos. Disponível em <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/nova-lei-cria-alternativas-a-prisao-provisoria-e-mais-de-200-mil-casos-devem-ser-revistos-20110702.html>. Acesso em 5 nov. 2011.

 

[12] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal – parte geral. 6ª edição rev., vol. 01., São Paulo:Saraiva, 2001. p. 230.



[1] Acadêmico do 7º período do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Trabalho elaborado na disciplina de Direito Processual Penal I, com a orientação do professor Mário Saveri Liotti Duarte Raffaele. Publicação: nov/2011.

[2] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 477.

[3] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 478.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 605.

[5] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 479.

[6] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado, 5ª edição, São Paulo:Atlas, 1997. p. 417.

[7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva. 2003, vIII, p.509

 

[8] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009, p. 478.

[9] Idem, ibid., p. 485.

[10] Idem, ibid.

[11] POLATO, Amanda; NOVAES, Marina. Nova lei cria alternativas à prisão provisória e mais de 200 mil casos devem ser revistos. Disponível em <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/nova-lei-cria-alternativas-a-prisao-provisoria-e-mais-de-200-mil-casos-devem-ser-revistos-20110702.html>. Acesso em 5 nov. 2011.

[12] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal – parte geral. 6ª edição rev., vol. 01., São Paulo:Saraiva, 2001. p. 230.